Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2032/15.5T8BRR.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: DIVÓRCIO
ALIMENTOS A EX-CONJUGE
CESSAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE A APELAÇÃO INTERPOSTA PELO REQUERENTE E PROCEDENTE A APELAÇÃO INTERPOSTA PELA REQUERIDA
Sumário: I.Com a dissolução do casamento pelo divórcio cessam as relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges e, consequentemente, os deveres inerentes ao matrimónio, incluindo o de assistência (artigos 1688.º, 1788.º e 1789.º do Código Civil).

II.Porém, o ex-cônjuge deverá prestar alimentos àquele que deles careça, figurando até em primeiro lugar na lista dos legalmente obrigados à prestação de alimentos (art.º 2009.º do Código Civil).

III.Só excecionalmente, “por razões manifestas de equidade”, o direito a alimentos poderá ser negado (a quem, à partida, deles careceria) – n.º 3 do art.º 2016.º.

IV.A obrigação de prestar alimentos cessa “quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles” (art.º 2013.º, n.º 1 alínea b) do Código Civil).

V.Recairá sobre quem invoca a alteração das circunstâncias determinantes da fixação dos alimentos o ónus de alegação e prova dessa alteração, ou seja, neste caso tal ónus incidirá sobre o autor da ação que tem em vista o reconhecimento dessa alteração (art.º 342.º n.º 1 do Código Civil).

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Em 28.5.2015 Carlos intentou, por apenso à respetiva ação condenatória, ação de cessação de alimentos contra Maria.

O requerente alegou que as partes contraíram matrimónio em 24.12.1976, separaram-se de facto em dezembro de 1999 e divorciaram-se por sentença proferida em 10.3.2004 e transitada em julgado em 26.3.2004. No âmbito de providência cautelar de alimentos provisórios foi fixada por acordo entre as partes, homologado por sentença proferida em 31.3.2000, a obrigação de alimentos, a cargo do ora requerente, a favor da ora requerida, no valor mensal de Esc. 75 000$00 (€ 375,00), entregues no dia 8 de cada mês, atualizáveis anualmente em janeiro, na mesma proporção da função pública. A pensão atualmente é de € 396,87. Sucede que as condições pessoais do requerente, que é médico ortopedista, se alteraram, pois se à data do acordo auferia € 5 000,00 por mês, atualmente aufere € 2 471,68 mensais. Acresce que entretanto o requerente casou e desse matrimónio nasceu uma filha, com o inerente aumento de despesas. Por sua vez a requerida aufere uma pensão de invalidez no valor de € 350,00 por mês e é proprietária de uma quinta no Pinhal Novo e de um imóvel sito em Tavira, património esse que pode rentabilizar. Assim, a requerida não carece da pensão sub judice e o requerente não pode continuar a prestá-la.

O requerente terminou pedindo que fosse declarada cessada a obrigação de alimentos a favor da requerida ou, caso assim se não entendesse, que o valor da pensão fosse reduzido para o montante mensal de € 100,00.

Tentada, infrutiferamente, a conciliação das partes, a requerida apresentou contestação, na qual alegou a total impossibilidade de prover ao seu sustento e bem assim a inexistência de património rentável e alegou que o requerente aufere rendimentos e dispõe de património que lhe permitem uma vida muito desafogada, não tendo qualquer limitação que o impeça de pagar a pensão devida à requerida.

A requerida concluiu pela improcedência da ação.

Foi proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. Realizou-se audiência final e em 21.02.2017 foi proferida sentença em que, julgando-se a ação parcialmente procedente, se reduziu a prestação alimentícia a cargo do requerente para o montante de € 200,00, com as atualizações anuais nos termos anteriormente fixados.

