Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ MANUEL MONTEIRO CORREIA | ||
Descritores: | PENHORA PENSÃO DE REFORMA SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL RECLAMAÇÃO OPOSIÇÃO À PENHORA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/21/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I.–O tribunal, confrontado com a penhora de uma pensão de reforma que ofenda o limite mínimo de impenhorabilidade previsto nas disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 3 do art.º 738.º do CPC, pode conhecer oficiosamente dessa questão e ordenar o levantamento da penhora. II.–Podendo ser conhecida oficiosamente, pode o executado, também, suscitar o conhecimento dessa questão ao tribunal e fazê-lo por simples requerimento avulso dirigido aos autos principais, à margem, por conseguinte, do incidente de oposição à penhora previsto nos art.ºs 784.º e 785.º. III.–Os subsídios de férias e de Natal associados a uma pensão de reforma constituem, nos termos do art.º 41.º do D.L. 187/2007, de 10/05, um direito dos pensionistas que, por força daquele preceito e da sua inserção sistemática na Secção V do referido diploma legal, integra a ‘pensão regulamentar’ que nessa secção se pretendeu definir. IV.–Tais subsídios são, assim, parte integrante da pensão de reforma e estão, por conseguinte, se de valor inferior ao do salário mínimo nacional e não sendo conhecida a perceção, pelo executado, de outro(s) rendimento(s) além da pensão, sujeitos à impenhorabilidade decorrente dos referidos n.ºs 1 e 3 do art.º 738.º do CPC. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados I.– Relatório Na presente execução, sob a forma de processo comum ordinário para pagamento de quantia certa, em que figuram, como Exequente, …, e, como Executados, …, foi penhorada, em …, parte da pensão auferida pela Executada …, com início dos descontos em dezembro de 2022, prolongando-se depois pelos meses seguintes, até perfazer o total da quantia exequenda, acrescida das despesas da execução. * Inconformada com tal penhora, veio a Exequente requerer o seu levantamento, com fundamento na impenhorabilidade da sua pensão, atento o disposto no art.º 738.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Para tanto, e em síntese, alegou o seguinte. Em 09-01-2023, foi notificada da penhora da sua pensão, com descontos a partir de dezembro de 2022 e pelos meses seguintes, até perfazer o total da quantia exequenda, acrescida das despesas da execução. Aufere uma pensão de velhice no valor mensal de € 555,78, acrescida, nos meses de julho e de dezembro de cada ano, de um montante adicional de igual quantitativo, nos termos do art.º 41.º do D.L. n.º 187/2007, de 10/05. Nos termos do art.º 738.º, n.º 1, do CPC são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado. Tal impenhorabilidade, nos termos do n.º 3 do art.º 738.º do CPC, tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional. Não há fundamento para afirmar que os montantes adicionais pagáveis aos pensionistas em julho e dezembro têm, para efeitos do art.º 738.º do CPC, natureza diferente das pensões de reforma. Assim, para aferir da impenhorabilidade dos montantes por si auferidos a título de subsídio de férias e de Natal, sendo que recebe uma pensão de montante inferior ao salário mínimo nacional, o cálculo deverá ser efectuado pelo montante global dos seus rendimentos, onde se incluem tais subsídios, e dividi-lo por doze. Efetuando a multiplicação de € 555,78 por 14 prestações mensais, tal operação perfaz o valor de 7.808,92€. Ao dividir esse valor de 7.808,92€ por 12, temos o valor de 650,74€. É evidente, pois, que o valor anual que aufere, quando dividido por 12, é manifestamente inferior ao salário mínimo nacional de 760€. A penhora da sua pensão é, por conseguinte, ilegal, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 738º do CPC. * O Exequente opôs-se a tal pretensão da Executada, batendo-se pela manutenção da penhora efetuada nos autos. Alegou, para tanto, e em síntese o seguinte. A penhora da pensão da Executada verificou-se em 09/01/2023, sendo que, na mesma data, foi expedida notificação desse ato à mesma. Nessa notificação, o agente de execução informou a Executada, na pessoa do seu ilustre mandatário, sobre o fundamento da mesma, designadamente: - “Nos termos do disposto nos artigos 784º e 785º do Código Processo Civil (CPC), fica pela presente notificado na qualidade de mandatário da executada … para, no prazo de 10 (dez) dias deduzir, querendo, oposição à penhora dos bem(s) identificado(s) em anexo, com algum dos seguintes fundamentos: a.-Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b.-Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c.-Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência. (…) Não sendo deduzida oposição, não havendo fundamento de suspensão ou não sendo paga a dívida, os bens penhorados serão vendidos ou adjudicados, para pagamento da dívida e eventuais créditos que sejam reclamados.” Sucedeu que, somente a 10/02/2023, a Executada apresentou junto dos autos um mero “Requerimento para outras questões”, onde requereu o “levantamento da penhora”, sendo que nele começou por confirmar, no artigo 1.º, que “Em 09.01.2023 a ora executada foi notificada da penhora sobre a sua Pensão”. Perante este quadro, é possível concluir que: (i) o requerimento em causa não configura o meio adequado de reação, pois não equivale a uma oposição à penhora (em consignação com o disposto nos artigos 784.º e 785.