Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
60/22.3SWLSB.L1-3
Relator: HERMENGARDA DO VALLE-FRIAS
Descritores: LEI DA AMNISTIA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
TIPO BASE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. Na decorrência da aprovação da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas de 1988, como o próprio Legislador de 1993 faz questão de afirmar, era importante estabelecer regras internas que combatessem a degradação do tecido social através do consumo de produtos estupefacientes, atacando a sua origem – a venda e transacção por qualquer forma.
Não podem descurar-se as exigências de prevenção especial, destaca-se o facto de os arguidos terem actuado como vigias e num contexto em que, como resulta da factualidade assente, os seus avisos foram sendo determinantes para que a actividade de tráfico se fosse desenvolvendo naquele lapso de tempo, o que, aliado ao facto de ambos terem antecedentes por crime da mesma natureza, um deles estando mesmo àquela data em pleno cumprimento de uma pena suspensa naquela decorrência, faz com que tudo isto resulte no desvalor muito acentuado das respectivas condutas.
II. Decorre dos seus normativos que o DL nº 15/93 estabeleceu um tipo legal de crime de tráfico de produtos estupefacientes no seu art.º 21º, aquele a que já chamávamos o tipo-base e que condensa, de facto, todos os modos de actuação susceptíveis de se enquadrarem legalmente como tráfico.
Por outro lado, fica evidente que dedicou o art.º 22º ao tratamento da matéria dos precursores, matéria cada vez mais importante, não apenas por via da padronização, no tráfico internacional, de nítidas áreas conotadas com a produção e outras com o comércio e consumo, mas também por via da manipulação (química) a que vêm sendo submetidas as substâncias, dando isto origem, em muitos casos, a que a importância da origem se dilua naquilo que é o domínio da transformação, com o processo de produção de drogas não apenas orgânicas a liderar os fluxos do consumo e do dinheiro.
Finalmente, o art.º 28º foi dedicado à criminalidade organizada no âmbito da actividade de tráfico de produtos estupefacientes.
E estas são as mesmas áreas de intervenção que são destacadas pelo mesmo Legislador na Lei nº 38-A/2023 de 02.08.
Por isso, no art.º 7º dedicado às exclusões de aplicação da referida Lei, se determina que ficam excluídos da aplicação do perdão ali concedido (nº 1, al. f) ix)  os crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas (…)
Ao prever desta forma, o Legislador fê-lo de modo a fazer incidir a interdição precisamente sobre as áreas de actuação das políticas de combate o tráfico de estupefacientes, tal como constam do respectivo diploma.
Resultando claramente da Lei nº 38-A/2023 de 02.08, com ou sem o recurso às regras de interpretação normativa, que o Legislador pretendeu excluir da aplicação do perdão de pena toda e qualquer actividade de tráfico, seja ela nos termos do art.º 21º citado, desagravada nos termos do art.º 25º ou agravada nos termos do art.º 24º do referido diploma, não devem os Tribunais inovar onde o Legislador – de quem se presume como determina o art.º 9º do Cód. Civil – foi claro e expresso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório
Pelo Juízo Central Criminal de Lisboa – J7 – foi proferido acórdão em 02.11.2023 que decidiu do seguinte modo:
(…)
Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais citadas, decide o Coletivo de Juízes:
A) Absolver os arguidos AA, CC, BB e DD da prática em coautoria de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro;
B) Condenar o arguido EE pela prática em coautoria de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B, anexas a esse diploma legal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis meses) de prisão;
C) Condenar o arguido AA, pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 25.º, a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
D) Suspender a execução da pena de prisão ao arguido AA ao abrigo do disposto no artigo 50.º e 53.º do Código Penal, por idêntico período ao da sua duração, acompanhada de regime de prova.
E) Condenar o arguido CC, pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 25.º, a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;
F) Condenar o arguido BB, pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 25.º, a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão;
G) Condenar o arguido DD, pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 25.º, a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
H) Suspender a execução da pena de prisão ao arguido DD ao abrigo do disposto no artigo 50.º e 53.º do Código Penal, por idêntico período ao da sua duração, acompanhada de regime de prova.
(…)
Os arguidos EE e AA e BB, não se conformando com a decisão, vieram interpor recurso.
Atento a que o arguido EE (aliás, como os restantes) recorreu apenas da medida da pena e que a primeira instância fixou a mesma em 6 anos e 6 meses de prisão, foi dado cumprimento ao disposto no art.º 432º, nº 1, al. c) do Cód. Proc. Penal, e o seu recurso foi separado e remetido ao STJ por ser o Tribunal competente para conhecer do mesmo.
I. O arguido AA (em aperfeiçoamento) apresentou as seguintes conclusões:
(…)
1. O arguido considera que o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 2 do Artigo 40.º e Artigo 71.º, ambos do Código Penal, incorrendo em erro de aplicação ao caso concreto.
2. O Tribunal sopesou em demasia os antecedentes criminais do arguido e cremos que não atentou corretamente às condições pessoais e familiares do arguido.
3. A intervenção do recorrente mostra-se circunscrita à função de vigia e, como tal, a menos grave na apelidada “pirâmide do narcotráfico”.
4. Apesar de consideramos incorreta a sua atividade, entendemos que a pena aplicada ultrapassou a medida da culpa do arguido.
5. Os factos dados como provados reclamam a inserção do arguido num nível baixo do crime de tráfico de menor gravidade – o que se pugna.
6. As condenações pela prática de crime da mesma natureza remontam ao ano de 2017 e de 2019 e o arguido está inserido na sociedade.
7. A medida da pena excedeu a medida da culpa e a gravidade das circunstâncias da conduta do arguido.
8. A aplicação de uma pena de 1 ano e 6 meses, suspensa na sua execução, revela-se suficiente para assegurar as finalidades de punição, para efeitos do disposto no Artigo 71.º do Código Penal, ao contrário do que sucedeu.
9. O acórdão recorrido deverá ser revogado, reduzindo-se a pena de prisão aplicada para 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeitando-se o arguido a um regime de prova (nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 50.º e 53.º do Código Penal).
(…)
II. O arguido BB apresentou as seguintes conclusões:
(…)
1.ª Tendo sido o Recorrente no passado dia 02 de Novembro do corrente ano tendo sido alvo de uma Decisão Condenatória do Tribunal á quo, relativamente ao Processo n.º 60/22.3SWLSB, Processo esse que correu os seus termos junto do J7 do Juízo Central Criminal de Lisboa,
2.ª Diga – se em abono da verdade que a referida decisão condenatória deixou o Recorrente completamente confuso e estupefacto, uma vez que o Recorrente foi condenado no âmbito daqueles Autos numa pena 02 anos e 05 meses de prisão, convém também acrescentar que esses 02 anos e 05 meses de prisão prendem – se com o facto do Recorrente ter praticado um crime de por trafico de estupefacientes de menor gravidade nos termos do artigo 25.º da Lei,
3.ª Diga – se em abono da verdade que a pena aplicada pelo Tribunal á Quo, além de ser absurda é completamente despropositada,
4.ª Uma vez que aquando da prática dos factos o Arguido tinha menos de 30 anos, ou seja, tinha 21 anos, os referidos factos ocorreram em 2022 logo o Tribunal á Quo teria que aplicar a lei 38-A/2023, ou seja a Lei da Amnistia,
5.ª Com aplicação da referida Lei a pena relativamente à qual aquele foi condenado será reduzida para 1 ano e 05 meses de prisão, em virtude do perdão de 01 ano, estando privado da liberdade primeiro em prisão preventiva depois em OPHVE desde o dia 22 de Setembro de 2022, há 01 e 02 meses, logo o ora Recorrente só terá que cumprir 03 meses de prisão,
6.ª Assim sendo logo e em face do que se foi expondo ao longo do presente Recurso entende – se por sinal que haveria e há todas as condições para que os Autos sejam objecto de revisão em relação á pessoa do Recorrente, e que a decisão poderia ser outra que seria a aplicação aquele de uma pena suspensa.
(…)
O Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou Respostas, pugnando pela improcedência dos recursos.
Os recursos foram admitidos pelo Tribunal recorrido, todos para este Tribunal da Relação e com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exma. Procurador-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da procedência parcial do recurso do arguido BB e improcedência do restante, sendo que requereu, ainda, a remessa para o STJ do recurso do arguido EE.
Proferido despacho liminar e colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.
***
Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos art.ºs 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos art.ºs 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 (DR, Iª Série - A de 28.12.1995) e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 (DR, Iª Série - A de 07.12.2005).
Das disposições conjugadas dos art.ºs 368º e 369º, por remissão do art.º 424º, nº 2, ambos do mesmo Cód. Proc. Penal, resulta ainda que o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão (art.º 379º do citado diploma legal);
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela chamada impugnação alargada, se deduzida (art.º 412º), a que se segue o conhecimento dos vícios enumerados no art.º 410º nº 2 sempre do mesmo diploma legal.
Finalmente, as questões relativas à matéria de direito.
Os arguidos (AA e BB), nas conclusões do recurso, fixam o objecto de apreciação requerida nas seguintes questões:
- o Tribunal a quo valorou erradamente os pressupostos de determinação das penas, aplicando penas aos arguidos desproporcionais, atentos os factos fixados, além dos limites da culpa, razão pela qual importa reduzir as mesmas e suspendê-las na execução;
- no caso do arguido BB, vem ainda invocar os pressupostos de aplicação da última Lei de Amnistia, em termos de ser-lhe aplicado o perdão que reduzia substancialmente a pena que, aliás, nessa perspectiva, já cumpriu integralmente neste momento.
***
Fundamentação
O Tribunal recorrido fixou a matéria de facto do seguinte modo:
(…)
1.1. Factos provados
1. Os arguidos no dia 21.09.2022 congeminaram um plano que se traduzia na entrega concertada de produtos estupefacientes a terceiros, a troco do recebimento de quantias monetárias.
2. Na prossecução do apontado projeto, no dia 21.09.2022, os arguidos encontravam-se na Rua Quinta do Loureiro, em Lisboa.
3. Pelas 09h45m o arguido EE posicionou-se junto ao Lote 4-A, da referida artéria.
4. Mais tarde, pelas 10h15m, os arguidos BB e AA juntaram-se ao arguido EE e todos conversaram entre si.
5. No decurso da conversação, o arguido EE indicou aos arguidos BB e AA onde estes se deviam posicionar e assumir a função de vigias.
6. Nessa sequência o arguido AA posicionou-se junto ao Lote 6-B, com visibilidade para a entrada Sul do bairro.
7. O arguido BB, por seu turno, colocou-se junto ao Lote 4-B, com visibilidade para a entrada Norte do bairro e para a Avenida de Ceuta.
8. Imediatamente depois, o arguido EE entrou no referido Lote 4-A e percorreu todos os seus andares, no sentido de verificar que aí não se encontravam elementos policiais.
9. O arguido EE regressou ao exterior do edifício, onde reuniu com os arguidos CC e DD, que ali se haviam dirigido.
10. O arguido EE deu indicações ao arguido DD para permanecer na entrada desse prédio a vigiar a via pública, o que este fez.
11. Depois, os arguidos EE e CC dirigiram-se juntos para o interior do Lote 4-A.
12. O arguido EE retirou do bolso do casaco um saco que continha embalagens com cocaína e heroína e colocou algumas delas nos bolsos das calças.
13. Cerca das 10h25m o arguido EE deu indicações aos arguidos CC e DD para fazerem entrar no Lote 4-A os compradores de produtos estupefacientes que aguardavam junto à porta.