O requerente apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
I–O presente recurso é interposto nos termos disposto nos artigos 627.º n.º 1, 629.º, 631.º, 637.º n.º 1, 638 n.º 1 e 7, 640º, 644.º n.ºs 1 al. a) e 2 e), 645.º n.º 1 al.a) e 647.º n.º 1 do C.P.C.;
II–O Apelante pretende ver cessada a obrigação de alimentos ou, subsidiariamente, a redução do seu valor, porquanto a Apelada dispõe de património que pode rentabilizar, não havendo fundamento para uma obrigação ad aeternum;
III–A obrigação de alimentos constitui uma obrigação dependente, vinculada à natureza da relação familiar subjacente, e in casu, fixada atento o princípio da autonomia da vontade (art.º art.º 2009º n.º 1 al. a) e 2014º do C.C.;
IV–A nova formulação do art.º 2016º do C.C., impõe aos cônjuges o dever de prover à sua subsistência após o divórcio – o que a Apelada não fez durante mais de década e meia -, procurando manter um status quo que traduz um verdadeiro abuso de direito (art.º 334º do C.C.);
V–A Apelada não demonstrou, como se impunha, a carência de rendimento face às despesas que suporta (art.º 342º n.º 1 do C.C.), pois não juntou aos autos qualquer documento que as comprove (art.º 364º do C.C.) – pontos 21 e 22 da matéria provada;
VI–As despesas que logrou demonstrar excedem o conceito de “alimentos” (art.º 2003º do C.C.)–traduzem despesas consideradas “supérfluas”;
VII–Veja-se o depoimento da testemunha Maria de Fátima, registado sob o ficheiro 20170201163639_17547495_28’, de onde resulta:
- Sou amiga e empregada da D. Maria (1,28m). (…) Faço a limpeza da casa e passo a ferro (…), em Tavira, (…) mora com o filho (2,20m a 2,37m). Era ela que me pagava… agora é o filho. (…)
Tem muita despesa com a quinta, é uma pessoa muito doente, toma muita medicação (5:12m a 5:35m). (…) Ela até acha que estou a ser mal paga e dá-me dinheiro à parte (7:52 a 7:56m).
(…) Ela tem muita despesa com os cães (10:41m).
VIII–É o património da Apelada que deverá prover ao seu sustento e não o do Apelante – património que o Tribunal a quo consigna como seu mas que é detido em meação com o atual cônjuge – merecendo assim reparo o vertido no ponto 25 da matéria de facto provada atenta a prova documental autêntica junta aos autos;
IX–O filho da Apelada e do Apelante reside com aquela, sendo autónomo, médico dentista, constituindo presunção de que contribui para a economia doméstica (art.º 349º do C.C.), não podendo olvidar a obrigação legal de poder ter de prestar alimentos à mãe (art.º 2009º n.º 1 al. b) do C.C.);
X–O Tribunal a quo incorre em errada valoração da prova, no ponto 21 da matéria provada, por o imóvel em causa não se tratar de uma casa de campo, mas sim de um terreno rústico com uma construção destinada a arrecadação e arrumos – cfr. decorre da documentação autêntica junta;
XI–Não se destinando o imóvel a habitação, não carece o mesmo de licença de utilização;
XII–Tal não é impeditivo de qualquer forma de negócio e a transformação da sua afectação pode ser concretizada sem custo significativo, facto de domínio público (art.º 412º do C.P.C.);
XIII–No ponto 13 da matéria de facto, incorre mais uma vez o Tribunal a quo em erro na apreciação da prova, pois o Apelante tem apenas uma filha menor, surgindo no seu IRS e da atual mulher dois dependentes esta ter uma filha de anterior relacionamento (doc. 5 junto à p.i.);
XIV–Demonstrada está a ausência da “necessidade” da Apelada;
XV–Por mera cautela, atento o valor fixado de indexante dos apoios sociais, actualmente 421,32€ (Portaria 4/2017, de 3 de janeiro), auferindo a Apelada uma pensão de 328,50€ fixa-se o diferencial em 92,82€ (421,32€ - 328,50€), não lhe sendo devido nenhum outro valor que não o ora determinado.

O apelante terminou pedindo que, julgado o recurso procedente, se declarasse cessada a obrigação de alimentos conforme suscitado em juízo, ou no limite, reduzido o seu montante para o diferencial da pensão de invalidez para o indexante de apoios sociais.

A requerida contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação.

