Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19853/22.5T8LSB-A.L1-8
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA POR CONEXÃO
RGPTC
LPCJP
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/02/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: RESOLVIDO
Sumário: O regime de competência estabelecido no n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC traduz um regime especial de competência, dito “por conexão”, que sobreleva sobre a competência territorial (cfr. n.º 5 do mencionado artigo 11.º do RGPTC).
Em face deste regime especial de competência “por conexão”, o que releva para efeitos de competência para todas as ações é a data da sua instauração, ou seja, da entrada em tribunal, sendo irrelevantes as modificações de facto que posteriormente ocorram – cfr. artigos 9.º n.ºs 1 e 9 do RGPTC e artigo 81.º, n.º 1, da LPCJP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I. O Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz “X” suscita a resolução de conflito negativo de competência entre ele próprio e o Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “Y” para a tramitação do presente processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, com fundamento em que ambos se declararam incompetentes para dele conhecer.
O Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “Y” declarou-se incompetente, em razão do território, com fundamento, em síntese, em que, quando o processo foi instaurado, a criança se encontrava a residir em Odivelas, Loures, sendo competente o Juízo de Família e Menores de Loures, em conformidade com o disposto no artigo 9.º n.ºs. 1 e 9, do RGPTC.
Por sua vez, o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz “X” declarou-se incompetente para a tramitação do presente processo, com fundamento, em síntese, em que o processo de promoção e proteção (que era apenso e dependente do processo de regulação), que se mostra findo, foi erradamente remetido com base no artigo 79º nº 4 da LPCJP por alteração de morada da menor e da mãe, uma vez que, os autos de responsabilidades parentais estavam pendentes de decisão (instância suspensa desde 17-01-2022) sendo, nessa circunstância, irrelevante a mudança de residência, nos termos do n.º 9 do artigo 9.º do RGPTC. Entendeu que o processo nunca deveria ser remetido para qualquer outro tribunal, uma vez que, cessada a medida e finalizado o processo de promoção e proteção, se tal se justificasse, o Juiz 5 do tribunal de família e menores deveria, desde logo, lançar mão do artigo 112º-A da LPCJP e resolver a situação da criança a nível tutelar cível.
A requerente, o requerido e o Ministério Público foram notificados, nada tendo requerido.
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II. Mostra-se apurado, com pertinência para a resolução do conflito, o seguinte:
1) Em 28-10-2020, “A” veio instaurar contra “B”, ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, em representação e no interesse da sua filha menor, “C”;
2) Distribuídos os autos ao Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 4, sob o n.º (…)/20.1T8LRS, em 11-01-2021, teve lugar conferência de pais no âmbito da qual foi proferida decisão de regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais, tendo ficado, nomeadamente, fixado que “a menor “C” fica a residir com a mãe, como já acontece, a qual exercerá as responsabilidades parentais inerentes aos atos da vida corrente daquela, exceto quando a mesma se encontrar junto do pai”.
3) Na mesma data – 11-01-2021 – o Ministério Público instaurou autos de promoção e proteção relativamente à referida criança, que, 12-01-2021 foram apensados aos autos de regulação, tendo tramitado sob o n.º (…)/20.1T8LRS-A.
4) Em 15-03-2021, no processo de promoção e proteção foi homologado acordo de promoção e proteção que aplicou à criança a medida de promoção e proteção de Apoio junto dos Pais, mais concretamente junto da mãe, ao abrigo dos arts. 35º, nº 1, alínea a), e 39º, ambos da LPCJP, medida esta aplicada pelo prazo de seis meses.
5) Em 06-10-2021, no processo de promoção e proteção foi homologado acordo de promoção e proteção tendo sido aplicada à criança a medida de promoção e proteção de apoio junto dos progenitores, mais concretamente junto da mãe, nos termos dos arts. 35º, n.º 1, al. a), e 39º. da LPCJP pelo prazo de um ano.