14. Os arguidos CC e DD acataram as instruções do arguido EE e encaminharam diversas pessoas para o interior do prédio.
15. O arguido EE manteve-se no interior do prédio e realizou vendas sucessivas de cocaína e heroína aos indivíduos que ali se dirigiram, dizendo-lhes “aqui não há fiado”, “guita na mão!”, “há cavalo e há branca, é só escolher”, “chega-te à frente”, entre outras expressões semelhantes.
16. Enquanto isso decorria, os arguidos CC e DD vigiavam a via pública, no sentido de alertaram o arguido EE, caso avistassem a polícia.
17. Aqueles arguidos também se asseguravam que as vendas de estupefacientes se desenvolviam em condições de segurança para o arguido EE, controlando os compradores de estupefacientes.
18. O arguido DD, que vestia um colete refletor e transportava um pincel e um balde de tinta para se fazer passar por um pintor da construção civil, dava ordens aos compradores de estupefacientes, dizendo-lhes “encosta à parede” e “olha a fila”, entre outras coisas.
19. Durante as aludidas entregas de estupefacientes os arguidos BB e AA vigiavam as entradas do bairro, como acima descrito, no sentido de avistar a presença da polícia.
20. Pelas 11h35 passou no local uma viatura da PSP, tendo os arguidos AA e BB imediatamente gritado “uga!”, expressão alusiva à polícia.
21. Alertado pelos referidos gritos, o arguido EE refugiou-se no interior no primeiro andar do Lote 4-A.
22. Depois da passagem da viatura policial, o arguido BB gritou “bora, tá limpo!”, o que permitiu a saída do arguido EE do seu refúgio.
23. Mais tarde, cerca das 12h00, a testemunha II acorreu ao Lote 4-A, a fim de adquirir heroína para o seu consumo pessoal.
24. O arguido EE entregou à testemunha II uma embalagem que continha heroína com o peso líquido de 0,314g e recebeu em troca a quantia de €10.
25. Cerca das 13h05m uma viatura da PSP circulou no local, o que motivou que os arguidos BB e AA tenham gritado “uga!”.
26. Os arguidos EE e CC refugiaram-se no interior da fração sita no 1.º D, do referido Lote 4-A.
27. Os arguidos EE e CC saíram da fração, após o arguido DD ter gritado “tá limpo!”.
28. Pelas 13h30m diversos elementos da PSP avançaram na direção dos arguidos.
29. Os arguidos BB e AA gritaram, sucessivamente, a expressão “uga!”.
30. O arguido EE fugiu na direção da aludida fração, tendo sido intercetado pela PSP.
31. Os restantes arguidos foram igualmente intercetados pela polícia.
32. O arguido EE tinha consigo:
1. Oitenta e quatro embalagens que continham heroína com o peso líquido de 23,288g;
2. Duzentas e trinta e cinco embalagens que continham cocaína (éster metílico de benzoilecgonina) com o peso líquido de 30,361g;
3. A quantia de €596.
33. O arguido CC tinha consigo duas embalagens que continham cocaína (éster metílico de benzoilecgonina) com o peso líquido de 0,214g e a quantia de €47.
34. O arguido DD tinha consigo a quantia de €20.
35. Os arguidos destinavam os referidos produtos estupefacientes a terceiros, a troco de quantias monetárias.
36. As aludidas quantias monetárias foram entregues aos arguidos em troca de produtos estupefacientes.
37. Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços e no desenvolvimento de um plano previamente arquitetado, com o propósito concretizado de receber e ter consigo os referidos produtos estupefacientes, cujas características, naturezas e quantidades conheciam, com o fito de os entregar a terceiros, a troco do recebimento de quantias monetárias.
38. Os arguidos atuaram de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
39. O arguido EE admitiu parcialmente a prática dos factos. Das condições pessoais dos arguidos:
40. O arguido EE regista os seguintes antecedentes pessoais:
a) No processo n.º 35/16.1SWLSB, por acórdão, de 09.07.2018, transitado em 08.08.2018, foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
b) No processo n.º 216/21.6SCLSB, por sentença, de 10.01.2022, transitada em 28.01.2022, foi o arguido condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,00.
c) No processo n.º 91/20.8SHLSB, por sentença, de 24.02.2022, transitada em 28.03.2022, foi o arguido condenado pela prática de um crime de difamação na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,00.
d) No processo n.º 46/21.5SWLSB, por acórdão, de 01.07.2022, transitado em 08.03.2023, foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
41. O arguido AA regista os seguintes antecedentes criminais:
a) No processo n.º 4143/17.3T9LSB, por sentença, de 06.11.2017, transitada em 11.12.2017, foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade em pena de prisão substituída por multa bem como a decisão de não transcrição no seu registo criminal.
b) No processo n.º 28/17.1PTOER, por sentença, de 14.03.2018, transitada em 23.04.2018, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 20 dias de multa à taxa diária de €5,00.
c) No processo n.º 1144/16.2PCLSB, por sentença, de 19.12.2018, transitada em 31.01.2019, foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
d) No processo n.º 252/21.2PULSB, por sentença, de 12.03.2021, transitada em 06.05.2021, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 170 dias de multa à taxa diária de €5,00.
e) No processo n.º 294/21.8SELSB, por sentença, de 19.05.2021, transitada em 18.06.2021, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 160 dias de multa à taxa diária de €5,00.
f) No processo n.º 262/21.0SCLSB, por sentença, de 06.10.2021, transitada em 12.11.2021, foi o arguido condenado pela prática de um crime de injuria agravada na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €5,00.
42. O arguido CC regista os seguintes antecedentes criminais:
a) No processo n.º 53/12.9GACUB, por acórdão, de 24.10.2013, transitado em 11.11.2013, foi o arguido condenado pela prática de um crime de roubo qualificado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
b) No processo n.º 29/11.3GACUB, por sentença, de 21.05.2014, transitada em 20.06.2014, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado na pena de 2 anos e 7 meses de prisão.
c) No processo n.º 18/18.6GACUN, por sentença, de 05.02.2020, transitada em 30.09.2022, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00.
d) No processo n.º 105/20.4SVLSB, por acórdão, de 26.10.2021, transitado em 25.11.2021, foi o arguido condenado pela prática de um crime de burla informática e de apropriação ilegítima na pena única de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
e) No processo n.º 29/11.3GACUB, por sentença, de 21.05.2014, transitada em 20.06.2014, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado na pena de 2 anos e 7 meses de prisão.
f) No processo n.º 1237/19.9SGLSB, por sentença, de 07.04.2022, transitada em 16.05.2022, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado na pena de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
g) No processo n.º 79/21.1SWLSB, por acórdão, de 14.06.2022, transitado em 14.07.2022, foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
43. O arguido BB regista os seguintes antecedentes criminais:
a) No processo n.º 8/20.0SWLSB, por acórdão, de 24.05.2021, transitada em 23.06.2021, foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
44. O arguido DD não regista antecedentes criminais.
45. O arguido EE é o terceiro filho de uma fratria de 3 irmãos e o seu desenvolvimento decorreu no seio de uma família estruturada, com uma dinâmica relacional harmoniosa e uma boa relação entre irmãos.
46. Frequentou o ensino particular até ao 9º ano de escolaridade, que teve de deixar devido a dificuldades económicas decorrentes da insolvência da empresa para a qual o pai trabalhava e da doença cancerígena deste. Nos anos subsequentes e pelo facto do negócio da progenitora também passar por dificuldades, abandonou a escola quando completou o 12º ano, para começar a trabalhar.
47. Aos 18 anos ingressou no mundo laboral como rececionista e transportador de bagagens para o hotel Ritz, contrato interrompido temporariamente pelo cumprimento do serviço militar, ao fim do qual retomou funções no hotel, que se prolongaram por mais 2 anos. Até aos 26 anos manteve trabalho similar noutros hotéis, até ter ingressado como rececionista na Peugeot Portugal. Nesta empresa automóvel veio posteriormente a exercer o serviço rent a car para o mesmo grupo.
48. Entre 2013 iniciou funções na área de turismo, como motorista, salientando que o seu domínio de línguas estrangeiras contribuiu para um crescente sucesso profissional nesta função, em que se manteve durante vários anos e até à pandemia Covid 19.
49. EE estabeleceu uma relação afetiva em 2000, vindo a casar em 2001. Desta relação nasceram 2 filhos atualmente com 22 e 16 anos. O seu casamento não foi bem aceite pela família do arguido devido a diferenças socio culturais entre as famílias.
50. Em 2020 como consequência da pandemia Covid 19, passou por uma situação prolongada de desemprego, com fortes constrangimentos económicos, que se refletiram a nível da subsistência do agregado familiar e tiveram um forte impacto negativo a nível emocional sobre o arguido.
51. O arguido AA à data dos factos integrava o agregado familiar da progenitora residente na Quinta do Loureiro. Atualmente, para cumprir a presente medida de coação, passou a viver em permanência na casa da sua companheira, cujo agregado é constituído pela sogra e filho de ambos (com 6 anos), beneficiando de um enquadramento familiar descrito como estável.
52. No presente, o agregado vive num apartamento arrendado, em nome da companheira, situado na Ajuda, com boas condições de habitabilidade. As necessidades básicas são asseguradas pelos rendimentos auferidos pela companheira e pela sogra. A companheira exerce a profissão de secretária numa associação de advogados e a sua progenitora de ajudante de cozinha, respetivamente.
53. AA aufere pequenos rendimentos variáveis, que retira da partilha nas redes sociais (you tube, spotify e tik-tok) de músicas e vídeos da sua autoria.
54. Não foram assinaladas, especiais dificuldades na satisfação das necessidades básicas. AA, beneficia ainda de apoio por parte da avó paterna e da irmã mais velha, com quem estabelece um relacionamento próximo. A progenitora do arguido, com quem este sempre estabeleceu uma relação investida ao nível dos afetos encontra-se em fase terminal de uma doença oncológica, encontrando-se hospitalizada e com prognose negativa.
55. AA, nasceu em Lisboa e é único filho de um casal cuja relação terminou quando ele tinha um ano, tendo ficado entregue aos cuidados da mãe na sequência da separação e do pai ter emigrado para França. No período de férias de verão, deslocava-se, para estar na companhia do pai e da madrasta.
56. AA cresceu na companhia da mãe e da irmã mais velha, tendo beneficiado de um enquadramento familiar caracterizado pela existência de vinculação e sentimentos de pertença.
57. Aos oito anos, foi para junto do pai, onde concluiu o ensino primário. Regressou a Portugal aos 10 anos, passando a frequentar a escola preparatória KK. Esta mudança, marcou o início de uma trajetória de absentismo, problemas disciplinares e insucesso escolar, situação que tentou ser minimizada com a sua integração no agregado da avó paterna, elemento que manifestou capacidade ao nível da imposição de regras e normas.
58. AA, permaneceu no agregado da avó, situado em Queluz durante dois anos, período que permitiu minimizar o seu absentismo escolar, criar alguma estabilidade psicoemocional e melhorar o seu desempenho escolar. Aos 12 anos, regressou ao agregado de origem, acentuando-se alguns comportamentos de desobediência e rebeldia, já existentes.
59. Em 2019, ingressou num curso de animação socio cultural, perspetivando um ingresso na universidade após a sua conclusão. Esse, projeto não foi concluído, tendo desistido do mesmo após ter conhecimento da existência do seu filho, à data com 3 anos. A sua atual companheira, não deu conhecimento da sua gravidez, ausentou-se do país e foi viver para Inglaterra para junto de familiares, local onde deu à luz o filho de ambos. AA, só teve conhecimento do filho, após o regresso da companheira a Portugal. Neste contexto, assumiu a paternidade, iniciou a vida profissional, a trabalhar em part-time, na Tele-Pizza durante o período da manhã, pela tarde fazia parte da associação “No Bairro” - projeto caminhos ativos, situada na Quinta do Loureiro. Realizava alguns trabalhos de modelo fotográfico e realizava concertos de música, com vista a melhorar os rendimentos mensais e contribuir para o sustento familiar.