Por sua vez a requerida também apelou da sentença, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I–O Requerente foi condenado a pagar alimentos à Requerida por acordo homologado em 10/04/2000, no montante de € 375,00, actualizado anualmente de acordo c/o aumento geral da função pública – actualmente no montante de € 396,87.
II–Requerente e Requerida divorciaram-se em processo de divórcio litigioso, de que o ora Requerente foi exclusivo culpado.
III–Posteriormente à sentença que fixou os alimentos, o Requerente adquiriu os bens imóveis que supra se identificaram;
IV–Os andares estão localizados nos concelhos de Montijo, de Sesimbra e de Vila Real de Santo António;
V–Trata-se de propriedades aptas a produzir excelentes rendas, dada a localização.
VI–A Requerida tem visto agravarem-se os seus padecimentos físicos, como documentou;
VII–Dispõe apenas da quantia global de € 725,37 (€ 328,50 de reforma por invalidez e € 396,87 que o Requerente lhe satisfaz), que é manifestamente insuficiente para cuidar de si própria, de sua subsistência e da sua saúde;
IX–O Requerente ocultou os rendimentos que aufere na Clínica que possui no Montijo;
X–Tem, contudo, elevados proventos que lhe têm permitido acumular património valioso;
XI–Tem rendimentos e património mais elevados do que tinha à data da fixação da pensão.
A apelante terminou pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e substituída por outra que julgasse a ação improcedente.

Não houve contra-alegação.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.

Por o seu objeto estar interligado, apreciar-se-á as duas apelações em conjunto.

As questões que as apelações suscitam, nos termos das respetivas conclusões, são as seguintes: impugnação da matéria de facto; cessação, redução ou manutenção da pensão de alimentos anteriormente acordada e homologada a favor da requerida.

Primeira questão (impugnação da matéria de facto)

