Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ADEODATO BROTAS | ||
Descritores: | REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS DIREITO DE VISITA VISITAS SUPERVISIONADAS RECUSA DA CRIANÇA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/21/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | 1- O Direito de Visitas ao progenitor não guardião, não pode estar dissociado do superior interesse do filho e do seu bem-estar psíquico e emocional. O mesmo é dizer que quando o direito de visitas entra em conflito com o interesse da criança é o interesse da criança que deve prevalecer. 2-Perante a recusa dos menores, de 16 e 14 anos, em estarem e visitarem o pai, mesmo em ambiente de visitas supervisionadas, a sociedade e os tribunais têm de aceitar que a criança, como qualquer adulto, tem direito a escolher as pessoas com quem quer ou não conviver, não podendo ser impostas visitas ainda que supervisionadas. 3-Meios coercitivos negam à criança o estatuto de pessoa e a liberdade mais profunda do ser humano: a liberdade de gostar ou de não gostar. 4- O problema deve ser abordado, aprofundado e trabalhado a nível de acompanhamento psicológico, que está a ser prestado aos menores e aos progenitores. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO 1-CLS, instaurou, a 17/02/2022, providência de Regulação das Responsabilidades Parentais, contra HPM, relativamente aos menores MM (nascida a 14/08/2007) e, FM (nascido a 25/05/2009), pedindo: - Seja regulado o regime de responsabilidade parentais relativamente aos mencionados menores. Alegou, em síntese, que viveu com o requerido em condições análogas às dos cônjuges até 27/10/2021; as crianças ficaram a residir habitualmente com a mãe; a cessação da vida em comum foi pautada por episódios de violência doméstica contra a requerente e contra as crianças; as crianças estão atemorizadas e recusam-se a ver o pai; o requerido envolve-se em discussões ao telefone com os filhos e ameaça-os que não pagará apensão de alimentos. A requerente tenta incentivar os filhos a conviverem com o pai o que se mostra inexequível; os menores referem que têm disponibilidade para lançar ou tomar uma refeição com o requerido em fins de semana alternados. 2- Designada Conferência de Pais, teve lugar a 03/05/2022, na qual foi alcançado o seguinte acordo parcial: “1. As crianças ficam a residir com a mãe cabendo o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos filhos a ambos os progenitores. 2. A título de pensão de alimentos o pai pagará a quantia mensal de €175,00, por cada criança (€350,00 no total) até ao dia 5 de cada mês por transferência ou depósito bancário para a conta a indicar pela mãe. 3. Em Outubro e Maio de cada ano o pai pagará mais €150,00 por criança para renovação do guarda roupa das crianças. 4. As despesas de saúde na parte não comparticipada pelo seguro e as despesas com o material escolar serão suportadas por ambos os progenitores em termos de metade e mediante a apresentação das respetivas faturas. Aquele que adiantar o pagamento destas despesas enviará ao outro por email cópia das faturas e este pagará a sua parte no prazo de 10 dias. O seguro dentário das crianças é suportado em partes iguais por ambos os progenitores. 5. As despesas com o ensino superior serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores. 6. As atividades extracurriculares em que haja acordo serão suportadas por ambos os progenitores na proporção de metade. 7. O pai pagará metade do passe de transporte das crianças 8. O acompanhamento psicológico das crianças deverá ser suportado pelo pai. Nessa Conferência de Pais foi proferido o seguinte despacho: “1. O convívio dos filhos com o pai será a definir e a acompanhar no Processo de Promoção e Proteção em apenso dada a resistência das crianças em estar. Até decisão final ou alteração o acordo supra firmado entre as partes é válido e obriga cada um dos progenitores nos seus precisos termos. 2.Suspendo os presentes autos de regulação de responsabilidades parentais atendendo à pendência dos autos em apenso de promoção e proteção dado que o regime de convívios entre o pai e as crianças tem de ser acompanhado nesse âmbito.” 3- Em 13/09/2022 a requerente comunicou aos autos situações de incumprimento parcial quanto ao dever de prestar alimentos. O requerido respondeu dizendo que o acordo apenas dispõe para o futuro e, por isso, não está em incumprimento. 