6) Em 17-01-2022, no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais foi proferido o seguinte despacho: “O Ministério Público promoveu a suspensão da presente instância face à intervenção de promoção e protecção.
Compulsados os autos de promoção e protecção em apenso verifica-se que “C” encontra-se, desde 06-10-2021, a beneficiar da Medida de Promoção e Protecção de Apoio Junto dos Pais, mais concretamente junto da mãe, ao abrigo dos arts. 35.º, nº 1, alínea a), e 39.º, ambos da LPCJP, medida esta aplicada pelo prazo de um ano,
Tendo em vista a conjugação da intervenção no âmbito da promoção e protecção em curso e a presente acção tutelar cível, deve esta aguardar o decurso e o desenvolvimento da referida intervenção de promoção e protecção, visando a salvaguarda do interesse da criança e a definição do projecto de vida e situação jurídica do mesmo, de forma estável.
Nestes termos e considerando a medida em curso e a sua natureza, nos termos do disposto nos artigos 27.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 269.º, alínea c), 272.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Civil, e artigo 63.º, n.º 1, alínea e), da LPCJP, determina-se a suspensão da presente instância até que seja cessada a medida aplicada (…)”.
7) Em 15-07-2022, no processo de promoção e proteção foi proferido o seguinte despacho: “Conforme bem refere o Ministério Público e resulta do relatório que antecede, não obstante a evolução positiva da situação atual (…), é essencial que a criança se estabilize (só neste ano, mudou de residência para o Cacém e depois para Lisboa) e se esclareça se a interrupção do acompanhamento psicológico é justificada do ponto de vista clinico e se o pai partilha da visão positiva da mãe quanto à evolução da relação entre todos..
Assim sendo, revendo a medida aplicada, decido manter a mesma nos termos do disposto no art. 62º, nº 1 e 3, al. C) da LPCJP, devendo a execução de tal medida ficar a cargo da SCML (…)”.
8) Em 16-08-2022, no processo de promoção e proteção foi proferido o seguinte despacho: “Transitada que se mostra a decisão de 15 de julho de 2022, remeta agora os autos (este apenso e o principal, atenta a conexão) ao Tribunal competente”.
9) Em 04-10-2023, no âmbito do processo de promoção e proteção foi proferido, pelo Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “Y”, a quem os autos foram distribuídos e passaram a ter o n.º (…)/22.5T8LSB, despacho de onde consta, nomeadamente, que “(…) não estando a Criança em perigo atual e eminente, nem sobre a ameaça de qualquer risco, não se justificam os presentes autos, pelo que, em conformidade, se declara cessada a medida protetiva aplicada no âmbito deste processo, e, em consequência, se determina o seu pronto arquivamento”, tendo, nos referidos autos, sido aposto visto em correição em 22-03-2024;
10) Em 14-12-2023, nos presentes autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, seguindo no referido Juízo sob o n.º (…)/22.5T8LSB-A, o Ministério Público promoveu o seguinte:
“Salvo melhor entendimento, “C” encontra-se a viver com a mãe, “A”, sendo que ambas residem, desde pelo menos 02.03.2023, na Amadora, e consequentemente este Tribunal já não será o territorialmente competente para decidir a presente ação.
Assim, promove-se a notificação do progenitor a fim de se pronunciar, se assim o entender”.
11) Em 19-12-2023, nos presentes autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tramitando pelo Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “Y”, foi proferida a seguinte decisão:
“Tomei conhecimento da promoção antecedente.
No presente há notícia da Requerente residir com a Criança na Amadora, mas, à data da propositura da presente ação, conforme vem indicado no requerimento inicial, a sua residência era em Odivelas.
Em conformidade, cumpre decidir:
1. A ora Requerente, “A”, na qualidade de progenitora da Criança, “C”, veio a este Tribunal suscitar a regulação do exercício das responsabilidades parentais, contra o progenitor “B”.