O tribunal a quo deu como provada a seguinte

Matéria de facto
1–O autor e a ré celebraram casamento católico, sem convenção antenupcial, em 24/12/1976 (documento de fls. 11 a 18 cujo teor dou por integralmente reproduzido).
2–Por sentença datada de 10/02/2004, transitada em julgado em 26/03/2004, foi decretado o divórcio litigioso entre o Autor e a Ré, estando os mesmos separados de facto desde Dezembro de 1999 – Doc. de fls. 11 a 16.
3–Por acordo homologado por sentença transitada em julgado em 10/04/2000, o Autor obrigou-se a proceder ao pagamento da quantia mensal de 75.000$00 (€ 375,00) mensais, a título de prestação de alimentos definitivos à Ré, actualizado anualmente no mês de Janeiro de cada ano de acordo com o aumento geral da função pública e na mesma proporção estando actualmente no valor de € 396,87 – Doc. fls. 20 a 22.
4–O Autor é médico especialista em ortopedia no Centro Hospitalar, EPE e na data da decisão referida em 3), auferia cerca de € 5.542,74 por mês, a título de rendimentos (13.334.631$00:12=1.111.219$25) – Doc. fls. 30.
5–A 19/03/2005, o Autor contraiu casamento civil, sem convenção antenupcial com Teresa, tendo ambos uma filha, nascida em 06/03/2004, Carolina– Doc. fls. 31 a 35.
6–No ano de 2015, o Autor declarou fiscalmente a título de rendimentos do trabalho a quantia mensal líquida de € 2.557,12 (€ 52.991,29-€16.428,00-€5887,51) e a sua mulher a quantia mensal líquida de € 1.125,39 (€ 19.370,69-€3.378,00-€2.487,99) – Doc. fls. 59 a 62.
7–Aquando da partilha do património comum à Ré foi adjudicada uma quinta sita no Pinhal Novo, com a parte urbana correspondente ao artigo matricial nº., com o valor patrimonial de € 10.255,68 e a parte rústica com o artigo matricial nº., secção B, com o valor patrimonial de € 222,66 (Doc. fls. 203 a 207).
8–A Ré reside alternamente no imóvel referido em 7) e num outro sito em Tavira, que pertenceu aos seus pais e que a Ré possui em comum com o seu pai, no qual tem o seu domicílio fiscal – Doc. fls. 198.
9–A Ré aufere mensalmente a título de pensão de reforma por invalidez a quantia de € 328,50.
10–No ano de 2015 a Ré declarou rendimentos no montante total de € 9.007,67, o que representa rendimentos mensais de € 750,64 – Doc. fls. 200 a 202.
11–Na sequência do divórcio entre o Autor e a Ré, os dois filhos dos mesmos ficaram a residir com o Autor, sendo este quem sempre proveu a todas as despesas inerentes ao seu sustento e educação, sendo actualmente maiores e independentes financeiramente.
12–O Autor suporta despesas com impostos, saúde, alimentação, vestuário e serviços essenciais do seu agregado familiar quantia concreta que não se logrou determinar.
13–No ano de 2013, o autor suportou despesas de educação relativas às suas duas filhas no montante de €2.651,84 – Doc. fls. 59 a 62.
14–No ano de 2014, o autor suportou mensalmente a quantia de € 180,00, com o ATL da sua filha Carolina – Doc. fls. 23.
15–O Autor vive sozinho, pois está actualmente separado da sua mulher, pagando à mesma a quantia mensal de € 200,00, a título de prestação de alimentos devidos à menor Carolina, a qual passa fins-de-semana quinzenais com o Autor e reside com a mãe e comparticipa nas despesas de saúde, educação e extra-curriculares da menor.
16–A Ré sofreu um acidente de viação há vinte anos atrás e em Novembro de 2013, sofreu uma queda, que lhe causou uma fractura do colo do fémur – secção intertrocanterica-F, com cirurgia ao fémur proximal direito, com implante DHS – Doc. de fls. 124verso e 125.
17–A Ré é acompanhada em consultas de psiquiatria, com tratamento medicamentoso diário, com vários psicofármacos, antidepressivos e tranquilizantes, sofrendo de depressão crónica desencadeada após grave acidente de viação - Doc. fls. 125.
18–Devido aos factos referidos em 16) e 17), a Ré não tem capacidade para o trabalho.
19–A Ré reside alternamente no imóvel referido em 7) e num outro sito em Tavira, a fim de prestar assistência ao seu pai que se encontra num lar.
20–Um dos filhos da Ré e do Autor vive no imóvel sito em Tavira, exercendo a actividade profissional de dentista.
21–O imóvel referido em 7) é uma casa de campo, com um terreno de logradouro, tudo com cerca de 5.000m2, o qual não possui licença de utilização – doc. fls. 101 e 203 a 207.
22–Em despesas de manutenção, asseio e fiscais a Ré despende mensalmente a quantia de € 150,00 com o imóvel referido em 7).
23–A Ré suporta despesas mensais com a sua alimentação, asseio dos imóveis referidos em 7) e 8), higiene pessoal e de cuidados médicos e medicamentosos, vestuário e calçado, consumos domésticos e despesas de transporte em montante que não se logrou apurar.
24–O Autor exerce igualmente medicina numa clínica de que é proprietário uma empresa da qual é sócio-gerente, sita no Montijo, cujos rendimentos se desconhecem.

25–O Autor é proprietário dos seguintes bens imóveis:
–Fracções designadas pelas letras “B”, com o valor patrimonial de € 25.038,98 e “C”, com o valor patrimonial de € 26.680,88, do prédio urbano sito em Sesimbra (Santiago), correspondentes ao 1º e 2º andares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, sob o nº., registadas a aquisição a favor do autor em 03/04/2013;
–Fracção designada pela letra “M”, do prédio urbano sito no Montijo, correspondente ao 1º andar frente, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o nº., registada a aquisição a favor do autor em 22/09/2008, com o valor patrimonial de € 72.189,25;
–Fracção designada pela letra “H”, do prédio urbano sito no Montijo, correspondente a garagem, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o nº., registada a aquisição a favor do autor em 22/09/2008, com o valor patrimonial de € 6.806,00;
–Prédio rústico situado em Beliscura, composto por terra de pinhal, freguesia de São João da Serra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Frades sob o nº. e registada a aquisição a favor do Autor em 06/11/2009;
–Fracção designada pela letra “S”, do prédio urbano sito em Vila Real de Santo António, correspondente ao 1º andar direito, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António sob o nº., registada a aquisição a favor do autor em 30/08/2004, com o valor patrimonial de € 77.185,37;
–Fracção designada pela letra “M”, do prédio urbano sito em Vila Real de Santo António, correspondente a cave destinada a garagem, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António sob o nº., registada a aquisição a favor do autor em 20/08/2007, com o valor patrimonial de € 8.342,15. Conforme documentos juntos em audiência e documentos de fls. 227, 228, 232, 233, 234, 229, 230 e 231).