4- Em 13/06/2023 teve lugar a Conferência de Pais, constando da respectiva acta as seguintes declarações dos progenitores: “Mãe: Assistente logista por conta da empresa H. Aufere €900,00 por mês.. Paga €100,00 por mês de explicações da MM. Tem ajuda dos avós maternos. Pretende atualizações da pensão de acordo com a inflação a partir de Setembro de 2023 e que o pai comparticipe nas explicações dos filhos em termos de metade. Em relação aos incumprimentos alegados no processo, o pai entretanto pagou todos os valores à exceção do mês de Fevereiro de 2022, data em que o processo foi instaurado e que o pai recusa pagar. Pai: É desenhador técnico por conta da empresa V. Tem de ordenado mensal €1300,00. Não quer continuar a assumir na totalidade o acompanhamento psicológico dos filhos (cláusula 8 do acordo) nem está disponível para pagar explicações. Só está disponível para atualizar a pensão de alimentos no próximo ano uma vez que não ficou prevista qualquer atualização da pensão.” Nessa Conferência de Pais os progenitores alcançaram o seguinte acordo parcial relativo à Regulação das Responsabilidades Parentais dos menores MM e FM: “1. As crianças deverão manter o seu acompanhamento psicológico, devendo o mesmo ser suportado com o dinheiro que a mãe recebe no âmbito do Processo de Promoção e Proteção. 2. Os comprovativos das despesas das crianças deverão ser enviadas ao pai mensalmente no dia 30 de cada mês. 3. Convívios do pai com os filhos: As crianças lancham com o pai ao domingo das 16:00h às 19:00h, indo o pai buscá-las e pô-las à casa da mãe.” * 5- Nas alegações que apresentou ao abrigo do artº 39º nº 4 do RGPTC, o pai alegou, além do mais, que apesar do acordo alcançado na Conferência de Pais relativamente ao contacto com os filhos - As crianças lancham com o pai ao domingo das 16:00h às 19:00h, indo o pai buscá-las e pô-las à casa da mãe – não têm acontecido esses contactos por as crianças se recusarem. 6- Por requerimento de 09/11/2023, o progenitor reiterou que os filhos deixaram de falar com ele desde Agosto de 2023 e, além do mais, requereu fossem fixadas visitas semanais entre o Requerido e os menores, com recurso à intervenção e mediação do CAFAP (Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental). 7- Em 30/11/2023 foi proferido, além de outros, o seguinte despacho: “6. O progenitor veio agora pedir convívios com os filhos em CAFAP. Esta intervenção já foi tentada no processo de promoção e proteção e não resultou – as crianças recusaram estar com o pai e até cumprimentá-lo. Face ao exposto, e uma vez que já foi estabelecido acordo entre os progenitores quanto a um lanche entre as crianças e o pai, indefiro qualquer outra diligência quanto a este tema sem prejuízo de os pais chegarem a outro tipo de acordo. Notifique.” 8- Inconformado, o progenitor interpôs o presente recurso desse despacho, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: 1. O Recorrente vem interpor recurso da decisão proferida em 30.11.2023, na parte em o tribunal a quo indeferiu o pedido do progenitor de agendamento de convívios com os filhos em CAFAP, por entender que a mesma não é a necessária, adequada e proporcional ao superior interesse dos menores. 2. O "superior interesse da criança" é um conceito que tem vindo a ser determinado à luz dos instrumentos legislativos, radicando na ideia de procura da solução mais adequada para a criança, aquela que melhor a salvaguarde, melhor promova o seu harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral, bem como a estabilidade emocional, tendo em conta a sua idade, o seu enraizamento ao meio sócio-cultural, mas também a disponibilidade e capacidade dos progenitores em assegurar tais objectivos. 3. Recorrente e Recorrida são pais de duas crianças, MM, com 16 anos e FM, com 14 anos, os quais, presentemente, residem com a mãe, ora Recorrida. 4. Após a separação litigiosa dos progenitores, em outubro de 2021, as crianças, fruto da instabilidade decorrente dessa desagregação da vida familiar, têm manifestado relutância em estar com o progenitor, não conseguindo o pai estar pessoalmente com os filhos mais do que umas horas esporádicas em dois anos. 5. O Recorrente tem, desde a data da separação, experienciado extrema dificuldade em manter o contato com as crianças, seja pessoalmente, seja telefonicamente, seja por mensagens, uma vez que os seus filhos dizem que não querem estar consigo, não respondendo aos telefonemas, nem às mensagens. 6. Antes da separação dos progenitores o Recorrente mantinha uma relação saudável, próxima, equilibrada, afetiva, harmoniosa e positiva com os seus filhos. 7. O Recorrente não deixou nunca de contatar as crianças, tudo fazendo para que possam estar juntos, comunicar e partilhar tempo de qualidade. 