60. O arguido CC é o terceiro filho de um casal com uma dinâmica disfuncional. O pai foi reformado por invalidez há vários anos, na sequência de problemática de alcoolismo e problemas do foro neurológico. A mãe detentora de sintomatologia do foro mental – esquizofrenia, encontra-se internada em instituição há mais de vinte anos.
61. Face a este enquadramento familiar, o arguido foi criado pela avó paterna até aos dez anos de idade, tendo o seu trajeto de desenvolvimento sido normativo até ao 5º ano de escolaridade e sem incidentes dignos de relevo. Todavia, aos dez anos de idade e devido à idade avançada da avó, foi viver de forma alternada com tios e primas paternas, indo mais tarde viver com o avô materno, em Beja. A alternância de enquadramento familiar que se verificou, esteve relacionada com a vontade do próprio arguido, que tentava furtar-se a uma supervisão e controlo mais intensos por parte dos familiares. Junto do avô materno, começou então a manifestar comportamentos desadequados e desviantes e por esse motivo foi internado na Casa Pia de Beja, onde permaneceu cerca de oito meses. Posteriormente, foi sujeito a medida tutelar de internamento, que cumpriu durante um ano e meio em Centro Educativo, onde concluiu o 6º ano e realizou uma formação de pintura e bate-chapa.
62. O arguido não tem hábitos profissionais e subsiste com a ajuda da Associação Crescer.
63. À data dos factos BB vivia com a mãe e três dos irmãos, de 22, 17 e 14 anos, num bairro de realojamento social do concelho de Lisboa, onde o arguido cresceu.
64. Os pais separaram-se em 2019, mas mantêm-se próximos, existindo uma vivência familiar caracterizada por bom relacionamento e ligação entre o arguido e o pai, que vive numa habitação contígua à do agregado familiar, composto pelo arguido, mãe e irmãos. Reside numa habitação social, de tipologia T3, de renda no valor de 34 euros, atribuída à mãe do arguido.
65. O arguido está desempregado e depende do apoio familiar.
66. A mãe é beneficiária do Rendimento Social de Inserção, no valor de 664 euros por mês e o pai trabalha sem vínculo, como motorista de distribuição ao domicílio, na empresa TTM, prestadora de serviços ao Corte Inglês. Aufere uma remuneração líquida mensal de cerca de 1000 euros e contribui regularmente para a economia familiar.
67. O arguido estudou até ao 9º ano, tendo abandonado o sistema de ensino aos 17 anos.
68. O arguido não tem experiência laboral, propondo-se iniciar curso de formação profissional que viabilize a melhoria das suas competências escolares, perspetivando concluir o 12º ano. Em termos dos tempos livres não tem uma ocupação estruturada, referindo que se ocupa a jogar playstation e que faz algum exercício físico.
69. O arguido DD vive sozinho em Portugal, desde 2018, não tendo referências familiares ou outras em Portugal.
70. À data da instauração do presente processo, DD estava em situação de sem-abrigo há sensivelmente um ano, referindo encontrar-se numa situação de grande precaridade económica, uma vez que estaria há um ano e seis meses desempregado. Beneficiava de acompanhamento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa - SCML.
71. O arguido nasceu no Brasil, é filho único, e não tem registo de pai, tendo vivido com a mãe até aos 18 anos de idade. Refere uma relação mãe–filho pautada por alguma instabilidade, na fase da sua adolescência, em termos relacionais, com desafios à autoridade. Ainda assim, disse ter tido uma relação baseada em vínculos afetivos significativos com a mãe e consequentemente uma relação positiva com a mesma, apesar de não estabelecerem contacto há mais de 10 anos. Tem ainda um irmão uterino, mas desconhece o paradeiro do mesmo.
72. O processo de escolarização, foi pautado por dificuldades de aprendizagem e desinteresse, tendo concluído o 8º ano com 16/17 anos. 1.2.
Factos não provados
Não se provou que:
a) Em data não apurada, mas anterior a 21.09.2022 os arguidos vendiam de forma concertada produto estupefaciente.
(…)
Concretamente na escolha e determinação da pena, fundamentou:
(…)
Considerando que os arguidos AA e BB tinham, à data da prática dos factos, 21 anos de idade e 19 anos de idade, respetivamente, importa apreciar se há lugar à aplicação do regime penal especial para jovens com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos, previsto no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro (cfr. artigo 1º), maxime o seu artigo 4º, que dispõe que, se for aplicável pena de prisão, deve esta ser especialmente atenuada, caso o Tribunal tenha razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Atentas as circunstâncias concretas do caso, a gravidade das condutas e as consequências das mesmas, entendemos não ser de aplicar tal regime aos arguidos.
Tendo em conta que a moldura penal prevista e punida no artigo 21.º do DL 15/93 para o crime de tráfico de estupefacientes é de 4 a 12 anos de prisão e que para o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto e punido pelo artigo 25º, alínea a) do DL 15/93 é de 1 a 5 anos de prisão, cumpre agora determinar o “quantum".
A determinação da pena tem como princípios regulativos essenciais a culpa e a prevenção (artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal), sendo o modo como estes princípios regulativos influem no processo de determinação do quantum da pena determinado pelo programa político-criminal em matéria dos fins das penas, que, resumidamente, se reconduz a dois postulados ou pressupostos: o de que as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutelas dos bens jurídicos e na reintegração do agente na comunidade, e o de que toda a pena há-de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, cuja medida não poderá em caso algum ultrapassar (artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).
Tendo em conta estes parâmetros, a medida concreta ou judicial da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura cujo limite máximo é dado pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias depositadas na norma violada, sem ultrapassar contudo a medida da culpa, e cujo limite mínimo há-de corresponder às exigências de prevenção geral no seu grau mínimo; dentro desta moldura, o quantum concreto de pena há-de, em último termo, ser dado pelas necessidades de socialização do agente.
Como fatores concretos da medida da pena, deverão ser levadas em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente (artigo 71.º, n.º 1), nomeadamente as circunstâncias elencadas no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, designadamente:
O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente).
A circunstância do grau de ilicitude da conduta ter relevado no precedente momento da determinação da moldura penal, sendo fundamental nessa escolha, não impede aquela outra intervenção. Com efeito, como sucede com vários outros tipos de crime previstos no Código Penal, a ilicitude intervém para agravar ou privilegiar o crime de tráfico de estupefacientes, numa primeira operação de determinação da medida da pena: a moldura penal abstrata. Numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
- A intensidade do dolo ou negligência;
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
A pena tem, pois, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, o que quer dizer que não pode haver uma pena sem culpa, por um lado, e que é a culpa que determina a pena, por outro lado.
Sendo a culpa pressuposto da validade da pena e seu limite máximo, a pena concreta tem de fixar-se entre um limite mínimo já adequado a ela, e um limite máximo ainda adequado à mesma, ambos determinados também com a consideração das finalidades próprias da punição.
Quanto à pena concreta a fixar, dir-se-á que é elevada a ilicitude dos factos (estão em jogo múltiplos bens jurídicos que podem ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública, a modalidade da ação, a quantidade e qualidade do estupefaciente - cocaína e heroína - e o modo de execução) e o dolo é direto, São especialmente prementes as exigências de prevenção geral deste tipo de crimes, atenta a sua natureza, a gravidade das suas consequências nos indivíduos consumidores e na própria sociedade e a dimensão que o fenómeno atingiu, e de prevenção especial, atento o perigo de afastar os arguidos da prática de novos crimes.
Traficar, é fazer conscientemente mal a outrem, ato dotado de ressonância ética, punível dentro de uma moldura penal de 1 a 5 por aplicação do artigo 25.º do retro mencionado diploma legal.
A punição do narcotráfico, mais do que uma luta localizada, é um combate que se dirige a um flagelo à escala universal, conhecendo o consumo entre nós de heroína uma estabilização, o de cocaína um aumento ligeiro.
O traficante é insensível à desgraça alheia, cria alarme e insegurança e descrença nos órgãos aplicadores da lei caso estes não ofereçam um ponto ótimo de quantum punitivo capaz de assegurar uma tutela efetiva e consistente dos bens jurídicos, não sendo aconselhável descer abaixo de um limiar mínimo abaixo do qual, comunitariamente, a punição não realiza a sua finalidade, além do mais de proteção dos importantes bens jurídicos que põe em crise – cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, § 306.
Por isso importa pela via da medida concreta da pena atuar sobre o comum dos cidadãos, dissuadindo-os do cometimento de futuros crimes, que, pela sua reiteração, criam alarme, insegurança e descrença nos órgãos aplicadores da lei caso estes não atinjam um ponto ótimo capaz de assegurar uma tutela efetiva e consistente dos bens jurídicos.
As condições pessoais e a situação económica dos arguidos que resultou provada e que aqui se dá por reproduzida, com relevância que os arguidos não tinham ocupação laboral estável.
O nível do comportamento posterior aos factos, leva-se em linha de conta que não admitiram a prática dos factos e não se mostraram arrependidos.
A opção dos arguidos de não admitir os factos de que se encontram pronunciados tem, como consequência lógica, a renúncia por parte dele ao benefício da atenuante da confissão e, na generalidade dos casos, também da do arrependimento.
A exclusão do benefício pelos arguidos das atenuantes da confissão e do arrependimento não consubstancia uma valoração em detrimento dos arguidos, mas, por outro lado, também não os beneficia.
Contra a maioria dos arguidos, à exceção do arguido DD (que não tem antecedentes criminais) milita o facto de terem antecedentes criminais, sendo que todos eles já foram condenados, entre outros, pela prática de crimes da mesma natureza.
O arguido EE praticou os factos dos presentes durante o período de suspensão pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, tendo sido recentemente condenado (em 08.03.2023) em pena de prisão efetiva pela prática do mesmo tipo de crime.
O arguido AA já foi condenado pela prática de alguns crimes, entre eles, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente em penas de prisão suspensa na sua execução e penas de multa.
O arguido CC já foi condenado pela prática de alguns crimes, em penas de prisão suspensas na sua execução e efetivas, entre eles pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, em pena de prisão suspensa na sua execução, tendo praticado os presentes factos durante o período de suspensão de execução da pena em que foi condenado no outro processo.
O arguido BB praticou crimes de tráfico de estupefaciente, sendo que os factos dos presentes autos foram praticados durante o período de suspensão de execução da pena.
Importa ponderar, ainda, as exigências de prevenção geral e especial, sendo indubitavelmente elevadas as necessidades de prevenção geral, numa sociedade em que se assiste a um constante aumento do tráfico e consumo de estupefacientes e o alarme social que ocasionam, não se podendo ignorar o número crescente de pessoas que se dedicam a atividade desta natureza, bem como as suas consequências nefastas em termos de saúde pública e o aumento da criminalidade.
Há que também ter em conta que nos termos do artigo 29.º do Código Penal cada comparticipante deverá ser punido segundo a sua culpa, levando a que se tenha em conta o diferente papel desempenhado pelos arguidos.
Assim, dadas as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, e de forma a fazer os arguidos compreender a necessidade de não adotar condutas semelhantes no futuro, entende-se adequado fixar as seguintes penas:
- ao arguido EE a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º do DL 15/93.
- Ao arguido AA a pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 25.º do DL 15/93.
- ao arguido CC a pena de 2 (dois) anos e 9 (seis) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 25.º do DL 15/93.
- ao arguido BB a pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 25.º do DL 15/93.
- ao arguido DD a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 25.º do DL 15/93.