26–A Ré tem actualmente a idade de 60 anos – Doc. fls. 17 a 18.

O tribunal a quo discriminou na sentença os seguintes

FACTOS NÃO PROVADOS
a)–Que na partilha do património comum do extinto casal tenha sido igualmente adjudicado à Ré um imóvel em Tavira.
b)–Que a Ré possa rentabilizar os imóveis referidos em 7) e 8) e deles retirar rendimentos extra, eventualmente superiores à sua reforma e aos alimentos que recebe do Autor;
c)–Que a Ré com o arrendamento dos imóveis referidos em 7) e 8), poderia obter uma renda mensal que poderia oscilar entre os € 650,00 a € 1.000,00;
d)–Que as despesas referidas em 12), sejam de montante não inferior a € 1.000,00;
e)–Que o Autor e o demais agregado familiar efectuam, pelo menos, uma das refeições fora de casa, o que implica uma despesa média mensal nunca inferior a € 330,00 (€5,00/pessoaX22 dias úteis).
f)–Que no ano de 2014 o Autor tenha despendido a quantia de € 250,00, em livros e material escolar.
g)–Que o Autor esteja a residir em casa propriedade dos pais da sua mulher.
h)–Que a Ré sofra frequentemente de dores que não lhe dão descanso e que tenha insuficiência respiratória.
i)–Que a Ré também se desloque a Tavira devido ao facto referido em 20).
j)–Que as despesas referidas em 23), sejam respectivamente de € 200,00, €140,00, €120,00, € 30,00, € 120,00 e € 40,00, num total de € 800,00 mensais.
k)–Que há menos de dois anos, o Autor tenha comprado um barco de recreio, que tem ancorado em Sesimbra.

O Direito.
Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2 alínea a) do art.º 640.º do CPC).

O apelante requerente insurge-se quanto aos pontos 25, 21 e 13 da matéria de facto.

No ponto 25 deu-se como provado que o Autor é proprietário dos seguintes bens imóveis:
–Fracções designadas pelas letras “B”, com o valor patrimonial de € 25.038,98 e “C”, com o valor patrimonial de € 26.680,88, do prédio urbanosito em Sesimbra (Santiago), correspondentes ao 1º e 2º andares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, sob o nº., registadas a aquisição a favor do autor em 03/04/2013;
–Fracção designada pela letra “M”, do prédio urbano sito no Montijo, correspondente ao 1º andar frente, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o nº., registada a aquisição a favor do autor em 22/09/2008, com o valor patrimonial de € 72.189,25;
–Fracção designada pela letra “H”, do prédio urbano sito no Montijo, correspondente a garagem, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o nº., registada a aquisição a favor do autor em 22/09/2008, com o valor patrimonial de € 6.806,00;
–Prédio rústico situado em Beliscura, composto por terra de pinhal, freguesia de São João da Serra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Frades sob o nº. e registada a aquisição a favor do Autor em 06/11/2009;
–Fracção designada pela letra “S”, do prédio urbano sito em Vila Real de Santo António, correspondente ao 1º andar direito, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António sob o nº., registada a aquisição a favor do autor em 30/08/2004, com o valor patrimonial de € 77.185,37;
–Fracção designada pela letra “M”, do prédio urbano sito em Vila Real de Santo António, correspondente a cave destinada a garagem, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António sob o nº., registada a aquisição a favor do autor em 20/08/2007, com o valor patrimonial de € 8.342,15. Conforme documentos juntos em audiência e documentos de fls. 227, 228, 232, 233, 234, 229, 230 e 231).

Alega o apelante que o aí vertido merece reparo pois que os aludidos bens são por si detidos em meação com o seu atual cônjuge, o que decorrerá de prova autêntica constante dos autos.
Ora, resulta das certidões do registo predial constantes a fls 244 a 257 que a aquisição dos aludidos bens se encontra registada a favor do ora apelante, mas que também está inscrita a aquisição da respetiva titularidade a favor de Teresa, na qualidade de cônjuge daquele no regime de comunhão de adquiridos, à exceção do prédio sito na freguesia de São João da Serra, que adveio à titularidade do apelante por herança.

