Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1329/20.7T8OER-B.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
RECURSO
OPOSIÇÃO À PENHORA
BENS IMPENHORÁVEIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) De acordo com o disposto nos artigos 423.º, n.º 3, 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC, a junção de documentos na fase de recurso apenas é admissível se: a) Foi impossível a apresentação do documento antes do encerramento da discussão em 1.ª instância; ou b) A junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
II) A impossibilidade da junção refere-se à superveniência do documento face ao julgamento em primeira instância e pode objetiva (se historicamente ocorreu depois do julgamento em 1.ª instância) ou subjetiva (se só foi conhecido, num quadro de normal diligência, do apresentante posteriormente ao julgamento em 1.ª instância, não podendo ter tido conhecimento da sua existência ou da situação a que o mesmo se refere).
III) A necessidade da junção em virtude do julgamento da 1.ª instância cinge-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.
IV) Nos termos do disposto na alínea c) do artigo 736.º do CPC, são classificados como impenhoráveis, por razões de interesse geral, os objetos cuja apreensão é ofensiva dos bons costumes (cfr. artigo 280.º do CC) ou que careçam de justificação económica atendendo ao diminuto valor, não visando a penhora a satisfação do crédito exequendo, mas a humilhação do executado.
V) Por seu turno, com o CPC de 2013, os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica, que antes se encontravam entre os bens absoluta ou totalmente impenhoráveis, passaram a constar no n.º 3 do artigo 737.º do CPC, no elenco de bens relativamente impenhoráveis, devendo tal conceito ("bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica") aferir-se, objetivamente, relativamente a qualquer economia doméstica, o que implica o recurso a um padrão mínimo de dignidade social.
(Sumário elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. Relatório:
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1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe instaurou NOVO BANCO, S.A., a executada “A” deduziu os presentes autos de oposição à penhora.
Alegou, para tanto, que do auto de penhora decorre a inadmissibilidade da penhora (Artigo 784º, nº 1, alínea a) do CPC, tendo sido penhorados bens de valor total de €755,00, sendo que, a dívida exequenda tem o valor de €182.415,11, pelo que a penhora em questão, enquadra-se na parte final da alínea c) do artigo 736º do CPC que, sob a epígrafe de “Bens absoluta ou totalmente  impenhoráveis”, estabelece que são absolutamente impenhoráveis os bens que careçam de justificação económica pelo seu diminuto valor venal. Mais invocou que, os bens que foram objeto da penhora, são bens imprescindíveis à economia doméstica e encontram-se na casa de habitação efetiva da Executada, pelo que estão isentos de penhora (artigo 737º, nº 3 do CPC).
Concluiu pela procedência da oposição e levantamento da penhora.

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2. A exequente, notificada para o efeito, contestou, concluindo pela ineptidão da petição inicial e, caso assim não se entendesse, pela improcedência da oposição à penhora.

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3. Em 14-11-2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Notifique a opoente para, querendo e em dez dias, especificar quais dos bens penhorados são “imprescindíveis à economia doméstica””.

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4. Na sequência, a opoente, em 23-11-2023, apresentou requerimento de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“1. Todos os bens penhorados são imprescindíveis à economia doméstica, com excepção dos bens referidos sob as Verbas 3, no que se refere às mesas de apoio, de cor preta e de cor branca, 13 e 19 do Auto de Penhora, na medida em que, quanto à Verba 13, existe um outro televisor, o referido sob a Verba 1, este sim, imprescindível à economia doméstica.
2. Todos os demais bens penhorados são imprescindíveis à economia doméstica.
3. O bem referido sob a Verba 2 e cuja fotografia se junta como DOC. 1 é imprescindível porque serve para acondicionar roupas, sejam roupas de casa, sejam roupas de casa de banho.
4. A mesa de apoio, de cor castanha (DOC. 2), referida sob a Verba 3, é utilizada como mesa de cabeceira da Opoente que dorme na sala que funciona como sala/quarto e, daí, constitui um bem indispensável à economia doméstica.
5. A mesa de apoio, de cor branca (DOC. 3), referida sob a Verba 3, é utilizada pela Opoente e sua filha para tomarem refeições na sala e, portanto, constitui um bem imprescindível à economia doméstica.
6. Os dois bancos, de cor cinzenta (DOC. 4), referidos sob a Verba 3, são imprescindíveis à economia doméstica porque são utilizados pela Opoente para sentar na cozinha as visitas.
7. As duas cadeiras (DOC. 5 e 6), referidas sob a Verba 4 são indispensáveis à economia doméstica porque são as únicas cadeiras que a Opoente tem.
8. A cómoda (DOC. 7, referida sob a Verba 5, sendo utilizada para guardar roupa constitui um bem indispensável à economia doméstica.
9. O computador portátil, referido sob a Verba 6, é utilizado pela filha da Opoente para a realização dos seus trabalhos escolares e daí o seu carácter de imprescindibilidade para a economia doméstica.
10. O sofá de três lugares (DOC. 8), referido sob a Verba 7, constitui o único sofá que a Opoente tem e, por isso, é imprescindível à economia doméstica.
11. O cabide (DOC. 9), referido sob a Verba 8, é imprescindível à economia doméstica. Se não existisse, a roupa da Opoente e de sua filha teria de estar espalhada pelo chão.
12. A estante de madeira, de cor castanho-claro e com três prateleiras (DOC. 10), referida sob a Verba 9, é utilizada para a arrumação de livros e de outros objectos, sendo, por isso, imprescindível à economia doméstica.
13. Sendo utilizada pela Opoente e sua filha para se sentarem numa pequena varanda, a cadeira de plástico, de cor branca (DOC. 11), referida na Verba 10, é imprescindível à economia doméstica.
14. O espelho de corpo inteiro, referido sob a Verba 11, é o único existente e, por isso, é imprescindível à economia doméstica.
15. O carácter de imprescindibilidade da arca de madeira (DOC. 12), referida sob a Verba 12, decorre da circunstância de ser utilizada para a arrumação de roupa de cama (lençóis, cobertores e edredons).
16. O armário metálico, de cor cinzenta (DOC. 13), referido sob a Verba 14, encontra-se na cozinha e é utilizado para produtos de limpeza e daí ser imprescindível para a economia doméstica.
17. A máquina de secar roupa, referida sob a Verba 15, dado o fim a que se destina é absolutamente indispensável à economia doméstica dado não haver espaço suficiente para estender a roupa no exterior.
18. A estante metálica, de cor branca, com quatro prateleiras (DOC. 13), referida sob a Verba 16, é imprescindível à economia doméstica porque é utilizada para guardar loiça e outro material utilizado na cozinha.
19. O armário IKEA, de cor branca, com quatro prateleiras (DOC. 14), referido sob a Verba 17, é onde a filha da Opoente guarda material escolar e, portanto, é imprescindível à economia doméstica.
20. O mesmo se diga quanto às estantes, com cinco e três prateleiras (DOC. 15, referidas sob a Verba 18.
21. O sofá de um lugar, de cor beije (DOC. 16), referido sob a Verba 18, é, para além da cama, onde a filha da Opoente se pode sentar no seu quarto, facto de onde decorre a sua imprescindibilidade para a economia doméstica.
22. A secretária e as cadeiras (DOC. 17), referidas sob a Verba 20, são utilizadas pela filha da Opoente para estudar e realizar os seus trabalhos escolares, sozinha ou acompanhada por colegas e, daí, ser indispensável à economia doméstica.
23. A mesa de apoio, de cor branca (DOC. 18), referida sob a Verba 21, é a mesa de cabeceira da filha da Opoente. Pelo que, é indispensável à economia doméstica”.