(…)
2.4. Da suspensão da pena de prisão aplicada aos arguidos AA, CC, BB e DD.
Fixada a medida concreta da pena de prisão cabida ao caso, resta averiguar da possibilidade da sua substituição pela pena de suspensão da execução da pena de prisão.
Pressuposto formal da suspensão de execução da prisão é que a medida concreta desta não seja superior a 5 anos (artigo 50.º do Código Penal).
Pressuposto material da aplicação deste instituto é que, atenta a personalidade do agente, a sua conduta anterior e posterior ao facto punível e ás circunstâncias deste se conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena afastem o delinquente da criminalidade, realizando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal).
O citado artigo 50.º atribui, deste modo, ao Tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a 5 anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo e prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido.
Para aplicação da pena de substituição é, pois, necessário que se possa concluir que o arguido presumivelmente não voltará a cometer novo crime. Trata-se, no dizer da Prof.ª Anabela Rodrigues - A Posição Jurídica do Recluso, p. 78 e ss. -, de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.
Tal conclusão tem de se extrair de um juízo de prognose antecipado, que seja favorável ao arguido, o qual assenta essencialmente na prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, tendo-se ainda em conta as necessidades de prevenção geral, não tanto na dependência do seu efeito negativo, de pura intimidação, mas mais no seu efeito positivo, de integração, de reforço da norma e da orientação sociocultural que nela se contém.
Ou seja, em relação ao próprio condenado tem de se fazer o juízo de prognose positiva da sua “auto-adesão (…) à indispensabilidade social dos valores essenciais (bens jurídico-penais) para a possibilitação da realização pessoal de todos e de cada um dos membros da sociedade” – Taipa de Carvalho, Direito Penal Parte Geral, questões fundamentais, Publicações Universidade Católica, Porto 2006, p 83. E ainda de que, com elevado grau de probabilidade não voltará a reincidir.
No que à prevenção geral diz respeito, importa afirmar que ela desdobra-se e desenvolve-se “num duplo sentido: prevenção geral positiva ou de integração e prevenção geral negativa ou de dissuasão.
Prevenção geral positiva ou de integração significa que a pena é um meio de interpelar a sociedade e cada um dos seus membros, para a relevância social e individual do respetivo bem jurídico tutelado penalmente; por outras palavras, a pena serve a função positiva de interiorização ou aprofundamento dessa interiorização dos bens jurídico-penais. Ora, esta função da pena começa por se realizar com a criação da lei criminal-penal (interpelação legal) e consuma-se com a aplicação judicial da pena e sua execução (interpelação judicial e fáctica). Naturalmente que quanto mais importante for o bem jurídico, mais intensa deve ser a interpelação. E, por isto, necessariamente que quanto mais grave for o crime (mais valioso o bem jurídico a proteger) mais grave terá de ser a pena legal, e, no geral, também maior a pena judicial.
Mas a prevenção geral positiva tem, ainda, a dimensão ou objetivo da pacificação social ou, por outras palavras, do restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efetiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva e individual. Esta mensagem de confiança e de pacificação social é dada, especialmente, através da condenação penal, enquanto reafirmação efectiva da importância do bem jurídico lesado.
Importa considerar como intervêm e como se relacionam a prevenção especial (positiva e negativa) e a prevenção geral (positiva e negativa) na determinação, legal e judicial, da pena, e na escolha da espécie de pena.
Como diz o Prof. Figueiredo Dias: “a pena alternativa só não será aplicada se a pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias” - Consequências jurídicas do crime, p. 333. Assim, face à factualidade assente, o juízo de prognose há-de ditar que, com toda a probabilidade, os arguidos não voltarão a cometer novo crime; e ainda que as expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, não saem defraudadas.
Extraindo-se esta conclusão, deve decretar-se a suspensão da execução da pena.
Concluindo-se em sentido contrário, deve negar-se a suspensão.
A suspensão da execução da pena supõe, enquanto medida pedagógica e de reabilitação do condenado, que o tribunal, no momento da condenação, esteja em condições de emitir um juízo de prognose favorável, ou seja, de que a simples censura do fato e a ameaça da execução da pena o afastarão da prática, no futuro, da criminalidade, funcionando como prevenção da reincidência, ao qual “não bastará nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do fato, sendo de atender especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto – Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, § 518.
Esse juízo de prognose atentará no estilo de vida do condenado, no seu enquadramento profissional, familiar e social, no seu passado criminal, pressupostos da assunção pelo tribunal de um risco prudente de que virá o condenado, de futuro, a acatar a lei.
Mas ainda que este juízo positivo se apresente ao julgador, jamais a adoção de suspensão da execução da pena terá cabimento se a simples censura do facto e a ameaça de prisão deixar de realizar de forma adequada e suficiente, pondo-as em crise, as finalidades da punição – art.º 50.º n.º 1, do Código Penal.
É esta também a posição do Supremo Tribunal de Justiça que, nos casos de tráfico de estupefacientes, acentua as necessidades de prevenção geral. Na realidade, entende o nosso mais Alto Tribunal que, nos crimes de tráfico de estupefacientes, a suspensão da execução da pena apenas pode ter lugar em casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido. A título meramente exemplificativo, e fazendo uso dos mais recentes acórdãos:
“Importa, para começar, afirmar com clareza que não é de afastar “liminarmente” a suspensão da execução da pena de prisão nos crimes de tráfico de estupefacientes, embora seja incontestável que se trata de uma infração em que os interesses da prevenção geral se fazem especialmente sentir.
Por isso, a par do juízo de prognose favorável sobre o comportamento do agente, cumpre indagar se a suspensão satisfaz «de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» (artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal), ou seja, a finalidade da prevenção geral.
(…)
Por isso, só havendo um quadro circunstancial particularmente favorável ao agente, fundamentando uma prognose especialmente consistente, se justificará a suspensão da pena, pois só então é exigível impor a esses interesses uma compressão proporcional à salvaguarda de outras finalidades das penas, como a prevenção especial, na vertente ressocializadora” – Ac. de 05.11.2008, processo 08P3172, em www.dgsi.pt.
“Sempre que aplique uma pena de prisão não superior a 5 anos, o Tribunal deve suspender a execução da pena, se «atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». A suspensão da execução da pena constitui, portanto, um poder vinculado do julgador, que a deverá decretar sempre que se encontrem reunidos os pressupostos para aplicação da medida.
Conforme este Supremo Tribunal decidiu, «não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas». (acórdão de 10.11.1999 – Proc. 823/99, relatado pelo Conselheiro Armando Leandro).
“Nos crimes de tráfico de estupefacientes as razões de prevenção geral só excepcionalmente se satisfazem com uma pena de substituição. Os efeitos nocivos para a saúde resultantes do tráfico, especialmente quando se trata de drogas duras, e as situações em que os actos de venda se prolongam no tempo e/ou atingem um elevado número de pessoas despertam «um sentimento de reprovação social do crime», para usar as palavras do Prof. Beleza dos Santos, que impedem a aplicação da suspensão da execução da pena, sob pena de «ser posta em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais» (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 243). Por isso, razões de prevenção geral afastam a aplicabilidade deste instituto, por mais favorável que pudesse ser o juízo de prognose a formular acerca do arguido” – Ac. de 08.10.2008, processo 08P589, in www.dgsi.pt.
O instituto de suspensão da pena de prisão assenta na confiabilidade em como o delinquente enquanto cidadão, face à dimensão do delito cometido satisfará o projeto da sua ressocialização. Este projeto é realizável em termos abstratos, mas o agente de um crime enquanto tal, não é uma abstração, nem pode ser tido como cobaia para ver como é que as coisas poderão correr. Neste projeto o juiz tem de considerar forçosamente os índices de que dispõe e particularmente com a seriedade e vontade do arguido no sentido da sua reintegração e reencontro com os valores da sociedade com que esbarrou.
É de se realçar o papel da prevenção geral na repressão ao crime de tráfico de estupefacientes tendo em vista a tutela dos bens jurídicos com referência à vida de jovens e estabilidade familiar e a saúde e segurança da comunidade, como expressivamente decorre do objetivo nacional estratégico referido na Resolução de Conselho de Ministros 46/99, de 26-05” - Acórdão de 08.05.2008, processo 08P1134, em www.dgsi.pt.
Deve entender-se, e tem-se entendido, que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos (cfr. preâmbulo do Código Penal de 1982).
Mas esta medida de conteúdo pedagógico e reeducativo só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade e à devida proteção aos bens jurídicos postos em causa.
A suspensão da execução da pena que, embora efetivamente pronunciada pelo Tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. “O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa” - (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao artigo 50.º).
Os n.ºs 1 e 2 do artigo 50.º indicam-nos os elementos a atender nesse juízo de prognose: (i) - a personalidade do réu; (ii) - as suas condições de vida; (iii) - a conduta anterior e posterior ao facto punível; e (iv) - as circunstâncias do facto punível.
Isto é, todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do réu, atendendo somente às razões da prevenção especial.
E sendo essa conclusão favorável, o tribunal decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as finalidades da punição, caso em que fixará o período de suspensão.
Neste sentido tem entendido este Supremo Tribunal: «o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade» (Ac. de 11-01- 2001, proc. n.º 3095/00-5). (…)
Por outro lado, são fortes as razões de prevenção geral de integração e de intimidação. Sempre que o Estado enfraquece a sua reação contra as condutas de tráfico, não diminui e recrudesce a respetiva prática.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 26 de maio, que aprovou a estratégia nacional de luta contra a droga, fixou como um dos objetivos primordiais o reforço do combate ao tráfico, aliás, como opção estratégica fundamental para Portugal. E acrescentou que “as dramáticas consequências do tenebroso negócio do tráfico ilícito de drogas, empreendido tantas vezes por verdadeiras organizações criminosas, e que atinge não apenas a vida dos jovens mas também a vida das famílias e a saúde e segurança da comunidade, são de tal modo chocantes que se torna um imperativo mobilizar todos os esforços para combater o tráfico com redobrada determinação...No caso de Portugal, esse combate é particularmente difícil em razão da nossa extensa costa marítima, a que se junta a eliminação de controlos fronteiriços internos no quadro do processo de integração europeia”.
Assim, a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral” - Ac de 09.04.2008, processo 08P825, in www.dgsi.pt
“Os tráficos de estupefacientes são comunitariamente sentidos como atividades de largo espectro de afetação de valores sociais fundamentais, e de intensos riscos para bens jurídicos estruturantes, e cuja desconsideração perturba o própria coesão social, desde o enorme perigo e dano para a saúde dos consumidores de produtos estupefacientes, como por todo o cortejo de fraturas sociais que andas associadas, quer nas famílias, quer por infrações concomitantes, ou pela corrosão das economias legais com os ganhos ilícitos resultantes das atividades de tráfico.
A dimensão dos riscos e das consequências faz surgir, neste domínio, uma particular saliência das finalidades de prevenção geral, prevenção de integração para recomposição dos valores afetados e para a afirmação comunitária da validade das normas que, punindo as atividades de tráfico, protegem tais valores.
Mas também, por isso mesmo, a dimensão da ilicitude que impõe o primado das finalidades de prevenção geral tem de estar conformada pela situação concreta e pelas variadas formulações, objetivas e subjetivas, da atividade que esteja em causa” – Ac de 16.01.2008, processo 07P4565, in www.dgsi.pt
“A suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões ponderosas para uma atenuação extraordinária da pena, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral” – Ac. de 18.10.2007, processo 07P3200, em www.dgsi.pt.
Muitos outros acórdãos poderiam ser citados, todos no mesmo sentido, cuja doutrina não nos oferece qualquer reserva.