Assim, haverá que acrescentar um número à matéria de facto, dando conta do exposto.

No ponto 21 está provado que o imóvel referido em 7) é uma casa de campo, com um terreno de logradouro, tudo com cerca de 5.000m2, o qual não possui licença de utilização – doc. fls. 101 e 203 a 207.

Alega o apelante que o aludido imóvel não é uma casa de campo, mas um terreno rústico com uma construção destinada a arrecadação e arrumos; não se tratando de um imóvel destinado a habitação, não carece o mesmo de licença de utilização.

Invoca a documentação autêntica junta.

Na sentença assentou-se esse facto “nos documentos juntos aos autos pelas partes e pela Administração fiscal e expressamente aludidos em cada um dos factos dados como provados, cujo teor, autenticidade e valor probatório não foram infirmados por qualquer prova produzida nos presentes autos.

Para o aludido facto o tribunal a quo invocou os documentos de fls 101 e 203 a 207.

O documento de fls 101 é uma certidão da Câmara Municipal de Palmela informando que em 31.01.1992 o Sr. Carlos requereu licenciamento da construção de uma moradia, relativo ao prédio sito na Rua – Herdade de Monte Novo, freguesia de Pinhal Novo, tendo tal licenciamento sido condicionado, por despacho do vereador do Pelouro de 07.4.1992, à retificação e entrega de elementos em falta. Como tais elementos não foram entregues, o processo não teve evolução, não existe alvará de licença de obras de construção e autorização de utilização.

Os documentos constantes a fls 203 a 207 são o resultado de pesquisas em sede de IMI e ainda cadernetas predial e urbana.

Dos documentos juntos nada consta que determine alteração ao dado como provado, sendo certo que haverá que conjugar esta matéria com o dado como provado sob os n.ºs 7, 8 e 19, dos quais resulta que o local em causa é utilizado para habitação, não se limitando, pois, a arrecadação e arrumos.

Nesta parte, pois, a apelação improcede.

No ponto 13 da matéria de facto deu-se como provado que no ano de 2013, o autor suportou despesas de educação relativas às suas duas filhas no montante de €2.651,84 – Doc. fls. 59 a 62.

O apelante discorda, “pois o Apelante tem apenas uma filha menor, surgindo no seu IRS e da atual mulher dois dependentes esta ter uma filha de anterior relacionamento (doc. 5 junto à p.i.)” (conclusão XIII).

O tribunal a quo reportou o ponto 13 da matéria de facto aos documentos de fls 59 a 62. Trata-se de uma declaração de rendimentos para efeitos de IRS, da qual não se descortina o indicado valor de € 2 651,84 nem a sua imputação a despesas escolares de filhas do requerente. O que se pode dizer é que aí o tribunal deu como provado (com ligeira alteração no valor indicado) o que foi alegado pelo próprio requerente/apelante no art.º 27.º da p.i.

Face ao exposto, opta-se por manter o dado como provado.

Em suma, julga-se a impugnação da matéria de facto parcialmente procedente e consequentemente adita-se à matéria de facto um número 27, com o seguinte teor:
A aquisição dos bens referidos em 25 encontra-se registada também a favor de Teresa, sua atual cônjuge, à exceção do prédio sito na freguesia de São João da Serra, que adveio à titularidade do apelante por herança.
Segunda questão (cessação da pensão de alimentos)
Durante a vigência do matrimónio os cônjuges estão mutuamente obrigados, entre outros, ao dever de assistência (art.º 1672.º do Código Civil). Este, nos termos da lei, “compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar”(n.º 1 do art.º 1675.º e 2015.º do Código Civil), contribuição que será prestada de harmonia com as possibilidades de cada um e pode ser cumprida “pela afectação dos recursos do cônjuge àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção dos filhos” (n.º 1 do art.º 1676.º do Código Civil).

Com a dissolução do casamento pelo divórcio cessam as relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges e, consequentemente, os deveres inerentes ao matrimónio, incluindo o de assistência (artigos 1688.º, 1788.º e 1789.º do Código Civil).

Porém, o ex-cônjuge deverá prestar alimentos àquele que deles careça, figurando até em primeiro lugar na lista dos legalmente obrigados à prestação de alimentos (art.º 2009.º do Código Civil).