º do CPC); (ii) é extemporâneo, atendendo à data da notificação da penhora e a data da sua apresentação; (iii) não foi liquidada taxa de justiça, nos termos da Lei 7/2012 – Regulamento das Custas Processuais Taxa de Justiça – Tabela II – Oposições à execução ou à penhora/embargos de terceiro. Por isto, impõe-se o desentranhamento do requerimento da Executada e o indeferimento do requerido pela mesma. Sem prejuízo, a penhora não é ilegal, porquanto é passível de ser objeto de penhora 1/3 do vencimento líquido, ou o seu remanescente, salvaguardando sempre o salário mínimo nacional, bem como os subsídios de férias e de natal. Por outro lado, as penhoras de vencimentos/pensão abrangem todas as partes dos rendimentos da executada: subsídios de férias, subsídios de Natal, subsídios de alimentação, tendo sempre a devedora que ficar com, pelo menos, um salário mínimo nacional. E foi o que sucedeu nos autos, em que a Executada auferiu € 555,78 de pensão de velhice, mais € 555,78 de 13.º mês, mais € 29,00 de actualização extraordinária, isto é, o equivalente a € 1.140,56, sendo que, por isso, foi-lhe descontada a importância de € 380,18, recebendo a mesma o valor líquido de € 760,38. Assim, sendo o salário mínimo nacional, em Dezembro de 2022, de € 705,00, ficou este salvaguardado, não havendo fundamento para o levantamento da penhora. * Por despacho proferido em 15 de novembro de 2023, o tribunal a quoacolheu a pretensão da Executada, ordenando, consequentemente, o imediato levantamento da penhora que incidia sobre a sua pensão e a imediata devolução à mesma de todas e quaisquer quantias que, a esse título, lhe tenham sido apreendidas. * Inconformado com tal decisão, dela veio o Exequente interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: “- Ocorreu penhora sobre a pensão auferida pela Executada …, conforme auto de penhora junto aos autos pelo Sr. Agente de Execução em …, sob a ref.ª …; - Na mesma data, foi expedida “notificação ao executado após penhora”, sob a ref.ª … . - Na aludida notificação, o Sr. Agente de Execução informou a Executada, na pessoa do seu I. Mandatário, sobre o fundamento da mesma, designadamente: “Nos termos do disposto nos artigos 784º e 785º do Código Processo Civil (CPC), fica pela presente notificado na qualidade de mandatário da executada IP..... para, no prazo de 10 (dez) dias deduzir, querendo, oposição à penhora dos bem(s) identificado(s) em anexo, com algum dos seguintes fundamentos: a.- Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b.- Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c.- Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência. (…) Não sendo deduzida oposição, não havendo fundamento de suspensão ou não sendo paga a dívida, os bens penhorados serão vendidos ou adjudicados, para pagamento da dívida e eventuais créditos que sejam reclamados.” - Sucede que, somente a 10/02/2023, a Executada apresentou junto dos autos um mero “Requerimento para outras questões”, sob a ref.ª …, onde requereu o “levantamento da penhora”. - Nesse mesmo requerimento, a Executada começa por confirmar que “Em 09.01.2023 a ora executada foi notificada da penhora sobre a sua Pensão” (artigo 1.º do requerimento supra referido). - Perante este quadro, é possível concluir que: 1.–O requerimento apresentado pela Executada não se configura o meio adequado de reação, pois não equivale a uma oposição à penhora (em consignação com o disposto nos artigos 784.º e 785.º do CPC); 2.–A resposta apresentada é, indubitavelmente, extemporânea, atendendo à data em que se considera notificada (09-01-2023) e a data em que se manifesta (10-02-2023), passados que estavam os 10 dias fixados pelo legislador (conforme dispõe o n.º 1 do artigo 785.º do CPC); 3.–Não foi liquidada taxa de justiça, nos termos da Lei 7/2012 – Regulamento das Custas Processuais Taxa de Justiça – Tabela II – Oposições à execução ou à penhora/embargos de terceiro. - Face ao circunstancialismo relatado, requer-se, desde já, a V. Exa. que determine o desentranhamento do requerimento apresentado pela Executada, improcedendo na totalidade o requerido pela mesma. - Ainda assim, e por mera cautela do dever de patrocínio, cumpre sublinhar que a penhora ocorrida não é ilegal, porquanto, é passível de ser objeto de penhora 1/3 do vencimento líquido, ou o seu remanescente, salvaguardando sempre o salário mínimo nacional, bem como, os subsídios de férias e de natal. - Mais se diga, as penhoras de vencimentos/pensão abrangem todas as partes dos rendimentos da executada: subsídios de férias, subsídios de Natal, subsídios de alimentação, tendo sempre a devedora que ficar com, pelo menos, um salário mínimo nacional. - Em consonância com este entendimento, veja-se o acervo jurisprudencial: “I- A impenhorabilidade de 2/3 do vencimento/pensão mensal auferida pelo executado destina-se a assegurar um montante mínimo necessário à sua subsistência condigna. II- Constituindo os subsídios de férias e de natal prestações adicionais à retribuição mensal, é admissível a penhora da parte que exceder o valor correspondente ao salário mínimo nacional uma vez que fica salvaguardado o mínimo indispensável ao sustento do executado.” Vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 1979/11.2TBGDM-C.P1, relator Anabela Miranda, datado de 11-01-2022, disponível in www.dgsi.pt. - Ao que acresce que, foi precisamente o que sucedeu no caso dos presentes autos, em que a Executada auferiu € 555,78 de pensão de velhice + € 555,78 de 13.