O Supremo Tribunal de Justiça, na consciencialização da gravidade das consequências tanto individuais, como familiares e coletivas, amplamente divulgadas, a que o tráfico de estupefacientes conduz, tem afirmado que a imposição de pena suspensa na sua execução pela sua prática é, salvo em condições especiais, manifestamente desaconselhável, por não se mostrar conforme à finalidade das penas, segundo o art.º 40.º, do Código Penal.
Temos, por isso, como bom o entendimento de que, nos crimes de tráfico de estupefacientes, comuns ou agravados, só perante um quadro circunstancial particularmente favorável ao agente, fundamentando uma prognose especialmente consistente, se justificará a suspensão da pena, pois só então é exigível impor uma compressão proporcional à salvaguarda de outras finalidades das penas, como a prevenção especial, na vertente ressocializadora.
Apesar da conclusão do Tribunal por um prognóstico favorável – à luz de considerações exclusivas de prevenção especial e de socialização – a suspensão da execução de prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Já determinámos que estão em causa “não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”. Por outro lado, importa esclarecer que o que está em causa no instituto de suspensão da pena não é qualquer juízo de “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O Tribunal deve correr o risco “prudencial” (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.”
No referido juízo de prognose, há que ter em conta nos presentes autos a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto.
Neste contexto, a simples censura dos factos e a ameaça da pena de prisão efetiva relativamente aos arguidos CC e BB não apresenta virtualidades suficientes para satisfazer as exigências da punição, sem que saia irremediavelmente comprometida a "defesa do ordenamento jurídico".
Os arguidos CC e BB revelam uma personalidade contrária à ordem jurídica, manifestamente anti-social, tendo sido já condenados pela prática de do crime de tráfico de estupefaciente, em pena de prisão suspensa na sua execução e praticaram os factos em apreço durante o período de suspensão.
Daí que não seja possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a ameaça da pena bastará para a prevenção de futuros crimes, considerando os seus antecedentes criminais, a sua inatividade profissional e verificando-se o fraco investimento na procura de alternativas laborais ou outras.
Destarte, ponderando as circunstâncias que rodearam a prática do crime, a gravidade do mesmo e a existência de antecedentes criminais e porque o Tribunal, em face delas, considera que a simples ameaça da prisão será insuficiente para afastar estes arguidos da prática de novos crimes, sendo que as elevadíssimas exigências de prevenção demandam, ao nível da reprovação e da prevenção da criminalidade, a execução efetiva da pena privativa da liberdade que acaba de ser decretada relativamente aos arguidos CC e BB.
Já no que concerne ao arguidos DD, ponderando as circunstância que rodearam a prática do crime e uma vez que o mesmo não regista antecedentes criminais, encontra-se familiarmente inseridos e porque o Tribunal, se convence que o arguido se afastará da prática de novos crimes, ao mesmo tempo que tais circunstâncias não aconselham, ao nível da reprovação e da prevenção da criminalidade, a execução da pena privativa da liberdade que acaba de ser decretada, ao abrigo do disposto no artigo 50.º do Código Penal, decide-se suspender pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, a execução da pena de prisão que acaba de ser imposta, mediante regime de prova (artigo 53.º, n.º 1 do Código Penal).
No que respeita ao arguido AA, ponderando as circunstância que rodearam a prática do crime e apesar dos seus antecedentes criminais, encontra-se familiarmente inserido e com um projeto a nível profissional e porque o Tribunal, se convence que o arguido se afastará da prática de novos crimes, ao mesmo tempo que tais circunstâncias não aconselham, ao nível da reprovação e da prevenção da criminalidade, a execução da pena privativa da liberdade que acaba de ser decretada, ao abrigo do disposto no artigo 50.º do Código Penal, decide-se suspender pelo período de 2 (dois) anos e 3 (três) meses, a execução da pena de prisão que acaba de ser imposta, mediante regime de prova (artigo 53.º, n.º 1 do Código Penal).
(…)
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão dos arguidos recorrentes.
Atento o objecto do recurso e não estando à discussão a matéria de facto ou qualquer outro segmento decisório, vejamos a fixação das penas por parte do Tribunal a quo, tendo em atenção que os arguidos estão ali condenados:
(…)
C) Condenar o arguido AA, pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 25.º, a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
D) Suspender a execução da pena de prisão ao arguido AA ao abrigo do disposto no artigo 50.º e 53.º do Código Penal, por idêntico período ao da sua duração, acompanhada de regime de prova.
(…)
F) Condenar o arguido BB, pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 25.º, a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão;
(…)
Apreciando.
São conhecidas, reconhecidas e aceites genericamente sem discussão as implicações altamente, violentamente diríamos, nocivas dos produtos estupefacientes na saúde de quem os consome.
Na decorrência da aprovação da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas de 1988, como o próprio Legislador de 1993 faz questão de afirmar, era importante estabelecer regras internas que combatessem a degradação do tecido social através do consumo de produtos estupefacientes, atacando a sua origem – a venda e transacção por qualquer forma.
Para isso, foram eleitas três vias principais de esforço – a) privar aqueles que transaccionam do objecto da sua própria actividade, o estupefaciente (controlando circuitos, reprimindo, investigando e agindo directamente sobre ele); b) depois, controlar os percursores, factores essenciais à produção, desdobragem e transformação das substâncias primárias; c) por último, conseguir que esta actividade pela prevenção, através dos meios de comunicação e cooperação transnacionais, seja exercida em conjunto, evitando assim que o estupefaciente possa transitar dos locais de produção para os de transformação e destes para os mundiais pontos de venda.
Estas linhas que inspiraram a Lei da Droga deixam-nos perceber que o escopo deste enorme esforço legislativo era atacar, minar e neutralizar a actividade de tráfico de estupefacientes, enquanto factos de degradação rápida do tecido e instituições sociais.
Estamos, como tal, perante um tipo de criminalidade grave, com consequências brutais para a sociedade e que gera lucros consideráveis a quem a ela se dedica que, como se percebe, comercializa a droga sem motivo que não seja a obtenção desse lucro, mas também sem sentido de cidadania, uma vez que este é um dos crimes com maior carga anti social previsto no nosso ordenamento jurídico.
Por outro lado, os arguidos aqui recorrentes assumiam a função de vigia, sendo que, quanto à sua actuação, como resulta da factualidade provada, ela revelou-se absolutamente essencial, uma vez que foram os seus alertas que sucessivamente impediram a concretização da acção da polícia em operação de combate ao tráfico de estupefacientes.
Em relação à postura dos arguidos perante as circunstâncias, é de recordar o facto de o arguido AA ter negado os factos, mesmo quando confrontado com a prova que se produziu, tendo-se o arguido BB remetido ao silêncio, como tal, sem que qualquer deles confessasse os mesmos.
Tudo isto posto, vejamos a opção do Tribunal a quo.
As penas fixadas e formas de cumprimento
A pena aplicável a qualquer destes arguidos varia entre 1 ano de prisão e 5 anos de prisão (art.º 25º, al. a) do DL nº 15/93).
A pena aplicada ao arguido BB foi de 2 (anos) anos e 5 (cinco) meses de prisão efectiva.
A pena aplicada ao arguido AA foi de 2 (anos) anos e 3 (três) meses de prisão suspensa na execução com regime de prova.
Atenta a moldura supra referida, conclui-se que as penas aplicadas a estes dois arguidos se situam no limiar do terço inferior da moldura abstracta – ligeiramente abaixo do terço para o arguido AA; ligeiramente acima do terço para o arguido BB.
Vejamos ainda.
Ambos estes arguidos têm antecedentes criminais por tráfico de menor gravidade, sendo que o arguido BB tem duas condenações anteriores (factos de 2020 em ambos os casos) por esse crime (transitadas ambas em 2021), e praticou estes factos durante o período de suspensão das referidas penas (veja-se CRC com entrada citius em 04.05.2023).
O arguido AA tem também duas condenações anteriores pelo referido crime, sendo uns factos de 2017 e outros de 2016 (veja-se CRC com entrada citius também de 04.05.2023).
Conforme ensina Figueiredo Dias, a fixação da pena deverá obedecer ao critério geral consignado no artigo 71º e ao critério especial previsto no artigo 77º, nº1, ambos do Cód. Penal, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique 1, relevando, na avaliação da personalidade do agente.
E ensina, ainda, Figueiredo Dias que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada2.
O critério legitimador das normas penais assenta cada vez mais na ideia de prevenção racional e eficaz da violação dos bens jurídicos socialmente considerados3.
As penas são necessárias na medida em que protegem bens jurídicos - princípio de necessidade (cfr. art.º 18º, nº 2 da CRP).
Assim, para a determinação da medida da pena, deve encontrar-se, dentro do limite máximo da moldura abstracta da pena, uma moldura de prevenção geral de integração - sendo que o limite máximo desta moldura deve consistir na tutela óptima dos bens jurídicos protegidos pela norma e o limite inferior na tutela mínima dos bens jurídicos protegido pela norma, sem se colocar em causa o ordenamento jurídico e a confiança dos cidadãos na validade dela.
Depois, dentro desta moldura de prevenção, deve calcular-se a medida concreta da pena – aqui, tendo-se em conta as exigências de prevenção especial, de reintegração, ou de socialização e de intimidação.
Nos termos do art.º 71º CP, deverá o Tribunal atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o arguido, valorando-as em função da culpa do agente e das exigências de ressocialização (prevenção especial), e de confiança da comunidade na vigência da ordem jurídica (prevenção geral)4.
Deve atender-se, assim, em primeiro lugar e como limite máximo, à culpa do agente - que constitui, em atenção à dignidade do ser humano, o fundamento e limite máximo da própria pena.
O limite mínimo é determinado em função da prevenção geral, uma vez que a pena visa a protecção de bens jurídicos (mas também a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da norma infringida).
Apenas calculados estes parâmetros, e dentro deles, fixará o tribunal a pena, de acordo com as exigências da prevenção especial de socialização5.
Em face da repetição da prática do crime em análise, demonstrada pelos elevados índices de criminalidade desta natureza nesta zona do País, com particular acuidade na área dos grandes centros urbanos pela proximidade de grandes centros de comércio desses produtos e elevado número de toxicodependentes, mas também da ilicitude acentuada da acção que constitui a predisposição para colaborar activamente com a actividade de introduzir e deter, comprar, com ou sem cedência gratuita (na expectativa de igual futuro retorno) ainda que seja, estupefacientes, são razões que estão aqui na base da conclusão de que são de considerar elevadas as exigências de prevenção geral, que assim se ponderam genericamente e quanto a ambos os arguidos.
Por outro lado, não podemos descurar as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir e quanto a estes arguidos também, todas ponderadas na decisão recorrida e de que destacámos acima o facto de estes arguidos terem actuado como vigias, mas num contexto em que, como resulta da factualidade assente, os seus avisos foram sendo determinantes para que a actividade de tráfico se fosse desenvolvendo naquele lapso de tempo. E atento, ainda, o facto de ambos terem antecedentes por crime da mesma natureza, um deles estando mesmo àquela data em pleno cumprimento de uma pena suspensa naquela decorrência, o que acentua, e muito, as necessidades de prevenção especial.
É verdade que se atribui à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, e à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial, esta a que aludimos antes, a função de encontrar o quantum exacto das penas, dentro da referida moldura de prevenção, e que melhor sirva as exigências de socialização destes dois agentes.
Na determinação da medida concreta das penas, há que ponderar os factores a que atendeu a decisão do Tribunal a quo:
A ilicitude dos factos, que se revela acentuada quanto a ambos os arguidos;
As consequências dos ilícitos assumem especial e acentuada gravidade, na medida em que os arguidos contribuem decisivamente para que se cause às sociedades a que se destina o estupefaciente profundas e duradouras maleitas socioculturais e, como tal, um prejuízo humano elevadíssimo.