Embora o legislador enuncie que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio” (n.º 1 do art.º 2016.º do Código Civil, com a redação introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10), logo acrescenta que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio” (n.º 2 do art.º 2016.º do Código Civil). Só excecionalmente, “por razões manifestas de equidade”, o direito a alimentos poderá ser negado (a quem, à partida, deles careceria) – n.º 3 do art.º 2016.º.

Prevaleceu o entendimento de que não pode escamotear-se a realidade de uma antecedente vida em comum, independentemente da responsabilidade individual de cada cônjuge na ruptura da relação matrimonial.

Se os cônjuges pretenderem divorciar-se ou separar-se por mútuo consentimento, deverão acordar, além do mais, acerca da prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça (art.º 1775.º n.º 1 alínea c) do Código Civil, na sua redação atual, introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10; n.º 2 do art.º 1775.º do Código Civil, na redação anterior).

Dispõe o art.º 2003.º n.º 1 que “por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.” Os alimentos “serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”. Outrossim, acrescenta o n.º 2 do art.º 2004.º do CC, “na fixação de alimentos atender-se-á (…) à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.

Especificamente sobre os cônjuges, estipula-se no n.º 3 do art.º 2016.º-A do Código Civil que “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.” Este texto, introduzido pela Lei n.º 61/2008, de 31.10, elimina algumas dúvidas que a este respeito se suscitavam anteriormente, colando o regime da prestação de alimentos a ex-cônjuges ao regime regra, de âmbito mais restritivo do que o dever de assistência matrimonial (cfr., v.g., acórdão da Relação de Lisboa, 01.4.2008, processo 6575/2005-7 e acórdão da Relação do Porto, 07.6.2011, processo 668-C/1994-P1).

Naquilo que constitui uma concretização porventura desnecessária do critério geral enunciado no art.º 2004.º do Código Civil, estabelece-se no n.º 1 do art.º 2016.º-A que “na fixação dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.”

Por acordo homologado por sentença transitada em julgado em 10/04/2000, o requerente obrigou-se a proceder ao pagamento da quantia mensal de 75.000$00 (€ 375,00) mensais, a título de prestação de alimentos definitivos à requerida, atualizado anualmente no mês de janeiro de cada ano de acordo com o aumento geral da função pública e na mesma proporção estando atualmente no valor de € 396,87.

Entretanto o requerente veio aos autos alegar que a sua situação pessoal se havia modificado, em termos que determinavam a cessação da obrigação alimentar, sendo certo que a requerida dela não carecia.

O art.º 2013.º, n.º 1 alínea b) do Código Civil estipula que a obrigação de prestar alimentos cessa “quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles.”

Trata-se de uma norma quase desnecessária, por representar consequência lógica do estipulado no artigo anterior: “Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigadas a prestá-los” (art.º 2012.º do Código Civil).

Recairá sobre quem invoca a alteração das circunstâncias determinantes da fixação dos alimentos o ónus de alegação e prova dessa alteração, ou seja, neste caso tal ónus incidirá sobre o autor da ação que tem em vista o reconhecimento dessa alteração (art.º 342.º n.º 1 do Código Civil).

Ora, nestes autos provou-se que o requerente é médico especialista em ortopedia no Centro Hospitalar, EPE e na data da referida decisão homologatória auferia cerca de € 5.542,74 por mês, a título de rendimentos (n.º 4 da matéria de facto).

Mais se provou que no ano de 2015 o requerente declarou fiscalmente a título de rendimentos do trabalho a quantia mensal líquida de € 2.557,12 (€ 52.991,29-€16.428,00-€5887,51) e a sua mulher a quantia mensal líquida de € 1.125,39 (€ 19.370,69-€3.378,00-€2.487,99) (n.º 6 da matéria de facto). Ou seja, em 2015 o requerente declarou um rendimento mensal, a título de rendimento do trabalho, que é cerca de metade do que auferia em abril de 2000. Porém, também se provou que o requerente exerce igualmente medicina numa clínica de que é proprietária uma empresa da qual é sócio-gerente, sita no Montijo, cujos rendimentos se desconhecem (n.º 24 da matéria de facto). E também se provou que após o divórcio com a ora requerida o património imobiliário do requerente teve um incremento assinalável, tendo este adquirido seis frações autónomas de prédios urbanos, para além de um prédio rústico, este adquirido por via de sucessão hereditária. Não se pode deixar de considerar que tais aquisições denunciam uma capacidade económica muito elevada e constituem investimentos capazes de gerar rendimentos igualmente relevantes.