º mês + € 29,00 de atualização extraordinária, o equivalente a € 1.140,56. Como tal, foi-lhe descontada a importância de € 380,18, tendo esta recebido o valor líquido de € 760,38. - Sendo certo que em Dezembro de 2022 o valor do salário mínimo nacional era de € 705,00, tendo este sido salvaguardado. - Por tudo quanto resulta exposto, entende o Exequente não assistir razão à Executada, por considerar que não há fundamento para o levantamento da penhora, tendo a sua defesa sido extemporânea e erroneamente apresentada.” * A Executada não respondeu ao recurso. * O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto. * Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * * * II.–Das questões a decidir O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art. ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente. Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art. ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC). Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes: i.-saber se o meio de reação seguido pela Executada/Recorrida à penhora da sua pensão de reforma, isto é, o simples requerimento, foi adequado ou se, para tanto, se exigia o recurso ao incidente de oposição à penhora, previsto nos art.ºs 784.º e 785.º do CPC; ii.-saber se os subsídios de férias e de Natal auferidos pela Executada/Recorrente adicionalmente à sua pensão são ou não impenhoráveis, à luz do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 738.º do CPC. * * * III.–Da Fundamentação III.I.-No despacho recorrido foram considerados provados os seguintes factos: 1.-A executada aufere uma pensão do Centro Nacional de Pensões no valor de € 555,78 mensais, a que acrescem os subsídios de férias e natal (€ 555,78 x 14). 2.-Por auto de penhora datado de 12.12.2022 “Foi penhorado parte do vencimento nos termos da Lei com descontos a partir do mês de dezembro de 2022 e pelos meses seguintes até perfazer total Quantia Exequenda acrescida das despesas relativo ao Executado.” 3.- A executada foi notificada do teor do auto de penhora por via telemática ao seu Mandatário em 09.01.2023. 4.- No mês de Dezembro de 2022, a Executada auferiu, de pensão e respectivo subsídio, o montante de € 1.140,56, tendo-lhe sido penhorada, à ordem destes autos, nesse mês, a quantia de € 380,18. 5.-No mês de Dezembro de 2022, o salário mínimo nacional situava-se na quantia de € 705,00. 6.- No ano de 2023, o salário mínimo nacional é de € 760,00. * - Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 607.º, n.ºs 1, 3 e 4, ex vi art.º 663.º, n.º 2 do, ambos do Código de Processo Civil, considera-se, ainda, provado o seguinte facto, resultante dos autos e, portanto, de conhecimento oficioso do tribunal: 7.-A Executada …, na sequência da notificação a que se alude em 3, reagiu mediante a apresentação, no processo principal de execução e em 10-02-2023, de um requerimento invocando a impenhorabilidade, em razão do valor, da sua pensão e requerendo, consequentemente, o levantamento da penhora que sobre parte dela foi concretizada nos autos. * * * III.II.- Do objeto do recurso I.-Da adequação ou desadequação do meio processual seguido pela Executada/Recorrente em reação à penhora da sua pensão Na presente execução, foi penhorada à Executada/Recorrida parte da pensão de reforma por si auferida, no valor de € 555.78. Notificada da penhora por comunicação eletrónica remetida ao seu mandatário em 09-01-2023, a Executada/Recorrida reagiu à apreensão, reputando-a ilegal e batendo-se pelo seu levantamento, através de requerimento avulso dirigido aos autos de execução em 10-02-23. O tribunal a quo, por via do despacho recorrido, acolheu integralmente a pretensão da Executada/Recorrida e ordenou o levantamento da penhora que incidia sobre a sua pensão, bem como a devolução à mesma das quantias que, a esse título, lhe tinham sido apreendidas. Ora, é contra o meio seguido pela Executada/Recorrida em oposição à penhora da sua pensão que o Exequente/Recorrente começa por se insurgir no presente recurso; segundo o mesmo, a reação à penhora deveria ter sido feita mediante a dedução do incidente de oposição à penhora previsto nos art.ºs 784.º e 785.º do CPC e não por simples requerimento. A questão que aqui importa apreciar neste momento é, pois, a de saber se era exigível à Executada/Recorrida, por forma a obter o levantamento da penhora da sua pensão, o recurso ao aludido incidente de oposição à penhora, ou se lhe bastava fazê-lo, como fez, através de simples requerimento. O incidente de oposição à penhora constitui um meio de oposição à penhora privativo do executado que, no essencial, consiste numa forma de reação deste a casos de impenhorabilidade objetiva (v., neste sentido, José Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 1997, p. 225). São fundamentos da dedução de oposição à penhora pelo executado, com efeito, e de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 784.º do CPC, os seguintes: a)-inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b)-imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequente; c)-incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência. O executado que pretenda reagir à penhora através de tal meio de oposição dispõe, de acordo com o n.º 1 do art.º 785.º do CPC, do prazo de 10 dias contados da notificação do ato da penhora para fazê-lo. A dedução do incidente implica, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 530.º, n.º 1 do CPC e 6.º, n.º 1 e 7.º, n.º 4 do RCP, o pagamento de taxa de justiça cujo montante é apurado em função da tabela II, que faz parte integrante deste último Regulamento. Uma vez deduzido, é-lhe aplicável, por força do n.º 2 do art.º 785.º do CPC, o regime geral de tramitação previstos nos art.ºs 293.º a 295.º para os incidentes de instância, bem como o disposto para a tramitação da oposição à execução nos n.ºs 1 e 3 do art.º 732.º do CPC, sendo, por conseguinte, e além do mais, tramitado por apenso aos autos de execução. No caso dos autos, o motivo que levou a Executada/Recorrida a opor-se à penhora da sua pensão residiu no facto de, mercê de tal penhora, a sua pensão ter ficado reduzida a um valor inferior ao do salário mínimo nacional, ultrapassando, assim, o limite mínimo da impenhorabilidade previsto nas disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 3 do art.º 738.º do CPC. A razão da divergência da Executada/Recorrida quanto à penhora da sua pensão reconduz-se, pois, à inadmissibilidade dessa penhora em função da extensão com que foi realizada, o que nos reconduz ao fundamento de dedução de oposição à penhora previsto no segundo período da alínea a) do n.º 1 do citado art.º 784.º do CPC. Nada obstaria, por conseguinte, a que a Executada/Recorrida recorresse a tal incidente como forma de reação à penhora da sua pensão concretizada nos autos. Mas nada obstava, também, a que o fizesse, tal como efetivamente fez, por via de requerimento avulso. Vejamos. Está aqui em causa a impenhorabilidade, no que ao caso importa considerar, de dois terços da parte líquida das prestações periódicas pagas ao executado a título de aposentação, prevista no n.º 1 do art.º 738.º do CPC, impenhorabilidade essa que, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, tem como limite mínimo absoluto, não tendo o executado outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional. Ou seja, para efeitos do preceito em apreço, as quantias pagas ao executado a título de pensão de reforma são penhoráveis em um terço, mas, ainda assim, se da penhora desse ‘um terço’ a pensão atingida ficar reduzida a valor inferior ao salário mínimo nacional e o executado não tiver outro rendimento, a penhora reduzir-se-á ao valor que salvaguarde aquele limite mínimo. Ora, subjacente a tal solução normativa estão razões de ordem constitucional e de salvaguarda de princípios e de direitos fundamentais do cidadão. Na verdade, o regime normativo em apreço tem a precedê-lo o resultante dos n.ºs 1 e 2 do art.º 824º do Código de Processo Civil, que vigorou até à entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26/06, diploma este que introduziu as alterações que consagraram o regime atual. No regime de pretérito era estabelecida, aliás, tal como agora, a regra da impenhorabilidade de dois terços das pensões de reforma, mas, não se prevendo qualquer limite mínimo, dele não ficava excluída a possibilidade de, em razão da penhora, a pensão atingida ficar reduzida a um valor inferior ao do salário mínimo nacional. Sucedeu que o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 177/2002, de 02-07 (publicado no DR n.º 150/2002, I-S-A, de 02-07-2002), decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma resultante daquele regime, na parte em que permitia a penhora até 1/3 das prestações periódicas pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não fosse superior ao salário mínimo nacional. E isto, porque do referido regime resultava a violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, e resultante das disposições conjugadas dos art.ºs 1.º; da alínea a), do nº 2, do art.º 59.º; e dos n.ºs 1 e 3 do art.º 63º da Constituição da República Portuguesa. Foi precisamente para acomodar este juízo de inconstitucionalidade (replicado, aliás, noutros acórdãos, quanto aos salários) que, no n.º 3 do art.º 738.º do CPC aqui em consideração, se estabeleceu que o montante penhorável das pensões de reforma teria sempre como limite mínimo absoluto o equivalente ao salário mínimo nacional. Ora, estando em causa, subjacente ao regime da impenhorabilidade aqui em apreço, questões atinentes a princípios e direitos fundamentais do cidadão e que, em último termo, se reconduzem à salvaguarda da dignidade da pessoa humana, afigura-se que o seu conhecimento não deve ficar sequer dependente do impulso processual do executado, podendo, pelo contrário, ser levado a cabo oficiosamente pelo tribunal. Ou seja, deparando-se com a possibilidade de a penhora de uma pensão de reforma concretizada pelo agente de execução privar o executado do valor equivalente ao salário mínimo nacional, nada obsta, como, pelo contrário, se exige, que o tribunal intervenha oficiosamente e reponha a legalidade. De outro modo, estaríamos a impedir o tribunal de, apesar de garante da Constituição e da lei, agir e, por conseguinte, obstar à violação de um direito fundamental do cidadão. Uma ‘interpretação conforme à Constituição’ do regime normativo em apreço exige, assim, segundo cremos, que se reconheça ao tribunal a possibilidade de conhecimento oficioso da questão. E se se permite esse conhecimento oficioso do tribunal, também se impõe reconhecer ao executado prejudicado com a penhora ilegal – rectius, inconstitucional – a possibilidade de dela reagir por simples requerimento, sem sujeição a qualquer efeito preclusivo decorrente da não dedução de incidente de oposição à penhora. Acresce dizer, a este respeito, o seguinte. A tutela da posição do executado no que diz respeito à possibilidade de penhora da sua pensão de reforma não se cinge, no quadro do regime fixado no art.º 738.º do CPC, à questão da sua impenhorabilidade, fixada, como se viu, nos n.ºs 1 e 3 deste preceito. Com efeito, de acordo com o n.º 6, ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excecionalmente, e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora. Em tal normativo legal, faculta-se ao juiz a possibilidade de redução ou mesmo de isenção de penhora, nos casos em que, por razões atinentes às características do crédito exequendo, ou às necessidades do executado e do seu agregado familiar, tal se justifique e em que, por conseguinte, a impenhorabilidade resultante dos n.ºs 1 e 3 do preceito não seja suficiente para a assegurar ao executado o mínimo necessário ao sustento, seu ou do respetivo agregado familiar. Ora, como decorre expressamente do normativo em apreço, ao executado que pretenda beneficiar da faculdade em questão basta que deduza a sua pretensão por requerimento avulso dirigido aos autos principais, o mesmo é dizer à margem da dedução de qualquer incidente de oposição à penhora e, inclusive, sem dependência de qualquer prazo. Sucede que se, nestas situações, em que está em causa a redução da parte penhorável da pensão de reforma ou a isenção de penhora, se permite ao executado a possibilidade de fazer valer a sua pretensão por via de um meio tão simples como o da formulação de um requerimento, seria, segundo cremos, um contrassenso exigir-se-lhe o recurso a um meio mais formal e burocrático como é o do incidente de oposição à penhora, sujeito, inclusive, aos efeitos preclusivos decorrentes do seu não exercício tempestivo, como meio de reação a uma potencial ofensa de um direito fundamental seu. Como expressivamente se referiu, num caso congénere ao destes autos, no Acórdão desta Relação de Lisboa de 16-02-2012, “entendendo-se que o simples pedido de isenção ou redução de penhora (…) pode ser apresentado em qualquer momento, por nele além do mais se conter uma matéria de direitos fundamentais, a salvaguarda do rendimento mínimo do trabalho indispensável a uma sobrevivência condigna (…), por maioria de razão ou até pela mesma razão – dado que a única diferença é que num dos casos a questão está directamente resolvida na lei (…) e no outro caso a decisão é deixada ao critério do juiz (…) – quando se trata de mera impenhorabilidade também esta deverá poder ser apreciada em qualquer momento pelo juiz a requerimento de qualquer das partes, em ordem a permitir pôr fim a uma tão grave ofensa deste direito fundamental do executado” (sublinhados nossos; Acórdão proferido no processo n.º 941/05.9TBALQ-B.L1-8, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt). É certo que, no citado n.º 6 do art.º 738.º, se prevê expressamente a possibilidade de o executado fazer valer a pretensão que, no preceito, lhe é assegurada por simples requerimento e que, nos restantes casos de impenhorabilidade, designadamente nos previstos nos n.ºs 1 e 3 do mesmo preceito, nada se diz quanto ao meio adequado de oposição a seguir. Ponderando o que acima foi dito, contudo, isto é, o facto de, subjacente ao regime em apreço, estar em causa a tutela de princípios e de direitos fundamentais, tal solução não pode ter outra leitura que não a de que o legislador, ao contrário do n.º 6, não previu, para os casos dos n.ºs 1 e 3, a possibilidade de reação à penhora ilegal por simples requerimento por tal se revelar desnecessário, já que, em tais casos, é possível ao tribunal conhecer oficiosamente a questão. Em suma, em caso de penhora de pensão de reforma com ofensa do limite mínimo de impenhorabilidade resultante das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 3 do art.º 738.º do CPC, pode tal questão ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, nada obstando a que esse conhecimento oficioso seja provocado por qualquer das partes no processo, por via de requerimento avulso dirigido, a todo o tempo, aos autos de execução e sem dependência, naturalmente, do pagamento de qualquer taxa de justiça, condicionado que está este pagamento aos casos em que o ato a praticar esteja dependente do impulso das partes. Ora, no caso em apreço, foi exatamente isso o que a Executada/Recorrida fez, quando confrontada com a penhora da sua pensão de reforma. Nenhuma censura merece, por isso, o seu comportamento, improcedendo, consequentemente, as conclusões do Exequente /Recorrente aqui em apreço. *** II.–Da penhorabilidade ou impenhorabilidade dos subsídios de férias e de Natal auferidos pela Executada/Recorrida - Está aqui em causa a questão de saber se os subsídios de férias e de Natal auferidos pela Executada/Recorrida estão ou não sujeitos à impenhorabilidade prevista nos n.ºs 1 e 3 do art.º 738.º do CPC. Segundo a Executada/Recorrida, a pensão que aufere é inferior ao valor do salário mínimo nacional, sendo, por conseguinte, impenhorável atento o estatuído naquele n.º 3 do art.º 738.º do CPC. Por outro lado, essa impenhorabilidade estender-se-ia aos subsídios de férias e de Natal, ainda que pagos conjuntamente com a pensão mensal de reforma, pois que, na sua perspetiva, somando o montante total do seu rendimento anual (a sua pensão, multiplicada por 14 meses) e dividindo o resultado dessa operação por 12 (meses), resultaria numa valor mensal de € 648,41. Ou seja, um valor inferior ao do salário mínimo nacional que, em 2022, ano da concretização da penhora dos subsídios, ascendia a € 705,00 e que, em 2003, ascendia a € 760,00. Para o Exequente/Recorrente, pelo contrário, os subsídios de férias e de Natal auferidos pela Executada/Recorrida, não integrando a pensão, podem ser objeto de penhora, designadamente, na parte cujos valores, somados aos valores das pensões correspondentes aos meses da perceção daqueles subsídios, excedam o valor do salário mínimo nacional. Ora, a este respeito, dispõe o art.º 738.º, n.º 1 do CPC que são impenhoráveis dois terços da parte líquida (além do mais) das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado. Por seu turno, nos termos do n.º 2 do preceito, para efeitos de apuramento da parte líquida das referidas prestações, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios. Finalmente, de harmonia com o n.º 3, a impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional. Refere Lebre de Freitas, a propósito do regime resultante de tais normativos, que “[a] base de cálculo da parte impenhorável das prestações periódicas abrangidas pelo artigo continua a ser a fracção de dois terços, pelo que só o terço restante dessas prestações está sujeito a penhora”. Acrescenta o Autor que “uma vez (…) determinado o montante impenhorável, há que confrontá-lo com os valores dependentes do salário mínimo nacional à data de cada apreensão, coincidente com a data do vencimento da prestação (…)”, sendo que, “[q]uando os 2/3 excedam o valor de três salários mínimos nacionais, a impenhorabilidade limita-se a esse valor, sendo penhorável, juntamente com o terço restante, a parte dos 2/3 que o exceda”; em contrapartida, “quando os 2/3 sejam inferiores ao valor de um salário mínimo nacional, a parte impenhorável do rendimento eleva-se, coincidindo com o valor deste, desde que se verifique dois requisitos: o executado não tenha outro rendimento; o crédito exequendo não seja de alimentos” (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 2003, p. 357). Temos, assim, que, à luz do regime em apreço, e, de resto, como já se adiantara acima, as quantias pagas ao executado a título de pensão de reforma são penhoráveis em um terço, mas, ainda assim, se da penhora desse ‘um terço’ a pensão atingida ficar reduzida a valor inferior ao salário mínimo nacional e o executado não tiver outro rendimento, àquele valor se reduzirá a penhora. A questão que agora se coloca é a de saber se a uma tal impenhorabilidade estão sujeitos, também, os subsídios de férias e de Natal auferidos pelo executado pensionista, o que implica aferir qual é a natureza de tais prestações. Relevam no caso os art.ºs 40.º e 41.º do D.L. 187/2007, de 10/05. De acordo com o art.º 40.º, o quantitativo mensal da ‘pensão regulamentar’ é igual ao montante da ‘pensão estatutária’, acrescido dos valores respeitantes: a)-às atualizações das pensões; b)-aos acréscimos decorrentes de atividade exercida em acumulação, se for caso disso. Por seu turno, de harmonia com o art.º 41.º, nos meses de julho e dezembro de cada ano, os pensionistas têm direito a receber, além da pensão mensal que lhes corresponda, um montante adicional de igual quantitativo. Tais preceitos estão inseridos na Secção V do diploma legal em apreço, secção essa que, como decorre da sua epígrafe, é dedicada à ‘pensão regulamentar’. O significado a atribuir aos preceitos que a integram é, pois, de um ponto de vista sistemático, o de que com eles se pretende definir aquilo que se deve entender por pensão ou, mais precisamente, por ‘pensão regulamentar’. Ora, do cotejo dos dois normativos referidos resulta que a ‘pensão regulamentar’ é composta pelo montante da ‘pensão estatutária’, com os ‘acréscimos’ decorrentes das ‘atualizações das pensões’ e de atividade exercida em ‘acumulação’, se disso for caso. Mas resulta, ainda, que, nos meses de julho e dezembro de cada ano, aos pensionistas assiste, ainda, o ‘direito’ a receberem um montante ‘adicional’ de igual quantitativo ao da pensão mensal. Assim, visando-se, na secção em apreço, definir aquilo que deve ser entendido por ‘pensão regulamentar’ e inserindo-se nessa pensão, não só a pensão estatutária, como, também, os seus acréscimos e, ainda, um adicional nos meses de julho e dezembro, há que concluir que estes últimos adicionais são parte integrante da pensão regulamentar a que o pensionista tem direito a receber. A favor desta conclusão é possível invocar um outro argumento. Na verdade, como se referiu no Acórdão desta Relação de Lisboa de 03-02-2022, o que no citado art.º 41.º do D.L. 187/2007, de 10/05 se estabelece é “as datas de vencimento [das] duas prestações adicionais e não a constituição do direito do pensionista a essas prestações adicionais”. Tais prestações são, assim, parte integrante do “direito do pensionista a receber 14 prestações mensais de reforma”, sendo que “[t]anto assim é que o legislador pode determinar que o pagamento dessas prestações adicionais aos pensionistas possa ter lugar em duodécimos, como sucedeu, por exemplo, com o art.º 37.º da Lei 82-B/2014, de 21/12 (lei do Orçamento do Estado de 2015) (…) [o]u ainda com o Decreto-Lei n.º 3/2013, de 10/01, relativo a aposentados e pensionistas da Caixa Geral de Aposentações”. Ou seja, ainda segundo o mesmo aresto, “[a] circunstância de o Legislador mandar pagar os duodécimos já vencidos nas situações em que as pensões se iniciam durante o ano é elucidativa de que os ‘montantes adicionais’, que normalmente se vencem em Julho e Dezembro, se integram nas prestações pagas a título de reforma” (Acórdão proferido no processo 910/04.6YYLSB-A.L1-6 e disponível na internet, no sítio com o endereço supra referenciado). Temos, pois, e em suma, que os subsídios de férias e de Natal são parte integrante da pensão de reforma ou, pelo menos, não têm natureza diversa daquela, estando, por conseguinte, sujeitos à impenhorabilidade prevista no citado art.