2. Do peticionado extrai-se que a Criança se encontrava a residir em Odivelas, Loures.
3. O presente requerimento deu entrada a 28.10.2020.
4. Ora, atenta à norma do artº 9º do RGPTC que dispõe sobre a “Competência territorial” e preceitua que:
5. “1 – Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.” (…) e
6. 9 – Sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo.”.
7. E ainda que, dispõe o artº 3º alínea c) do RGPTC que, “Para efeitos do RGPTC, constituem providências tutelares cíveis: (…)
8. c) A regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes;”.
9. Valorando as circunstâncias da vivência da Criança e atenta às normas legais que regulam a matéria, declara-se o presente tribunal incompetente, em razão do território, para os ulteriores trâmites processuais, verificada que está a exceção dilatória (de conhecimento oficioso a todo o tempo), e ordena-se que, após trânsito em julgado da presente decisão, os autos sejam prontamente remetidos ao Tribunal de Família e Menores competente – Loures da Comarca de Lisboa Norte (cfr. artºs. 102º, 104º, 105º nº 3, 278º nºs 1 al. e) e 2, 576º nºs 1 e 2, 577º al. a) e 578º todos do Código de Processo Civil, ex vi do artº 33º nº 1 do RGPTC e ainda artºs 10º nº 1 e 9º nºs 1 e 9 ambos do RGPTC), conjuntamente com a ação de PPP, já arquivado (…)”.
12) Em 29-02-2024, pelo Juízo de Família e Menores de Loures - Juiz “X”, nos presentes autos de regulação, foi proferido o seguinte despacho:
“Constata-se que a favor da mesma criança corre termos processuais a seu favor 2 processos com o nº (…)/22.5T8LSB um respeitante ao processo de responsabilidades parentais (suspenso por despacho proferido em 17 de janeiro de 2021 e outro de promoção e proteção com medida aplicada em 6 de outubro de 2021.---
Constata-se, igualmente, que no âmbito do processo de regulação já se encontra fixado um regime provisório desde 11 de janeiro de 2021 no âmbito de uma conferência de pais realizada nesse dia.---
Assim e antes do mais sigam os autos com termo de vista à Digna Procuradora a fim de promover o que tiver por conveniente (…)”.
13) Em 08-03-2024, o Ministério Público junto do Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz “X”, veio promover o seguinte:
“O processo tutelar cível (…)/20.1T8LRS, iniciou-se no J4 da Comarca de Loures, desde 28.10.2020, sendo requerente a mãe de “C”, nascida a 02.11.2016.
Nos termos da acta de 11.01.2021, foi fixado um regime provisório de RERP.
Entretanto, foi proposta acção de promoção e protecção a favor da mesma criança, a 11.01.2021, que foi apensada à referida RERP, passando o PPP a corresponder ao apenso A.
Contudo, tal como resulta dos despachos proferidos no processo de promoção e protecção, a 15.07.2022 e 16.08.2022, o processo referido foi remetido aos Juízos de Família e Menores de Lisboa porque a criança passou a residir em Lisboa, tendo a RERP que era o processo principal no J4, seguindo apensado ao processo de promoção e protecção, que passou a correr naqueles Juízos de Lisboa.
Nos Juízos de Família e Lisboa, o processo de promoção protecção recebeu outro número e passou a ser o processo principal e a RERP, que era o processo principal, passou a ser o apenso A.
Conforme resulta do relatório da EATTL, junto a 28.09.2023, a criança residia, à data da sua elaboração, na Amadora.
O Juízo de Família e Menores de Lisboa onde o processo de promoção e protecção passou a correr termos decidiu cessar a medida de promoção e protecção, por despacho proferido a 04.10.2023.
A instância no processo tutelar cível estava suspensa.
Contudo, tendo cessado a medida, veio o Juízo de Família e Menores de Lisboa a considerar, nos termos do despacho proferido a 19.12.2023, que seria competente para tramitar novamente a presente acção de RERP o tribunal onde se tinha iniciado a acção, tendo em conta o disposto no Art. 9º do RGPTC.
