Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALDA MARTINS | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO DENÚNCIA NO PERÍODO EXPERIMENTAL FORMA CONVENCIONADA COMUNICAÇÃO DA DENÚNCIA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Sumário: | Apesar de ter ficado estipulado no contrato de trabalho que as comunicações entre as partes deveriam ser efectuadas mediante carta registada com aviso de recepção para as moradas indicadas é válida e eficaz a comunicação da denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental em reunião do trabalhador com o superior hierárquico e o gestor de recursos humanos, acompanhada da entrega em mão de comunicação escrita. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra TIMWE CONSULT – CONSULTORIA E SERVIÇOS PARTILHADOS, S.A., pedindo que seja declarada ilícita a denúncia do contrato de trabalho operada pela ré e, nessa medida, declarado ilícito o despedimento de que foi alvo e condenada a ré: (i) no pagamento das retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão; (ii) na reintegração; e (iii) no pagamento de danos de natureza não patrimonial. Alegou o autor, em breve síntese, que: (i) por contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado no dia 7 de Maio de 2021, foi admitido para, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de “controller specialist”; (ii) no dia 17 de Fevereiro de 2022, a ré comunicou-lhe que o seu contrato de trabalho cessaria no dia 28 de Fevereiro de 2022, tendo-lhe igualmente pedido que assinasse um documento subordinado ao assunto “denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental”; (iii) por não concordar com a denúncia do contrato de trabalho recusou-se a assinar o referido documento; (iv) a ré não comunicou a cessação do contrato de trabalho por carta registada, sendo que, a partir de 28 de Fevereiro de 2022, o impediu de desenvolver a sua actividade profissional; (v) desvinculou-se do seu anterior empregador, no qual tinha uma situação laboral estável, por lhe ter sido prometida igual estabilidade na ré; (vi) por mor da conduta da ré, com a qual não contava, viu-se impedido de fazer face a despesas que havia assumido, do mesmo passo que passou a viver ansioso, enervado e angustiado, passando noites sem dormir. A ré contestou, alegando, em síntese, que: (i) o contrato de trabalho vigente entre as partes cessou no dia 28 de Fevereiro de 2022, por comunicação operada no decurso do período experimental, tendo esse sido um acto legal; (ii) a cessação do contrato de trabalho no decurso do período experimental não configura um despedimento ilícito, não relevando, no caso, a circunstância de a comunicação da denúncia não ter sido efectuada por carta registada com aviso de recepção; (iii) a denúncia do contrato de trabalho foi operada e foi pago ao autor o aviso prévio em falta, atenta a ausência de comunicação nos 15 dias que antecediam o termo do período experimental; (iv) o contrato de trabalho do autor continha a previsão de um período experimental e tal período não foi, de nenhum modo, excluído; (v) ao autor não foi prometido que, não obstante a previsão de um período experimental, nunca a denúncia do contrato ocorreria, nem essa ilusão ou expectativa lhe foi, de algum modo, criada; (vi) o autor age em abuso de direito e litiga de má-fé. Conclui a ré pela improcedência da acção, devendo, em conformidade, ser absolvida dos pedidos e o autor condenado como litigante de má-fé. O autor respondeu à contestação, pugnando pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé. Após audiência de julgamento, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: «Por tudo quanto se deixou exposto, o tribunal: a) julga improcedente a acção, absolvendo a ré de todos os pedidos formulados pelo autor; b) julga improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má-fé, dele o absolvendo. As custas são a cargo do autor (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).» O autor interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: «I Considera o Recorrente que os pontos 2, 3, 4 e 5, dados como não provados pelo Tribunal a quo, deveriam ter sido dados como PROVADOS: 2. Que, nessa ocasião, o autor tenha explicado a BB que mantinha um vínculo laboral de efectividade numa outra sociedade. 