º 738.º do CPC. Deste modo, e como escrevem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “se o valor do subsídio for igual ou inferior ao salário mínimo nacional, o subsídio é impenhorável, ainda que seja pago numa única prestação ou em duodécimos juntamente com o vencimento, resultando da soma do subsídio e do vencimento um valor superior ao do salário mínimo nacional” (in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. II, p. 260, apud o citado Acórdão da Relação de Lisboa de 03-02-2022). A não se entender assim, tal equivaleria, como expressivamente se afirmou no Acórdão desta mesma Secção da Relação de Lisboa de 21-05-2020, a “desconsiderar a (difícil) realidade social e económica dos trabalhadores [no caso, pensionistas] que estão nesta situação, até porque, quando o salário mínimo nacional é fixado, já se sabe que, por imposição legal (por serem legalmente devidos subsídios de férias e de Natal), o trabalhador irá auferir 14 vezes essa remuneração, a qual é considerada o limiar mínimo indispensável para garantir a subsistência do trabalhador”(Acórdão proferido no processo n.º 41750/04.6YYLSB-A.L1-2, disponível na internet, no sítio com o endereço supra referenciado). Neste sentido alinha uma parte significativa - ainda que, reconheçamos, não consensual - da jurisprudência, sendo disso exemplo o Acórdão da Relação do Porto de 28-06-2017 e o da Relação de Évora de 12-09-2019, alusivos, tal como no presente caso, à questão da impenhorabilidade de subsídios de férias e de Natal auferidos por pensionistas. Em ambos se disse, com efeito, que tais subsídios “são direitos do trabalhador nos termos gerais (e não complementos facultativos), [pelo que] também estão garantidos pela legislação que garante o salário mínimo. Também os referidos subsídios se incluem na garantia de uma subsistência tida por minimamente condigna. Ou seja, essa garantia de um salário mínimo e de uma existência minimamente condigna não diz respeito apenas a doze prestações mensais por ano, mas a catorze. Assim, os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no ativo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis, nos termos do art.º 738.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil)” (Acórdãos proferidos, respetivamente, nos processo com os n.ºs 114/96.0TAVLG-A.P1 e 1478/10.0TBFAR-A.E1 e também disponíveis na internet, no mesmo sítio já antes referenciado). Tais arestos, aliás, ressalvando a possibilidade de outro entendimento que não o acima perfilhado, no sentido de que os subsídios de férias e de Natal associados a pensões de reforma integram tais pensões e estão, só por esse facto, sujeitos à impenhorabilidade em apreço, introduzem, ainda, uma outra ressalva, que aqui não poderia deixar de ser considerada. Ou seja, caso se entendesse que o limite mínimo da impenhorabilidade absoluta das pensões de reforma dizia tão somente respeito aos doze meses de salário, ainda assim haveria de ser adotada, de acordo com eles, a seguinte solução: “se o montante das pensões auferidas for inferior ao salário mínimo nacional e a essas pensões acrescerem subsídios de Natal e de Férias, há que considerar o montante global desses rendimentos e dividi-lo por doze; e se o montante apurado com tal divisão for inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo, os referidos subsídios também serão impenhoráveis”. Tal solução, na ótica dos arestos em causa, sempre seria imposta pela “ratio da norma que, em nome da salvaguarda da dignidade humana, impõe a impenhorabilidade de pensões inferiores ao salário mínimo nacional”, ratio essa à luz da qual “não teria sentido admitir a penhora de um subsídio pago num só mês (altura em que, ocasionalmente, a soma da pensão e do subsídio poderá ser superior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo), quando tal não seria admissível se esse subsídio fosse pago em duodécimos (pois, neste caso, já a soma da pensão e de cada um desses duodécimos será inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo). Há que considerar a situação global do executado, não uma prestação isolada”. De referir que não se desconhece o Acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 770/2014, de 06-02 (publicado no DR n.º 26/2015, II-S, de 06-02-2015), o qual, incidindo sobre o art.º 824.º do Código de Processo Civil já acima mencionado, decidiu: “não julgar inconstitucional a norma extraída ‘da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do C.P.C., na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta e subsídio de natal ou de férias se penhore, somando as duas prestações, na parte que excede aquele montante”. Pese embora a valia dos argumentos nele expendidos, contudo, não o acompanhamos, pelas razões expressas no voto de vencido nele aposto pelo Ex.mo Sr. Conselheiro João Cura Mariano, que, indo ao encontro do acima exposto, aqui deixamos reproduzido: - “O direito do credor à satisfação do seu crédito à custa do património do devedor, enquanto direito de conteúdo patrimonial, tutelado pelo artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, encontra-se limitado pelo direito fundamental de qualquer pessoa a um mínimo de subsistência condigna, o qual se extrai do princípio da dignidade da pessoa humana condensado no artigo 1.º da Constituição. Daí que a penhora de bens ou rendimentos do devedor para satisfação do direito do credor não possa privar aquele dos recursos que dispõe para viver com o mínimo de dignidade. Para superar as dificuldades da determinação do que é o mínimo necessário a uma subsistência condigna, o Tribunal Constitucional, relativamente aos rendimentos auferidos periodicamente, impôs a impenhorabilidade das prestações periódicas, pagas a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional, quando o executado não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda (Acórdão n.º 177/02, acessível em www.tribunalconstitucional.pt). Aproveitou-se, assim, o facto do salário mínimo nacional conter em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e por ter sido concebido como o “mínimo dos mínimos”, para utilizar esse valor, sujeito a atualizações, como aquele, a partir do qual, qualquer afetação porá em risco a subsistência condigna de quem vive de uma qualquer prestação periódica. No caso das pensões pagas mensalmente com direito a subsídio de férias e de Natal, a impenhorabilidade tem que salvaguardar qualquer uma das suas prestações, incluindo os subsídios, quando estas têm um valor inferior ao do salário mínimo nacional. E o facto de, nos meses em que são pagos aqueles subsídios, a soma do valor da pensão mensal com o valor do subsídio ultrapassar o valor do salário mínimo nacional, não permite que tais prestações passem a estar expostas à penhora para satisfação do direito dos credores, uma vez que elas, por serem pagas no mesmo momento, não deixam de ser necessárias à subsistência condigna do seu titular. Não é o momento em que são pagas que as torna ou não indispensáveis à subsistência condigna do executado, mas sim o seu valor, uma vez que é este que lhe permite adquirir os meios necessários a essa subsistência. Aliás, quando o Tribunal Constitucional escolheu o salário mínimo como o valor de referência para determinar o mínimo de subsistência condigna teve necessariamente presente que o mesmo era pago 14 vezes no ano, circunstância que tem influência na fixação do seu valor mensal, tendo entendido que o recebimento integral de todas essas prestações era imprescindível para o seu titular subsistir com dignidade. Foi o valor dessas prestações, pagas 14 vezes ao ano, que se entendeu ser estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador. E se os rendimentos de prestações periódicas deixam de ter justificação para estar a salvo, quando o executado dispõe de outros rendimentos ou de bens que lhe permitam assegurar a sua subsistência, os subsídios de férias e de Natal não podem ser considerados outros rendimentos para esse efeito, uma vez que eles integram o referido mínimo dos mínimos. Os subsídios de férias e de Natal não são outros rendimentos diferentes da pensão paga mensalmente, mas o mesmo rendimento periódico, cujo momento de pagamento coincide com o das prestações mensais”. Esta declaração de voto está em consonância com a posição seguida neste Acórdão quanto impenhorabilidade dos subsídios de férias e de Natal dos pensionistas, em função, no essencial, da natureza de tais subsídios. Acompanhámo-lo, pois. Expostas estas considerações, debrucemo-nos, agora, sobre o caso concreto. Já se viu que a Executada/Recorrida aufere uma pensão do Centro Nacional de Pensões no valor de € 555,78 mensais, a que acrescem os subsídios de férias e de Natal (€ 555,78 x 14). Em 12-12-2022 foi penhorada parte da sua pensão, com descontos a realizar a partir de dezembro de 2022 e pelos meses seguintes, até perfazer o total da quantia exequenda e das despesas da execução. No mês de Dezembro de 2022, a Executada auferiu, de pensão e respectivo subsídio, o montante de € 1.140,56, tendo-lhe sido penhorada, à ordem destes autos, nesse mês, a quantia de € 380,18. Ora, em face de tais factos, vê-se que a pensão auferida pela Executada/Recorrida é inferior ao salário mínimo nacional, que, em 2022, era de € 705,00 e que, em 2023, era de € 760,00. O mesmo se diga, naturalmente, dos valores absolutos de cada um dos subsídios de férias e de Natal que, correspondendo ao valor unitário da pensão de reforma, são, também eles, inferiores ao valor do salário mínimo nacional. Assim, e porque não há elementos nos autos que nos permitam concluir que a Executada/Recorrida, além da sua pensão de reforma, auferisse outros rendimentos (sendo que era ao Exequente/Recorrente que incumbia demonstrá-lo, enquanto facto impeditivo do direito da Executada/Recorrida – art.º 342.º, n.º 2 do CPC), concluímos, em face do que acima foi dito, que tais subsídios são absolutamente impenhoráveis, nos termos do disposto no n.º 3 do citado art.º 738.º do CPC. Tal conclusão alcança-se quer se considere o valor de cada um dos subsídios individualmente, quer se inclua o respetivo valor no montante anual da pensão de reforma, dividido por doze meses. Em ambos os casos, nunca é ultrapassado o valor do salário mínimo nacional, sendo os subsídios, por conseguinte, impenhoráveis. E sendo impenhoráveis, nenhuma censura merece a decisão recorrida que ordenou o levantamento da penhora e a consequente devolução dos valores apreendidos à Executada/Recorrida, improcedendo as conclusões do recurso do Exequente/Recorrente. * Vencido o Exequente/Recorrente, é o mesmo responsável pelo pagamento das custas do recurso (art.ºs 527.º e 529.º do CPC). * * * IV.– Decisão Termos em que se decide negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente. Notifique. Lisboa, 21 de março de 2024 José Manuel Monteiro Correia Susana Maria Mesquita Gonçalves Rute Sobral (assinado eletronicamente) |