Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
28525/22.0T8LSB-B.L1-8
Relator: AMÉLIA PUNA LOUPO
Descritores: INCIDENTE DE CAUÇÃO
PRESTAÇÃO ESPONTÂNEA
DECISÃO
RECURSO
ADMISSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: IA decisão prevista no artº 908º CPC, aplicável também aos casos de prestação espontânea de caução (cfr. artº 913º nº 3) e ao incidente de prestação de caução (cfr. artº 915º nº 1 CPC), decide da procedência do pedido, seja o pedido no âmbito do processo especial, seja o pedido no âmbito do incidente.

IIÉ essa decisão que aprecia e decide da existência do direito à prestação de caução e ela poderá ser de improcedência ou de procedência do pedido (fixando neste último caso o valor a caucionar); trata-se da decisão que decide a causa no caso do processo especial, ou que decide o incidente se se estiver em presença de caução com natureza incidental, seguindo-se-lhe depois uma fase que tem o exclusivo objectivo de implementar o direito reconhecido.

IIIEssa decisão é recorrível nos termos dos artºs 629º nº 1 e 644º nº 1 al. a) do CPC.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


Veio a Recorrente “…, Lda” reclamar para a conferência do despacho da Relatora, datado de 16/02/2024, que decidiu não conhecer do recurso por si interposto rejeitando-o por o julgar intempestivo.

Na reclamação apresentada alinhou as seguintes
Conclusões
«1-Não pode a aqui Reclamante conformar-se com a douta Decisão Singular, que decidiu pela rejeição do Recurso por si interposto perante este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, uma vez que, o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da decisão final do incidente de prestação de caução.
2-Até porque e note-se, de acordo com o disposto no art.º 911 do Código de Processo Civil Fixado o valor que deve ser caucionado e a espécie de caução, esta julga-se prestada depois de efetuado o depósito ou a entrega de bens, ou averbado como definitivo o registo da hipoteca ou consignação de rendimentos, ou após constituída fiança”.
3-Assim sendo, a decisão final do incidente de prestação de caução é aquela que julga a caução validamente prestada, ou não validamente prestada, como foi o caso em apreço.
4-Ora, o Tribunal a quo proferiu a decisão final do incidente da prestação de caução em 13/11/2023, presumindo-se a Reclamante notificada em 16/11/2023, pelo que o prazo de 15 dias se esgotaria em 04/12/2023.
5-De facto e clarifique-se, que o recurso deu entrada em 27/11/2023, pelo que é o mesmo tempestivo, devendo ser admitido.
6-Ora, o Tribunal de 1ª instância pronunciou-se nesse mesmo sentido ao admitir o recurso por despacho com data certificada no sistema de 09/01/2024.
7-Não obstante, a Recorrida na sua resposta à notificação do recurso alegar a intempestividade do mesmo, o certo é que a mesma aceita expressamente que a decisão final do incidente de prestação de caução é aquela que julga a caução não validamente prestada ao pronunciar-se pelo prosseguimento da execução no requerimento com referência Citius 47150489.
8-Destarte, afigura-se claro que, no caso sub judice, a decisão final do incidente da prestação de caução foi proferida em 13/11/2023, presumindo-se a Reclamante notificada a 16/11/2023, pelo que o prazo de 15 dias de recurso se esgotaria em 04/12/2023, logo o mesmo é tempestivo.
9-Dúvidas não existem que, no caso em apreço, não se encontra precludido o direito de recurso por parte da ora Reclamante e que a decisão recorrida não está transitada em julgado, pelo que deve este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa admitir o recurso interposto pela Reclamante, como é da mais elementar Justiça.».
A Recorrida pugnou pelo indeferimento da reclamação com a manutenção do decidido.
Nos termos previstos no artº 652º nº 3 do CPC, a parte que se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão.
Com dispensa de vistos (obtida a concordância das Exmas Adjuntas), importa, então, decidir em conferência.
A questão que se coloca na reclamação sob apreciação consiste em saber se o despacho da Relatora deve ser alterado e, em consequência, substituído por outro que admita o recurso interposto pela ora reclamante.