Afigura-se-nos, salvo melhor entendimento, que a competência para a tramitação do processo de RERP será do tribunal que tramitou o processo de promoção e protecção, ainda que a criança tenha alterado a sua residência e não resida já em Lisboa.
Com efeito, o disposto nos Arts. 11º do RGPTC e 81º da LPCJP sobrepõem-se ao disposto no Art. 9º do RGPTC, aplicando-se esta norma em situações em que não se verificam as contempladas nos Arts. 11º do RGPTC e 81º da LPCJP, constituindo regras especiais, face à regra geral da competência territorial do Art. 9º do RGPTC.
O facto de ter cessado a medida de promoção e protecção não retira ao tribunal que tramitou essa acção a competência para decidir o curso da RERP que “acompanhou” o processo de promoção e protecção, não devendo o processo tutelar cível regressar à Comarca onde se iniciou.
Assim, considera o MP que este J”X” de Família e Menores de Loures não é territorialmente competente para tramitar a acção tutelar cível em causa, mas sim o tribunal que passou a ter essa competência por força da remessa do processo de promoção e protecção, ainda que tenha terminado a respectiva medida, promovendo que se decida em conformidade.
Recorrendo ao raciocínio do Tribunal de Lisboa, então a acção de RERP deveria ser redistribuída ao tribunal inicialmente competente que foi o J4 e não ser objecto de nova distribuição em Loures.”.
14) Em 19-03-2024, o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz “X” proferiu o seguinte despacho:
“Por despacho proferido em 19 de dezembro de 2023 o J”Y” do juízo de Família e Menores de Lisboa declarou-se incompetente para decidir da presente ação de regulação das responsabilidades parentais com o fundamento de que a progenitora e a criança encontravam-se a residir na área desta Comarca de Loures à data em que a presente ação foi intentada em tribunal, ou seja 28 de outubro de 2020.
Compulsados os autos a ação em referencia havia tido o seu início neste tribunal e foi distribuída ao J”X” com o nº (…)/20.1T8LRS porquanto a residência da criança e da progenitora situava-se efetivamente na zona de Odivelas.---
Igualmente se constata que teve lugar em 11 de janeiro de 2021 uma conferência de pais no J”X” do tribunal de Loures e aí foi fixado um regime provisório a favor da criança e as partes remetidas para audição técnica especializada face à ausência de acordo entre as partes.---
No âmbito do presente processo e por despacho proferido em 17 de janeiro de 2022 foi a instância declarada suspensa porquanto em 6 de outubro de 2021 no âmbito do PP apenso A havia sido aplicada medida de apoio junto da mãe tendo tido o seu início em 11 de janeiro de 2021.-
O processo de promoção e proteção que corria os seus termos apenso aos presentes autos principais havida de ser remetido à Comarca de Lisboa por despacho proferido pelo J”X” do tribunal de Loures, em 16 de agosto de 2022, com o fundamento da alteração de residência para a comarca de Lisboa e transferido em 22 de agosto de 2022 como processo principal, tendo como apenso os presentes autos e ficado a ser tramitado no J”Y” de Família e Menores de Lisboa até à data em que foi proferido despacho de cessação da medida proferido em 4 de outubro de 2023.---
Simultaneamente os presentes autos permaneciam suspensos como se disse supra desde a data do despacho proferido em 17 de janeiro de 2022.---
Pelo que resulta dos autos a progenitora nem sequer residirá em Loures mas sim na Amadora desde 3 de março de 2023 conforme promoção de 14 de dezembro de 2023.---
Dispõe o artigo 9º, nº1, do RGPTC que a competência para decretar as providências tutelares cíveis é do tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.---
Contudo, estabelece, o nº 9 da mesma disposição legal que, sem prejuízo das regras de conexão, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo.