3. Que, então, lhe tenha sido assegurado que o vínculo seria por tempo indeterminado. 4. Que a ré tenha criado no autor a convicção e a confiança que não iria denunciar o contrato de trabalho no período experimental. 5. Que o autor se haja desvinculado do seu anterior empregador por a ré lhe ter criado convicção e a confiança que não iria denunciar o contrato de trabalho no período experimental. II A prova destes factos, no entendimento do Recorrente, resulta do depoimento da testemunha BB, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, Ficheiro de origem: 20230418104300_20361309_2871084, ouvido em 18/04/2023, entre as 10:43:00-11:13:53. Passagens 00:02:55 a 00:04:15; 00:15:51 a 00:16:58; 00:10:14 a 00:10:22; III Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, as partes consagraram expressamente que: Cláusula Décima Sexta (Comunicações entre as Partes) 1. As comunicações a efectuar por qualquer uma das Partes relacionadas com o presente Contrato ou com as obrigações nele assumidas, deverão ser efectuadas mediante o envio de carta registada com aviso de recepção, para as moradas a seguir indicadas: Primeira Contraente: TIMWE Consult – Consultoria e Serviços Partilhados, S.A. Morada: Av. .... E Segundo Contraente: AA, Morada: ....” IV Foram as partes a, de forma clara, contratualizar que qualquer comunicação entre elas relacionadas com o presente Contrato ou com as obrigações nele assumidas, deverão ser efectuadas mediante o envio de carta registada com aviso de recepção, para as moradas a seguir indicadas:” V O Artigo 114º do Código de Trabalho, admite que, por acordo escrito, as condições de denúncia do contrato de trabalho podem ficar acordadas entre as partes. VI No caso Sub Judice, as partes determinaram a forma de operar as comunicações entre ambas: deverão ser efectuadas mediante o envio de carta registada com aviso de recepção. VII Conforme resultou à abundância do julgamento o Arguido não aceitou, nem se conformou, com qualquer outro tipo de vinculação. VIII O Tribunal a quo desconsiderou, por completo, aquilo que as partes convencionaram por escrito no contrato de trabalho celebrado. IX A comunicação de denúncia do contrato de trabalho, durante o período experimental, não podem restar quaisquer dúvidas, é uma comunicação ”relacionadas com o presente Contrato ou com as obrigações nele assumidas…” e, porque assim é deveria ter sido efetuada mediante o envio de carta registada com aviso de recepção… X Foi isto que a Recorrida estipulou no contrato de trabalho que apresentou ao Recorrente e que este aceitou. XI Conforme refere António Menezes Cordeiro, na obra citada: “A Convenção de forma é constitutiva e não declarativa, numa lógica universal que funciona perante o próprio 223º: o afastamento da “presunção” passa pela demonstração de revogação do pacto de forma.” XII A este propósito, veja-se igualmente o Acórdão da Relação de Lisboa citado por Abílio Neto, in Código Civil Anotado, Ediforum, 1996, pág. 104: “Do n.º1 do art.º Resulta que, se as partes não manifestarem outra vontade, presume se que a forma é convencionada ad substantiam, não se vinculando, assim as partes se o negócio visado não for celebrado por essa forma (RLJ, 103.º-494)” E ainda: “O art.º 223º não faz restrições, permitindo genericamente a estipulação de uma forma especial para a declaração, podendo, portanto, por ex. estipular-se que a denúncia de uma das partes de uma relação existente entre elas tem de ser feita por escrito (RLJ, 103º-500).” XIII A denuncia do contrato de trabalho no período experimental só produziria efeitos se tivesse sido comunicada ao Recorrente, através de carta registada com aviso de recepção para a morada indicada, como foi pretendido e estipulado pelas partes aquando da celebração do contrato de trabalho. XIV Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 114º do Código do Trabalho e artigo 223º do C. Civil.» A ré apresentou resposta ao recurso do autor, pugnando pela sua improcedência. Observou-se o disposto no art.