II–FUNDAMENTAÇÃO

A – De Facto

A factualidade relevante é de índole processual e é a seguinte:
1–Por apenso à execução a executada, ora Reclamante, requereu a prestação de caução para suspensão da execução e substituição da penhora de um imóvel, mediante depósito no valor de € 8.000,00.
2–Exercido o contraditório, a exequente impugnou o incidente, em essência invocado que € 8.000,00 era o valor da quantia exequenda à data de interposição da acção executiva, devendo àquele valor acrescer € 200,00 diários da sanção pecuniária compulsória até integral cumprimento do decretado na sentença que constitui o título executivo.
3–Por decisão de 26/10/2023 foi apreciada a pretensão da executada e decidido determinar a prestação de caução mediante depósito no valor de € 8.000,00 acrescido de € 200,00 diários desde 14/10/2022.
4–Essa decisão foi notificada à executada, juntamente com a liquidação do valor a caucionar, por notificação com data certificada no sistema citius de 27/10/2023.
5–Por requerimento de 09/11/2023 a executada informou nos autos que atento o valor líquido a caucionar não lhe seria possível prestar a caução.
6–Em 13/11/2023 foi proferido despacho do seguinte teor “Não se julga validamente prestada a caução”.
7–Em 27/11/2023 a executada apresentou requerimento de interposição de recurso tendo por objecto a decisão de 26/10/2023.
8–Nas contra-alegações a Recorrida, a título de questão prévia, arguiu a intempestividade da interposição do recurso.
9–O Tribunal de 1ª instância admitiu o recurso por despacho no qual, acerca da tempestividade, decidiu «Relativamente ao prazo para interposição do recurso no nosso entendimento – naturalmente salvo melhor e superior opinião – a decisão final do incidente de prestação de caução é aquela que julga a caução validamente prestada, ou não validamente prestada, como foi o caso (cfr. o art. 911 do C. P. Civil).
Tendo sido tal decisão proferida em 13.11.2023, presume-se a executada/requerente notificada em 16.11.2023, pelo que o prazo de 15 dias (considerando a natureza urgente da prestação de caução para a suspensão da execução - art. 915 nº. 2 do C. P. Civil) se esgotaria em 4.12.2023.
Tendo o recurso dado entrada em 27.11.2023, é o mesmo tempestivo, considerando o prazo de 15 dias para a interposição do mesmo, dada a referida natureza urgente, conforme o art. 638 n. 1 do C. P. Civil».
10–Apresentados os autos neste Tribunal, foi pela Relatora proferido despacho em 01/02/2024 apresentando os motivos pelos quais se antevia a rejeição do recurso por intempestividade e foi ordenado o cumprimento do contraditório em respeito pelos artºs 3º nº 3 e 655º CPC.
11–A Recorrente, ora reclamante, argumentou no sentido da tempestividade do recurso, em essência com fundamento em que a decisão final do incidente é de 13/11/2023 e contado o prazo de interposição de recurso a partir da data em que produziu efeitos a sua notificação à Recorrente o recurso por si interposto tem de considerar-se tempestivo.
12–Em 16/02/2024 foi pela Relatora proferido despacho que decidiu não conhecer do recurso, rejeitando-o por o julgar intempestivo.
É este o despacho reclamado.

BDe Direito

Como se referiu supra, cumpre apenas decidir se deve ser mantido o despacho que rejeitou o recurso interposto pela executada/reclamante.
Nenhum argumento/fundamento novo foi aduzido na reclamação que importe uma nova ou diferente abordagem quanto á tempestividade do recurso, e em nosso entender o despacho reclamado deve ser mantido pelos exactos fundamentos e argumentos nele já expendidos, pelo que, por razões de economia processual e a fim de evitar repetições desnecessárias, aderimos e reiteramos os seus termos que aqui passamos a transcrever:
«(…)
A primeira consideração a fazer é a de que as alegações são claras e expressas quanto a que a decisão recorrida é a que data de 26/10/2023, e o prazo para interposição do recurso, no caso de 15 dias, conta-se a partir da notificação da decisão de que se recorre. É quanto dispõe o artº 638º nº 1 CPC.
Tanto bastaria para afastar a argumentação da Recorrente, revelando a intempestividade do recurso interposto em 27/11/2023.
Contudo, face à sua argumentação diremos ainda algo mais.
Na nossa lei processual civil existem processos especiais que na sua tramitação contêm uma fase inicial de definição do direito e uma fase ulterior de execução prática ou de concretização do direito previamente definido na qual, designadamente, se delimita e quantifica a amplitude do direito cuja existência foi preliminarmente reconhecida.
São disso exemplos característicos a acção de divisão de coisa comum e a prestação de contas.
Mas tal também ocorre com o processo especial de prestação de caução, cuja tramitação é aplicável às situações em que a prestação de caução tem natureza incidental (cfr. artº 915º CPC).
A sua tramitação está marcada no início pela resolução da questão de saber se aquele que se apresenta a requerer a prestação da caução a pode prestar porque a lei o permite ou se aquele contra o qual é requerida a prestação da caução a deve prestar porque - caso a não preste - a lei lhe impõe um ónus danoso. E decidida afirmativamente essa questão, mediante o reconhecimento do direito à prestação de caução e inerente procedência do respectivo pedido, haverá então lugar à fase subsequente destinada a implementar o direito reconhecido (neste sentido e mantendo, a este respeito, actualidade, cfr. Acórdão do STJ de 18/05/1999, proc. 99B267, Cons. Noronha do Nascimento, disponível em www.dgsi.pt)