O grau da culpa que, mercê disso mesmo, se mostra acentuado em ambos os casos, atento ainda o atrás exposto, e tendo em conta que os arguidos agiram com dolo directo.
As condições de vida dos arguidos, todas elas ponderadas na decisão recorrida, como decorre da sua simples leitura. Ainda a consideração de que nenhum deles evidencia um processo de inserção completamente bem sucedido.
Tudo ponderado, inexistindo qualquer causa que exclua a ilicitude dos factos ou diminua a intensidade da culpa de qualquer destes arguidos dentro dos parâmetros do citado normativo legal, as penas fixadas, a pecarem sempre seria por defeito, atento a que, fixadas junto ao terço das respectivas molduras, ficam no limite das exigências de prevenção, aceitando-se, embora, a opção feita pelo Tribunal a quo.
Quanto à desnecessidade de execução efectiva da pena aplicada ao arguido AA e necessidade de opção inversa quanto ao arguido BB, também nada vemos de menos correcto na opção feita pelo Tribunal a quo.
No limite, decidiu pela suspensão da pena aplicada ao arguido AA, que condicionou a regime de prova, aceitando-se os argumentos ali expendidos como uma opção do julgador em face de um juízo de prognose favorável que fez a respeito do referido arguido num quadro ainda de adequação e, pelo contrário, evidenciada a impossibilidade de fazer igual juízo a favor do arguido BB, pelos motivos acima expostos e ali também evidenciados, determinou o cumprimento efectivo da respectiva pena.
É sabido que não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a aplicação de pena suspensa na execução, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não de qualquer «correção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como esclarece Zift, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa.
Decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência 6.
Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Já determinámos que estão em causa "não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise 7.
Por outro lado, importa esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer juízo de “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada8.
A Jurisprudência tem vindo a acentuar que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o Tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado, que deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a proteção dos bens jurídicos violados, refletindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta ante et post crimen e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infração.
Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).
Contudo, importa considerar ainda a proteção dos bens jurídicos violados, a proteção da própria sociedade em relação ao agente do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente este último, se possa esperar que o mesmo não venha a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).
Na proteção dos bens jurídicos, será ainda de destacar que a reação penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, inequivocamente, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).
Da ponderação destes elementos, decorre que, por vezes, sobrepondo-se à função ressocializadora, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático.
Concretizando, atenta a natureza do crime em causa quanto a ambos os arguidos, a existência de antecedentes criminais por essa mesma tipologia criminal quanto a ambos, o factor aqui divergente foi o facto de o arguido BB ter praticado estes factos durante o período de execução de uma pena de prisão suspensa na execução, precisamente em que foi condenado pela prática do mesmo crime.
Ora, como resulta óbvio, este factor é de facto determinante, pois que dele resulta que este arguido não aproveitou o benefício concedido anteriormente, em prol da sua reinserção, quebrando todos os limites da confiança depositada em si por parte da sociedade que lhe deu aquela oportunidade.
Não haja ilusões a este respeito e não se nos tolha o discernimento antes as aparentes correntes de mediocridade social que retumbam em discursos oportunistas sobre a falta de nocividade das drogas quando, de facto, estão a arranjar justificação para a incompetência social do tratamento dessa realidade.
A toxicodependência é uma doença que priva a sociedade de filhos seus que podiam, não fosse ela, ser uma potencialidade de coisas boas e felizes.
Graças a ela, sofre o próprio, sofrem os seus e sofre a sociedade que, não apenas perde esse potencial de vida, como empenha recursos no combate à actividade daqueles que, sem qualquer respeito pela vida humana, matam lentamente quem dessas drogas depende. Esses são os responsáveis pela mal social que é o tráfico de droga.
Estes arguidos, como resulta dos factos, muito embora não tenham sido aqui julgados por actos (próprios) de venda, facilitaram a mesma disseminação, contribuindo para que quem vendia o fizesse e voltasse a fazer.
O Tribunal a quo, como se disse já, optou por fixar-lhes a pena junto ao terço inferior da moldura abstracta, muito embora ambos tivessem antecedentes por crime da mesma natureza.
Mas se a sociedade consente que quanto ao arguido AA lhe seja dada a oportunidade de cumprir a pena em comunidade, ainda que sujeito a certas obrigações que lhe foram ali fixadas, com isso suspendendo a execução da prisão, não consente e nunca perceberia que o arguido BB fosse, outra vez, beneficiado com essa possibilidade, depois de ter violado todas as obrigações jurídicas e sociais decorrentes de uma pena suspensa anteriormente aplicada e em vigor quando, abusando da confiança da própria sociedade, se alheou das suas determinações e voltou a delinquir.
Não havendo qualquer forma, por mais remota que seja, de justificar qualquer prognose favorável a seu respeito, bem andou também o Tribunal a quo quando, suspendendo a execução da pena ao arguido AA, a negou ao arguido BB.
Pelo que, também neste ponto, nada há a apontar à decisão recorrida.
II. Quanto à aplicabilidade da Lei nº 38-A/2023, de 02.08
O arguido BB vem reclamar a aplicação do perdão de pena constante da Lei de Amnistia, situação em que teria já cumprido toda a pena durante o período de vigência da medida de coacção.
Pode colocar-se a questão de saber se, não tendo a primeira instância decidido pela aplicação da Lei referida, e tendo a questão sido suscitada em recurso pelo recorrente (arguido BB), pode este Tribunal decidir da mesma.
Aceitamos que sim, por duas ordens de razões:
Primeira porque, estando já vigente data em que foi publicitado o acórdão recorrido a Lei nº 38-A/2023 de 02.08, e sendo a sua aplicação (quanto ao perdão de pena) oficiosa (ainda que aguardando o trânsito), se entendesse fazer a aplicação do perdão de pena o Tribunal a quo teria decidido em conformidade, aplicando-o. Sendo também certo que, por oposição, não estava obrigado a fundamentar a sua não aplicação porque dos Tribunais não é expectável um juízo de não aplicação de normas (excepto se essa apreciação for requerida) mas de aplicação, ou seja, simplificando, a função de julgar impõe um dever de decidir se sim ou não em face da inicial premissa. Não sendo exigível que expliquem porque razão não aplicam umas normas, só a razão porque aplicam outras.
Nesta conformidade, o Tribunal a quo só teria de se pronunciar sobre a Lei de Amnistia se decidisse aplicar a mesma, fundamentando as razões dessa decisão. Não o tendo feito, por aquela mesma ordem de razão, impõe-se concluir que considerou estar excluída a aplicação do referido perdão de pena.
Segunda porque, ao que resulta do processo e nesse mesmo pressuposto, o arguido BB veio, de facto, a suscitar essa questão em recurso, constituindo ela o núcleo fundamental da sua peça recursiva. Razão pela qual, também por aqui se fundamenta a cognição por parte deste Tribunal.
Postas assim as coisas, adiante.
O arguido BB vem aqui condenado na pena de 2 anos e 5 meses de prisão por crime de tráfico de menor gravidade.
Já vimos supra que a pena se mostra fundamentada e fixada de forma criteriosa e adequada, bem como se mostra adequado que o Tribunal a quo se tenha decidido pelo cumprimento efectivo da mesma.
Reunidos que se mostrem os requisitos do art.º 2º, nº 1 da referida Lei, tem o condenado potencial para entrar no quadro de graça concedida na referida Lei.
Seguidamente, impõe-se averiguar os requisitos de substância para o efeito.
Analisando.
Estabelece o art.º 3º, nº 1 da referida Lei:
(…)
1 — Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.
(…)
E estabelece o art.º 7º do mesmo diploma:
(…)
1 — Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei:
(…)
f) No âmbito dos crimes previstos em legislação avulsa, os condenados por:
(…)
ix) Crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;
(…)
Por sua vez, o DL nº 15/93, recentemente refrescado, diz o seguinte:
(…)

Artigo 21º - Tráfico e outras actividades ilícitas



1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
(…)

O art.º 22º diz que:

Artigo 22º - Precursores



1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fabricar, importar, exportar, transportar ou distribuir equipamento, materiais ou substâncias inscritas nas tabelas V e VI, sabendo que são ou vão ser utilizados no cultivo, produção ou fabrico ilícitos de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.

E o art.º 28º:

Artigo 28 - Associações criminosas



1 - Quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos.
2 - Quem prestar colaboração, directa ou indirecta, aderir ou apoiar o grupo, organização ou associação referidos no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
3 - Incorre na pena de 12 a 25 anos de prisão quem chefiar ou dirigir grupo, organização ou associação referidos no n.º 1.
4 - Se o grupo, organização ou associação tiver como finalidade ou atividade a prática das condutas previstas nos n.ºs 3 a 5 do artigo 368.º-A do Código Penal face a vantagens ou a prática de recetação de coisas ou animais provenientes dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, o agente é punido:
a) Nos casos dos n.ºs 1 e 3, com pena de prisão de 2 a 10 anos;
b) No caso do n.º 2, com pena de prisão de um a oito anos.

Ora, decorre destes normativos que o DL nº 15/93 estabeleceu, agora inequivocamente, um tipo legal de crime de tráfico de produtos estupefacientes no seu art.º 21º, aquele a que já chamávamos o tipo-base e que agora condensa, de facto, todos os modos de actuação susceptíveis de se enquadrarem legalmente como tráfico.
Por outro lado, fica evidente que dedicou o art.º 22º ao tratamento da matéria dos percursores, matéria cada vez mais importante, não apenas por via da padronização, no tráfico internacional, de nítidas áreas conotadas com a produção e outras com o comércio e consumo, mas também por via da manipulação (química) a que vêm sendo submetidas as substâncias, dando isto origem, em muitos casos, a que a importância da origem se dilua naquilo que é o domínio da transformação, com o processo de produção de drogas não apenas orgânicas a liderar os fluxos do consumo e do dinheiro.
Finalmente, o art.º 28º foi dedicado à criminalidade organizada no âmbito da actividade de tráfico de produtos estupefacientes.
Ou seja, percebe-se que o Legislador compartimentou a actividade por áreas de actuação, elegendo estes três nos patamares de destaque em torno dos quais giram as restantes normas reguladoras do combate a esta actividade.
E estas são as mesmas áreas de intervenção que são destacadas pelo mesmo Legislador na Lei nº 38-A/2023 de 02.08.
Por isso, no art.º 7º dedicado às exclusões de aplicação da referida Lei, se determina que ficam excluídos da aplicação do perdão ali concedido (nº 1, al. f) ix) os crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas (…)
Ao prever desta forma, o Legislador fê-lo de modo a fazer incidir a interdição precisamente sobre as áreas de actuação das políticas de combate o tráfico de estupefacientes, tal como constam do respectivo diploma.
A questão que se coloca, então, é a de saber se o Legislador da Amnistia quis aqui manter o critério que nos parece resultar já do próprio DL nº 15/93 ou se, pelo contrário, ao arrepio das presunções resultantes do art.º 9º do Cód. Civil, resolveu aqui inovar e, com isso, lançar-nos na incerteza da interpretação.
Pensamos que o Legislador quis a primeira opção e deixou-a evidente.
No caminho para encontrar a solução razoável, atendemos fundamentalmente a três questões:
A primeira, a circunstância de, como vem afirmando a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça, as leis de amnistia, na medida em que assentam sobretudo em pressupostos não exclusivamente jurídicos e têm natureza excepcional, deverem ser interpretadas de acordo com o que resulta da sua letra.