No caso em apreço, os autos de promoção e proteção que eram apensos a este processo principal foram, a nosso de ver erradamente, remetidos com base no artigo 79º nº 4 da LPCJP uma vez que se verificou a alteração de morada da menor e da mãe, contudo encontrava-se ainda pendente com a instância suspensa desde 17 de janeiro de 2022 os presentes autos referentes às responsabilidades parentais, dos quais o processo de promoção sempre foi dependente uma vez que foi intentado já no decurso destes autos entendendo, como se disse supra, que já nesta data não deveriam ser remetidos pelo J4 de Loures uma vez que a regulação das responsabilidades parentais encontrava-se suspensa e portanto ainda pendente sem resolução (nesse sentido a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa na reclamação referente ao Processo 556/14.0 TCLRS -J de 16.11.20).---
Os processos mostram-se interligados entre si não podendo ser remetido um processo a outra Comarca com o fundamento da alteração de residência (que em rigor no caso que nos ocupa não será a área desta comarca) se se encontra pendente ainda de decisão outro processo sendo irrelevante tal modificação, caso contrário o processo poderá continuar a correr termos processuais em variadas comarcas sem que a situação da criança seja resolvida a nível tutelar cível como se impõe que já o tivesse sido no J”Y” de Lisboa face à finalização da medida e bem assim à cessação do processo de promoção e proteção.---
Destarte, forçoso se torna, assim, concluir que, será o J”Y” do juízo de Família e Menores de Lisboa que melhor colocado se encontra para decidir por conexão o objeto da presente lide (no âmbito deste processo uma vez que o processo de promoção e proteção até já se mostra findo sendo que por vários motivos que aqui poderíamos enumerar seria sempre o J”Y” de Família e Menores de Lisboa o competente para continuar a tramitar os autos principais e que ainda se mostram pendentes, tendo à data em que lhe foi remetido pelo J”X” de Loures aceitado a competência e continuado a tramitar o processo conforme deixamos expresso.
Acresce que a nosso ver o processo nunca deveria ser remetido para qualquer outro tribunal uma vez que cessada a medida e finalizado o processo de promoção e proteção, se tal se justificasse, o J”Y” do tribunal de família e menores deveria, desde logo, lançar mão do artigo 112º-A da LPCJP e resolver a situação da criança a nível tutelar cível.---
Razão porque entendemos que este J”X” de família e Menores de Loures não tem competência para tramitar este processo e atento o disposto no artigo 111º do Código de Processo Civil, face ao verificado conflito negativo de competência, suscita-se a respetiva resolução pelo tribunal superior, remetendo-se os autos, ao Meritíssimo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, para tal decisão, urgente.---”.
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III. Conhecendo:
Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC).
Entendem ambos os tribunais, não serem competentes em razão do território, para dirimir o processo de regulação.
A Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro veio aprovado o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (abreviadamente RGPTC) estabelecendo o artigo 3.º desse regime que:
“Para efeitos do RGPTC, constituem providências tutelares cíveis:
(…) c) A regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes; (…)”.
Por seu turno, o artigo 9.º do RGPTC – sob a epígrafe “Competência territorial” – prescreve o seguinte:
“1 - Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.
2 - Sendo desconhecida a residência da criança, é competente o tribunal da residência dos titulares das responsabilidades parentais.
3 - Se os titulares das responsabilidades parentais tiverem residências diferentes, é competente o tribunal da residência daquele que exercer as responsabilidades parentais.
4 - No caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência daquele com quem residir a criança ou, em situações de igualdade de circunstâncias, o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
5 - Se alguma das providências disser respeito a duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
6 - Se alguma das providências disser respeito a mais do que duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal da residência do maior número delas.
7 - Se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
8 - Quando o requerente e o requerido residam no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, o conhecimento da causa pertence à secção da instância central de família e menores de Lisboa, na Comarca de Lisboa.