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5. A contraparte ainda se pronunciou no sentido do indeferimento da pretensão da opoente.

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6. Na sequência, foi proferida decisão do seguinte teor:
“A presente execução para pagamento de quantia certa foi instaurada em 8-IV-20 por “Novo Banco S.A.” contra “B” e “A” – tendo, por sentença de 6-VII-22, sido julgados improcedentes os embargos deduzidos pela 2ª executada (apenso A).
Em 22-IX-23 foi lavrado auto de penhora com 21 verbas (móveis não sujeitos a registo) – tendo a 2ª executada deduzido a presente oposição, alegando “diminuto valor venal”, e imprescindibilidade para a economia doméstica.
Respondeu a exequente que a executada não alegou factos que justifiquem a “imprescindibilidade”, e que os valores indicados no auto são provisórios.
Notificada para esclarecer que bens penhorados considera “imprescindíveis à economia doméstica”, a executada respondeu que são todos, excepto as mesas de apoio (verba 3), 13 e 19 (indicando os usos de cada bem penhorado).
Importa apreciar - estabelecendo o artigo 736º do CPC que “São absolutamente impenhoráveis, além dos isentos de penhora por disposição especial: (…) c) Os objectos cuja apreensão seja ofensiva dos bons costumes ou careça de justificação económica, pelo seu diminuto valor venal; (…).” – e, o nº 3 do artigo 737º que “Estão ainda isentos de penhora os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação efectiva do executado, salvo quando se trate de execução destinada ao pagamento do preço da respectiva aquisição ou do custo da sua reparação.”
Considera-se notório que a penhora das verbas 8 (cabide) e 11 (espelho) carece de justificação económica – pelo que se defere a oposição quanto a estas verbas.
Relativamente às demais verbas, consideram-se notoriamente imprescindíveis à “economia doméstica” o televisor (verba 1), o computador portátil (verba 6), o sofá-cama (verba 18), o armário (verba 2), as (únicas) cadeiras (verba 4), a cómoda (verba 5), o sofá (verba 7), as estantes (verbas 9 e 16), a arca (verba 12), e secretária e cadeiras (verba 20).
Motivos por que se indefere a oposição, relativamente às verbas 3, 10, 13, 14, 15, 17, 18, 19 e 21.
Notifique – e informe a A.E.”.

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7. Não se conformando com esta decisão, dela apela a opoente, pugnando pela procedência da oposição à penhora com o levantamento da penhora, formulando na alegação que apresentou, as seguintes conclusões:
“a) O artigo 736º, alínea c) do CPC estabelece que “São absolutamente impenhoráveis, além dos isentos de penhora por disposição especial: Os objetos cuja apreensão seja ofensiva dos bons costumes ou careça de justificação económica pelo seu diminuto valor venal.”
b) Por força artigo 737º, nº 3 do CPC “Estão ainda isentos de penhora os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação efetiva do executado (…).”
c) O bem referido sob a verba 15 é absolutamente indispensável à economia doméstica.
d) Os bens referidos sob as verbas 10, 14, 17, 18 e 21 e cujo valor se situa entre os €15,00 (quinze euros) e os €5,00 (cinco euros), são absolutamente impenhoráveis porque carecem de justificação económica dado o seu diminuto valor venal.
e) Para além de serem indispensáveis à economia doméstica”.

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8. Dos autos não constam contra-alegações.

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9. Foi proferido despacho de admissão do recurso, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

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10. Inscritos os autos em tabela para julgamento, foram colhidos os vistos legais.

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2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são as de saber:
A) Questão prévia – Da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso.
B) Se deve ser revogada a decisão recorrida que indeferiu a oposição à penhora, quanto às verbas n.ºs 10, 14, 15, 17, 18 e 21 do auto de penhora?

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3. Fundamentação de facto:
São elementos factuais relevantes para a apreciação da apelação, os elementos processuais constantes do relatório, que se têm por assentes, de acordo com a documentação constante dos autos e, ainda, o seguinte (inexistindo factos não provados com relevo para a mesma apreciação):
1) Em 22-09-2023, conforme auto de penhora constante dos autos principais de execução, foram penhorados à executada, nomeadamente, os seguintes bens móveis:
“(…) Verba 10, Cadeira em plástico de esplanada de cor branca, Valor: €15,00 (…);
Verba 14, Armário metálico de cor cinzenta, Valor: €10,00;
Verba 15, Máquina de secar (…), Valor: €150,00 (…);
Verba 17, Armário (…) com 4 gavetas e 4 estantes (…), Valor: €15,00;
Verba 18, Duas estantes, uma com 5 prateleiras e outra com 3 prateleiras (…), Valor: €15,00 (…);
Verba 18, Um sofá de um lugar (…), Valor: €20,00 (…);
Verba 21, Mesa de apoio (…), Valor: €5,00 (…)”.

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4. Fundamentação de Direito:

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A) Questão prévia – Da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso.
Com as alegações de recurso, a apelante junta 7 documentos, sendo 5 cópias de fotografias e 2 documentos referentes ao apoio judiciário requerido.
Nos termos do artigo 651º, nº1, do CPC, “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
E o artigo 425.º do CPC dispõe que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Explicando o modo de conjugação destas normas, referiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-09-2016 (Pº 1203/14.6TBSTS.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES) que, “da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento”.
No que tange à impossibilidade de apresentação anterior, referem Lebre de Freitas et al (Código de Processo Civil Anotado, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, p. 426) que: “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder de terceiro, que só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objetiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjetiva]. Nos dois primeiros casos, será necessário que se tenham esgotado anteriormente os meios dos arts. 531 a 537 [atuais Artigos 432º a 437º do Código de Processo Civil].» RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, p. 265, afirma que: «Os documentos apresentados referem-se a factos já trazidos ao processo, nos articulados normais ou nos articulados supervenientes (cf. artigos 588º e ss.). Portanto, a regra é a de que os documentos supervenientes não trazem ao processo factos supervenientes”.
Quanto à necessidade da junção em virtude do julgamento da primeira instância (artigo 651º, n.º 1, do CPC), “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida” (cfr. Antunes Varela et al.; Manual de Processo Civil, 2ª Ed., pp. 533-534).
“Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo./ A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” (assim, Abrantes Geraldes; Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pp. 184-185).
Assim, “(…) a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela 1ª vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-2012, P.º n.º 174/08, rel. GONÇALVES ROCHA).
Na permissão normativa incluem-se as situações que - pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação - tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração antes da decisão ter sido proferida.
Contudo, o regime do artigo 651º, nº 1, do CPC não abrange a hipótese de a parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância.
Assim, não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a prolação da sentença, dado que, “já era potencialmente útil à apreciação da causa” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 502).
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05-05-2016 (Pº 788/13.9TBSTR.E1, rel. MANUEL BARGADO), “a impossibilidade de apresentação em momento anterior legitima as partes a utilizar no recurso, juntando-o com a motivação deste, o documento cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento, ou seja, até ao julgamento em primeira instância, o que pressupõe aquilo que se refere como superveniência objetiva ou subjetiva do documento pretendido juntar. No caso de superveniência subjetiva é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, apesar do carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este por razões que se afigurem como atendíveis. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade do apresentante, num quadro normal de diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento”.
Ou seja: Não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.
Por outro lado, uma vez que a junção de documentos tem em vista a prova de factos que hajam sido alegados, a possibilidade de junção de documentos, em sede de recurso, não poderá ter como objetivo ou finalidade a prova de factos que não hajam sido alegados.
Em síntese, pode concluir-se que “[d]a leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-04-2019, Pº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, rel. CATARINA SERRA).
Da conjugação do n.º 1 com o n.º 2 do artigo 651.º do CPC resulta evidente que, a junção de prova documental em sede de recurso admitida no n.º 1 do preceito apenas poderá ter lugar até ao momento de apresentação de alegações, não prevendo a lei a possibilidade da sua apresentação em momento ulterior a tal apresentação, o que já não sucederá com os pareceres dos jurisconsultos que, nos termos do n.º 2, podem ser juntos aos autos até ao início de elaboração do projeto de acórdão.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verifica-se que a apelante vem juntar dois documentos atinentes ao apoio judiciário que requereu, documentos que, não sendo impertinentes e respeitam ao aludido benefício, deverão ser admitidos.
Já, assim, não sucede quanto aos demais documentos (cópias fotográficas), pois, de facto, não demonstra a recorrente qualquer necessidade na junção ou alguma superveniência na respetiva apresentação.
A junção das cinco cópias fotográficas, no momento em que ocorreu mostra-se, pois, contrária ao disposto nos mencionados artigos 425.º e 651.º do CPC, não devendo ser admitida.
Pode sobre esta questão concluir-se, em síntese, que:
-De acordo com o disposto nos artigos 423.º, n.º 3, 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC, a junção de documentos na fase de recurso apenas é admissível se:
a) Foi impossível a apresentação do documento antes do encerramento da discussão em 1.ª instância; ou
b) A junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância;
- A impossibilidade da junção refere-se à superveniência do documento face ao julgamento em primeira instância e pode objetiva (se historicamente ocorreu depois do julgamento em 1.ª instância) ou subjetiva (se só foi conhecido, num quadro de normal diligência, do apresentante posteriormente ao julgamento em 1.ª instância, não podendo ter tido conhecimento da sua existência ou da situação a que o mesmo se refere);
- A necessidade da junção em virtude do julgamento da 1.ª instância cinge-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.
Atenta a impertinência na apresentação dos referidos cinco documentos e visto o disposto nos artigos 423.º e 443.º do CPC, conjugados com o disposto no artigo 27.º, n.º 1, do RCP, deverá condenar-se a apresentante em multa, que, se deverá fixar no mínimo (0,5 U.C.).
De acordo com o exposto, não se admite a junção das cinco cópias fotográficas, juntas com as alegações.
Condena-se a apresentante na multa de 0,5 (meia) U.C.