Temos presente, como disse alguém melhor do que nós, que:
É pela natureza excepcional de tais normas que elas «não comportam aplicação analógica» - artigo 11.º do Código Civil -, sendo pacífico e uniforme o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que, pela mesma razão, não admitem as leis de amnistia interpretação extensiva ou restritiva, «devendo ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas» (v. a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 1977, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 272, p. 111 - «a amnistia, na medida em que constitui providência de excepção, não pode deixar de ser interpretada e aplicada nos estritos limites do diploma que a concede, não comportando restrições ou ampliações que nele não venham consignadas» -, de 6 de Maio de 1987, Tribuna da Justiça, Julho de 1987, p. 30 - «O STJ sempre tem entendido que as leis de amnistia, como providências de excepção, devem interpretar-se e aplicar-se nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas»9 -, de 30 de Junho de 1976, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 258, p. 138 - «A aplicação da amnistia deve fazer-se sempre nos estritos limites da lei que a concede, de modo a evitar que vá atingir, na sua incidência como facto penal extintivo, outra ou outras condutas susceptíveis de procedimento criminal» -, de 26 de Junho de 1997, processo n.º 284/97, 3.ª Secção - «As leis de amnistia como leis de clemência devem ser interpretadas nos termos em que estão redigidas, não consentindo interpretações extensivas e muito menos analógicas» -, de 15 de Maio de 1997, processo n.º 36/97, 3.ª Secção - «A amnistia e o perdão devem ser aplicados nos precisos limites dos diplomas que os concedem, sem ampliação nem restrições» -, de 13 de Outubro de 1999, processo n.º 984/99, 3.ª Secção, de 29 de Junho de 2000, processo n.º 121/2000, 5.ª Secção, e de 7 de Dezembro de 2000, processo n.º 2748/2000, 5.ª Secção, para mencionar apenas os mais recentes) 10.
Esta preocupação de não retirar mais do texto do que aquilo que ele diz não importa apenas uma salvaguarda ou segurança, mas sobretudo garante que a delimitação se faça com critério e sem arbitrariedade.
Como também já disse o Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 444/97 de 25.0611, a delimitação dos factos amnistiados tem que ser feita segundo critérios suscetíveis de generalização (…) em função de circunstâncias não arbitrárias, mas razoáveis do ponto de vista dos fins do Estado de direito.
A segunda questão a considerar é a que se prende com a necessidade de, mesmo no âmbito de lei excepcional, serem de manter os conceitos e princípios do direito penal, pois que não faria sentido que o não fizéssemos.
Se pensarmos neste quadro, e se daí partirmos para o jurídico, num primeiro momento para a teoria geral e conceitos, podemos também perceber que, tal como hoje se entende genericamente, o art.º 21º do DL nº 15/93 de 22.01 define o tipo-base do crime de tráfico de estupefacientes, de onde partem as tipologias de referência, como os tráficos desagravados (art.ºs 25º e 26º) e agravado (art.º 24º).
Temos de ter presente que o reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca o tráfico de estupefacientes faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade, muito embora garanta ainda as finalidades de reinserção dentro do modelo de prevenção especial.
Nesta perspectiva, as imposições de prevenção geral decorrentes da ilicitude do facto e da dimensão do perigo, que resultam da frequência do fenómeno e das circunstâncias comunitárias em que se manifesta, comandam a determinação da medida da pena, coordenadas, embora, com as exigências de prevenção especial, as quais serão eventualmente satisfeitas com a escolha de uma medida concreta que tempere as mais pesadas imposições de prevenção geral.
Como tem também sido sublinhado pela jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça12, o tipo de crime de tráfico de estupefacientes (art.º 21º) é um crime de perigo abstracto, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública, que se realiza com a colocação em perigo do bem jurídico protegido que consiste na saúde e integridade física dos cidadãos, ou saúde pública.
E, como afirma Lourenço Martins, está também em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes13 .
Ora, é a previsão legal do art.º 21º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22.01 que contém a descrição típica do crime de tráfico de estupefacientes. A raíz tipológica onde todas as outras normas vão buscar a chamada factualidade relevante que integra as condutas proibidas.
Como também refere parte da nossa jurisprudência, o art.º 21º citado, ao fazê-lo, fá-lo compreensivelmente a largo espectro.
Trata-se, pois, neste art.º 21º citado, de um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extração ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os atos têm entre si um denominador comum, que é a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação14.
Assim, conquanto este crime base do art.º 21º esteja projectado para assumir a função típica de acolhimento dos casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites da moldura penal, que indiciam a susceptibilidade de aplicação a todas as situações, graves e mesmo muito graves, de crimes de tráfico, as circunstâncias devem ser integradas por considerações de gravidade correspondentes.
Fazendo sentido que a norma do art.º 21º do DL nº 15/93 de 22.01, defina o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, no qual se punem diversas actividades ilícitas, cada uma delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do ilícito, faz sentido também concluir que nos art.ºs 25º e 26º do mesmo diploma se mostram definidos tipos privilegiados em relação àquele tipo fundamental, e no art.º 24º o tipo agravado, relativamente ao mesmo art.º 21º.
Terceira: tem-se em atenção que a construção do crime de tráfico de menor gravidade, surgido na sequência da revisão de 1993 da Lei da Droga – e, recorda-se, que levou ao desaparecimento do anterior crime de tráfico de quantidades diminutas (cfr. Proposta de Lei n.º 32/VI, que deu origem à Lei nº 27/92 de 31.08, e que concedeu ao Governo a autorização legislativa necessária à aprovação do Decreto-Lei nº 15/93 de 22.01, na sequência da ratificação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, Viena, 1988) -, assenta na técnica do uso de uma cláusula geral, expressa no conceito de “ilicitude consideravelmente diminuída”, com recurso a circunstâncias exemplificativas relativas aos elementos da ilicitude da acção.
De facto, como também diz o Supremo Tribunal de Justiça, a disposição do art.º 25º do Decreto-Lei nº 15/93 é usada pelo legislador “como uma espécie de válvula de segurança do sistema em ordem a evitar que situações efectivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas, no propósito de uma maior maleabilidade na escolha da medida da reacção criminal”, estando a sua aplicação “de certo modo parametrizada mediante a verificação das circunstâncias aí indicadas a título exemplificativo, o que aponta para a necessidade de uma valorização dos factos imputados ao arguido e provados, não podendo deixar de se ter em conta todos os tópicos a que o preceito se refere, aditados de outros, se os houver”, salienta-se no acórdão deste tribunal de 2.6.1999 (proc. n.º 269/99) 15.
Assim, o art.º 25º apresenta um crime privilegiado relativamente ao tipo fundamental, e o privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta, pois, de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (artigo 21.º do mesmo diploma), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir exemplificativamente “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo assim a porta à densificação doutrinal e jurisprudencial do conceito de “menor gravidade” 16
Enquanto o art.º 24º do DL nº 15/93 de 22.01 prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto, funcionando como contraponto do art.º 25º (que estatui o crime privilegiado de tráfico, em razão da menor gravidade do facto).
Fechando o círculo, a lei prevê, a par do tipo fundamental de tráfico instituído no art.º 21º, um crime privilegiado no art.º 25º, e um qualificado no art.º 24º, em função da dimensão da ilicitude do facto, que deverá ser consideravelmente menor que a ínsita no tipo fundamental no caso do art.º 25º e, por oposição, consideravelmente maior no caso do art.º 24º.
Com este quadro que apresentamos de forma muito resumida presente, e que nos parece ser o único resultante da padronização estabelecida pelo DL nº 15/93 de 22.01, podemos completar o silogismo, concluindo que as referências feitas ao crime de tráfico de estupefacientes pela referida Lei nº 38-A/2023 de 02.08 (vulgo: Lei de Amnistia) segue a mesma padronização : referindo o art.º 21º por ser o tipo base do crime de tráfico que descreve a conduta típica do mesmo em cuja referência se enquadram os art.ºs 25º, 26º e 24º enquanto condutas típicas de ilicitude mais ou menos marcada; referindo o art.º 22º que descreve a conduta típica relativamente a percursores; e referindo o art.º 28º que contempla a tipicidade quanto à criminalidade em associação, sendo esta também por referência, como aí se diz, aos art.ºs 21º e 22º do mesmo diploma.
Parece-nos resultar de tudo isto claro que o Legislador da Lei de Amnistia quando consagra, no art.º 7º das exclusões do perdão, os crimes de tráfico de estupefacientes dos art.ºs 21º, 22º e 28º do DL nº 15/93, quis fazer exactamente a mesma referência17. Disto resultando que a nomeação do art.º 21º seja abrangente dos tipos seus derivados dos art.ºs 25º e 24º daquele mesmo diploma.
Aliás, nem faria sentido que assim não fosse, pois que se disto se fizesse uma interpretação restrictiva de forma a reduzir a exclusão ao crime do art.º 21º, sempre teríamos de concluir que o Legislador excluía a aplicação do perdão aos crimes do mesmo art.º 21º enquanto, por nele também não falar, o admitia para o crime agravado do art.º 24º. Conclusão esta que passava em muito além dos limites do absurdo.
Prosseguindo no somar de partes:
Já vimos que, no que toca a leis de amnistia devem os Tribunais abster-se de fazer interpretações que se estendam além da letra ou se fiquem além dela – para já não falar da interpretação por analogia -, e já vimos que a única interpretação consentida pelo art.º 7º referido é a que dele mesmo resulta, e se deve fazer por referência a tipos legais por categorias: tráfico de estupefacientes (arts.º 21º, 25º e 26º), precursores (art.º 22º) e criminalidade por associação (art.º 28).
Mas além destes argumentos podemos aduzir outros.
Nos termos do art.º 1º do Cód. Proc. Penal, prevê-se:
(…)
j) 'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;
l) 'Criminalidade especialmente violenta' as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos;
m) 'Criminalidade altamente organizada' as condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência, participação económica em negócio ou branqueamento.
(…)
Muito embora não resulte isso da letra da lei, a jurisprudência vem entendendo que o crime de tráfico de menor gravidade não se inscreve no conceito da al. m) transcrita, muito embora aí, sem reservas, se enquadre a actividade de tráfico de estupefacientes, justificando-se essa dissidência pelo facto de estarmos perante uma forma privilegiada do crime.
Ora, não competindo aqui alargar a base desta nossa discussão a mais outro tema (embora esse ainda fosse de igual interesse), podemos apenas dizer que, mesmo quando assim se entenda, o crime de tráfico de menor gravidade inscreve-se obrigatoriamente na categoria de «criminalidade violenta» (al. j) citada), atento o critério objectivo da pena aplicável – o crime é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos de prisão, o que o inclui imediatamente naquela categoria de crimes puníveis «com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos».
Ora, mesmo que se olvidasse (o que nós não fazemos) que o crime de tráfico, em qualquer das modalidades, deverá sempre estar no lote da criminalidade mais grave, ainda para quem entenda de modo diverso, este é um facto que não pode ignorar.
Esta natureza não é despicienda, colocando o crime de tráfico, em qualquer das suas formas, no lote da criminalidade grave. E basta passar os olhos pela Lei n.º 38-A/2023 de 02.08 para se concluir que o Legislador fez um esforço por abranger nas exclusões da aplicação do perdão de pena precisamente a criminalidade mais grave.
Mas vejamos os trabalhos preparatórios18.
O Projecto inicial do Governo para a Amnistia (PPL 97 XV (Gov)) previa a exclusão da aplicação aos v) Os condenados por crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na sua redação atual;
A proposta de alteração do Grupo Parlamentar do PSD propunha que ficasse excluída a aplicação do perdão de pena ix) Os condenados por crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º, 24.º, 25.º, 28.º, 29.º, 30.º e 33.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na sua redação atual, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
E o texto aprovado resulta que não beneficiam da aplicação do perdão de pena ix) Os condenados por crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na sua redação atual.