É essa decisão que aprecia e decide da existência do direito à prestação de caução e ela poderá ser de improcedência ou de procedência do pedido, neste último caso fixando o valor da caução (cfr. por todos António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa in Código do Processo Civil Anotado, em anotação 2 ao artº 908º).
Trata-se da decisão prevista no artº 908º CPC, aplicável também aos casos de prestação espontânea de caução (cfr. artº 913º nº 3) e ao incidente de prestação de caução (cfr. artº 915º nº 1 CPC) a qual, como o preceito expressa, decide da procedência do pedido, seja o pedido no âmbito do processo especial, seja o pedido no âmbito do incidente.
No caso essa decisão é a que foi proferida em 26/10/2023, definindo a existência do direito à prestação de caução, reconhecendo-o e fixando o valor a prestar.
Essa é a decisão que decide a causa no caso do processo especial, ou que decide o incidente se se estiver em presença de caução com natureza incidental, seguindo-se-lhe depois uma fase que tem o exclusivo objectivo de implementar o direito reconhecido.
A decisão do incidente de prestação de caução, como vimos aquela que se pronuncia sobre a procedência do pedido nele formulado e fixou o valor a caucionar, é uma decisão recorrível nos termos dos artºs 629º nº 1 e 644º nº 1 al. a) do CPC, que no caso reveste natureza urgente (cfr. disposições conjugadas dos artºs 733º nº 1 al. a) e 915º nº 2 CPC); e essa decisão data de 26/10/2023, sendo o recurso expresso quanto a ser ela que constitui objecto do mesmo.
Notificada essa decisão à executada (na pessoa do seu mandatário), juntamente com a liquidação do valor a caucionar, por notificação com data certificada no sistema de 27/10/2023 a executada presume-se notificada em 30/10/2023 (cfr. disposições conjugadas dos artºs 247º nº 1 e 248º nº 1 CPC) nada tendo sido alegado que afaste a aplicação dessa presunção legal.
Iniciado assim o prazo de interposição de recurso a 31/10/2023, e tendo em vista tratar-se, no caso, de incidente a que a lei atribui natureza urgente (cfr. disposições conjugadas dos artºs 733º nº 1 al. a) e 915º nº 2 CPC), o prazo para interposição de recurso seria de 15 dias (cfr. artºs 638º nº 1 e 644º nº 1 al. a) CPC), esgotando-se a 14/11/2023.
Tendo o recurso sido interposto em 27/11/2023, o mesmo é intempestivo, circunstância que obsta ao seu conhecimento.
Assim, pelas razões acima expostas, e a coberto do disposto no artº 652º nº 1 al. b) CPC, decide-se não conhecer do recurso.
(…)».
Assim, por estes precisos fundamentos, aos quais aderimos e que reiteramos, concluímos pela intempestividade do recurso e entendemos ser de confirmar o despacho da Relatora. 

IIIDECISÃO

Pelos fundamentos expostos, acorda-se em conferência em desatender a reclamação apresentada pela Reclamante, mantendo-se o despacho reclamado, com a rejeição do recurso por intempestividade.
Custas pela Reclamante.
Notifique.


Lisboa, 04/04/2024


Amélia Puna Loupo - (Relatora)
Teresa Catrola - (1ª Adjunta)
Cristina Lourenço - (2ª Adjunta)