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B) Se deve ser revogada a decisão recorrida que indeferiu a oposição à penhora, quanto às verbas n.ºs 10, 14, 15, 17, 18 e 21 do auto de penhora?
Conforme resulta dos autos de execução, nos termos acima referenciados, foram penhorados diversos bens móveis, relativamente aos quais a executada deduziu oposição. Essa oposição foi julgada improcedente, nos termos da decisão ora recorrida, relativamente às verbas 3, 10, 13, 14, 15, 17, 18, 19 e 21 do auto de penhora.
Contesta a apelante a decisão recorrida dizendo que:
“1. A sentença não fundamenta por que razão considera que os bens referidos nas verbas 10, 14, 15, 17, 18 e 21 não são imprescindíveis à economia doméstica.
2. O artigo 736º do CPC, na sua alínea c) estabelece que são absolutamente impenhoráveis os bens, que pelo seu diminuto valor venal, careçam de justificação económica.
3. Estando também isentos de penhora os imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação efetiva do executado (artigo 737º, nº 3 do CPC).
4. De acordo com o auto de penhora, o bem referido sob a verba 10 tem o valor de €15,00 (quinze euros) cuja fotografia se junta como DOC. 1
5. Pelo que, tem um diminuto valor venal e, na sequência de tal, é absolutamente impenhorável.
6. Para além do diminuto valor venal, trata-se de um bem que é utilizado pela apelante e sua filha para se sentarem numa pequena varanda para aproveitarem o ar livre, para ler ou, apenas, para descansarem.
7. Considerar este bem como não sendo imprescindível à economia doméstica, implica que a apelante e sua filha, sempre que pretendam estar na varanda, têm de permanecer em pé.
8. Ao bem referido sob a verba 14 foi atribuído um valor de € 10,00 (dez euros) e cuja fotografia se junta como DOC. 2.
9. O que determina a sua inclusão nos bens absolutamente impenhoráveis dado o diminuto valor venal.
10. Sendo utilizado para acondicionar produtos de limpeza doméstica, considerar que não é imprescindível à economia doméstica, terá como consequência que aqueles terão de ficar espalhados pelo chão da cozinha.
11. O bem referido sob a verba 15 – máquina de secar roupa – é absolutamente indispensável à economia doméstica na medida em que não existe um local que permita estender a roupa ao ar livre, a não ser uma pequena varanda, manifestamente insuficiente para tal fim.
12. Sendo absolutamente indispensável à economia doméstica, inclui-se nos bens insuscetíveis de penhora.
13. Sob a verba 17 é referido outro bem absolutamente indispensável à economia doméstica porque é utilizado pela apelante para guardar documentos e pela sua filha para guardar material escolar, apontamentos, fotocópias, manuais, etc. e cuja fotografia se junta como DOC. 3.
14. Considerá-lo como suscetível de penhora levará a que documentos, apontamentos, fotocópias, etc. passem a estar espalhados pelo chão.
15. Pelo que se insere nos bens isentos de penhora.
16. E, pelo diminuto valor venal (€15,00 – quinze euros), constitui um bem absolutamente impenhorável.
17. Os mesmos fins têm as duas estantes referidas sob a verba 18 e cujo valor é de € 15,00 (quinze euros).
18. A parca biblioteca da apelante está acondicionada nas duas estantes e daí o seu caráter de imprescindibilidade para a economia doméstica e também a sua inclusão nos bens isentos de penhora, juntando-se como DOC. 4 a respetiva fotografia
19. De outra forma, os livros também teriam de ser espalhados pelo chão.
20. E, dado o seu valor venal, inclui-se também nos bens absolutamente impenhoráveis.
21. Resta o bem referido sob a verba 21 e que serve de mesa de cabeceira à filha da apelante, onde é colocado um candeeiro e cuja fotografia se junta como DOC. 5.
22. Para além do seu diminuto valor venal (€5,00 – cinco euros), o que o torna num bem absolutamente impenhorável, considerá-lo como não sendo indispensável à economia doméstica, impedirá a filha apelante de ler um livro ou de praticar o que quer que seja que careça de uma mesa de apoio (…)”.
Vejamos:
Dispõe o artigo 736.º do CPC que:
“São absolutamente impenhoráveis, além dos bens isentos de penhora por disposição especial:
a) As coisas ou direitos inalienáveis;
b) Os bens do domínio público do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas;
c) Os objetos cuja apreensão seja ofensiva dos bons costumes ou careça de justificação económica, pelo seu diminuto valor venal;
d) Os objetos especialmente destinados ao exercício de culto público;
e) Os túmulos;
f) Os instrumentos e os objetos indispensáveis aos deficientes e ao tratamento de doentes;
g) Os animais de companhia”.
A respeito da alínea c), são classificados como impenhoráveis, por razões de interesse geral, os objetos cuja apreensão é ofensiva dos bons costumes (cfr. artigo 280.º do CC) ou que careçam de justificação económica atendendo ao diminuto valor, não visando a penhora a satisfação do crédito exequendo, mas a humilhação do executado.
Por seu turno, no artigo 737.º do CPC enunciam-se os bens relativamente impenhoráveis, nos seguintes termos:
“1 - Estão isentos de penhora, salvo tratando-se de execução para pagamento de dívida com garantia real, os bens do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou de pessoas coletivas de utilidade pública, que se encontrem especialmente afetados à realização de fins de utilidade pública.
2 - Estão também isentos de penhora os instrumentos de trabalhos e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade ou formação profissional do executado, salvo se:
a) O executado os indicar para penhora;
b) A execução se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da sua reparação;
c) Forem penhorados como elementos corpóreos de um estabelecimento comercial.
3 - Estão ainda isentos de penhora os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação efetiva do executado, salvo quando se trate de execução destinada ao pagamento do preço da respetiva aquisição ou do custo da sua reparação”.
Os bens relativamente impenhoráveis são aqueles que, em princípio, não podem ser objeto de penhora, a não ser em determinadas circunstâncias.
Com o CPC de 2013, os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica, que antes se encontravam entre os bens absoluta ou totalmente impenhoráveis, passaram a constar no n.º 3 do artigo 737.º do CPC, no elenco de bens relativamente impenhoráveis.
Conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-02-2001 (Pº 0021750, rel. MÁRIO CRUZ), “para efeito de impenhorabilidade, o conceito de "bens imprescindíveis a uma economia doméstica" tem variado ao longo da história, de acordo com o grau de desenvolvimento social, cultural e económico, e o padrão das necessidades essenciais para uma família deve aferir-se em função do nível sócio-cultural e económico de qualquer família média portuguesa”.
De harmonia com o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2010 (Pº 1030/10.0TJLSB-C.L1-7, rel. MARIA JOÃO AREIAS), “para efeito de impenhorabilidade, o conceito de “bens imprescindíveis à economia doméstica” deverá aferir-se perante as condições sociais económicas médias, sendo o padrão de dignidade ou de necessidades essenciais evolutivo”.
Sublinham Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 103) que, “[o] n.º 3 estabelece a isenção de penhora dos bens que se encontrem na casa de habitação efetiva do executado e que sejam imprescindíveis a qualquer economia doméstica, a não ser que a execução se destine ao pagamento do preço da aquisição ou do custo da reparação. Estamos perante conceito indeterminado cuja integração está naturalmente sujeita à modificação dos padrões sociais, em função das circunstâncias ou da evolução dos costumes (…). O carácter “imprescindível” deve ser aferido através do que seja essencial para assegurar os direitos fundamentais do executado e do respetivo agregado familiar e que seja conexo, designadamente, com a saúde, proteção ou mesmo a comunicação (…). A título meramente exemplificativo: o fogão, frigorífico, máquina de lavar roupa, mesa da cozinha ou sala de jantar e respetivas cadeiras, cómoda onde se guardam as roupas, telemóvel, peças de vestuário, roupas de cama, roupeiros, utensílios de cozinha e móveis onde os mesmos estão guardados (…). Em qualquer caso, a maior ou menor amplitude da penhora deve ser temperada pelo princípio da proporcionalidade, embora se afigure que a aplicação deste filtro se ajusta mais às funções jurisdicionais (art.º 784.º) do que às do agente de execução. De todo o modo, sempre que se suscitem dúvidas objetivas a tal respeito, o agente de execução deverá colocar a questão ao juiz do processo, nos termos do art.º 723.º, n.º 1, al. d)”.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, vemos que, nas verbas 10, 14, 15, 17, 18 (duas estantes) e 21 do auto de penhora - sendo que, quanto às demais verbas, a decisão recorrida levantou a penhora (verbas n.ºs. 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 16, 18 (sofá-cama) e 20), ou, então, a apelante não contestou tal decisão (verbas n.ºs. 3, 13 e 19 - a penhora concretizou-se sobre os seguintes bens:
Verba 10, Cadeira em plástico de esplanada, no valor de € 15,00;
Verba 14, Armário metálico, no valor de € 10,00;
Verba 15, Máquina de secar, no valor de € 150,00;
Verba 17, Armário com 4 gavetas e 4 estantes, no valor de € 15,00;
Verba 18, Duas estantes, uma com 5 prateleiras e outra com 3 prateleiras, no valor de € 15,00;
Verba 21, Mesa de apoio, no valor de € 5,00.
Vejamos cada uma das referidas verbas:
a) Verba 10, Cadeira em plástico de esplanada, no valor de € 15,00:
Relativamente à verba n.º 10 – cadeira – a apelante refere que o mesmo “tem um diminuto valor venal” e, por isso, é absolutamente impenhorável, sendo um bem utilizado pela apelante e sua filha para se sentarem numa pequena varanda para aproveitarem o ar livre, para ler ou para descansarem.
A invocação efetuada pela apelante a respeito da utilização deste bem – bem como a consideração de que, caso se considere não imprescindível à economia doméstica, implica para a apelante e sua filha, terem de permanecer de pé – traduz a alegação de matéria claramente inovatória (no artigo 13 do requerimento de 23-11-2023, a apelante limitou-se a alegar que “13. Sendo utilizada pela Opoente e sua filha para se sentarem numa pequena varanda, a cadeira de plástico, de cor branca (DOC. 11), referida na Verba 10, é imprescindível à economia doméstica”).
É que, conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 663.º, n.º 2, do CPC, com o previsto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo Código, no presente recurso, este Tribunal conhece de todas as questões suscitadas, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e, atenta a sua função no âmbito do conhecimento dos recursos, sob pena de decidir, em primeira linha, de questões antes não suscitadas no Tribunal de 1.ª instância, ao Tribunal de recurso apenas cumpre conhecer das questões suscitadas e daquelas que, não o tendo sido, sejam de conhecimento oficioso.
O tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas (cfr., entre outros, o acórdão do STJ de 14-05-93, in CJSTJ, 93, II, p. 62 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-11-95, in CJ, 95, V, p. 98).
Assim, ressalvada a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso (cfr. Ac. STJ de 23-03-96, in CJ, 96, II, p. 86), encontra-se excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso.
“A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa, pelo que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2012, Processo 169487/08.3YIPRT-A.C1, relator HENRIQUE ANTUNES).
Dito de outro modo, conforme se salientou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo 1724/15.3T8VRL.G1, relator JOSÉ AMARAL): “O recurso não é meio próprio para requerer novas provas que deviam ter sido apresentadas ou produzidas no momento processualmente oportuno (muito menos para repetir as que, em 1ª instância, tenham sido indeferidas), ainda que, ao motivar a decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido assinale a sua falta”.
É que, de facto, “os recursos são meios de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, visando, assim, um reestudo das questões já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-04-2019, Processo 10776/15.5T8PRT.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES).
No caso dos autos, como se viu, a recorrente visa a consideração pelo Tribunal de nova factualidade que, em seu entender, determinaria a isenção de penhora sobre a mencionada verba n.º 10.
Ora, compulsados os termos do processo, analisados os articulados e requerimentos das partes, verifica-se que a apelante não invocou, oportunamente, as concretizações factuais que, apenas nesta sede recursória, vem efetuar, configurando-se a invocação da mesma, no momento em que ocorreu, como a dedução de uma “questão nova”.
De facto, conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-11-2018 (Processo 212/16.5T8PTL.G1, rel. AFONSO CABRAL DE ANDRADE), “quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido”.
Assim, não tendo constituído o objeto da presente lide, a respetiva factualidade que pressuporia a apreciação de tal questão, teria que ter sido, tempestivamente, objeto de oportuna alegação, o que não sucedeu.
E, por outro lado, a mesma questão não é passível de ser conhecida oficiosamente por este Tribunal de recurso.
Na parte não inovadora, cabe referir que a função de uma cadeira é, claro está, a de permitir a uma pessoa sentar-se, sendo essa a sua normal utilização, não advindo de tal circunstância a consideração de alguma impenhorabilidade.
O mesmo se diga relativamente à circunstância de, segundo a apelante, o valor de tal bem ser reduzido – avaliado em € 15,00.
No âmbito do CPC de 1961 introduziu-se no artigo 822.º, n.º 2, do CPC, a expressão “valor venal”. Conforme referia Gama Prazeres (Do Processo de Execução no Atual Código de Processo Civil, Coleção “Scientia Ivridica”, 1963, Braga, p. 171), “a expressão “valor venal” é nova, uma vez que significa que o valor venal dos bens é o seu valor corrente, aquele valor que obteriam em venda livre”.
A partir da revisão de 1995 (e até 2008), a al. c) do art.º 822º declarava impenhoráveis os bens cuja apreensão carecesse de justificação económica, pelo seu diminuto valor venal.
Referia Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Artigos 676º a 943º, Coimbra Editora, 2003, p. 350), a este propósito, que “a penhora visa proporcionar a satisfação de danos patrimoniais, pelo que não faria sentido admiti-la relativamente a bens sem valor patrimonial (com intuito, ou resultado meramente vexatório) ou com valor patrimonial diminuto (o prejuízo moral do executado não serviria um interesse sério do exequente)”.
Todavia, conforme sublinha Inês Isabel Paiva de Carvalho (As Impenhorabilidades Absolutas: Os Limites da Efetivação da Responsabilidade Patrimonial, Universidade de Coimbra, Julho de 2017, p. 119, texto consultado no endereço: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/84153/1/Vers%c3%a3o%20final_In%c3%aas.pdf), “no juízo sobre o valor diminuto do bem, há que atender ao valor próprio do crédito exequendo, uma vez que não está sujeito a qualquer limite mínimo de valor e, sendo ele próprio de valor diminuto, pode ser satisfeito com a penhora de um bem de valor a ele proporcionado, sem prejuízo do jogo de inadmissibilidade da execução decorrente da falta de interesse em agir”.
Quanto aos bens carecidos de valor económico, se for percetível, aquando da diligência de penhora, que um determinado bem “jamais será vendido por não haver quem ofereça pelo mesmo qualquer valor, a sua eventual apreensão só poderá ser entendida como forma de vexar o executado” (assim, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo; A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2.ª ed., Almedina, 2016, p. 268).
Por referência ao previsto no artigo 514.º do Codice di Procedura Civile italiano – onde se estabelece que são absolutamente impenhoráveis tais bens – poderão considerar-se impenhoráveis, a este título, as alianças do casamento, as condecorações, as cartas, os registos e escritos da família em geral, bem como os manuscritos, a não ser que façam parte de uma coleção.
Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil – Volume II, 2ª Edição, 2005, p. 546) propõe, a este respeito, que, “o padrão de dignidade deverá aferir-se perante as condições sociais e económicas “médias”, sendo impenhoráveis os bens de que não seria razoável privar o executado e o seu agregado familiar, por ser inexigível privar o devedor de tais bens ou utensílios para assegurar a realização do interesse do credor”.
Sucede que, todavia, o n.º 3 do artigo 737.º do CPC, ao apontar que a imprescindibilidade deve ser considerada relativamente a “qualquer” economia doméstica, parece afastar a consideração de condições sociais e económicas médias, devendo tal conceito ser aferido, objetivamente, relativamente a qualquer – ou, de forma semelhante, quanto “a todas” – economia doméstica.
A propósito da razão de ser das várias previsões contidas no artigo 736.º do CPC, refere Inês Isabel Paiva de Carvalho (As Impenhorabilidades Absolutas: Os Limites da Efetivação da Responsabilidade Patrimonial, Universidade de Coimbra, Julho de 2017, p. 82, texto consultado no endereço: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/84153/1/Vers%c3%a3o%20final_In%c3%aas.pdf), “[a]s diversas alíneas do art.º 736º foram estabelecidas para tutelar os interesses legítimos do executado e da sua família, pois o nosso ordenamento jurídico-processual civil não pode admitir a penhora de bens ou direitos por natureza inalienáveis, bens cuja apreensão seja ofensiva aos bons costumes, bens de diminuto valor vendável, túmulos e, por fim, os bens imprescindíveis aos sujeitos que integram o agregado familiar do executado e que sejam doentes ou deficientes, cuja impenhorabilidade teria de ser totalmente absoluta”.
A respeito da categoria dos “bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica”, a referida Autora (ob. Cit., p. 131 a 133.) salienta o seguinte:
“São impenhoráveis, para salvaguarda dos interesses vitais do executado, os bens que asseguram ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida. Com as sucessivas reformas do CPC, “desapareceram do elenco dos bens absoluta ou totalmente impenhoráveis os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na residência permanente do executado, salvo se se tratar de execução destinada ao pagamento da respetiva aquisição ou do custo da sua reparação (…) para passar a constar no elenco dos bens relativamente impenhoráveis, os “bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação efetiva do executado, salvo quando se trate da execução destinada ao pagamento do preço da respetiva aquisição ou do custo da sua reparação”.
(…) Como salienta ALBERTO DOS REIS, “por razões de decência e de humanidade fazem que se subtraia à penhora, qualquer que seja a natureza ou a origem da dívida, aquilo que é absolutamente indispensável à vida do executado e da sua família. Seria odioso e afrontoso de todos os sentimentos de respeito pela pessoa humana que a penhora se levasse até ao ponto de deixar o executado e os seus inteiramente despojados do que lhes é estritamente imprescindível para a satisfação das mais elementares necessidades da vida: a comida, cama e o vestuário”.
Aliás, tem-se vindo a considerar que o conceito de bens imprescindíveis a uma economia doméstica tem variado ao longo da história, de acordo com o grau de desenvolvimento social cultural e económico e o padrão das necessidades essenciais para uma família, razão pela qual deve ser aferido em função do nível sociocultural e socioeconómico de qualquer família média portuguesa. Segundo LEBRE DE FREITAS “a imprescindibilidade não se afere pelo tipo de economia doméstica do executado, tem de verificar-se relativamente a qualquer economia doméstica, o que implica o recurso a um padrão mínimo de dignidade social”.
Assim, a televisão, o frigorífico, o computador, a mesa da cozinha, a mesa da sala e as cadeiras onde o agregado se senta diariamente para fazer as suas refeições, ou até mesmo cómoda, cama e vestuário do agregado constituirão bens essenciais à economia doméstica, só se encontrando excluída tal essencialidade se se tratarem de objetos luxuosos, valiosos ou decorativos e sem utilidade na satisfação ou realização das necessidades básicas e condignas como, p. ex., o mobiliário de um escritório.
Portanto, neste preceito, enuncia-se a regra da impenhorabilidade dos bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica, aferida objetivamente segundo um padrão elementar mas não marginal, conforme ao mínimo de dignidade social (…)”.
Pode concluir-se que:
- Nos termos do disposto na alínea c) do artigo 736.º do CPC, são classificados como impenhoráveis, por razões de interesse geral, os objetos cuja apreensão é ofensiva dos bons costumes (cfr. artigo 280.º do CC) ou que careçam de justificação económica atendendo ao diminuto valor, não visando a penhora a satisfação do crédito exequendo, mas a humilhação do executado; e que,
- Com o CPC de 2013, os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica, que antes se encontravam entre os bens absoluta ou totalmente impenhoráveis, passaram a constar no n.º 3 do artigo 737.º do CPC, no elenco de bens relativamente impenhoráveis, devendo tal conceito ("bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica") aferir-se, objetivamente, relativamente a qualquer economia doméstica, o que implica o recurso a um padrão mínimo de dignidade social.
Ora, relativamente ao bem em questão, não nos parece que uma cadeira em plástico, no valor de € 15,00, possa ser considerado um bem que careça de justificação económica, nem que esse valor possa ser considerado diminuto, sendo passível de negociação ou venda (desde logo, porque o bem se encontrará funcional e passível de cumprir a respetiva função – de uma pessoa se sentar) por esse valor ou aproximado, que permita a respetiva alienação e a satisfação – parcial dos valores exequendos – pelo que, não se verifica que possa ser considerado absolutamente impenhorável, nos termos da al. c) do artigo 736.º do CPC.
Também não se afere que o mesmo possa considerar-se imprescindível, tanto mais que, no interior de uma habitação, existirão outros bens passíveis de servir a mesma função.
Soçobra, pois, o invocado pela apelante a respeito da mencionada verba n.º 10.
b) Verba 14, Armário metálico, no valor de € 10,00:
A respeito deste bem, a apelante invoca, igualmente, que o seu valor diminuto determina a sua inclusão nos bens absolutamente impenhoráveis.
Também aqui não se verifica que um bem avaliado em € 10,00 possa ser considerado de diminuto valor para efeito de isenção de penhora, pois, na realidade, tratando-se de um armário metálico para guarda de objetos, afere-se justificação económica que possa determinar a existência de interessados para a respetiva aquisição, não se mostrando que a sua penhora possa entender-se, de algum modo, como vexatória, da apelante.
Soçobra, pois, igualmente, a invocação da apelante a este respeito.
c) Verba 15, Máquina de secar, no valor de € 150,00:
Invoca a este propósito a apelante que tal bem é “absolutamente indispensável à economia doméstica na medida em que não existe um local que permita estender a roupa ao ar livre, a não ser uma pequena varanda, manifestamente insuficiente para tal fim”.
Ora, independentemente da maior ou menor utilização que a apelante – e respetivo agregado – façam de tal bem, numa máquina de secar roupa – que, desde logo, não se encontrará em qualquer lar português, não acedendo qualquer família, independentemente das suas condições sócio-económicas, a esse bem - não se descortina o referido caráter de imprescindibilidade de vivência com tal bem, no sentido de que o mesmo se encontra presente em qualquer economia doméstica.
Não procede, pois, o invocado pela apelante, devendo manter-se a penhora sobre o referido bem constante da verba n.º 15.
d) Verba 17, Armário com 4 gavetas e 4 estantes, no valor de € 15,00:
e) Verba 18, Duas estantes, uma com 5 prateleiras e outra com 3 prateleiras, no valor de € 15,00:
A respeito destes bens a apelante tinha invocado – no requerimento de 23-11-2023 – que nesses bens a filha da apelante guarda material escolar, imprescindível à economia doméstica.
Na presente apelação, a apelante veio invocar, “complementarmente”, que tais bens são utilizados não só para o referido fim, mas também, pela apelante, “para guardar documentos e pela sua filha para guardar (…) apontamentos, fotocópias, manuais, etc.”.
Esta invocação inovatória não poderá, pelas razões já acima descritas, ser considerada.
Quanto à circunstância de, nos referidos móveis, a filha da apelante guardar material escolar, não se vê que não o possa fazer noutro local, não se mostrando alguma relação de necessidade com tal acomodação nesses bens.
A conveniência ou normal utilização de um bem não o torna, por si só, imprescindível para a economia doméstica, sendo que, os bens em questão apresentam justificação económica passível de aquisição por terceiros.
Não se afere, pois, dever ser levantada a penhora.
f) Verba 21, Mesa de apoio, no valor de € 5,00:
No requerimento de 23-11-2023, a apelante invocou que esta mesa de apoio se trata da mesa de cabeceira da filha da opoente, pelo que, por tal motivo, considera indispensável à economia doméstica.
Apesar do valor reduzido - € 5,00 – não poderá considerar-se que o bem seja de diminuto valor venal, como, em sede de alegações, a apelante vem pugnar.
De facto, afere-se que o referido bem é passível de alienação e de aquisição por terceiros, tendo justificação económica.
Relativamente à função invocada pela apelante não poderá considerar-se que tal determina a impenhorabilidade, pois, não se afere que a existência de tal bem – mesmo com a função invocada pela apelante – seja transversal a qualquer lar e que, nessa medida, se integre na composição de um qualquer quarto ou divisão.
Inexiste, pois, motivo para considerar que o referido bem é “imprescindível” a qualquer economia doméstica.
A questão colocada deverá, pois, receber resposta negativa.

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Em conformidade com o exposto, haverá que julgar improcedente a apelação da executada/opoente, ora apelante, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
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A apelante - atento o seu integral decaimento – suportará a responsabilidade tributária do recurso interposto – cfr. artigo 527.º do CPC – sem prejuízo do apoio judiciário de que, presentemente, beneficia.

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5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, na integra, a decisão recorrida.
Custas da apelação pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que, presentemente, beneficia.
Notifique e registe.

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Lisboa, 4 de abril de 2024.

Carlos Castelo Branco
António Moreira
Higina Castelo