º 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. Cumprido o previsto no art.º 657.º do CPC, cabe decidir em conferência. 2. Questões a resolver Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes: - alteração da decisão sobre a matéria de facto; - forma da denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental. 3. Fundamentação 3.1. Os factos considerados provados são os seguintes: 1. A ré tem por objecto social a prestação de serviços de apoio às empresas, consultoria de gestão e administração, designadamente nas áreas da contabilidade, fiscalidade, apoio jurídico, comunicação e estratégia, procedimentos administrativos, logística, recursos humanos e formação. 2. Datado de 7 de Maio de 2021, autor e ré subscreveram o convénio denominado “Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado”, sendo o seguinte o seu teor: «(…) Entre: TIMWE Consult – Consultoria e Serviços Partilhados, S.A. (…), adiante designada por Primeira Contraente E AA (…), adiante designado Segundo Contraente. Colectivamente designados por Partes. É livremente e de boa-fé celebrado o presente Contrato Individual de Trabalho (doravante designado Contrato), nos termos do disposto nos artigos 11.º e seguintes do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, devidamente alterado (CT) que se regerá pelas cláusulas seguintes: Cláusula Primeira (Admissão e Funções) 1. Pelo presente Contrato o Segundo Contraente é admitido a exercer, por conta e sob a direcção da Primeira Contraente, as funções inerentes à categoria profissional de Controller Specialist para as quais declara estar devidamente habilitado podendo, ainda, exercer outras funções que venham a ser determinadas pela Primeira Contraente. 2. (…) 3. (…) 4. O presente Contrato é celebrado por tempo indeterminado e tem início na data de 01 de Setembro de 2021. Cláusula Segunda (Retribuição) 1. Como contrapartida pelo trabalho prestado, a Primeira Contraente pagará ao Segundo Contraente a retribuição mensal ilíquida de € 1.440 (…), sujeita aos respectivos descontos legais. 2. (…) 3. (…) (…) Cláusula Quarta (Período Experimental) 1. Tendo em consideração que o Segundo Contraente desempenhará uma função de Controller Specialist o período experimental, durante o qual qualquer das Partes pode rescindir o presente Contrato, sem necessidade de invocação de justa causa e sem direito a qualquer indemnização, é de 180 (cento e oitenta dias), a partir da data de início da execução da prestação do trabalho. 2. Durante o período experimental qualquer das Partes poderá denunciar o presente Contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa. Porém, tendo o período experimental durado mais de 60 (…) dias, terá a Primeira Contraente de observar um pré-aviso de 7 (sete) dias, caso o período experimental tenha durado mais de 120 (cento e vinte) dias, a denúncia do Contrato por parte da Primeira Contraente depende de um aviso prévio de 15 (quinze) dias. (…) Cláusula Décima Sexta (Comunicações entre as Partes) 1. As comunicações a efectuar por qualquer uma das Partes relacionadas com o presente Contrato ou com as obrigações nele assumidas, deverão ser efectuadas mediante o envio de carta registada com aviso de recepção, para as moradas a seguir indicadas: (…)». 3. Datado de 1 de Setembro de 2021, autor e ré subscreveram igualmente o convénio denominado “Aditamento ao Contrato de Trabalho; Regime de Isenção de Horário de Trabalho”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, auferindo o autor a esse título, mensalmente, € 360,00. 4. No dia 17 de Fevereiro de 2022, o autor foi chamado a reunir com CC, seu superior hierárquico, então, e com BB, gestor de Recursos Humanos da ré, sendo que na reunião lhe foi comunicado a cessação, por denúncia, do seu contrato de trabalho com efeitos a 28 de Fevereiro de 2022. 5. Na reunião referida em 4. foi entregue ao autor comunicação, sendo o seguinte o seu teor: «(…) Lisboa, 17 de Fevereiro de 2022 Assunto: Denúncia do Contrato de Trabalho durante o período experimental Exmo. Senhor, TIMWE Consult – Consultoria e Serviços Partilhados, S.A.” (…), vem em tempo, através do presente documento, nos termos dos números 1 e 3, artigo 114.º da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, comunicar-lhe que é nossa intenção denunciar o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado com V. Exa., com início a 01 de Setembro de 2021. Assim sendo, o contrato de trabalho cessará no dia 28 de Fevereiro de 2022, data em que deverá proceder à entrega de todos os equipamentos pertencentes à entidade patronal que tiver em sua posse. Mais informamos que serão processados todos os quantitativos a que tem direito em virtude da denúncia do mesmo. (…)». 6. Na reunião referida em 4., foi, igualmente, solicitado ao autor que assinasse e entregasse a comunicação referida em 5.. 7. No momento referido em 4., o autor não assinou a comunicação referida em 5.. 8. O autor levou a comunicação consigo, sendo que nunca a devolveu à ré assinada. 9. Após a data referida em 4., o autor entrou em período de gozo de férias. 10. A partir de 28 de Fevereiro de 2022, a ré fez cessar ao autor os acessos às respectivas contas, deixando o autor, nessa data, de lhe prestar quaisquer funções. 11. A ré solicitou ao autor a entrega de todos os equipamentos que lhe haviam sido disponibilizados, o que o autor fez. 12. Em momento anterior ao início do convénio referido em 2., o autor exercia funções numa outra sociedade, detendo, nela, um vínculo laboral de efectividade. 13. Devido à comunicação referida em 4., o autor ficou perturbado e desmotivado, temendo pela ausência de rendimentos e pela dificuldade de encontrar nova ocupação laboral. 14. Aquando da comunicação referida em 4., o autor frequentava uma pós-graduação cujo custo não estava, ainda, totalmente assegurado. 15. Devido à comunicação referida em 4., o autor padeceu de insónias e sentimentos de ansiedade. 16. No decurso da relação laboral mantida com a ré, o autor nunca recebeu desta qualquer comunicação por via postal registada. 17. A comunicação referida em 5. foi também enviada ao autor, via email, no dia 17 de Fevereiro de 2022. 18. A ré pagou ao autor o valor de 4 dias do pré-aviso em falta. 19. O autor auferia “Bolsa Flex”, paga 12 vezes ao ano, no valor de €350,00. 20. A ré endereçou ao autor a “Intention Letter” constante de fls. 35 e 50, dos autos, sendo o seguinte o seu teor: «(…) Estimado AA, TIMWE Consult – Consultoria e Serviços Partilhados, S.A. (…), declara para todos os efeitos que pretende admitir AA para a função de Controller Specialist, com um contrato sem termos e nas seguintes condições: - Remuneração fixa mensal: 1.800,00/mês ilíquidos (14 meses) a. Salário base: 1.440,00 €/mês ilíquidos b. Isenção de Horário de Trabalho: €360,00 € /mês ilíquidos - Bolsa Flex: a. Valor em bolsa: 350,00€ /mês (12 meses) b. Seguro de Saúde (de acordo com a política em vigor na empresa) c. Telemóvel (de acordo com a política em vigor na empresa) - Subsídio de Refeição (em cartão refeição): 9,00 €/dia (11 meses) - Início: 1 de Setembro de 2021 (sujeito a confirmação) - Período Experimental de 180 dias. Na expectativa de que esta proposta corresponda plenamente às tuas expectativas, agradecemos que nos devolvas uma cópia por ti assinada a confirmar a aceitação da mesma até 08 de Julho de 2021, data até a qual a proposta se mantém válida. (…)». 21. Em 8 de Julho de 2021, o autor exarou, no documento referido em 20., como segue: «Eu, AA, confirmo a aceitação dos termos e condições acima descritos». 22. A ré não prometeu ao autor que não iria apor no contrato de trabalho cláusula referente ao período experimental. 3.2. Os factos considerados não provados são os seguintes: 1. Que no ano de 2021, a ré, por intermédio de BB, tenha apresentado ao autor uma proposta de trabalho. 2. Que, nessa ocasião, o autor tenha explicado a BB que mantinha um vínculo laboral de efectividade numa outra sociedade. 3. Que, então, lhe tenha sido assegurado que o vínculo seria por tempo indeterminado. 4. Que a ré tenha criado no autor a convicção e a confiança que não iria denunciar o contrato de trabalho no período experimental. 