Assim, não ficou demonstrado que a situação económica do requerente, do ponto de vista do rendimento, se deteriorou face à ocasião da fixação dos alimentos.

Quanto às despesas, provou-se que após o divórcio o requerente voltou a contrair matrimónio, do qual nasceu uma filha, com as consequentes despesas (n.ºs 5, 12, 13, 14 e 15 da matéria de facto). Porém, também se provou que aquando do divórcio o requerente (e a requerida) tinham dois filhos menores, suportando o requerente as respetivas despesas. Porém, atualmente esses filhos são maiores e independentes financeiramente (n.º 11 da matéria de facto).

Assim, ao nível de despesas também não se logrou provar que a situação do requerente piorou face à época em que se acordou nos alimentos devidos à requerida.

Quanto à requerida, que atualmente tem 60 anos de idade (n.º 26 da matéria de facto), está provado que, além da incapacidade que já sofria à data do divórcio, decorrente de um grave de acidente de viação (n.º 16 da matéria de facto), em novembro de 2013 sofreu uma queda que lhe causou fratura do colo do fémur, com necessidade de intervenção cirúrgica para implante, carecendo de tratamento psiquiátrico por sofrer de depressão crónica, não tendo capacidade para o trabalho (n.ºs 16 a 18 da matéria de facto).

Aquando da partilha do património comum das partes foi adjudicada à requerida uma quinta sita no Pinhal Novo, com a parte urbana correspondente ao artigo matricial nº., com o valor patrimonial de € 10.255,68 e a parte rústica com o artigo matricial nº., secção B, com o valor patrimonial de € 222,66 (n.º 7 da matéria de facto). A requerida reside alternamente nessa quinta e num outro imóvel sito em Tavira, que pertenceu aos seus pais e que a Ré possui em comum com o seu pai, no qual tem o seu domicílio fiscal (n.º 8 da matéria de facto). Não se provou que a requerida tem a possibilidade de auferir rendimentos a partir desses imóveis (factos não provados alínea b) e c)). Pelo contrário, provou-se que com a quinta referida em 7 a requerida despende mensalmente a quantia de € 150,00 (n.º 22 da matéria de facto). Assim como se provou que a requerida suporta despesas mensais com a sua alimentação, asseio dos imóveis referidos em 7) e 8), higiene pessoal e de cuidados médicos e medicamentosos, vestuário e calçado, consumos domésticos e despesas de transporte, em montante que não se logrou apurar (n.º 23 da matéria de facto), mas para os quais é seguramente insuficiente a pensão de invalidez auferida pela requerida, no valor mensal de € 328,50 (n.º 9 da matéria de facto). Ou seja, não se vislumbra que, decorridos dezassete anos após a fixação da pensão de alimentos sub judice, a situação económica e financeira da requerida tenha sofrido melhorias que possibilitassem a cessação da obrigação de alimentos ou a sua redução. Sendo irrelevante, para os termos desta equação, a existência do filho referido em 20, uma vez que na lista dos obrigados a alimentos figuram em primeiro lugar os cônjuges ou ex-cônjuges (art.º 2009.º n.º 1 alínea a) do Código Civil) e muito escasso é o que se sabe acerca das suas particulares condições de vida.

Entende-se, pois, que o requerente não logrou demonstrar estarem reunidos os pressupostos para a cessação ou redução da obrigação de alimentos sub judice.

A apelação da requerida é, assim, procedente e a apelação do requerente é improcedente.

DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a apelação interposta pelo requerente improcedente e julga-se a apelação interposta pela requerida procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida e em sua substituição julga-se a ação não provada e improcedente, absolvendo-se a requerida do pedido.
As custas da ação e das duas apelações são a cargo do requerente/apelante, que nelas decaiu (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).



Lisboa, 09.11.2017


Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins