Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
41/19.4PEPDL.L1-3
Relator: ALFREDO COSTA
Descritores: NULIDADES
INVOCAÇÃO
TRIBUNAL SUPERIOR
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ARGUIÇÃO DE NULIDADES IMPROCEDENTE
Sumário: Ao tribunal de recurso impõe-se apreciar e pronunciar-se sobre questões que lhe sejam suscitadas e não sobre cada um dos argumentos apresentados pelos intervenientes processuais para levar a bom porto a sua pretensão recursiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1.1. O recorrente CM_____, com os demais sinais dos autos, veio invocar a existência de nulidade do Acórdão proferido por este Tribunal da Relação, aduzindo os elementos que constam do requerimento apresentado, os quais, no seu entender, apontam para a nulidade do acórdão por alegada omissão de pronuncia sobre questões concretas suscitadas em sede de recurso.
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1.2. Também, o recorrente MA______, com os demais sinais dos autos, veio invocar a existência de nulidade do Acórdão proferido por este Tribunal da Relação, aduzindo os elementos que constam do requerimento apresentado, os quais, no seu entender se se circunscreve na abstenção deste tribunal conhecer da nulidade do acórdão
recorrido - emergente a inexistência de factos conducentes à imputação ao
recorrente dum concreto crime – sentenciando que tal era uma nulidade sanável que, consequentemente, se sanou por o recorrente a não ter invocado oportunamente.
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1.3. A Exmª Procuradora Geral Adjunta foi notificada das apresentações destes requerimentos e nada disse.
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1.4. Neste caso, não sendo o acórdão suscetível de recurso para o STJ, as invocações de nulidades podem ser conhecidas e sanadas pelo tribunal que proferiu a decisão.
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1.5. Procedeu-se à Conferência neste Tribunal, a qual veio a decorrer com observância do legal formalismo.
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II. Conhecendo
2.1. Importa responder às alegadas nulidades do acórdão proferido, que no fundo ambas incidem na nulidade por omissão de pronuncia, nos termos previstos no artigo 379° do CPP, normativo que se aplica ao acórdão proferido em recurso nos termos do 425°, nº 4, do mesmo diploma legal.
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2.2. O recorrente CM_____, ora reclamante, veio sustentar a nulidade do Acórdão proferido invocando os seguintes pontos:
1 – Inconformado, o arguido/Recorrente interpôs recurso de apelação, pugnando, entre o mais, pela modificação da factualidade considerada provada, designadamente que deveria ser acrescentado ao elenco dos factos provados que “o arguido CM______ atuou de forma a auxiliar os órgãos de polícia criminal na recolha de provas decisivas para a identificação e detenção dos demais arguidos”.
Identificou os concretos factos que o Tribunal devia ter considerado provados e as concretas provas que impunham decisão diversa (págs. 14-16 e 31-33 do recurso interposto),
2 – Apreciado e decidido o recurso, tal questão não foi escrutinada pelo Acórdão ora proferido, pelo que
3 – Ao deixar de pronunciar-se sobre questão que lhe foi colocada o Acórdão ora proferido enferma de nulidade resultante de omissão de pronúncia (al. c) do n.º 1 e 2 do art. 379.º do C.P.P.).
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2.3. Também o recorrente MA______, ora reclamante, veio sustentar a nulidade do Acórdão proferido invocando os seguintes pontos:
1. O poder cognitivo do Tribunal em Processo Penal encontra-se condicionado pela acusação formulada pelo Ministério Público em obediência ao preceituado no artigo 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.
2. O Tribunal da Relação de Lisboa absteve-se de conhecer da nulidade do acórdão recorrido - emergente a inexistência de factos conducentes à imputação ao recorrente dum concreto crime – sentenciando que tal era uma nulidade sanável que, consequentemente, se sanou por o recorrente a não ter invocado oportunamente.
3. Porem, tal não aconteceu por aquele a ter expressamente alegado em sede de contestação e por referência ao disposto no artigo 315º do C. P. Penal.
4. Destarte, padece o Acórdão em causa de nulidade que se invoca por apelo ao disposto no artigo 379º alínea a), b) e c) do C. P. Penal.
5. No mesmo passo, e atento o disposto no artigo 414º, n.º 8 segmento final do Código de Processo Penal sempre tal nulidade radica no facto do Tribunal da Relação de Lisboa ter conhecido – e reconhecido - da culpa de todos os arguidos, quando um deles aguarda, ainda, a decisão final do recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância,
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Vejamos.
Neste contexto, entendem os recorrentes que o Acórdão proferido padece, nesses segmentos de omissão de pronúncia, e, por isso, da nulidade prevista no artº 379º do CPP.
Quanto à omissão de pronúncia, o citado preceito legal, na alínea c) dispõe que "É nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ... "
As suscitadas nulidades por omissão de pronúncia imputadas ao tribunal de recurso, com a invocação de que este Tribunal se não pronunciou sobre questões objeto do recurso não tem a menor razão ou sentido porquanto os conhecimentos de tais questões resultam de forma clara e inequívoca da fundamentação do acórdão.
E importa referir que o tribunal de recurso não tem de pronunciar-se sobre todos os argumentos aduzidos pela parte no sentido de ver proceder a sua pretensão.
Conforme entendimento pacífico da nossa jurisprudência, em sede de recurso, o Tribunal tem de apreciar e pronunciar-se sobre questões que lhe sejam suscitadas e não sobre cada um dos argumentos apresentados pelos intervenientes processuais para levar a bom porto a sua pretensão recursiva.
No que tange ao arguido CM_____ insurge-se quanto ao facto de ter invocado no seu recurso “Face à prova produzida, mormente, as declarações do arguido em sede de primeiro interrogatório não judicial, 1.º interrogatório judicial e em audiência de julgamento e do depoimento da testemunha Pedro Moreira (n.º 2 e 5 do CD da prova, respetivamente), o Tribunal “a quo” devia ter considerado provado que:
“O arguido CM______ atuou de forma a auxiliar os órgãos de polícia criminal na recolha de provas decisivas para a identificação e detenção dos demais arguidos”.
Mas esta questão foi efetivamente ponderada no acórdão proferido por este tribunal.
Basta atentar no seguinte trecho:
Ao contrário do que o arguido/recorrente invoca, o acórdão recorrido define o seu comportamento processual como de não total colaboração. Concretamente:
a) Não identificou nem explicou a forma como se conciliaram e a tarefa concreta que cada qual teve a seu cargo;
b) Não identificou o resultado que cada qual retiraria da ação;
c) Falou…mas não explicou e substanciou…coisa que coube à investigação fazer sem mais ajuda sua, os contornos da remessa aqui em causa;
d) Não abandonou de forma voluntária a atividade…;
e) Não fez diminuir o perigo associado ao ilícito aqui em causa…antes perdurou na sua conduta delituosa, acabando por receber a encomenda que naturalmente se destinava a quem a disseminasse pelos consumidores da ilha.
Nestes termos, nenhuma censura nos merece o acórdão recorrido ao não se ter equacionado e socorrido da aplicação ao arguido/recorrente da atenuação especial da pena constante do disposto no artigo 31º do referido DL 15/93 de 22 de janeiro.
O arguido/recorrente prevendo a possibilidade de o seu recurso não ter procedência quanto à eventual aplicação do disposto no artigo 31º do DL 15/93 de 22 de janeiro, reclama, então, a aplicação do disposto no artigo 72.º do C.P., considerando a sua confissão dos factos. 
Também, aqui, pelo que já foi expendido carece de fundamento o pretendido pelo recorrente, sem desdouro pelo seu esforço argumentativo.
Presume-se que o arguido/recorrente ao fundamentar a aplicação do disposto no artigo 72º do Código Penal, pretende referir-se em concreto ao referido no seu nº 2, c) do Código Penal.
A inaplicabilidade do disposto no artigo 31º do referido DL 15/93 de 22 de janeiro ao caso dos autos, não implica, necessariamente, o eventual afastamento da atenuação especial nos moldes previstos na lei geral. É que nos moldes da fixação da medida concreta da pena são sempre de ponderar todas as circunstâncias atenuantes que se verifiquem no caso.
Vejamos o que consta do acórdão recorrido, não descurando os trechos a que acima fizemos referência e aplicáveis a esta temática.
Os factos são graves. Este tipo de crime (o de tráfico de estupefacientes) é causa de grandes danos sociais, especialmente no seio familiar. É, igualmente, alvo de forte repressão por parte do Estado, investindo avultadas somas de dinheiro e mobilizando grande número das forças destinadas a combater o crime. É também motivo de forte cooperação internacional, atenta a sua danosidade transfronteiriça.
Agiram de forma dolosa.
O crime reveste-se de elevada ilicitude se tivermos em conta a premeditação, a estratégia associada à oportunidade criada, aos meios envolvidos e às pessoas que, de forma matreira acabaram por usar na estratégia que desenharam…vale-lhes a natureza menos nociva do estupefaciente aqui em causa.
A quantidade de droga, a atividade que não se enquadra no retalho e a circunstância de não serem consumidores aditos…dá-nos nota da sua culpa acima da moldura mínima.
Os antecedentes criminais dos (…) CM______, entre os quais e relativamente e este último se contam três condenações por crimes de tráfico são-lhes desfavoráveis…e dão-nos nota da sua tendência delituosa.
Apesar de o CM______, parcialmente assumir alguns dos factos que lhe são imputados, a verdade é que essa realidade tem pouco relevo probatório se considerarmos a demais prova coligida para os autos.
A falta de arrependimento é manifesta.
No que respeita à sua personalidade e condições socioeconómicas, importa salientar que são pessoas com vidas estruturadas, apoiadas familiarmente e profissionalmente ativas…âncoras que, contudo, não se mostraram fortes que chegue para os afastar da prática delituosa…realidade que deixa exposto, de forma objetiva, o perigo de continuarem a atividade aqui em causa…coisa que, quanto ao CM______, é uma certeza face às condenações anteriores por crimes da mesma natureza e que não lhe serviram de freio a nova prática delituosa que reiterou em pleno período de liberdade condicional.
Inexistem, pois, quaisquer circunstâncias que integrem o disposto no artº 72º nº 2, c) do Código Penal, ou qualquer outra das suas diversas alíneas, sendo certo que a confissão que reclama como fator decisivo na atenuação especial da pena é qualificável de atenuante geral, e nem essa corresponde à realidade dos autos, como vimos.
É, pois, desprovido de qualquer fundamento a nulidade invocada.
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Quanto à nulidade invocada pelo arguido MA______ a nulidade invocada é completamente despropositada e sem qualquer razoabilidade.
Na verdade, este tribunal quando se refere às nulidades da acusação refere-se naturalmente às consignadas no artigo 120º do Código de Processo Penal, o que não é obviamente confundir com a impugnação dos factos constantes da acusação.
Basta ler devidamente o teor do acórdão proferido por esta Relação para se constatar a inexistência de qualquer nulidade, mormente as suscitadas pelos requerentes.
Por fim, urge referir que o mecanismo previsto no artigo 379° do CPP visa sanar nulidades ou vícios da sentença, não permitindo que a mesma seja reformulada, com a prolação de outra decisão de sentido diverso, como parecem pretender os requerentes, pois quanto à substância das questões apreciadas como é bom de ver o tribunal esgotou o seu poder jurisdicional, e podemos dizer que os recorrentes com as arguições das nulidades mais não manifestam do que as suas inconformidades com o decidido no acórdão.
Temos assim por certo que este Tribunal de recurso se pronunciou sobre todas as questões suscitadas, explicitando os fundamentos que conduziram à improcedência do recurso.
Improcedem, assim, manifestamente as alegadas nulidades do acórdão.
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3. Termos em que, e sem mais considerações, se conclui pela inexistência das alegadas nulidades do acórdão.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4Ucs.
Notifique.

Tribunal da Relação de Lisboa, aos 16 de setembro de 2020
Alfredo Costa
Vasco Freitas