5. Que o autor se haja desvinculado do seu anterior empregador por a ré lhe ter criado convicção e a confiança que não iria denunciar o contrato de trabalho no período experimental. 6. Que o autor não tenha, por força da comunicação referida em 3.2.4., podido custear o que restava do valor da pós-graduação referida em 3.2.14.. 7. Que devido à comunicação referida em 3.2.4. o autor se tenha visto sem meios para fazer face às suas despesas e face aos compromissos assumidos. 3.3. Considera o Recorrente que os pontos 2, 3, 4 e 5 da factualidade acabada de enunciar como não provada deveriam ter sido dados como provados, com fundamento no depoimento da testemunha BB. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à parte em apreço mereceu a seguinte fundamentação: «A matéria de facto não provada constante dos pontos 1., 2. e 3. alicerça-se na circunstância de nenhuma prova a propósito ter sido produzida e que o tribunal repute ter a menor consistência. A única testemunha que, de forma clara, poderia esclarecer a presente matéria, negou que haja contactado o autor com vista a fazer-lhe qualquer proposta de trabalho, sem prejuízo de desconhecer se existiram contactos com o autor, conduzidos por outra pessoa, ou se se chegou ao seu nome por via de candidatura espontânea. Naturalmente que negando a testemunha este contacto prévio ou convite, nada se prova quanto a negociações paralelas ou condições da aceitação da proposta. A testemunha BB esclareceu que previamente à formalização do vínculo com o autor existiu, de facto, uma intention letter, corporizada no documento de fls. 50, matéria que, de resto, foi confessada pelo autor (cfr., a assentada). Sem prejuízo, a matéria alegada e que ora se fundamenta situa-se a montante de tal circunstancialismo e na sequência de o autor alegar ter sido contactado pela ré, o que, como dito, de todo se prova. A matéria de facto não provada constante dos pontos 4. e 5. alicerça-se, desde logo, no próprio contrato de trabalho celebrado entre as partes e no documento de fls. 50. Na verdade, do teor desses documentos não se extrai, com um mínimo de verosimilhança, que a ré haja criado no autor tal convicção. Aliás, sendo essa a sua intenção então o vínculo não estaria sujeito a período experimental. Por outro lado, a testemunha BB, que participou na fase de recrutamento do autor, referiu que a exclusão do período experimental não foi proposta por nenhuma das partes, não se recordando, inclusive, ter sido matéria abordada. No fundo, explicitou que os termos da proposta são os que constam da intention letter. Ou seja, a prova produzida não consente pela existência de qualquer comportamento concludente da ré no sentido de não operar a cláusula do período experimental, sendo irrelevante, neste conspecto, a convicção do autor, na medida em que improvada matéria que a sustente. Naturalmente que a ausência de prova deste facto não consente que se prove que o autor haja cessado o seu anterior vínculo por essa razão.» Estabelece o art.º 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Antes de mais, tenha-se em conta que os factos constantes dos mencionados pontos 2 e 3 pressupõem o do ponto 1, como alegado pelo autor na acção, e que o Recorrente não refuta que este – ou seja, que, no ano de 2021, a ré, por intermédio de BB, tenha apresentado ao autor uma proposta de trabalho – tenha sido dado como não provado: assim, não estando provado que ocorreu tal contacto prévio ou convite através de BB, fica necessariamente prejudicado o respectivo conteúdo. Acresce que, compulsado o depoimento de BB, tal testemunha negou efectivamente que tenha tido intervenção prévia à fase das “segundas entrevistas” e apresentação da “Intention Letter”, pelo que de modo algum tal meio de prova impõe ou sequer permite que se dê como provado o aludido facto do ponto 1 e, assim, muito menos os dos pontos 2 e 3. O que a testemunha referiu é que naquela altura soube que o autor estava anteriormente empregado como efectivo e que não se recordava de ter sido abordado na conversa o tema do período experimental mas que a situação estava contemplada na “Intention Letter” e no próprio contrato, o que está em conformidade com o que se deu como provado sob o n.º 12, por um lado, e sob os n.ºs 2, 20, 21 e 22, por outro lado. Quanto aos factos não provados sob os n.ºs 4 e 5, uma vez que a testemunha BB, no que concerne ao período experimental, apenas referiu que nem sequer se lembrava de ter sido assunto abordado na entrevista com o autor e que a situação estava regulada na “Intention Letter” e no próprio contrato, é manifesto que o seu depoimento não permite e muito menos impõe a alteração da decisão proferida pelo tribunal recorrido. Improcede, pois, o recurso nesta parte. 3.4. Sustenta o Apelante que, tendo ficado estipulado na Cláusula Décima Sexta do contrato de trabalho que “[a]s comunicações a efectuar por qualquer uma das Partes relacionadas com o presente Contrato ou com as obrigações nele assumidas, deverão ser efectuadas mediante o envio de carta registada com aviso de recepção, para as moradas a seguir indicadas (…)”, não podia a ré ter utilizado outra forma de comunicação da denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental, designadamente a descrita nos pontos 4 e seguintes e 17 da factualidade provada. A questão foi apreciada na sentença do seguinte modo: «Entende o autor que a factualidade em presença, na medida em que dela se infere a ausência de comunicação escrita enviada por via postal registada, com aviso de recepção, tal como convencionada na cláusula décima sexta do contrato de trabalho, confere à denúncia carácter ilícito, redundando, assim, num despedimento ilícito. Dir-se-á numa primeira linha de argumentação que ainda que porventura se assacasse à comunicação em presença a sua invalidade, por inobservância da forma escrita e seu envio por carta registada com aviso de recepção, nem por isso a declaração da ré, na medida em que exteriorizada em condições de dela ter conhecimento o autor, redundaria em despedimento ilícito, na medida em que produzida no decurso do período experimental. A inobservância da forma escrita seria porventura apta a gerar danos que, de todo o modo, o autor não assaca a esse facto. Doutro passo, é certo que o art.º 223.º, n.º 1, do Código Civil, estatui que «podem as partes estipular uma forma especial para a declaração; presume-se, neste caso, que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada», sendo que, no caso, as partes convencionaram que quaisquer comunicações entre si obedeceriam, naturalmente, à forma escrita (porque só escritos, em princípio, são comunicados via postal registada com aviso de recepção) Sem prejuízo, é necessário, neste conspecto, diferenciar a formalidade ad substantiam, condição da própria validade intrínseca do negócio, da formalidade ad probationem, destinada à prova da existência da declaração. E, no caso de uma declaração negocial unilateral, como a é a da denúncia do contrato, visa-se, com a forma eleita, a facilitação da prova que a declaração de denuncia existiu e que foi comunicada por forma a que pudesse ser conhecida do seu destinatário. Ora, no presente caso, o autor não coloca em causa a existência da declaração de denúncia nem, tão-pouco, que a mesma lhe não foi comunicada, daí seja indiferente, com todo o respeito, que a mesma lhe não tenha sido enviada por carta registada com aviso de recepção, na medida em que a comunicação de denúncia chegou ao seu poder, foi sua conhecida e produziu efeitos, tanto mais que não mais o autor prestou trabalho desde 28 de Fevereiro de 2022. Ou seja, a forma eleita, transcrita no ponto 4., dos factos provados, na medida em que conhecida e exteriorizada, não afecta a sua validade e eficácia. Em derradeiro termo se dirá que a forma convencionada pelas partes tem subjacente a ratio da perfeição da declaração e do seu conhecimento pelo destinatário. É, no fundo, uma exigência a que subjaz o critério da segurança. Ora, se ao invés de uma carta registada com aviso de recepção, cujos riscos, apesar de tudo, existem no que respeita à chegada ao destino, foi, no caso, substituída por uma comunicação verbal, presencial, acompanhada de um documento escrito, então não se trata tanto de um meio inequivocamente mais seguro para a declaração e seu conhecimento? Afigura-se-nos que sim, sendo que prevalecer-se o autor da exigência consagrada no contrato de trabalho não tem a virtualidade, mais uma vez, de retirar a uma comunicação pessoal a sua valia e eficácia jurídicas. Entende-se, pois, por um lado, que a comunicação efectuada não deixou de produzir os seus efeitos por ter sido comunicada verbalmente e, ainda que prevalente a ausência de forma escrita, sempre por tal comunicação ter ocorrido no decurso do período experimental não era susceptível de assumir a natureza de despedimento ilícito. Por outro lado, a declaração produzida pela ré, denunciando o contrato de trabalho, existiu, chegou ao conhecimento do autor e produziu, por essa via, todos os seus efeitos. Inexiste, assim, face ao exposto, despedimento ilícito, improcedendo, com base na primeira questão suscitada pelo autor, o seu pedido de declaração de ilicitude do despedimento, mais improcedendo, por decorrência lógica, todos os demais pedidos que formula, na medida em que dependentes de decisão inversa.» Desde já se adianta que se acolhe aqui o entendimento perfilhado. Na verdade, nos termos do art.º 219.º do Código Civil, a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir. E, conforme decorre, designadamente, do art.º 114.º do Código do Trabalho, a denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental não está sujeita a forma especial. É certo que o art.º 223.º, n.º 1 do Código Civil prevê que as partes podem estipular uma forma especial para a declaração e, neste caso, presume-se que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada. Não obstante, por um lado, na situação em apreço está em causa uma declaração de vontade unilateral da ré e, por conseguinte, apenas em seu favor faria sentido falar-se da aludida presunção, sendo certo, todavia, que não oferece qualquer dúvida que a ré quis vincular-se através da forma descrita nos pontos 4 e seguintes e 17 da factualidade descrita. Por outro lado, a forma convencionada foi a forma escrita, que foi estritamente observada, aliás por duas vezes (cfr. os pontos 5 e 17) e em cumulação com a verbal (ponto 4), não passando o correio registado com aviso de recepção dum mero meio de comunicação da declaração escrita, o qual foi substituído por outros com idênticas ou superiores garantias para ambas as partes, e tanto assim que estas assumiram conduta subsequente conforme ao seu pleno conhecimento e entendimento, conforme se alcança da factualidade provada sob os n.ºs 4 a 11 e 17. As citações doutrinais e jurisprudenciais que o Apelante aflora reportam-se a hipóteses de inobservância da forma escrita convencionada por declarantes que pretendam valer-se da presunção de não vinculação através de forma verbal ou tácita e, no presente caso, a forma escrita foi acolhida e, por outro lado, como já se disse, a ré não invoca a mencionada presunção legal a seu favor, não questionando que se vinculou válida e eficazmente através da forma que observou. Acresce que, sendo a perda do emprego algo sempre dramático, independentemente de tudo o resto, não é de somenos importância nos tempos que correm, apesar de tudo, a desumanidade ou mesmo perversidade dos meios de que alguns empregadores se socorrem para se relacionarem com os seus trabalhadores, nomeadamente no termo da relação laboral, pelo que sempre se afiguraria abusivo que o autor exercesse o direito que tivesse (e não tem) pelo simples facto de a ré lhe ter comunicado a denúncia do contrato de trabalho em reunião com o seu superior hierárquico e o gestor de Recursos Humanos, acompanhada de entrega em mão de comunicação escrita, em vez de cruamente lha enviar para casa através de carta registada com aviso de recepção (art.º 334.º do Código Civil). Em face do exposto, improcede o recurso. 4. Decisão Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida. Custas pelo Apelante. Lisboa, 20 de Março de 2024 Alda Martins Francisca Mendes Maria Luzia Carvalho |