Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17548/19.7T8LSB.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
INSCRIÇÃO NO REGISTO PREDIAL
ADMISSIBILIDADE
RECUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Não existe previsão legal que legitime a sujeição à inscrição no registo predial da acção judicial de inventário, ainda que com o objectivo, de cariz prático, de acautelar a não produção dos efeitos translativos quanto aos bens legados pelo de cujus e sujeitos à provável redução por inoficiosidade dos respectivos actos de disposição mortis causa.
II – Através da instauração do processo de inventário visa-se, em termos essenciais, proceder à definição dos sucessores do de cujus; à divisão do património hereditário; e ao apuramento da responsabilidade pelo passivo da herança, sendo que a própria herança constitui uma universalidade de direito, ou seja, uma entidade jurídica abstracta e diferente de cada um dos elementos patrimoniais concretos que a integram.
III - Não há, neste sentido, logicamente, aquando da instauração do processo, a verdadeira dedução de qualquer pretensão pelo requerente do inventário de constituição ou modificação de direitos reais sobre imóveis concretos e determinados que devam ser sujeitos a inscrição predial, não sendo, nesse momento processual, os bens que se integram o acervo hereditário objecto de modificação ou alteração no que se refere à sua titularidade, para além da transferência patrimonial de carácter global que decorre em termos gerais do próprio fenómeno sucessório, em conformidade com o disposto no artigo 2024º do Código Civil.
IV - O próprio direito do herdeiro (qualidade que reveste o ora apelante) incide sobre uma quota ideal sobre a herança e não sobre bens ou direitos concretos e pré-determinados (cfr. artigo 2030º, nº 2, do Código Civil), sendo certo que, como decorre dos termos do artigo 5º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil, não se encontram sujeitas a registo as acções que não respeitam a prédios determinados, como sucede, precisamente, com a simples pendência do processo de inventário para divisão do património hereditário.
V- Ao instaurar a referenciada acção de inventário e sem que tenha tido lugar qualquer partilha, o apelante não pode arrogar-se qualquer tipo de direito à titularidade de bens concretos e determinados que integrem a herança (os quais podem vir ou não a ser-lhe adjudicados na fase posterior da partilha), a que acresce a circunstância da eventual redução de qualquer liberalidade realizada pelo de cujus por via do instituto da inoficiosidade, constituir uma mera possibilidade sem virtualidade alguma para habilitar à sujeição do processo de inventário à inscrição no registo predial, não comportando o processo de inventário, como elemento estruturante e típico, a dedução de um pedido inicial de redução de liberalidades inoficiosas, sem prejuízo dessa mesma matéria jurídica vir a ser apreciada incidentalmente no momento processual próprio (o artigo 1118º do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção).

I – RELATÓRIO.
A [ João ….. ]  requereu a inscrição no registo predial da acção de inventário por herança com o n.° 5834/18, em que é inventariada B [ Joana ….. ]; requerente C [ João ….. ] e cabeça de casal D  [ Joana …….  ] - fls. 124 a 127.
O pretendido registo foi recusado, “porquanto o facto não se mostra titulado nos documentos apresentados”, nos termos dos artigos 43.°, 68.° e 69.°, n.° 1, alínea b) do Código de Registo Predial - fls. 95 e 96.
Notificado, apresentou impugnação judicial da decisão de recusa do registo de acção, da Exm.â Conservadora da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, nos termos do disposto nos artigos 140.° e seguintes do Código de Registo Predial.
Foi proferido despacho de sustentação, nos termos do disposto no artigo 142.°- A, n.°1 do Código de Registo Predial (fls. 4 a 6).
O Ministério Público emitiu parecer, a fls. 106 e seguintes, no sentido de se manter o despacho recorrido, julgando-se improcedente a impugnação judicial apresentada (cfr. fls. 134 a 136).
Foi proferida decisão que julgou improcedente, no seu todo, o recurso contencioso interposto por A (cfr. fls. 137 a 142).
Apresentou o requerente recurso desta decisão, o qual foi admitido (cfr. fls. 189).
Juntas as competentes alegações, a fls. 148 a 172, formulou o apelante as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida não está juridicamente correcta, porquanto
2. Não respeita a aplicabilidade do C.R.P.,
3. Nem atribui ao A., ora Apelante, as garantias e a segurança que o registo predial deve conceder face ao comércio jurídico imobiliário;
4. O que se devia verificar, porquanto
5. O registo predial é o meio de prova das ocorrências e factos que originaram ou modificaram situações jurídicas referentes a imóveis;
6. O processo de inventário é uma acção judicial embora com tramitação especial sui generis;
7. Não sendo um processo administrativo trâmitado nos Cartórios Notariais;
8. O processo de inventário é um processo litigioso que
9. Pode envolver imóveis e respectivos direitos de propriedade;
10. O processo de inventário é o único meio possível onde pode ocorrer redução de legados atribuídos por uma doadora em testamento e
11. Era à data do falecimento desta – 1 de Janeiro de 2016 - a única tramitação legal possível a instaurar em Cartório Notarial;
12. O que foi realizado pelo A., ora Apelante, para defender os seus interesses,
13. Constituídos pelo preenchimento na herança de sua falecida Mãe e Inventariada da sua quota legitimária na qualidade de filho e
14. Pela necessidade de ser declarado inexistente um legado atribuído em compropriedade com outro herdeiro e não aceite por este - nem a tal é obrigado -, em manifesta violação dos arts0 2163° e 1412° n° 1 do Código Civil;
15. Tais litígios só podem ser dirimidos através do processo de inventário;
16. que o A., ora Apelante, fez dentro do prazo legal;
17. No processo de inventário compete ao Meritíssímo Juiz da Comarca do Cartório Notarial onde decorrer o processo de inventário não só o controlo e fiscalização do mesmo processo, como também tem a seu cargo a decisão final;
18. Para além de outras questões, como seja a homologação da partilha constante do Mapa de Partilhas e nas operações de sorteio ou venda, para além da intervenção na fase de recurso;
19. Por outro lado, aplica-se também ao processo de inventário, subsidiariamente, o C.P.C. não dependendo a tramitação exclusivamente da liberdade do Notário e do Cartório Notarial;
20. Se o processo de inventário não fosse uma acção judicial e fosse exclusivamente notarial, estaríamos perante situações de inconstitucionalidade, por violação do art° 205° da Constituição da República Portuguesa;
21. Dado que apenas aos Tribunais cabe a função jurisdicional;
22. Mesmo a tramitação estabelecida com a Lei n° 23/2013 de 5 de Março reproduz na sua maior parte o C.P.C. na sua anterior versão do processo judicial de inventário;
23. Há diversos Acórdãos que entenderam ser o processo de inventário uma acção judicial embora sui generis, quer do STJ quer do Tribunal da Relação do Porto;
24. Tanto assim é, que no processo de inventário há um poder hierárquico do Meritíssimo Juiz sobre o Notário;
25. No fundo, o Notário limita-se a realizar praticamente as tarefas que antes pertenciam à Secretaria Judicial através dos seus funcionários, como é o caso, por exemplo, das notificações, das declarações de Cabeça de Casal e a organização do Mapa de Partilhas;
26. A atribuição de competência aos Cartórios Notariais no âmbito do processo de inventário foi no sentido de descongestionar os Tribunais em nome de uma pretensa celeridade, reduzindo as tarefas meramente administrativas;
27. O que não foi conseguido por falta de resposta dos Cartórios Notariais e da falta de capacidade destes para a realização da competência especializada para a tramitação exigida;
28. Daí que nova legislação tenha sido publicada no sentido de a partir de 1 de Janeiro de 2020 os processos de inventário possam ser de novo tramitados nos Tribunais;
29. Não deviam ter sido considerados os fundamentos da Conservatória do Registo Predial, porquanto
30. O facto a registar encontrava-se titulado nos documentos entregues com o Requerimento inicial de Inventário e nos factos constantes dos mesmos;
31. Requerimento inicial esse que corresponde à petição inicial do anterior processo de inventário, reformulado oficialmente;
32. E onde determinados factos ou questões deixaram de ser considerados por ter sido entendido ser desnecessário, uma vez que constam sempre dos documentos anexos cuja junção se verifica e
33. Donde constam todas as menções obrigatórias que sejam requisitos do título a registar;
34. Que o A., ora Apelante, cumpriu;
35. Nem podia o ora Apelante juntar aos autos relativos ao pedido inicial outros documentos ou meios de prova;
36. No processo de inventário o pedido é sempre a partilha dos bens da herança;
37. Envolvendo ou não bens imóveis e outras questões imobiliárias, como é o caso dos autos e do inventário aí referido;
38. A questão não foi correctamente analisada pelo Douto Tribunal a quo e
39. Ao ser o processo de inventário uma acção também judicial, a mesma podia ser passível de registo na Conservatória do Registo Predial nos termos dos arts.0 2° e 3o do C.R.P.;
40. Não há, por tal razão e fundamento qualquer impedimento ao registo não podendo invocar-se os arts.0 43°, 68° e 69 0 n° 1 do C.RP. para obstar ao referido registo;
41. Por outro lado, não é verdade que o processo de inventário não é uma acção que tenha por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou extinção dos direitos sujeitos a registo na Conservatória do Registo Predial;
42. Pode não ter tal fim, mas também pode tê-lo se existirem bens imóveis e questões litigiosas em relação aos mesmos;
43. A questão do direito a uma quota ideal do herdeiro em relação ao acervo hereditário não está em causa no processo;
44. Nem que os herdeiros não são titulares de quotas ou bens concretos até â partilha;
45. No caso dos autos o herdeiro [ ... Joaquim ...] entende que não há herança indivisa;
46. Para ele, o testamento concretizou uma transmissão hereditária e deu-lhe o direito de obter um registo na Conservatória, concreto e definitivo sobre certo bem, mesmo em compropriedade;
47. Há um registo abusivo e realizado sem o consentimento, autorização ou sequer conhecimento do A., ora Apelante, em relação também a ele mesmo;
48. Tal registo foi realizado com base em doação inexistente que só pode ser posta em causa no processo de inventário;
49. Estão em causa direitos de propriedade e estes são registáveis na Conservatória;
50. É necessário limitar os mesmos até obtenção de uma sentença transitada em julgado,
51. A fim de se evitar que o herdeiro que realizou o registo, dito abusivo, possa alienar o bem ou mesmo onerá-lo, com todos os prejuízos daí resultantes;
52. Tal registo ocorreu antes da instauração do processo de inventário quando o autor do registo já sabia que não havia acordo com o A., ora Apelante, em relação à partilha e até em relação ao legado em compropriedade,
53. Não podendo o mesmo produzir efeitos;
54. Logo, está em causa a propriedade de um bem imóvel e não a contitularidade do mesmo, nem um direito sobre o conjunto da herança;
55. Há um registo definitivo e abusivo que só pode ser posto em causa pelo processo de inventário que é obrigatório nestes casos;
56. Houve transmissão na Conservatória da propriedade - de forma definitiva e sem ónus - com base em legado cuja inexistência só no processo de inventário pode ser declarado como tal;
57. facto inexistente é aquele que não existe;
58. Não existindo, não provoca direitos;
59 – O acto de registo do herdeiro em causa e a sentença de processo de inventário envolvem actos e factos que configuram alterações dos direitos de propriedade do bem imóvel em causa inscrito na matriz predial n° XXXX da freguesia de Montargil;
60 – O bem em causa tem de reintegrar o acervo hereditário da falecida doadora, tendo em vista a partilha e
61 – O preenchimento da quota legitimária do A., ora Apelante, que é indisponível e lhe pertence na herança de sua falecida Mãe;
62– O processo de inventário peticionado pelo A., ora Apelante, é uma acção que tem por fim, principal ou acessório conforme se entenda, direitos de propriedade em relação a bens imóveis concretos e
63. Como tal, está abrangida pelas acções referidas no art° 3o n° 1 alíneas a) e b) do C.R.P. e também pelo art° 2o n° 1 alíneas a) e q) do mesmo diploma;
64. registo da referida acção é a única hipótese de obstar e afectar a livre disposição ou oneração do imóvel por parte do herdeiro que procedeu ao registo abusivo a seu favor
65. O herdeiro deve ser limitado na sua conduta em relação aos bens em causa, porquanto
66 – A previsível declaração de inexistência do legado em relação ao bem imóvel em causa, envolve a propriedade do mesmo e o registo subsequente realizado deste, com todas as consequências;
67 – Os fundamentos deduzidos pelo Sr. Conservador do Registo Predial careciam e carecem de sustento legal e deviam ter sido julgados improcedentes pelo Douto Tribunal a quo;
68 - Ao não sê-lo, entende o ora Apelante que deve ser realizada JUSTIÇA até porque a questão ora em recurso lhe parece ser de superior interesse para aplicação do Direito e, como tal, deve ser devidamente ponderada tendo em consideração futuros casos que não deixarão de existir;
69 - Entende-se que a decisão recorrida enferma de manifesto erro de julgamento;
70 – De facto, o A., ora Apelante cumpriu, ao entregar os documentos no Requerimento Inicial, o estabelecido no art° 43° do C.R.P. sendo comprovados os factos a registrar;
71 – A viabilidade do registo era manifesta face à prova documental junta e às disposições legais aplicáveis e dado que não se verificava nenhum dos casos previstos no art° 69° n° 1 do C.R.P., não se violava o princípio da legalidade nem o art° 68° do C.R.P.;
72 – O despacho de fundamentação do Sr. Conservador não estava devidamente fundamentado,
73 – Quando o devia ter sido, pelo que era nulo, face ao art° 615° n° 1 alínea b) do C.P.C.;
74 – Despacho esse que o A., ora Apelante, só teve conhecimento na pendência dos presentes autos;
75 – O herdeiro [ ... Joaquim ...] consta do processo de inventário através dos documentos anexos;
76 – Do processo de inventário constam e estão identificados todos os intervenientes no mesmo, considerando os documentos anexo.
77. pedido no processo de inventário é do conhecimento oficioso dado constituir um pedido único que consiste na partilha dos bens da herança;
78. O pedido em causa até foi complementado pelo A., ora Apelante, no processo de inventário, conforme Doc. n° 10 da petição e respectiva certidão;
79. O Sr. Conservador ignorou todos os documentos anexos ao Requerimento Inicial e que fazem parte dele;
80. No processo de inventário as Partes são os herdeiros, sendo um ou mais o Requerente/Autor e os demais restantes os Requeridos/Réus;
81. É irrelevante para efeitos de registo a identificação da pessoa adquirente do imóvel no caso dos autos e dos seus adjudicatários, o que só se coloca após a partilha;
82. A Conservatória só tem de proceder ao registo da acção em nome do Requerente/Autor e aguardar a sentença final transitada em julgado;
83. Não se verificou, portanto, qualquer violação dos arts.0 43°, 68° e 69° n° 1 alínea b) do C.R.P.;
84. Tendo-se verificado, isso sim, violação dos arts.0 615° n° 1 alínea b) e do art°. 608° n° 2 do C.P.C. e ainda
85. Os arts.0 2o n° 1 alíneas a) e b) e 3o n° 1 alíneas a) e b) do C.R.P.;
86. que determinará também que o processo de inventário quando envolver bens imóveis e respectivos direitos de propriedade poderá ser objecto de registo na Conservatória do Registo Predial.
Contra-alegou o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
II – FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
Inscrição registral de um processo de inventário. Alegação da probabilidade de redução de liberalidades inoficiosas. Invocação do risco de alienação dos bens legados pelo de cujus e consequente inutilização prático do funcionamento do instituto da redução por inoficiosidade.
Passemos à sua análise:
Consta da decisão recorrida:
“O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança jurídica do comércio jurídico imobiliário” - artigo 1.° do Código de Registo Predial.
Dando publicidade ao registo, a lei está a dar protecção a terceiros, em relação aos quais os factos sujeitos a registo não podem produzir efeitos a não ser após a data do registo respectivo, conforme determina o artigo 5.°, n.° 1 do Código de Registo Predial, tratando-se de uma imposição da própria segurança do comércio jurídico imobiliário.
Nos termos do artigo 2.°, n.° 1 do Código de Registo Predial estão sujeitos a registo:
a) Os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão;
b) Os factos jurídicos que determinem a constituição ou a modificação da propriedade horizontal e do direito de habitação periódica;
c) Os factos jurídicos confirmativos de convenções anuláveis ou resolúveis que tenham por objecto os direitos mencionados na alínea a);
d) As operações de transformação fundiária resultantes de loteamento, de estruturação de compropriedade e de reparcelamento, bem como as respectivas alterações
e) A mera posse;
f) A promessa de alienação ou oneração, os pactos de preferência e a disposição testamentária de preferência, se lhes tiver sido atribuída eficácia real, bem como a cessão da posição contratual emergente desses factos;
g) A cessão de bens aos credores;
h) A hipoteca, a sua cessão ou modificação, a cessão do grau de prioridade do respectivo registo e a consignação de rendimentos;
i) A transmissão de créditos garantidos por hipoteca ou consignação de rendimentos, quando importe transmissão de garantia;
j) A afectação de imóveis ao caucionamento das reservas técnicas das companhias de seguros, bem como ao caucionamento da responsabilidade das entidades patronais;
l) A locação financeira e as suas transmissões;
m) O arrendamento por mais de seis anos e as suas transmissões ou sublocações, exceptuado o arrendamento rural;
n) A penhora e a declaração de insolvência;
o) O penhor, a penhora, o arresto e o arrolamento de créditos garantidos por hipoteca ou consignação de rendimentos e quaisquer outros actos ou providências que incidam sobre os mesmos créditos;
p) A apreensão em processo penal;
q) A constituição do apanágio e as suas alterações;
r) O ónus de eventual redução das doações sujeitas a colação;
s) O ónus de casa de renda limitada ou de renda económica sobre os prédios assim classificados;
t) O ónus de pagamento das anuidades previstas nos casos de obras de fomento agrícola;
u) A renúncia à indemnização, em caso de eventual expropriação, pelo aumento do valor resultante de obras realizadas em imóveis situados nas zonas marginais das estradas nacionais ou abrangidos por planos de melhoramentos municipais;
v) Quaisquer outras restrições ao direito de propriedade, quaisquer outros encargos e quaisquer outros factos sujeitos por lei a registo;
x) A concessão em bens do domínio público e as suas transmissões, quando sobre o direito concedido se pretenda registar hipoteca;
z) Os factos jurídicos que importem a extinção de direitos, ónus ou encargos registados;
aa) O título constitutivo do empreendimento turístico e suas alterações.
Nos termos do artigo 3.° do mesmo Código, estão também sujeitos a registo:
a) As acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo anterior, bem como as acções de impugnação pauliana;
b) As acções que tenham por fim, principal ou acessório, a reforma, a declaração de nulidade ou a anulação de um registo ou do seu cancelamento;
c) As decisões finais das acções referidas nas alíneas anteriores, logo que transitem em julgado;
d) Os procedimentos que tenham por fim o decretamento do arresto e do arrolamento, bem como de quaisquer outras providências que afectem a livre disposição de bens;
e) As providências decretadas nos procedimentos referidos na alínea anterior.
No que concerne ao processo de registo, temos que só podem ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem (artigo 43.°, n.° 1 do Código de Registo Predial).
O Impugnante pretende o registo da acção de Inventário por herança que corre termos no Cartório Notarial de Évora sob o n.° 5834/18, relativamente a prédios rústicos e urbanos cujas inscrições junta.
Como refere a Sr.â Conservadora no despacho proferido, do documento apresentado - certidão do processo de inventário - não consta identificado o titular inscrito de seis prédios quanto aos quais o Requerente pretende o registo, pelo que inexiste documento que comprove o registo pretendido, nos termos e para os efeitos dos artigos 43.°, n.° 1, 68.° e 69.°, n.° 1, al. b), todos do Código de Registo Predial; logo, o pedido de registo não é viável.
Acresce que o processo de inventário, que actualmente não é uma acção judicial mas um processo que corre termos em Cartório Notarial, prevendo-se intervenção judicial nos termos do respectivo regime legal, não configura uma acção que tenha por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo 2.°, n.° 1 do Código de Registo Predial.
Na verdade, o processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária ou, não carecendo de se realizar a partilha, a relacionar os bens que constituem objecto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança (artigo 2.°, n.° 1 do Regime Jurídico do Processo de Inventário).
O processo de Inventário, seja na acepção do anterior regime ou do actual, independentemente do pendor mais ou menos jurisdicional, não é uma acção sujeita a registo. Ao contrário do que alega o Recorrente, não está em causa o direito de propriedade sobre qualquer bem, mas o término da comunhão hereditária e a partilha de bens da herança.
Na herança cada co-herdeiro tem direito a uma quota ou fracção ideal sobre o acervo dos bens que a integram, mas não sobre bens determinados; até à partilha os herdeiros não são titulares de quotas ou de bens concretos, mas de um direito sobre o conjunto da herança.