9 - Sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo”.
Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 10.º do RGPTC, a incompetência territorial pode ser deduzida até decisão final, devendo o tribunal conhecer dela oficiosamente.
O artigo 11.º do RGPTC regula os casos de “competência por conexão”, dispondo o seguinte:
1 - Se, relativamente à mesma criança, forem instaurados, separadamente, processo tutelar cível e processo de promoção e proteção, incluindo os processos perante a comissão de proteção de crianças e jovens, ou processo tutelar educativo, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às providências tutelares cíveis relativas à averiguação oficiosa da maternidade ou da paternidade, nem às que sejam da competência das conservatórias do registo civil, ou às que respeitem a mais que uma criança.
3 - Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação.
4 - Quando o processo tutelar cível respeitar a mais do que uma criança, pode ser instaurado um único processo e, tendo sido instaurados processos distintos, pode proceder-se à apensação de todos eles ao que foi instaurado em primeiro lugar, se as relações familiares assim o justificarem.
5 - A incompetência territorial não impede a observância do disposto nos n.ºs 1, 3 e 4.”.
Da conjugação do n.º 1 com o n.º 5 do preceito, resulta que a competência “por conexão”, a que se refere o primeiro, sobreleva sobre a competência territorial.
Da interpretação do n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC resulta a consagração de 4 regras:
“- a 1ª impõe (“devem”) a apensação entre o processo tutelar cível e o processo de promoção e proteção ou o processo tutelar educativo (e somente entre estes);
- a 2ª que a apensação opera em qualquer estado dos processo (mesmo que findos);
- a 3ª (implícita), estabelece a ordem ou precedência da apensação (ao processo instaurado em 1ª lugar);
- a 4ª instituindo um regime especial de competência territorial (o tribunal onde primeiramente se instaurou qualquer dos referidos processos)” (assim, a decisão do Vice-Presidente do STJ de 21-04-2023, Pº 2600/14.2TBALM-B.L1.S1, rel. NUNO GONÇALVES, disponível em https://www.dgsi.pt).
Por seu turno, quanto a processos de promoção e proteção, regula a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (abreviadamente, LPCJP, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro).
Por “medida de promoção dos direitos e de proteção” entende-se “a providência adotada pelas comissões de proteção de crianças e jovens ou pelos tribunais, nos termos do presente diploma, para proteger a criança e o jovem em perigo” (cfr. artigo 5.º, al. e) da LPCJP), estando o leque de medidas aplicáveis previsto no artigo 35.º da LPCJP.
Sobre a competência territorial para a aplicação de medidas de promoção e proteção, dispõe o artigo 79.º da LPCJP que:
“1 - É competente para a aplicação das medidas de promoção e proteção a comissão de proteção ou o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial.
2 - Se a residência da criança ou do jovem não for conhecida, nem for possível determiná-la, é competente a comissão de proteção ou o tribunal do lugar onde aquele for encontrado.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a comissão de proteção ou o tribunal do lugar onde a criança ou o jovem for encontrado realiza as diligências consideradas urgentes e toma as medidas necessárias para a sua proteção imediata.
4 - Se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência.
5 - Para efeitos do disposto no número anterior, a execução de medida de promoção e proteção de acolhimento não determina a alteração de residência da criança ou jovem acolhido.
6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a comissão de proteção com competência territorial na área do município ou freguesia de acolhimento da criança ou jovem, presta à comissão que aplicou a medida de promoção e proteção toda a colaboração necessária ao efetivo acompanhamento da medida aplicada, que para o efeito lhe seja solicitada.
7 - Salvo o disposto no n.º 4, são irrelevantes as modificações de facto que ocorrerem posteriormente ao momento da instauração do processo”.
Nos termos do disposto no n.º. 1 do artigo 85.º do Código Civil, o menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não existir, tem por domicílio, o do progenitor a cuja guarda estiver.
