Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2289/11.0TBTVD-E. L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
CRÉDITO LABORAL
AUJ 8/2016
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.Nos termos do art.º 333º, nº 1, alínea b) do Código de Trabalho de 2009 os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade.

2.Adota-se a orientação, que atualmente é pacífica, a propósito da abrangência do privilégio imobiliário especial previsto no referido artigo, no sentido de que esse privilégio incide sobre qualquer imóvel que integre o património do empregador afeto à sua atividade empresarial.

3.No caso, os elementos constantes do processo permitem, por um juízo de inferência, considerar que o imóvel em causa – verba nº 19 – estava afeta à atividade da empresa, para o efeito assinalado: o imóvel tem as caraterísticas apontadas, mais precisamente, trata-se de um terreno para construção, sem qualquer edificação implantada, sendo que o objeto social da insolvente é a construção civil, salientando-se que o apelante não apresentou qualquer impugnação relativamente à lista apresentada pelo administrador da insolvência nos termos do art.º 129.º do CIRE, lista em que o administrador caraterizou o crédito dos trabalhadores associando-os a esse tipo de privilégio.

4.O AUJ do STJ de 23-02-2016, estando em causa “saber se são abrangidos por esse privilégio [art.º 377.º, nº1, alínea b) do Cód. do Trabalho de 2003], os imóveis construídos por uma empresa de construção civil insolvente e destinados a comercialização”, firmou a seguinte orientação:
“Os imóveis construídos por empresa de construção civil, destinados a comercialização, estão excluídos da garantia do privilégio imobiliário especial previsto no art.º 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003”.

5.Não tem cabimento a aplicação desse AUJ numa hipótese em que está em causa proceder a graduação tendo por objeto o produto da venda de imóvel que constitui um lote de terreno para construção, não dando o credor apelante nota de aí ter sido edificada qualquer construção pela empresa insolvente e que se dedicava à construção civil e assumindo, ao invés, que tal imóvel destina-se a construção para ulterior comercialização.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

  
IRELATÓRIO


Ação
Verificação do passivo.

Devedora/insolvente
AC, Lda.

Credor/apelante
NB, S.A., requerente do processo de insolvência, em 29-07-2011.

Sentença recorrida
Foi proferida sentença, em 11.01.2023 com o seguinte segmento dispositivo:
“Em face do exposto decido:
Julgar improcedente a impugnação e homologar a lista de credores reconhecidos, com a ressalva de que o privilégio imobiliário dos trabalhadores incide sobre todos os imóveis apreendidos; e
Graduar os créditos reconhecidos, para pagamento após as dívidas da massa, nos seguintes termos:
Pelo produto da venda de imóveis:
1.º-Serão pagos os créditos laborais e logo após os créditos do FGS resultantes de subrogação;
2.º-Será pago o crédito por IMI quanto ao valor de venda do imóvel sobre o qual o imposto incida;
3.º-Serão pagos os créditos garantidos por hipoteca que incidam sobre o respetivo imóvel, atendendo-se à prioridade de registo;
4.º-Serão pagos os créditos privilegiados da AT e do ISS;
5.º-Do remanescente, dar-se-á pagamento aos credores comuns, na respetiva proporção;
6.º-Os créditos subordinados.
Atender-se-á ao regime próprio dos créditos subordinados.
Pelo produto da venda de móveis e outros direitos ou rendimentos:
1.ºSerão pagos os créditos laborais com privilégio geral;
2.ºOs créditos privilegiados da AT e ISS;
3.ºOs créditos comuns, rateadamente;
4.ºOs créditos subordinados.
Atender-se-á ao regime específico dos créditos sob condição.
Sem tributação autónoma.
DN”.

Recurso
Não se conformando o NB, SA apelou, formulando as seguintes conclusões:
I- Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls…na parte em que graduou os créditos laborais, reclamados pelo FGS (sub-rogação) e/ou pelos trabalhadores, indiferenciadamente sobre todos os imóveis apreendidos) e, dessa forma, com primazia sobre o crédito garantido reclamado pelo ora Recorrente, pelo produto da venda do bem imóvel identificado sob a verba n.º 19 do auto de apreensão - a saber, a descrição .... da CRP de TV_____; cfr. douta sentença recorrida e o auto de apreensão, constante do Apenso A de 07.02.12 e  requerimento junto ao presente apenso, fls. 6 e seguintes.
II- Desde logo, o tribunal a quo – certamente em lapso – olvida a essência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, de 23/02/2016, e nessa medida gradua os créditos dos trabalhadores e do FGS (por sub-rogação) à frente do crédito hipotecário do ora Recorrente, pelo produto da venda do bem imóvel identificado sob a referida verba n.º 19 – a saber, a descrição 5... da CRP de TV_____ .
III-Ora, tal imóvel destina-se a construção para ulterior comercialização; cfr. a sua identificação constante da verba n.º 19 do auto de apreensão de 24/01/2012, em conjugação com a certidão permanente do imóvel junta sob o doc. 4 junto à petição de insolvência de 29/07/20211, com a lista provisória de credores (verba n.º 13), com a lista definitiva de credores (verba n.º 11) e com requerimento da Sra. Administradora de Insolvência 22/05/2019, onde junta certidão actualizada do imóvel, da qual consta inclusive que no referido prédio se mostra já construído um edifício constituído por cinco blocos.
IV- Sendo que, a sociedade insolvente dedicava-se à prestação de serviços, construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; cfr. a sentença de 05/11/2011 que declarou a sua insolvência, pág. 2. 
V- A questão fundamental de direito que aqui se discute tem a ver, como se referiu, com o privilégio imobiliário especial estabelecido, em benefício do trabalhador, no art. 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003 – e também do FGS (na medida dos pagamentos efectuados) - sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
VI- Nessa senda, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23/02/2016 estabeleceu que os créditos laborais dos trabalhadores não gozam do privilégio conferido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 377.° do Código de Trabalho sobre os imóveis afectos a comercialização.
VII- Destarte, os créditos reclamados pelos trabalhadores e/ou pelo FGS (por sub-rogação), pelo produto da venda da descrição 5656 da CRP de Torres Vedras não gozam de privilégio creditório especial.
VIII-Sendo, por conseguinte, a graduar a seguir ao crédito hipotecário do ora Recorrente, NB, S.A. (titular de hipoteca sobre a indicada descrição); o que se requer.
IX-Ou seja, a sentença em causa, deveria ter concluído nos termos prescritos no referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, o que não se compadece com a graduação indiferenciada que efectuou.
X-Assim não o fazendo, violou o respectivo Acórdão.
XI-Deverá, pois, a sentença recorrida, neste segmento, ser revogada e substituída por outra que, sobre o produto da venda da verba n.º 19, gradue o crédito do ora Recorrente com primazia sobre o crédito dos trabalhadores e/ou do FGS (por sub-rogação).
NESTES TERMOS,
Deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, nos termos que vêm descritos, com todas as consequências legais.
 Só assim se decidindo, será
CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA”

Não foram apresentadas contra-alegações.

II.FUNDAMENTOS DE FACTO

Esta Relação dá como assente a seguinte factualidade, com base nos elementos de natureza documental constantes dos autos (arts. 662.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4, este ex vi do art. 663.º, n.º 2 do CPC):
1.A devedora tem como objeto a prestação de serviços, construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (cfr. sentença que declarou a insolvência da devedora, constante do processo principal, retificada em 03-11-2011)  

2.Em 23-05-2012 a administradora da Insolvência, aquando da apresentação da lista de créditos a que alude o art. 129.º do CIRE, declarou reconhecidos os créditos reclamados pelo apelante, pelo montante de 2.651.501,16€, garantidos por hipoteca constituída sobre o “prédio urbano composto de terreno para construção urbana descrito por Lote número ..., sito no Lugar de B....., freguesia da S....., concelho de TV____., descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o n.º 5..., inscrito na matriz da respetiva freguesia sob o Art. 7... .

3.Em 24-01-2012 a AI procedeu à apreensão desse imóvel, conforme auto junto no apenso respetivo (apenso A, requerimento de 07-02-2012), sob a verba n.º 19, com a seguinte identificação:
“Prédio urbano sito em Lugar de B....., freguesia da S....., concelho de TV____, descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o n.º 5..., inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o art. 7....”.

4.Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o n.º ..../2......8, o prédio com a área total de 3467,6m2, inscrito na matriz sob o art. 7..., com a seguinte “composição”: “Terreno para construção – Lote n.º ...”, desanexado do n.º 50.. (cfr. certidão da CRPredial junto pela apelante com a petição inicial – doc. n.º 4).

5.Em 20-03-2022 o tribunal proferiu despacho com o seguinte teor:
“Em face do último requerimento da AI, deve esta juntar lista atualizada em 5 dias, a qual deve ser notificada aos intervenientes” [ [1] ].

6.Na sequência do que a administradora da insolvência apresentou, em 27-03-2022, a lista referida, da qual constam, nomeadamente, os seguintes credores, cujos créditos considera reconhecidos, nos seguintes termos:

7º-AM
Valor Reclamado: 36.411,58€
Valor Reconhecido: 36.411,58€
Crédito reconhecido resulta:
Retribuições anos / 2009 / 2010 e Janeiro a Outubro/ 2011: 33.696,00€
Subsídio de férias/2009, 2010 e 2011: 3.159,00€
Subsídio de Natal/2009 e 2010: 2.106,00€
Proporcionais subsídio Natal:/2011: 877,50€
Proporcionais subsídio férias/2011: 877,502€
Proporcionais de férias/2011: 877,50€
Subsídio alimentação 2009/2010 e 2011: 4.158,58€
Indemnização: 12.109,50€
Recebido da insolvente: 21.450,00€
Total em divida: 36.411,58€
Crédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho.
Local de trabalho: Segundo informação do trabalhador, trabalhou nos seguintes imóveis.
Não juntou documento comprovativo dos diversos locais de trabalho.
Fração autónoma designada pelas letras “AD” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 4... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 8... .
Fração autónoma designada pela letra “P” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 4... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 8... .
Fração autónoma designada pela letra “C” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pela letra “D” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pelas letras “AA” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pelas letras “AB” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pelas letras “AE” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pela letra “G” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pela letra “H” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pela letra “Q” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pela letra “P” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pela letra “L” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pela letra “I” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pela letra “V” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pela letra “X” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Fração autónoma designada pela letra “Z” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob o nº. 6... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 9... .
Prédio urbano sito em Lugar de B....., freguesia de S....., Concelho de TV----, descrito na Conservatória do Registo Predial de TV---- sob o nº 5... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 7... .
Valor Recebido Fundo Garantia Salarial: 8.730,00€
(…)

20º- ER
Valor Reclamado:  10.850,18€
Valor Reconhecido: 10.850,18€
Crédito reconhecido resulta:
Indemnização: 900,00€
Retribuições Julho a Dezembro/2011: 6.214,44€
Subsídio de férias/2010: 900,00€
13º Mês do ano 2011/ Proporcional de ferias/2011, Proporcional de subsídio de férias/2011: 2.835,74€
Crédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho
Local de trabalho: segundo comunicação do trabalhador, trabalhou nos seguintes imóveis,
Frações autónomas supra aludidas, designadas pelas letras “C”, “D”, “AA”, “AB”, “AE”, “G”, “H”, “Q”, “L”, “I”, “V”, “X”, “Z” e ainda Prédio urbano sito em Lugar de B....., freguesia de S....., Concelho de TV----, descrito na Conservatória do Registo Predial de TV---- sob o nº 5... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 7... .
Prédio urbano, com a área total de 7452 m2, situado em S..... C....., freguesia de A ... C....., descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob a ficha ...9, inscrito sob o artº. ...6 na dita freguesia.
No documento de admissão enviado à Segurança Social consta como local de trabalho: Vários
Valor Recebido Fundo Garantia Salarial: 7.683,70€

27º- FA
Valor Reclamado: 12.411,62€
Valor Reconhecido: 12.411,62€
Crédito reconhecido resulta:
Indemnização: 591,50€
Retribuições Janeiro/2011 a Dezembro 2011:8.726,88€
Subsídio de férias/2010 e 13º Mês 2010 e proporcional de subsídio de férias 2011, 1.183,00€
Proporcional de férias/2011, 13º Mês 2011 e proporcional de subsídio de férias 2011, 1.910,24€
Crédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho
Local de trabalho: segundo comunicação do trabalhador, trabalhou nos seguintes imóveis: 
Frações autónomas supra referidas, designadas pelas letras “C”, “D”, “AA”, “AB”, “AE”, “G”, “H”, “Q”, “P”, “L”, “I”, “V”, “X”, “Z”, o  prédio urbano sito em Lugar de B....., freguesia de S....., Concelho de TV----, descrito na Conservatória do Registo Predial de TV---- sob o nº 5... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 7... e o Prédio urbano, com a área total de 7452 m2

34º- JA
Valor Reclamado: 44.716,55€
Valor Reconhecido: 44.716,55€
Crédito reconhecido resulta de:
Ordenados Julho/2009 a Novembro/2011   e férias não gozadas de 2010 (5 dias) e 2011 (22 dias): 28.337,01€ Indemnização: 6.321,38€
Subsídio de férias anos/2008/2009/2010 e 22 dias de 2011: 3.773,58€
Subsídio de Natal 2009/2010 e 2011: 2.576,41€
Subsídio de alimentação 2009/2010 e 2011: 3.708,17€
Crédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho.
Local de trabalho: segundo comunicação do trabalhador, trabalhou no seguinte imóvel: 
Fração autónoma designada pela letra “C”
No documento de admissão enviado à Segurança Social consta como local de trabalho: Vários
Valor recebido do Fundo de Garantia Social: 8.730,00€