O quinhão hereditário do Recorrente não é um bem de que este seja proprietário e, até à partilha da herança, não há qualquer direito dos herdeiros a bens específicos da mesma, mas a um quinhão hereditário sobre uma universalidade de direito. Não pode, pois, no âmbito de processo de Inventário e com base neste, ser registada acção, aquisição ou outro direito relativamente a qualquer bem.
Atento o exposto, a posição e argumentação do Impugnante não merece acolhimento. O despacho recorrido não merece reparo e não padece de qualquer vício ou nulidade, pelo que é manter, negando-se provimento ao recurso”.
Apreciando:
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não merecendo reparo.
Dir-se-á, a este propósito, que:
Nos termos do artigo 1º do Código de Registo Predial: “o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”.
Em termos gerais, a inscrição no registo predial assume uma mera função declarativa destinada a esclarecer publicamente a titularidade dos imóveis e as suas características essenciais (natureza, áreas e confrontações), introduzindo um importante factor de premente e indispensável segurança e certeza, prevenindo dissídios futuros, mormente aquando da aquisição e transmissão de bens desta natureza, envolvendo os respectivos actos negociais, em regra, valores pecuniários e interesses patrimoniais particularmente avultados.
Ao invés, o registo predial não se encontra directamente vocacionado para dirimir conflitos, assentes na aplicação de direito substantivo.
Na situação sub judice, o ora apelante, herdeiro legitimário do de cujus, pretende a inscrição no registo predial da acção de inventário que impulsionou com vista à divisão do património hereditário, alegadamente com o fito de evitar a possível alienação a terceiros de bens da herança por parte do legatário, o qual, em conformidade com a disposição testamentária que os contemplou gozará dos benefícios associados à respectiva inscrição da titularidade no registo predial, sendo certo que esta liberalidade, ofendendo a legítima, poderá vir a ser posta em causa por via do instituto da redução das liberalidades inoficiosas (artigos 2168º a 2178º do Código Civil).
É esse, no fundo, o objectivo concreto e definido que justificará, na sua óptica, a sujeição a registo predial da dita acção de inventário (isto é, acautelar a não produção dos efeitos translativos quanto aos bens legados pelo de cujus e sujeitos à provável redução por inoficiosidade dos respectivos actos de disposição mortis causa).
Acontece que não existe previsão legal que legitime a sujeição do processo de inventário à inscrição no registo predial, ainda que venha a ser invocado o citado fundamento de cariz prático.
Nos termos do artigo 3º, nº 1, alínea a), do Código de Registo Predial:
“Estão igualmente sujeitas a registo as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de alguns dos direitos referidos no artigo anterior, bem como as acções de impugnação pauliana”.
Prevê, por seu turno, o artigo 2º, nº 1, alínea a), do Código de Registo Predial:
Estão sujeitos a registo os facto jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície e servidão;”.
Acresce que a possibilidade da inscrição de acções judiciais no registo predial está subordinado ao princípio da legalidade expresso no artigo 68º do Código de Registo Predial nos seguintes termos:
“A viabilidade do pedido de registo deve ser apreciada em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando-se especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos neles contidos”.
Conforme se enfatiza no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2003 (relator Armando Lourenço), tirado em revista ampliada e publicado in www.dgsi.pt: “...ser ou não registável um acto depende da vontade do legislador, que ela seja vertida no Código de Registo Predial, quer em lei avulsa.
Não será pela natureza da situação a registar que devemos procurar da sua registabilidade. Há-de ser pela interpretação da lei que impõe o registo que devemos dar resposta à questão. Muito embora saibamos que o legislador pode fazê-lo remetendo para a natureza da situação. É o que acontece no artigo 2º do Código de Registo Predial”.
Salienta-se, a este respeito, no Parecer do Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e do Notariado nº 28/2019 STJSR-CC, de 27 de Junho de 2019, consultável no respectivo site que: “...extraindo-se do enunciado legal, particularmente do exposto no artigo 3º, nº 1, alínea a), primeira parte, um conceito amplo, tem-se compreendido que o critério de registabilidade assenta, não no tipo de acção judicial em causa (de simples apreciação, de condenação ou constitutiva – artigo 10º, nºs 2 e 3 do CPC) ou na divisão entre acções reais ou pessoais, mas no efeito que a acção produzirá no conteúdo ou estrutura do direito sujeito a registo.
Assim se afirmou no parecer emitido no Processo nº R.P. 30/98 DSJ-CT, seguindo o entendimento apresentado por Oliveira Ascensão e Paula Costa Silva, no sentido de que em sede de Código de Registo Predial está sujeita a registo a acção cujo efeito útil tenha interferência sobre a estrutura objectiva ou subjectiva de um direito real, portanto que implique uma alteração do conteúdo ou da estrutura de um direito, não relevando que essa acção se funde num direito real ou num direito de crédito”.
Através da instauração do processo de inventário visa-se, em termos essenciais, proceder à definição dos sucessores do de cujus; à divisão do património hereditário; e ao apuramento da responsabilidade pelo passivo da herança.
A própria herança, objecto do processo judicial de inventário, constitui uma universalidade de direito, ou seja, uma entidade jurídica abstracta e diferente de cada um dos elementos patrimoniais concretos que a integram.
Conforme sublinha Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Sucessões. Noções Fundamentais” 4ª edição, Coimbra Editora, 1980, a páginas 153 a 154:
“O de cuius tem em vida um património, conjunto de todos os seus bens e dívidas, património no sentido global ou complexivo. Esse acervo vai-se transformando como se fora um organismo vivo, ora com mais ora com menos bens, ora com mais ora com menos dívidas. Até que chega um momento, o da morte do titular, em que cristaliza ou se imobiliza (salvas possíveis alterações futuras mais limitadas) e é objecto de transmissão. Se ele se transmite a uma ou mais pessoas na sua unidade, essas pessoas são herdeiros.
Herdeiros são portanto os que sucedem no património, mas no património considerado unitariamente, visto por um prisma universal. Não basta dizer que os herdeiros sucedem no património. Os legatários também sucedem nele mas não na sua orgânica fisionomia de universum ius; sucedem em elementos singulares ou até porventura em todos estes”.
Sobre esta mesma matéria, refere Oliveira Ascensão, in “Direito Civil. Sucessões”, Coimbra Editoria 1981, a páginas 36 a 37:
“...em direito o que se transmite são situações jurídicas e não as coisas (...) o que interessará será a posição do herdeiro perante a pluralidade de situações jurídicas, e não a situação do herdeiro perante coisas.
Concluímos pois que a herança é constituída por sistuações jurídicas e não por bens”.
Não há, neste sentido, aquando da instauração do processo de inventário, a verdadeira e própria dedução de qualquer pedido efectuado pelo requerente no sentido da constituição ou modificação de direitos reais sobre imóveis concretos e determinados integrantes do acervo hereditário, que deva ser sujeito a inscrição predial.
Há, sim, o efeito da designação sucessória, através do qual, o detentor de um título de vocação sucessória (quer legal, que voluntária) é chamado a aceitar ou repudiar (o denominado direito de suceder) as situações jurídicas que estiveram na esfera do autor da sucessão e que são agora, por sua morte, objecto de transmissão em favor dos sucessíveis.
Aliás, e como se compreende, com a instauração e pendência do processo de inventário, os bens que se integram o acervo hereditário – ou a ele devam ser restituídos - não são, desde logo, objecto de modificação ou alteração no que se refere à sua titularidade, para além da transferência patrimonial de carácter global que decorre, em termos gerais, do próprio fenómeno sucessório, em conformidade com o disposto no artigo 2024º do Código Civil.
O que se verifica, diferentemente, é o simples desenrolar de um encadeamento de actos tendentes à ulterior partilha desse bens e direitos pelos sucessores, nos termos legais pré-definidos e aplicáveis, com o preenchimento das suas quotas hereditárias, em conformidade ainda com a vontade expressa em vida pelo autor da sucessão, desde que validamente manifestada e desde que não afecte a legítima (quota indisponível) dos herdeiros legitimários (havendo-os).
Importa outrossim tomar em consideração que o próprio direito do herdeiro (qualidade que reveste o ora apelante) incide sobre uma quota ideal sobre a herança e não sobre bens ou direitos concretos e pré-determinados (cfr. artigo 2030º, nº 2, do Código Civil).
Ora, decorre dos precisos termos do artigo 5º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil, que não se encontram sujeitas a registo as acções que não respeitam a prédios determinados, como sucede, precisamente, com a simples pendência do processo de inventário para divisão do património hereditário, no qual o direito dos herdeiros incide apenas sobre uma quota do património hereditário e não sobre bens ou direitos concretos e definidos.
Ou seja, ao instaurar a referenciada acção de inventário e sem que tenha tido lugar qualquer partilha, o apelante não pode arrogar-se o direito à titularidade de bens concretos e determinados que integrem a herança (os quais podem vir ou não a ser-lhe adjudicados na fase posterior da partilha).
Acresce ainda que a eventual redução de qualquer liberalidade realizada pelo de cujus por via do instituto da inoficiosidade, constitui uma mera possibilidade, sem virtualidade alguma para habilitar à sujeição do processo de inventário à inscrição no registo predial.
O processo de inventário não comporta aliás, como elemento estruturante e típico, a dedução de um pedido inicial de redução de liberalidades inoficiosas, sem prejuízo dessa mesma matéria jurídica vir a ser apreciada incidentalmente no momento processual próprio (vide, a este propósito, o artigo 1118º do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro).
De resto, a redução de liberalidades oficiosas justifica, por si só, a instauração de uma acção judicial, conforme o expressamente previsto no artigo 2178º do Código Civil.
Neste sentido, e conforme se concluiu no Parecer citado supra (Parecer do Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e do Notariado nº 28/2019 STJSR-CC, de 27 de Junho de 2019):
“Os requerimentos apresentados no âmbito de processo de inventário pendente, em que se solicita a redução por inoficiosidade de todas as doações feitas em vida, não podem titular registos de tal acção tal como os previstos normativamente no artigo 3º do Código de Registo Predial. Sendo manifesto que os factos não estão titulados nos documentos apresentados, deverá o seu registo ser recusado, nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1, alínea b) do mesmo Código.”.
Logo, na situação sub judice, não existe, por sua natureza, qualquer pretensão relacionada com a titularidade ou modificação do estatuto real do bem integrado no acervo hereditário (no sentido amplo que resulta do artigo 2162º do Código Civil) que suporte efectivamente o pedido de inscrição no registo predial do processo de inventário, nos termos conjugados dos artigos 3º, nº 1, alínea a) e 2º, nº 1, alínea a), do Código de Registo Predial.
Daí a inequívoca falta de fundamento para revertir o decidido em 1ª instância.
Dir-se-á, finalmente, em relação às conclusões do recurso apresentado e oportunamente admitido:
1 – A circunstância de o processo de inventário consistir numa acção judicial, não sendo obviamente, por natureza, um mero processo administrativo, podendo envolver, inclusive no plano litigioso, imóveis e respectivos direitos de propriedade, não justifica, por si só, a sua registabilidade no registo predial.
Nem todas as acções judiciais são só por si, atenta a sua natureza, registáveis.
O processo de inventário é disso exemplo (apenas mais um).
2 – Também é absolutamente irrelevante para estes efeitos a circunstância de, nos termos da Lei nº 23/2013, de 5 de Março, os inventários terem passado a ser tramitados nos Cartórios Notariais, nunca perdendo, por esse facto, o seu carácter jurisdicional.
Corrobora-se a conclusão principal de que nem todas as acções judiciais se encontram sujeitas à sua inscrição no registo predial.
3 – Não se vislumbra a verificação da nulidade da decisão prevista no artigo 615º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil (ausência de fundamentos de facto ou de direito), na medida em que a decisão de 1ª instância encontra-se perfeitamente fundamentada, sendo absolutamente compreensível e totalmente justificável.
4 – O alegado “pedido de partilha” que, segundo o apelante, resultaria implicitamente da instauração do processo de inventário, para além de não ser tecnicamente aceitável, não converte este tipo de processo naquele que, segundo a previsão dos artigos 3º, nº 1, alinea a) e 2º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, “determinam a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação de direitos de propriedade”, atendendo a que o que está aqui em causa é a figura da herança enquanto universalidade de direito, seja ou não integrada por bens imóveis.
Não assiste, assim, razão ao apelante, improcedendo a presente apelação.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.
IV - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.Custas pelo A. apelante.

Lisboa, 15 de Setembro de 2020.
Luís Espírito Santo.
Isabel Salgado.
Conceição Saavedra.