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IV. Os presentes autos de regulação das responsabilidades parentais, instaurados em 28-10-2020, foram distribuídos ao Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz “X”, sob o n.º (…)/20.1T8LRS, tendo aí tido lugar regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais em 11-01-2021.
Nessa mesma data (11-01-2021) foi instaurado processo de promoção e proteção pelo Ministério Público, que foi apensado ao processo de regulação.
Verifica-se, pois, que entre os referidos processos há uma relação de anterioridade do processo de regulação das responsabilidades parentais, instaurado em primeiro lugar.
Entretanto, foi declarada a suspensão da instância no processo de regulação até cessação da medida aplicada no processo de promoção e proteção.
Determinada a execução da medida aplicada, por despacho de 16-08-2022 proferido no processo de promoção e proteção, vieram os autos a transitar de Loures para o Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “Y”, passando os autos de regulação a constituir apenso do processo de promoção e proteção, apesar da sua entrada em juízo anterior.
Entretanto, em 04-10-2023 veio a ser declarada cessada a medida de promoção e proteção e determinado o arquivamento desses autos e, ulteriormente, por se entender que a residência da criança (entretanto alterada para a Amadora) à data da instauração dos autos era em Odivelas, vieram os autos a ser remetidos a Loures.
Conforme deriva deste singelo elenco factual, verificava-se, à data em que foram instaurados ambos os processos, uma situação de competência por conexão entre o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais (principal) e o processo de promoção e proteção (apenso), ulteriormente instaurado, que determinava que o processo de promoção e proteção fosse apensado aquele processo de regulação, o que, de facto, enquanto os processos tramitaram inicialmente em Loures, veio a suceder.
Todavia, os autos (ambos) vieram em 2022 a ser remetidos a Lisboa, em razão da alteração de residência da criança para Lisboa, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 79.º da LPCJP.
O regime de competência estabelecido no n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC traduz um regime especial de competência, dito “por conexão”, que sobreleva sobre a competência territorial (cfr. n.º 5 do mencionado artigo 11.º do RGPTC).
“A atribuição de competência por conexão constitui uma exceção à regra geral da competência territorial. (…). A competência por conexão é prevista nos artigos 11.º n. º1 do RGPTC, 81.º n. º1 da LPCJP. Salienta- se o seu carácter especial e deste modo prevalecente em relação às regras de competência territorial, atribuindo a competência a quem já tem para conhecer o outro processo. A conexão processual mantém-se mesmo com a transição para outro Tribunal” (assim, Ana Catarina Martins Sousa; A harmonização das decisões relativas à criança e ao jovem; Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, março de 2019, pp. 44-45, texto consultado em: https://run.unl.pt/bitstream/10362/77155/1/Sousa_2019.pdf).
Em face deste regime especial de competência “por conexão”, o que releva para efeitos de competência para todas as ações é a data da sua instauração, ou seja, da entrada em tribunal, sendo irrelevantes as modificações de facto que posteriormente ocorram – cfr. artigos 9.º n.ºs 1 e 9 do RGPTC e artigo 81.º, n.º 1, da LPCJP.
Ora, o processo principal – o da regulação do exercício das responsabilidades parentais – deu entrada em juízo em 28-10-2020, data em que a criança residia na área da competência territorial do Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz “X”.
O processo de promoção e proteção relativo à mesma criança, deu entrada em juízo em 11-01-2021.
Do exposto resulta que, por força do supra referido regime de conexão especial, constante do artigo 11.º, n.º 1, do RGPTC, continua a ser competente para a tramitação do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais (e para a do, ora findo, apenso de promoção e proteção), o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz “X”.
Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, decido este conflito, declarando competente para a presente ação, o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz “X”.
Sem custas.
Notifique-se (cfr. artigo 113.º, n.º 3, do CPC).
Baixem os autos.

Lisboa, 02-04-2024,
Carlos Castelo Branco (Vice-Presidente, com poderes delegados).