8. Em 09.05.2022, foi acordado regime parcial de regulação das responsabilidades parentais provisório. Por despacho proferido nessa mesma data foi determinado que o convívio dos filhos com o pai seria a definir e a acompanhar no Processo de Promoção de Proteção em apenso, dada a resistência das crianças em estar com o pai. No âmbito do Processo de Promoção de Proteção foi estipulado, por despacho de 25.10.2022, a realização de visitas supervisionadas uma vez por semana e durante três meses. 9. Apenas foi realizada uma visita supervisionada pela Associação Passo a Passo, tendo as crianças, na altura, manifestado a sua discordância em estarem presentes. Contudo, nessa visita houve troca de impressões entre pai e filhos, indiciando um primeiro passo de entendimento mútuo. 10. O tribunal a quo entendeu que, face a esta discordância das crianças, não deveriam ser agendadas mais visitas, o que gravemente penalizou o restauro da relação com o progenitor. 11. Uma só visita não permite aferir se a manutenção destes contatos entre progenitor e filhos poderia ou não contribuir para uma melhor comunicação e restabelecimento da relação familiar. Apenas um contato regular, estável e permanente pode viabilizar um entendimento com as crianças e perimitir aferir da viabilidade ou não dessas visitas. 12. Numa tentativa de solucionar esta questão por forma negociada, ficou acordado em sede de Conferência de Pais de 13.06.2023 que as crianças poderiam conviver com o Recorrente aos Domingos à tarde, sem intervenção de terceiros. Para o efeito, a Recorrida comprometeu-se a fomentar os encontros do Recorrente com os filhos, falando com os mesmos e aconselhando nesse sentido. 13. O regime acordado não só não tem vindo a ser cumprido pela Recorrida, como não salvaguarda da melhor forma o bem-estar e desenvolvimento das crianças. A Recorrida não faz qualquer diligência junto das crianças para que estejam com o pai e boicota todos os contatos que o Recorrente consegue encetar com os filhos. 14. É demonstrativo do afastamento que a Recorrida promove o que aconteceu no início de agosto de 2023: o Recorrente tinha conseguido, por fim, estabelecer contatos mais regulares com as crianças, que respondiam às suas mensagens e atendiam as suas chamadas telefónicas com regularidade, quando, de súbito e sem justificação, os seus filhos deixaram pura e simplesmente de falar consigo, não respondendo às mensagens e não atendendo o telefone. 15. Esta conduta das crianças, desconcertante e sem fundamento, apenas é explicável com base na influência e condicionamento que progenitora exerce sobre as mesmas. 16. Este comportamento consubstancia alienação parental por parte da Recorrida e é reiterado, não podendo ser consentido pelo tribunal, pois prejudica seriamente o regular desenvolvimento das crianças e é motivo de grande mágoa, desespero e incompreensão para o Recorrente. 17. Entende-se por alienação parental a intenção de um dos progenitores de levar a criança a desenvolver sentimentos negativos para com o outro progenitor, denegrindo a imagem deste. Um filho que ouve constantemente palavras desagradáveis e difamatórias sobre um dos progenitores vai interiorizar esses valores depreciativos e ser influenciado a afastar-se dessa pessoa, ou seja, a alienar-se dela. 18. Esta manipulação dos sentimentos da criança e a criação de obstáculos à sua relação com o outro progenitor constituem violação dos direitos do menor, uma vez que o filho tem direito ao contato com ambos os pais. 19. A alienação parental sujeita a criança a instabilidade emocional e stress, pois esta não tem consciência de que está a ser usada como uma represália entre os pais. Para restabelecer o equilíbrio emocional da criança, é essencial que lhe seja explicado o que está a acontecer, deixando claro que esta não tem nada a ver com os conflitos entre os pais. 20. A conduta da Recorrida junto das crianças enquadra-se neste registo de permanente distorção da figura do pai, com o único intuito de as afastar definitivamente do progenitor. 21. Neste sentido vejam-se as apreciações ínsitas nos relatórios de psicologia forense elaborados pelo Instituto de Psicologia Clínica e Forense “MIND”, em setembro de 2022, no âmbito do processo de Promoção e Protecção nº 2979/22.2T8SNT-A, a correr termos neste Juiz e Tribunal, relativos à progenitora CLS e aos menores MM e FM. Com relevo para a situação em ressalva-se: Fls. 30, 32 a 35 do relatório de CLS; Fls. 21, 25, 26, 47 a 49 do relatório de MM; Fls. 24, 44, 46 a 48 do relatório de FM. 22. A atuação da Recorrida em desfavor do pai é constante e não episódica, pois que regularmente sujeita os menores a informação distorcida sobre a realidade dos factos, assumindo posição de vítima que precisa de ser protegida. 