36º- JF
Valor Reclamado: 76.520,91€
Valor Reconhecido: 76.520,91€
Crédito reconhecido resulta de:
Ordenados Fevereiro/ 2010 a Novembro/2011, subsidio de almoço, férias e natal de 2010 e proporcionais de ferias, subsídio de férias e Natal/2011: 43.807,00€
Férias não gozadas/2010: 446,71€ 
Indemnização: 28.267,20€
Serviços prestadas a título projectos técnicos: 3.900,00€
Crédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho:72.620,91€
Crédito comum: 3.900,00€ 
Local de trabalho: segundo comunicação do trabalhador, trabalhou no seguinte imóvel: 
Fração autónoma designada pela letra “C”
No documento de admissão enviado à Segurança Social consta como local de trabalho: Vários
Valor recebido do Fundo de Garantia Social: 8.730,00€

38º- LC
Valor Reclamado: 11.496,02€
Valor Reconhecido: 11.496,02€ Crédito reconhecido resulta:
Indemnização: 2.550,00€
Retribuições Março a Dezembro/2011: 6.510,20€
Subsídio de férias/2010, 11 dias férias não gozadas: 765,00€ 13º Mês do ano 2011/Proporcional de ferias/2011: 1.671,02€
Crédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho
Local de trabalho: segundo comunicação do trabalhador, trabalhou no seguinte imóvel:  Fracção autónoma designada pela letra “C”
No documento de admissão enviado à Segurança Social consta como local de trabalho:
Escaravilheira
Valor recebido do Fundo de Garantia Social: 8.730,00€

39º- LV
Valor Reclamado: 38.243,58€
Valor Reconhecido: 38.243,58€ Crédito reconhecido resulta:
Indemnização: 12.353,00€
Retribuições Setembro/2010 a Dezembro 2011: 20.139,84€
Subsídio de férias/2010, 13º Mês 2010: 2.246,00€
Férias/2011, 13º Mês 2011 e proporcional de subsídio de férias 2011: 3.504,74€
Crédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho
Local de trabalho: Não tinha local certo, era conforme as obras.
No documento de admissão enviado à Segurança Social consta como local de trabalho:
Escaravilheira
Valor recebido do Fundo de Garantia Social: 8.730,00€

50º- PA
Valor Reclamado: 31.678,40€
Valor Reconhecido: 31.678,40€
Crédito reconhecido resulta:
Indemnização: 15.722,00€
Retribuições Abril/2011 a Dezembro/2011: 11.328,66€
Subsídio de férias/2010: 1.123,00€
13º Mês/2011, proporcional férias/2011 e proporcional subsidio férias/2011: 3.504,74€
Crédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho
Local de trabalho: segundo comunicação do trabalhador, trabalhou nos seguintes imóveis:
Frações autónomas supra indicadas, identificadas pelas letras “D”, “AA”, “AB”, “AE”, “G”, “H”, “Q”, “P”, “L”, “I”, “V”, “X”, “Z”,  
Prédio urbano sito em Lugar de B....., freguesia de S....., Concelho de TV----, descrito na Conservatória do Registo Predial de TV---- sob o nº 5... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 7... .
Prédio urbano, com a área total de 7452 m2, situado em S..... C....., freguesia de A ... C....., descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob a ficha ...9, inscrito sob o artº. ...6 na dita freguesia.
Não juntou documento comprovativo dos diversos locais de trabalho.
Valor recebido do Fundo de Garantia Social: 8.730,00€

51º- PT
Valor Reclamado: 16.928,88€
Valor Reconhecido: 16.928,88€ Crédito reconhecido resulta:
Indemnização: 1.800,00€
Retribuições Fevereiro/2011 a Dezembro 2011: 11.393,14€
Subsídio de férias/2010: 900,00€
13º Mês/2011, proporcional de férias/2011 e proporcional subsídio férias/2011: 2.835,74€ Crédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1  do Código Civil e 333º do Código do Trabalho
Local de trabalho: Não tinha local certo, era conforme as obras.
No documento de admissão enviado à Segurança Social consta:
Fração autónoma designada pela letra “C”

54º- RA
Valor Reclamado: 32.780,58€
Valor Reconhecido: 32.780,58€
Crédito reconhecido resulta:
Indemnização: 9.830,00€
Retribuições Setembro/2010 a Dezembro 2011: 17.899,84€
Subsídio Férias/2010, 13º Mês 2010: 1.966,00€
Férias/2011, 13º Mês 2011 e proporcional de subsídio de férias 2011: 3.084,74€
Crédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho
Local de trabalho: segundo comunicação do trabalhador, trabalhou nos seguintes imóveis:
Frações autónomas supra indicadas, identificadas pelas letras “C”, “D”, “AA”, “AB”, “AE”, “G”, “H”, “Q”, “P”, “L”, “I”, “V”, “X”, “Z” 
Prédio urbano sito em Lugar de B....., freguesia de S....., Concelho de TV----, descrito na Conservatória do Registo Predial de TV---- sob o nº 5... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artº. 7... .
Prédio urbano, com a área total de 7452 m2, situado em S..... C....., freguesia de A ... C....., descrito na Conservatória do Registo Predial de TV____ sob a ficha ...9, inscrito sob o artº. ...6 na dita freguesia.
No documento de admissão enviado à Segurança Social não consta qualquer local de trabalho.
Valor recebido do Fundo de Garantia Social: 8.730,00€

59º- SC
Valor Reclamado: 21.267,24€
Valor Reconhecido: 21.267,24€
Crédito reconhecido resulta:
Indemnização: 9.450,00€
Retribuições Fevereiro/2011 a Dezembro 2011: 8.976,22€
Subsídio de férias/2010, 3 dias férias não gozadas/2010:  767,04€
13º Mês 2011, proporcional de férias 2011, proporcional de subsídio de férias/2011:2.166,02€
Crédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho
Local de trabalho: segundo comunicação do trabalhador, trabalhou no seguinte imóvel:
Fracção autónoma designada pela letra “C”
No documento de admissão enviado à Segurança Social consta como local de trabalho:
Escaravilheira
Valor recebido do Fundo de Garantia Social: 8.730,00€ (sublinhado nosso)

III.FUNDAMENTOS DE DIREITO

1.Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.ºs 635º e 639º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do CPC.
No caso, impõe-se apreciar se, com referência ao produto da venda da verba n.º 19, o crédito dos trabalhadores e/ou do FGS (por sub-rogação) devem ser graduados em primeiro lugar, antes do crédito do recorrente (entidade bancária cujo crédito se mostra garantido por hipoteca), como entendeu a primeira instância, ou o inverso, como propugna o recorrente.
O que significa que, relativamente a todos os demais imóveis e credores, a sentença da 1ª instância transitou em julgado, não sendo a presente decisão suscetível de ter qualquer reflexo na graduação de créditos determinada na sentença (art. 635.º, nº5 do CPC).

2.O apelante não discute o segmento da sentença que julgou reconhecidos os créditos em causa no processo, por homologação da lista apresentada pelo AI [[1]], estando em causa, exclusivamente, a graduação dos créditos dos trabalhadores e apenas relativamente ao imóvel aludido. 
A primeira instância procedeu à graduação dos créditos, na parte que ora interessa, fundamentando como segue:
“Veja-se a situação específica dos créditos laborais, em matéria de graduação de privilégios.
Os créditos laborais e respetivos juros moratórios gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial (art.s. 47.º, al. a) e 48.º, al. b), a contrario sensu, do CIRE, 333, n.º 1, als. a) e b) do CT, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02.

Dispõe o art. 333.º do Código do Trabalho que:
1Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a)-Privilégio mobiliário geral;
b)-Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
2A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a)-O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;
b)-O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748.º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social.”.
Assim, pelo produto da venda de bens móveis, tem preferência um privilégio mobiliário especial, como o penhor, sobre o crédito laboral, com mero privilégio geral. Prefere o crédito laboral sobre outros privilégios mobiliários gerais, nomeadamente por IRS ou IVA.
Pelo produto da venda de bem imóvel integrado na estrutura produtiva em que o trabalhador exerce a sua atividade, prefere o crédito laboral sobre o IMI e a hipoteca, todos com privilégio imobiliário especial.
O acórdão uniformizador de jurisprudência 8/2016 de 23/2/2016 (publicado no DR I Série-A de 15/4/16) veio tomar posição no sentido de que o privilégio imobiliário especial incide sobre todos os imóveis integrantes da organização produtiva da empresa, independentemente do concreto local de trabalho do trabalhador. 
Assim, no caso concreto, na ausência de alegação e prova de que algum dos imóveis apreendidos não integrava a organização produtiva da empresa, tendo-se demonstrado que vários trabalhadores exerceram atividade em diferentes locais, seguindo o entendimento do acórdão uniformizador indicado, entendo que deve ser julgada improcedente a impugnação apresentada, devendo considerar-se que o privilégio imobiliário dos trabalhadores incide sobre todos os imóveis apreendidos, que se consideram integrantes da organização produtiva da empresa. 

Logo, integram a lista de créditos reconhecidos os seguintes créditos:
- Créditos laborais, com privilégio imobiliário especial incidente sobre todos os imóveis apreendidos, que se consideram integrantes da organização produtiva da Insolvente (independentemente do concreto local de trabalho), e mobiliário geral;
- Créditos do FGS resultantes de sub-rogação;
- Créditos do Estado relativo a IMI, com privilégio imobiliário especial incidente sobre o imóvel a que o imposto respeita;
- Créditos garantidos por hipotecas, dentro do montante abrangido pela garantia e atendendo-se à prioridade de registo;
- Créditos da AT e SS com privilégio mobiliário geral e imobiliário;
- Créditos comuns;
- Créditos subordinados”.
Como resulta da fundamentação assim exposta, a primeira instância limitou-se à formulação de considerações genéricas, com mera enunciação do regime legal, sem qualquer preocupação de concretização em face das particularidades do caso, como se impunha [[2]], salientando-se que nem sequer a identidade dos credores o tribunal cuidou de enunciar, fazendo-o por mera remissão para a lista apresentada pela administradora da insolvência.
Suprindo essas deficiências temos, então, que os “trabalhadores” a que a Ex.ª Srª Juiz se reporta são os seguintes:
7º-AM
20º- ER
27º- FA
34º- JA
36º- JF
38º- LC
39º- LV  
50º- PA
51º- PT
54º- RA
59º- SC [[3]] 
Vejamos, então, da situação desses trabalhadores, relativamente ao identificado imóvel.
Para essa aferição releva, desde logo, a caraterização do imóvel que emerge da respetiva identificação, a saber, que se trata de um lote de terreno para construção, o que significa que não tem qualquer edificação – nem a apelante deu nota no processo ou alude no recurso, a qualquer construção aí implantada pela sociedade insolvente, assumindo, ao invés, que tal imóvel destina-se “a construção para ulterior comercialização” –, sendo certo que a sociedade insolvente tinha como objeto a “a prestação de serviços, construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim”.
Na lista apresentada pela administradora da insolvência nos termos do art.º 129.º do CIRE, a AI considera que os créditos dos trabalhadores indicados constituem um “[c]rédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho”, inicialmente, sem qualquer outra acrescida referência, depois explicitando a situação de cada trabalhador.
A apelante não apresentou qualquer impugnação relativamente a essa lista, mormente colocando em causa a assunção feita pelo administrador da insolvência quanto à existência dos créditos dos trabalhadores associando-o a esse tipo de privilégio, o que significa que, relativamente à matéria de facto enunciada pela AI, deve ter-se a mesma por adquirida e, quanto à aplicação do direito, incumbe ao juiz verificar da correção da qualificação feita pela AI, graduando os créditos em atenção ao que conste dessa lista e em harmonia com as disposições legais (cfr. os arts. 130.º, n.1 e 3 e 136.º, nºs 1 e 6).
Não está em discussão que se trate de imóvel que constitui o património da devedora, nem está em discussão a adoção da orientação, que atualmente é pacífica e que foi a adotada pela primeira instância, a propósito da abrangência do privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho de 2009, diploma em vigor à data da declaração de insolvência (2011), no sentido de que esse privilégio incide sobre qualquer imóvel que integre o património do empregador afeto à sua atividade empresarial.
Os elementos constantes do processo permitem, por um juízo de inferência, considerar que o imóvel em causa – verba nº 19 – estava afeto à atividade da empresa, para o efeito assinalado: o imóvel tem as caraterísticas apontadas, mais precisamente, trata-se de um terreno para construção, sem qualquer edificação implantada, sendo que o objeto social da insolvente é a construção civil. Incumbindo aos credores, trabalhadores, o ónus de alegação e prova da factualidade pertinente, suporte da subsunção jurídica pretendida (art.º 342.º, nº1 do CPC) e não aos demais intervenientes processuais, nomeadamente o ora credor apelante, o ónus de prova do facto contrário, o certo é que, no caso, pelas razões apontadas, entende-se estar suficientemente demonstrada a ligação desse imóvel ao objeto da sociedade insolvente [[4]]. Assim, pese embora relativamente a alguns trabalhadores não conste específica referência a que o respetivo local de trabalho – em sentido estrito – incida, também, nesse concreto imóvel (cfr. os trabalhadores identificados sob os números 34, 36, 38, 39, 51 e 59), tal não obsta à qualificação feita pela primeira instância [[5]].

A argumentação da apelante em sede de recurso não colhe.
Aceita-se a orientação firmada no AUJ do STJ de 23-02-2016 (processo: 1444/08.5TBAMT-A.P1.S1-A, Relator: Pinto de Almeida), em que, estando em causa “saber se são abrangidos por esse privilégio [art.º 377.º, nº1, alínea b) do Cód. do Trabalho de 2003], os imóveis construídos por uma empresa de construção civil insolvente e destinados a comercialização” [[6]], o STJ respondeu fixando a seguinte jurisprudência:
“Os imóveis construídos por empresa de construção civil, destinados a comercialização, estão excluídos da garantia do privilégio imobiliário especial previsto no art.º 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003”.
A Lei nº 7/2009 de 12 de fevereiro aprovou a revisão do Código do Trabalho, dispondo o art.º 333º como segue:
1Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a)-Privilégio mobiliário geral;
b)-Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
2A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a)-O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;
b)-O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748.º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social” (sublinhado nosso).

A alteração de redação não releva para o ponto ora em análise: em face da anterior redação do art.º 377.º do Cód. do Trabalho (de 2003), que esteve na base da apreciação pelo STJ no citado aresto [[7]] e da que entrou em vigor com a revisão de 2009 e que ainda atualmente não sofreu alteração, mantem pertinência e, portanto, atualidade, a solução preconizada no AUJ, não se vislumbrando razões para a adoção de entendimento divergente, num quadro normativo que, substancialmente, para o efeito ora em causa, temos por similar (art.º 8.º, nº3 do Cód. Civil) [[8]].
No entanto, o caso em apreço não configura hipótese de facto suscetível de motivar a aplicação dessa orientação porquanto não está em causa avaliar da graduação incidindo sobre construção edificada no imóvel descrito nessa verba, ou seja, afinal, sobre o produto da atividade da sociedade insolvente. Aliás, o próprio recorrente indica que se trata de imóvel que se destina a construção para ulterior comercialização (conclusão III) pretendendo, no entanto, estender o juízo valorativo fixado no citado acórdão uniformizador, que incide diretamente – e exclusivamente, acrescentamos – aos “imóveis construídos por empresa de construção civil, destinados a comercialização”, àqueles terrenos onde ainda não foi implantada qualquer construção.
Tudo em ordem a concluir que improcede o recurso apresentado [[9]]
*

Pelo exposto, julgando improcedente a apelação, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante (art.º 527.º, nº 1 do CPC).
Notifique. 
                                                              

Lisboa, 09-04-2024


Isabel Fonseca
Teresa de Sousa Henriques
Pedro Henrique Brighton


[1]Lê-se na decisão recorrida, quanto ao reconhecimento dos créditos:
“I- Relatório
Veio a Administradora da Insolvência, decorrido o prazo para reclamação de créditos, apresentar a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, a qual foi objeto de várias retificações, aperfeiçoamentos e atualização.
A referida lista foi objeto de uma impugnação quanto aos créditos laborais por parte da credora hipotecária CEMG, colocando em causa a natureza destes e bem assim os imóveis sobre o qual incide eventual privilégio imobiliário especial, em face do local de trabalho de cada trabalhador.
*
II–Saneamento
(…)
III- Verificação de créditos
Nos termos do art. 130.º, n.º 3, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), “...se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista”.
In casu, não foram apresentadas impugnações salvo por um credor que coloca em causa a natureza dos créditos laborais e os imóveis sobre que incide o privilégio.
Para além da análise da documentação relativa aos contratos de trabalho, foi solicitada informação à Segurança Social sobre os trabalhadores inscritos, a qual confirma a natureza laboral dos créditos constantes da lista.
Assim, na falta de erro manifesto, é de homologar a lista de credores reconhecidos, verificando tais créditos”.
[2]Nem sequer se cuidou de fixar quais os factos provados pertinentes à causa, incorrendo a primeira instância em manifesta violação do disposto no art. 607.º, n.º 4 do CPC, aplicável ex vi do art. 17.º, n.º 1 do CIRE, sendo certo que o apelante também não invocou qualquer nulidade de sentença (cfr. o art. 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC); no entanto, em última análise, sempre se imporia a esta Relação colmatar as omissões quer da Juiz, quer do apelante, em face dos elementos documentais que o processo, incluindo os demais apensos, evidencia.
[3]Essa indicação tem inteira correspondência com a lista inicialmente apresentada pela AI, ainda que com diferente numeração, sendo tais credores identificados, na lista inicial, respetivamente, sob os números 7, 19, 26, 33, 35, 37, 38, 49, 50, 53 e 58; o único aditamento feito pela AI reposta-se ao segmento de texto que consta a seguir aos dizeres “Crédito privilegiado nos termos do Artº 737º nº1 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho”.
[4]A este propósito, cfr. o acórdão do TRL 09-03-2021, processo: 158/13.9TYLSB- U. L1-1 (Relator: Fátima Reis Silva), acessível in www.dgsi.pt., como todos os demais arestos aqui referidos.
[5]Saliente-se que o apelante apresentou, em 10-12-2020, requerimento com o seguinte teor, abstendo-nos de quaisquer considerações sobre a posição aí manifestada, por confronto com o que agora defende em sede de recurso:
(…) VEM,
1- Cautelarmente, evocar que o acórdão de uniformização de jurisprudência de 23/02/2016 (publicado no Diário da República, 1ª série, nº 74, de 15/04/2016, páginas 1284-1306) debateu a problemática dos privilégios imobiliários especiais de que gozam os trabalhadores sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
2- Concluindo que o local específico onde cada trabalhador presta funções constitui mero elemento acidental da relação laboral e que não poderá haver distinção entre eles na medida em que todos contribuem para a prossecução da actividade global da empresa e integram a organização empresarial produtiva. A ser assim, a ligação funcional aos imóveis que constituem a estrutura produtiva da empresa é condição bastante para serem beneficiários do privilégio imobiliário especial concedido aos trabalhadores.
3-Ou seja, para que o privilégio imobiliário especial do trabalhador, estabelecido no art.º 333°, n° 1, alínea b), do C. Trabalho, proceda sobre o produto da venda de imóveis do empregador insolvente, exige-se que estes imóveis estivessem, de alguma forma, afectos à actividade produtiva da empresa.
4-Por isso, o local específico onde cada trabalhador presta funções constitui, como tem sido reconhecido, mero elemento acidental da relação laboral, não sendo elemento diferenciador dos direitos dos trabalhadores, não podendo funcionar como critério de atribuição de garantias dos créditos que emergem daquela relação”.
[6]Lê-se nesse aresto:
“3. A interpretação da norma do art.º 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003, no que respeita ao âmbito de incidência do privilégio imobiliário especial aí previsto – bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade –, não tem sido pacífica.
A par da questão da prova dos respectivos pressupostos, a efectuar pelo trabalhador que pretende beneficiar desse privilégio, que não está aqui em discussão[21], é também controvertido o objecto sobre que incide essa garantia.
A questão coloca-se, em geral, em relação a qualquer empresa: que imóveis são abrangidos pelo privilégio? Todos os imóveis afectos à actividade do empregador? Apenas aqueles imóveis em que o trabalhador tenha exercido efectivamente a sua actividade?
O sector da construção civil levanta um problema suplementar específico, que é o de saber se os imóveis construídos para venda, no âmbito da actividade da empresa, são igualmente abrangidos pelo privilégio imobiliário.
É esta, justamente, a questão controvertida que temos para dirimir. A ela passaremos depois de uma breve referência ao modo como, em geral, é encarado o âmbito de incidência do privilégio referido”.
E, mais à frente:
“4. Assentando nesta base comum, o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento divergem no que respeita à incidência do privilégio imobiliário especial, previsto no art.º 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003, sobre os imóveis construídos pelas empresas de construção civil insolventes, no âmbito da sua actividade, destinados a comercialização.
É este, como se referiu, o cerne da questão que temos para decidir”.
[7]A saber:
“1 - Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social” (sublinhado nosso).
[8]Cfr. o acórdão do STJ de 27-11-2019, processo: 7553/15.7T8VIS-G.C1.S2 (Relator: Assunção Raimundo), assim sumariado:
“I-A da norma do nº1, al. b), do art.º 333º do CT, pretendendo atribuir uma especial proteção aos créditos salariais, não se concilia com um injustificado tratamento diferenciado dos trabalhadores de uma mesma empresa, em função da atividade profissional de cada um e do local onde a exercem. Por outras palavras, quando a lei diz que o privilégio imobiliário incide sobre o “imóvel do empregador” no qual o trabalhador preste a sua atividade, está a referir-se à ligação funcional do trabalhador a determinado estabelecimento ou unidade produtiva e não propriamente à localização física do seu posto de trabalho.
II-Da  factualidade dos autos, podemos concluir que os três imóveis em relação aos quais se reconheceu vigorar o privilégio imobiliário especial previsto no art.º 333.º, n.º 1, al. b), do Código de Trabalho, não eram, por um lado, destinados à comercialização pela insolvente sociedade de construção civil (ficando, pois, excluídos do âmbito de aplicação do AUJ n.º 8/2016, de 23-2-2016), e, por outro, que se tratando, respetivamente, da sede da entidade patronal, de um armazém de apoio e garagem e, finalmente, de um grande armazém, onde eram depositados materiais e parqueadas viaturas da empresa e onde funcionava a carpintaria e pintura, se encontravam afetos à atividade empresarial da insolvente, à qual, os trabalhadores se encontravam funcionalmente ligados”.
[9]Segue-se de perto o acórdão deste TRL de 13-07-2023, processo: 9487/11.5T2SNT-B. L1-1 (Relator: Isabel Fonseca), lavrado por maioria.