Ou seja, percebe-se perfeitamente que o Legislador quis reconduzir as actividades relevantes em termos de tráfico de estupefacientes precisamente àquelas categorias supra mencionadas: o tráfico de estupefacientes; os precursores; a criminalidade por associação. Fazendo uma perfeita correspondência entre elas.
Não faz sentido pensar que relativamente a uma criminalidade de maior gravidade, como é o tráfico de estupefacientes, o Legislador tenha querido, até contra os compromissos internacionais que Portugal tem assumido no âmbito do combate a essa actividade, por via de uma graça concedida por motivo que nada tem que ver com o exercício de instrumentos de política criminal, beneficiar os traficantes (independentemente de serem de muitas ou poucas quantidades, e sendo certo que este não é o único critério) com o referido perdão.
A actividade de tráfico vai muito além da pessoa do traficante. É uma actividade que se enquadra hoje no quadro amplo dos crimes contra a sociedade, diríamos mesmo, contra a humanidade.
O facto de podermos, no âmbito da valoração da ilicitude do facto concreto, encontrar os motivos que nos levem a optar por um tráfico desagravado, com isso beneficiando já o delinquente, não significa que a actividade que desenvolve seja menos nociva para a sociedade.
Aliás, como decorre da factualidade assente neste processo, o papel destes arguidos foi fundamental para a actividade de venda, ainda que eles mesmos não tenham sido vistos a fazê-lo. E o tráfico, enquanto actividade nefasta que é, vive disto mesmo: de quem vende, de quem guarda o produto e nem vende, de quem vigia e vende ou não vende, de quem angaria compradores venda ou não venda, de quem vais buscar e levar… a actividade em si depende de todos estes factores que a tornam possível, exponencialmente lucrativa e incomensuravelmente nefasta.
Quando se fala em eventuais menores quantidades, eventuais meios não sofisticados, eventuais substancias menos nocivas (dentro dos quadros de referência das tabelas) quando por comparação a outras, ou quaisquer outros factores de onde retiremos uma ilicitude menor (por comparação ao art.º 21º), estamos a fazê-lo do ponto de vista da actividade que imputamos em concreto àquele agente e não por referência à actividade de tráfico.
E mesmo nesse quadro, toda a actividade é importante. Caso se evidencie, como aqui - e por isso o Tribunal a quo optou pela imputação no âmbito da (co) autoria, e bem -, que a actividade de ambos se revelou essencial nessas circunstâncias, mais afirmada se mostra a referida importância.
Ainda que seja por via da transacção de uma única dose individual de estupefaciente, a actividade de tráfico é muito grave, estando no centro das preocupações das políticas de combate à criminalidade nos dias de hoje, a nível nacional e internacional. Não apenas pela sua própria nocividade mas por causa de toda a criminalidade que se lhe associa.
A aprovação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, assinada por Portugal e ratificada (Resolução da Assembleia da República nº 29/91 e Decreto do Presidente da República nº 45/91, publicados no Diário da República, de 6 de Setembro de 1991) esteve na base da aprovação do DL nº 15/93 de 22.01.
E como é comummente aceite, visou-se ali (na Convenção) prosseguir três objectivos fundamentais: privar os traficantes do produto das suas actividades criminosas, suprimindo o seu incentivo principal e impedindo a utilização de fortunas ilicitamente acumuladas de financiarem organizações criminosas transnacionais cuja actividade passa por controlar e corromper as estruturas do Estado, o comércio e a circulação legítima de capitais; adoptar medidas adequadas ao controlo e fiscalização dos precursores, produtos químicos e solventes, substâncias utilizáveis no fabrico de estupefacientes e de psicotrópicos e que, pela facilidade de obtenção e disponibilidade no mercado corrente, têm conduzido ao aumento do fabrico clandestino de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas; em terceiro lugar, reforçar e complementar as medidas previstas na Convenção sobre Estupefacientes de 1961 (modificada pelo Protocolo de 1972) e na Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, colmatando brechas e potenciando os meios jurídicos de cooperação internacional em matéria penal.
Este compromisso internacional decorre do reconhecimento da perigosidade desta actividade e nocividade da mesma no tecido das sociedades actuais.
Não se venha sequer com a argumentação de que, nos dias que correm, até se fala na despenalização parcial da actividade, como se isso engrandecesse a discussão. Essas teorias, que são, na maioria das vezes, de duvidosa base de raciocínio e inspiração, assentam sobretudo no pressuposto, que ocultam, de que o combate ao tráfico, por falta de investimento sério nos meios, por falta de recursos sociais que são desviados para outras actividades menos nobres, está a perder dinâmica. A par da constatação de que os lucros dessa actividade, depois de filtrados por muitos caminhos, dão também rendimento à actividade aparentemente lícita de outro tanto de gente.
Esta constatação, a par do incremento de sociedades actuais cada vez mais individualistas, em que cada um olha para o seu umbigo e se alheia da miséria que o rodeia, discutindo até os subsídios para a combater como indevidos e injustificados, é um motor que tem estado em marcha e que, não sendo travado, porá em risco as sociedades do futuro.
As preocupações de combate ao tráfico resultantes das Convenções e Acordos internacionais visam combater esse alheamento e desinteresse egoísta quanto aos outros e empenham os Estados contratantes no combate ao flagelo.
Assim, independentemente dos instrumentos internos de gestão, desde logo da previsão de tipos legais que permitam enquadrar a actividade de tráfico num patamar de importância distinto do que resulta necessariamente do quadro aberto pelo art.º 21º - e que, por confronto com o art.º 24º, se percebe destinar-se a punir já um tráfico de grande importância -, não faria qualquer sentido, para efeitos de Amnistia, desconsiderar esse relevo e beneficiar o delinquente com um perdão de pena.
O princípio orientador das exclusões previstas no art.º 7º da Lei de Amnistia, como resulta da leitura das suas alíneas, é a importância dos bens jurídicos tutelados pelas normas de proibição e não a maior ou menor extensão da pena aplicada.
E a ser assim, como nos parece de meridiana clareza, quando o ponto ix) do nº 1 do art.º 7º exclui do perdão o tráfico de estupefacientes dos art.ºs 21º, 22º e 28º do DL nº 15/93 de 22.01 está a deixar perfeitamente claro que visa excluir-se do perdão toda a actividade de tráfico.
Nem faria o mínimo sentido, no limite ainda que fosse do absurdo, que o Legislador tivesse previsto um perdão de pena para crimes de tráfico de estupefacientes puníveis com pena de 1 a 5 anos de prisão e expressamente o excluísse de crimes como condução perigosa e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos art.ºs 291º e 292º do Cód. Penal, tal como expressamente prevê no art.º 7º, nº 1, d. ii) da referida Lei de Amnistia.
Como em tudo na vida, as coisas têm de ter um certo sentido, um equilíbrio, um prumo. Sem discricionariedade, porque os Tribunais não legislam e quem tem essa competência e elaborou e aprovou a sobredita Lei de Amnistia partiu do critério exposto, que é o razoável, não havendo aqui que decidir de acordo com outro critério porque isso, não podendo ser entendido como critério corrector19, sempre teria de ser visto como decisão contra lei expressa.
Tal como nos parece ficar evidenciado por todos os argumentos acima expostos, a conclusão não pode ser outra senão a de que o Legislador excluiu da aplicação do perdão previsto na Lei de Amnistia de 2023 o crime de tráfico de estupefacientes em todas as suas dimensões, no que fica abrangido o tráfico do art.º 25º do DL nº 15/93 de 22.01.
Assim, concluindo neste ponto, também improcede quanto a esta questão o recurso na medida em que o Tribunal a quo não tinha de aplicar o perdão de pena previsto na Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto, por dele estar excluído o crime por que foi condenado o arguido (foi apenas o arguido BB que a suscitou).
Por tudo quanto acaba de se expor, conclui-se, assim, pela total improcedência de ambos os recursos.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes20 deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não providos os recursos interpostos por BB e AA, mantendo-se em tudo a decisão do Tribunal a quo.
Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 4 UC’s para cada um e demais encargos legais, sem prejuízo da isenção de pagamento de que possam beneficiar.

Lisboa, 20.03.2024
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO
Hermengarda do Valle-Frias
Rosa Vasconcelos
Alfredo Costa

Voto de vencido (Juiz Desembargador 1º Adjunto):
No que tange ao conhecimento do perdão invocado no recurso, entendo que não cabe a este Tribunal conhecer de tal matéria, pelas seguintes razões:
A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, instituiu um regime de perdão de penas e de amnistia de infracções, celebrando a realização da Jornada Mundial da Juventude em território português. No entanto, o artigo 14º da referida Lei determina que a competência para a sua aplicação pertence, conforme o caso, ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz competente pela fase de julgamento ou condenação.
Importa salientar que este Tribunal da Relação não detém a função de juiz de julgamento ou de condenação, situando-se assim fora do âmbito de aplicação directa da Lei n.º 38-A/2023, a qual deveria ser primordialmente considerada pelo Tribunal a quo.
Além disso, uma eventual aplicação da mencionada legislação por esta instância poderia obstaculizar a admissibilidade de um recurso focado especificamente nessa questão, conforme preceitua o artigo 400º, nº 1, alínea f) do Código de Processo Penal.
Concluindo, subscrevo o acórdão relativamente a todas as outras questões suscitadas nos recursos interpostos, ressalvando, contudo, que o perdão previsto pela Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto deve ser primeiramente conhecido e decidido no tribunal da 1ª Instância por ser o competente.
___________________________________________
1. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Coimbra - 1993, p. 290 ss.
2. Direito Penal Português, Aequitas, p. 227.
3. Cfr. Anabela Rodrigues, o Sistema Punitivo Português, in Sub Judice, nº 11, 1996.
4. Arts. 71°, 47°, n° 1 e 40° CP.
5. Cfr. Jorge de Figueiredo Dias - As consequências Jurídicas do Crime, p 227 ss.
6. Figueiredo Dias, idem, p. 343 e 344.
7. ibidem, p. 344
8. ibidem, p. 344 e 345
9. Sublinhado nosso.
10. Apud. e vendo-se com interesse o Ac. deste Tribunal e secção de 09.12.2020 (Rel. Desembargadora Maria Margarida Almeida).
11. Consultável na respectiva base de dados.
12. Veja-se Ac. de 02.10.2014 - proc. 45/12.8SWSLB.S1, disponível em www.dgsi.pt\stj..
13. Lourenço Martins - Droga e Direito, Aequitas/Editorial Notícias, 1994, p. 122. 14. Acs STJ de 08.09.2021 (proc. 17/19.1PESTR.E1.S1), de 23.9.2021 (proc. 29/15.4PEVNG.S1), e de 11.11.2021 (proc. 40/20.3PBRGR.S1), para citar apenas recentes.
15. Ac. STJ de 23.03.2022- disponível em www.dgsi.pt\stj..
16. Ac. STJ de 08.04.2021 – disponível em www.dgsi.pt\stj..
17. Aliás, como faz também o próprio DL nº 15/93 quando refere exactamente as mesmas categorias no seu art.º 31º (com a indicação de que o aí também referido art.º 23º foi revogado).
18. Consultáveis no site da AR com essa designação.
19. Corrigir implica rectificar o que está. Acrescentar o que não está não é corrigir, é inovar, é legislar em substituição do Legislador, sem que neste caso se mostrem evidenciados os pressupostos do art.º 10º, nº 3 do Cód. Civil. Recordando-se, ainda, as directrizes constantes do art.º 9º do citado Cód. Civil.
20. Voto de vencido do Juiz Desembargador 1º Adjunto junto.