23. Querendo valer-se, para o efeito, mesmo a nível processual, da circunstância da difícil prova que consabidamente é demonstrar o que ocorre nas conversas e no trato diário entre mãe e filhos. 24. O Recorrente continua sistematicamente a contatar os mesmos por mensagens e chamadas telefónicas, com isso pretendendo estar com as crianças para poder ouvi-las e falar com elas sobre esta situação, tendo em vista retomar a relação parental de confiança mútua que sempre existiu. 25. A inexistência de quaisquer contatos pessoais entre pai e filhos, não possibilita a construção de um quotidiano familiar e social entre o progenitor e as crianças, nem permite gerar e consolidar laços afetivos com o progenitor, os quais são essenciais para um desenvolvimento psicoafectivo ajustado. 26. Face ao exposto, verificando-se que o modelo de promoção voluntária pela Recorrida de encontros entre pai e filhos é inexistente e ineficaz, requereu o Recorrente fossem fixadas visitas semanais com as crianças, com recurso à intervenção e mediação do CAFAP (Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental), o que o tribunal a quo indeferiu, a seu ver, indevidamente. 27. Apenas estas visitas determinadas, agendadas e verificadas pelo tribunal poderão promover o contato entre pai e filhos e o entendimento entre todos para que seja retomada a relação saudável que existia antes da separação dos progenitores. 28. A decisão proferida, de indeferimento dessas visitas supervisionadas, não é justa e adequada aos superiores interesses dos menores, devendo por isso ser alterada nos seus termos, fixando-se visitas semanais com as crianças, com recurso à intervenção e mediação do CAFAP (Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental). Por todas as razões expostas, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, devendo, em conformidade, a decisão ora recorrida ser revogada e substituída por outra que dê provimento ao requerido. *** 9- A requerente contra-alegou e requereu a nulidade da decisão, nos termos do artº 636º nº 2, por omissão de audição das crianças e, por falta de fundamentação da decisão formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. As Alegações de recurso do Recorrente não cumprem os ónus legais previstos nos artigos 637º, 640º e 641º do CPC. 2. Além de se limitar a repetir tudo o que antes, no corpo das alegações, foi referindo, em ostensiva violação do disposto no art. 639.º, n.º 1, do CPC, o Recorrente não indica quaisquer normas jurídicas violadas nem procede à impugnação da matéria de facto. 3. Limitando-se a alegar ex novo factos sem qualquer suporte probatório e relativamente aos quais o tribunal a quo não se pronunciou, o que, salvo melhor opinião, não corresponde ao cumprimento do ónus de indicar os fundamentos do recurso. 4. Ainda que assim não se entenda, os escassos elementos probatórios constantes dos autos impõem, na verdade, que os factos alegados pelo Recorrente sejam julgados não provados. 5. Não resultando dos Relatórios de acompanhamento psicológico das crianças e dos progenitores qualquer indício de alienação parental, por parte da Recorrida – facto que deverá julgar-se indiciariamente não provado. 6. E resultando dos mesmos que o afastamento entre as crianças e o progenitor se deve aos episódios de violência durante a vida em comum e aos comportamentos do próprio Recorrente, percecionados pelas crianças como de desinvestimento emocional – facto que deverá julgar-se indiciariamente provado. 7. Não constando dos autos qualquer elemento probatório que aponte para uma alteração superveniente das circunstâncias, e atendendo ainda à idade das crianças e à frustração das visitas supervisionadas no passado, crê-se que a solução adotada pelo tribunal a quo não merece qualquer censura. 8. Não correspondendo ao superior interesse das crianças sujeitá-las à intervenção técnica, quando do outro lado não existe qualquer esforço sério de reaproximação por parte do progenitor. 9. Caso assim não se entenda, e a título subsidiário, nos termos do disposto no art. 636.º, n.º 2, do CPC, argui-se a nulidade do despacho revidendo, por preterição do direito das crianças à sua audição. 10. O direito de participação das crianças está consagrado nos artigos 12.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Crianças, 3.º da Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos das Crianças e 4.º, n.º 1, al. c) e 5.º do RGTPC, dependendo apenas de 1) estar em discussão questão que lhes diga respeito; e 2) as crianças serem dotas de idade e maturidade para a compreender. 11. A MM e o FM, de 16 e 14 anos, têm perfeita capacidade de compreensão das questões em discussão, tendo idade e maturidade para exprimir a sua opinião sobre o regime de convívios com o progenitor. 12. Pelo que não podia o tribunal a quo preterir a sua audição. 13. Na esteira de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a falta de audição dos ditos menores impõe que se anule a decisão sob recurso, a fim de os mesmos serem ouvidos sobre a matéria em questão. 14. A decisão revidenda é ainda nula por não especificar os fundamentos de facto que a justifiquem, nos termos do disposto no n.º 1, al. b) do art. 615.º do CPC. 15. Ademais, e não constando dos autos elementos probatórios que permitam avaliar da necessidade da alteração do regime de convívios e/ou da adequação do regime proposto pelo Recorrente (com exceção dos já aludidos Relatórios de acompanhamento psicológico, já com mais de ano e meio) 16. Tendo-se por imprescindível ordenar a audição das crianças a fim de que o seu depoimento possa constituir meio probatório, nos termos do disposto no art. 5.º, n.º 6, do RGPTC, a fim de averiguar a situação de facto que as crianças vivenciam, e que apenas elas poderão esclarecer. 17. Impõe-se, assim, proceder à anulação da decisão para efeitos de ampliação da matéria de facto, nos termos do disposto na al. c) do n.º 2 do art. 662.º do CPC Pelo que, Nestes termos e nos demais de Direito que doutamente se suprirão, deverá o recurso interposto pelo Recorrente improceder, mantendo-se a decisão recorrida. *** 10- O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. *** II- FUNDAMENTAÇÃO. 1-Objecto do Recurso. 1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida. Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente e pela recorrida, esta nos termos do artº 636º nº 2 do CPC, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir: a)- A nulidade da decisão por falta de fundamentação; b)- A nulidade da decisão por omissão de audição dos menores; c)- A revogação da decisão com a estipulação do regime de visitas a efectuar junto do CAFAP. *** 2- Fundamentação de Facto. Para além da factualidade processual referida no RELATÓRIO supra, importa ainda ter em consideração a seguinte factualidade extraída do apenso de Promoção e Protecção instaurado a favor dos menores e, entretanto, já arquivado. Assim: a)- A 02/04/2022, o Ministério Público instaurou processo de Promoção e Protecção a favor dos menores MM e FM, processo esse iniciado junto da CPCJ, a 11/11/2021, por sinalização da GNR, com base em alegação de violência doméstica entre os progenitores presenciada pelos menores; referiu ainda ter existido um anterior processo de promoção e protecção a favor dos menores, instaurado a 19/09/2029, entretanto arquivado a 14/01/2021. Requereu a aplicação de medida de promoção e protecção que seja considerada adequada. b)- Em 11/10/2022 teve lugar Conferência no âmbito da qual foi alcançado acordo, nos seguintes termos: “ACORDO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO 1- Medida acordada: Apoio Junto da Mãe. 2- Prazo de duração da medida: 6 meses. 3. Obrigações assumidas pelos progenitores: - Garantir o acompanhamento psicológico das crianças no Dr. MP (ou outro em que haja acordo de ambos os progenitores). - A mãe deve manter o pai informado das questões escolares e de saúde das crianças por e-mail, enviando ao mesmo cópia do registo de aproveitamento escolar dos filhos e qualquer relatório ou informação de saúde relevante. 4- Revisão: Novembro de 2022. 5- Entidade encarregada de acompanhar: A EMAT de Sintra.” c)- Nessa diligência foi determinada a audição das crianças, sem a presença dos pais, tendo elas referido: “MM, 14 anos: Frequenta o 9.º ano na Escola … em Montelavar desde o 5.º ano. Quer ser bióloga e, no 10º ano, irá escolher a área de ciências. Tem dois cães que estão na casa de morada de família com o pai. Já tinha dito na CPCJ que queria estar com o pai com uma técnica porque tem medo dele por causa das situações ocorridas com o mesmo em Setembro e Outubro de 2021: ameaçou de morte a mãe e ofensas várias à declarante e ao FM (disse que a declarante tinha ajudado a mãe a roubar o pai e que não era nosso patrocinador). Em 27 de Outubro de 2021 o pai saiu da casa de morada de família até a mãe arranjar alternativa habitacional porque aquela casa é do avô paterno. Atualmente, a declarante, o irmão e a mãe já vivem noutra casa. Sempre teve uma relação distante com os avós paternos e sempre foi forçado e "humilhavam-nos" à frente da família. O pai tem um irmão mais novo que tem uma filha, a J, um pouquinho mais velha que a declarante. Dá-se bem com os avós maternos e tia materna V, de 42 ou 43 anos. Há uma semana o pai mandou uma mensagem ao FM a dizer que irá atrás dele. Ele manda também mensagens à declarante a perguntar para que área a declarante vai e que maltratou os cães. Ele passava imenso tempo a trabalhar, passávamos a maior parte do tempo com a mãe. FM, 12 anos: Está no 7.º na Escola …. Jogou futebol no 5.º e no 6º ano. É bom aluno, as disciplinas preferidas são Matemática e Inglês. Gostava de estar com o pai mas apenas na presença de um técnico porque tem medo dele. Há cerca de um mês o pai ligou-me a ameaçar-me, chamou-me nomes, bateu na mãe e na irmã. Nunca foi batido pelo pai. Só de ouvir o portão a abrir em casa quando o pai chegava, sentia-se mal disposto e com crises de ansiedade. Dá-se com os avós maternos e com a tia materna. Vê séries com a mana e passam muito momentos juntos.” d)- Foram juntos Relatórios de Avaliação Psicológica realizados a cada um dos menores, ao pai e à mãe. e)- Em 11/10/2022 teve lugar a Reavaliação da Medida de Promoção e Protecção, com Audição dos progenitores e da Técnica da EMAT de Sintra, Dra. CL. Por esta Técnica foi dito: “Sr.ª Dr.ª CL: O Dr. MP fez avaliação de todos os elementos do agregado e recomenda acompanhamento psicológico de todos e convívios supervisionados. A Associação Passo a Passo está muito demorada em termos de agendamento mas é a única que faz supervisão de convívios no concelho de Sintra. O MDV não está instalado em Sintra com a valência de supervisão de convívios apenas o faz em Lisboa. Nessa diligência foi proferido o seguinte despacho: “1) Mantenho a medida do Apoio Junto da Mãe com o apoio económico a favor das crianças para que a mãe garanta o suporte o seu próprio acompanhamento psicológico e o das crianças. 2) O pai deverá suportar o seu próprio acompanhamento psicológico. 3) Solicite à Psilexis que informe se efetua supervisão de convívios entre pais e filho e qual o valor de cada sessão. 4) Solicite à Associação Passo a Passo (CAFAP) que efetue a supervisão de convívio entre as crianças e o pai com menção de urgente. Prazo 15 dias. 5) Para reavaliação da presente situação designo o dia 29 de Março, pelas 10:00h.” f)- Com data de 10/01/2023, a Associação Passo a Passo, encarregada de supervisionar os convívios entre o progenitor e a MM e FM, informou que foram realizadas entrevistas psicossociais a cada um dos progenitores e que estão agendadas entrevistas aos menores, que já haviam estado agendadas para 23/12/2022, mas a mãe comunicou posteriormente que não podia comparecer; estão agendadas as entrevistas psicossociais aos menores para 21/01/2023 e perspectivando-se o início dos convívios para 04/02/2023. g)- A Associação Passo a Passos informou os autos do teor dos Relatórios de Avaliação Psicossocial realizados a cada um dos menores, em síntese, a MM disse que não quer convívios com o pai, porque, verbalizou, “não me sinto confortável com ele…ele assusta-me…ele bateu na minha mãe e em mim e o FM assistiu…é difícil para mim voltar a falar disto…isto é violência doméstica…o que é que não percebeu”. Mais disse que não quer ter outro tipo de contactos com o pai, “…muito menos falar aqui com ele…olá tudo bem…não, não dá.” Por sua vez a progenitora disse “…não vejo possibilidade…eu vou fazer o quê? Arrastá-los? Vou entrar em guerra aberta com eles? Eu não consigo falar deste assunto com eles…”. Admitiu que com o acompanhamento psicológico dos menores se possa posteriormente reavaliar a possibilidade de convívios Mais consta nessa informação ter sido dado conhecimento ao progenitor acerca da vontade expressada pelos filhos informando-o que não se iria realizar o convívio agendado para 04/02/2023 h)- A EMAT informou que os menores e os progenitores já iniciaram acompanhamento psicológico. Emitiu parecer no sentido de a Associação Passo a Passo remarcar novo convívio paterno-filial. i)- Em 12/06/2023 a Associação Passo a Passo informou que houve convívio supervisionado, no dia 29/04/2023, no qual compareceram o progenitor e os menores e. fez relato do que se passou, do seguinte modo: (…) j)- Em 13/06/2023 teve lugar Diligência de Avaliação, tendo a EMAT sugerido o arquivamento dos autos de Promoção e Protecção, uma vez que não existe perigo para as crianças. Foi proferido o seguinte despacho: “DESPACHO Neste processo de promoção e proteção relativo ao MM e ao FM, julgo extinta a medida aplicada nos autos e determino o arquivamento do processo uma vez que a situação de risco que motivou a sua instauração está ultrapassada.” *** 3- As Questões Enunciadas. Apesar das alegadas nulidades da decisão, por falta de fundamentação e por omissão de audição dos menores, invocadas pela apelada ao abrigo do artº 636º nº 2 do CPC, para serem apreciadas a título subsidiário para o caso de o recurso poder proceder, entendemos que, por uma questão de precedência lógica, dadas as consequências que essas nulidades podem acarretar para a decisão sob apelação, dever conhecer, previamente, dessas duas questões suscitadas pela apelada. Assim. 3.1- A nulidade da decisão por falta de fundamentação. A apelada na contra-alegação, invocando o artº 636º nº 2, alega que a decisão sob recurso é nula porque a 1ª instância se limitou a referir que as visitas supervisionadas já tinham sido tentadas no passado, sem resultado e que os progenitores já haviam estabelecido acordo quanto ao regime de convívios; não podia o tribunal a quo eximir-se de analisar os elementos probatórios existentes no processo, pelo que a decisão enferma de nulidade nos termos do artº 615º nº 1, al. b). Vejamos então. Antes de mais, recordemos a decisão em causa: “6. O progenitor veio agora pedir convívios com os filhos em CAFAP. Esta intervenção já foi tentada no processo de promoção e proteção e não resultou – as crianças recusaram estar com o pai e até cumprimentá-lo. Face ao exposto, e uma vez que já foi estabelecido acordo entre os progenitores quanto a um lanche entre as crianças e o pai, indefiro qualquer outra diligência quanto a este tema sem prejuízo de os pais chegarem a outro tipo de acordo. Notifique.” Determina o artº 615º nº 1, al. b), que a sentença será nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Ora bem, para efeitos da al, b) do nº 1 do artº 615º do CPC, a falta de fundamentação susceptível de consubstanciar a nulidade da sentença/decisão ocorre apenas quando se verifica uma falta absoluta de fundamentos, quer de facto quer de direito. A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade da sentença, apenas afecta a sua valia doutrinal, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso. (Cf. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 53). Por outro lado, quanto à fundamentação de direito, vem sendo entendido que deve considerar-se fundamentada a sentença/despacho que, aplica normas jurídicas sem as identificar. Ou seja, o juiz não tem de especificar os artigos ou demais fontes legais de que fez uso, embora não possa deixar de enunciar, de modo expresso ou implícito o teor material da regra ou princípio em que se apoiou (Cf. Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, AAFDL, Vol. I, 2020, pág. 78; no mesmo sentido, veja-se Amâncio Ferreira Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 53; Antunes Varela et alii, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 688). No caso em pareço, o tribunal a quo enunciou a circunstância factual que fundamentou a sua decisão de indeferir que o regime de contactos supervisionados entre o progenitor e os menores: i)- Que o regime de convívios supervisionados já foi tentado; ii)- Sem sucesso, por, iii)- Os menores se recusarem a estar com o pai; iv)- E até a cumprimentá-lo. Portanto, em termos de fundamentação de facto, embora parca, a decisão não deixou de enunciar os factos em que se baseou para indeferir a pretensão do progenitor de regime de contactos supervisionado. A esta vista, entendemos que a decisão sob recurso não padece de nulidade por falta de fundamentação de facto. Como nada é dito quanto a eventual falta de fundamentação jurídica e, porque as nulidades da sentença/decisão, não são de conhecimento oficioso, nada diremos acerca dessa circunstância. *** 3.2- Nulidade da decisão por omissão de audição dos menores. A apelada, na contra-alegação, ao abrigo do artº 636º nº 2, invocou a nulidade da decisão por falta de prévia audição dos menores. Vejamos então se a decisão padece da referida nulidade. Como é sabido, o artº 5º nº 1 do RGPTC, estabelece: “1- A criança tem direito de ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.” Por sua vez, o artº 4º nº 1, al. c) e nº 2 do RGPTC, determina: “1 - Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes: a)- (…); b)- (…); c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse. 2 - Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica.” E o artº 35º nº 3 do RGPTC, estabelece, relativamente à Conferência de Pais, que: “3 - A criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é ouvida pelo tribunal, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar.” Também o artº1878º nº 2 do CC, determina que de acordo com a maturidade dos filhos, os pais devem ter em conta a sua opinião. O artº 1906º nº 9 do CC, em virtude da recente alteração operada pela Lei 65/2020, de 04/11, passou a determinar expressamente que: “9 - O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.” De resto, a importância da audição da criança, da sua auscultação quanto aos assuntos que lhe dizem respeito, está presente em diversos normativos internacionais. Sem preocupação de sermos exaustivos, refira-se o artº 12º nº 1 da Convenção dos Direitos da Criança, que determina que os Estados “…garantem à criança com capacidade e discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe dizem respeito, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.” Igualmente, a Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, determina, no artº 3º, que se a criança tem discernimento suficiente, devem ser-lhe concedidos direitos no processo perante uma autoridade judicial, além do mais, ser consultada e exprimir a sua opinião. Do mesmo modo, esse direito é assegurado no artº 24º nº 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que determina que a criança pode exprimir livremente a sua opinião e esta ser considerada nos assuntos que lhe digam respeito em função da sua idade e maturidade. O artº 21º do Regulamento Bruxelas II ter (Regulamento (EU) 2019/1111, publicado no Jornal Oficial (JO) L178, de 02 de Julho de 2019 e, que veio revogar o Regulamento (CE) nº 2201/2003, também conhecido como Regulamento de Bruxelas II bis, aplicável aos processos iniciados a 21 de Agosto de 2022) determina: Artigo 21.º “Direito de a criança expressar a sua opinião 1. No exercício da sua competência ao abrigo da secção 2 do presente capítulo, os tribunais dos Estados-Membros devem, em conformidade com o direito e os procedimentos nacionais, dar a uma criança que seja capaz de formar as suas próprias opiniões a oportunidade real e efetiva de as expressar, diretamente ou através de um representante ou de um organismo adequado. 2. Se o tribunal, em conformidade com o direito e os procedimentos nacionais, der à criança a oportunidade de expressar as suas opiniões nos termos do presente artigo, deve ter devidamente em conta as opiniões da criança, em função da sua idade e maturidade. que uma decisão em matéria de responsabilidade parental não será reconhecida se tiver sido proferida sem que a criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida.” Destes preceitos pode retirar-se que a audição da criança não constitui uma mera formalidade, mas sim uma autêntica peça chave que contribuirá para deslindar o objectivo principal: aferir o superior interesse da criança (Rossana Martingo Cruz, AAVV, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, anotado, 2021, coord. de Cristina Araújo Dias et alii, pág. 104). A visão que a criança tem do ambiente que a rodeia e a perspectiva das problemáticas que existem em seu torno são importantes para aferir do seu melhor interesse. De acordo com o artº 35º nº 3 do RGPTC, acima referido, a criança com idade superior a 12 anos é ouvida pelo tribunal nos termos da alínea c) do arº 4 e artº 5º. Ou seja, quanto a uma criança de 12 anos, parece existir uma presunção de maturidade e de compreensão face aos assuntos que lhe dizem respeito. Dito isto, regressemos ao caso dos autos. A MM tem 16 anos; e o FM tem 14 anos. Resulta dos autos de Promoção e Protecção, apenso a este processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, que a MM e o FM foram ouvidos em tribunal, sobre a problemática de visitas ao progenitor, no dia 11/10/2022 e, conforme do ponto c) dos factos acima considerados provados, manifestaram as suas posições sobre essa questão, justificando as respectivas posições. Além disso, a MM e o FM foram ouvidos pelo psicólogo nos Relatórios de Avaliação Psicológica onde manifestaram as suas posições sobre a questão do relacionamento com o progenitor (pontos d) e g) dos factos acima considerados provados). Igualmente, ambos os menores foram ouvidos na Associação Passo a Passo, em 12/06/2023, manifestando as suas razões para não quererem estar com o progenitor, declarações essas referidas no ponto i) dos factos acima considerados provados. Portanto, daqui se retira que, contrariamente ao que a apelada invoca, os menores foram ouvidos e tiveram oportunidades de manifestar as suas posições e de expor as razões porque não querem estar com o pai. Sem necessidade de outros considerandos, resta concluir que não se verifica a pretendida nulidade da decisão por pretensa omissão de audição dos menores. Note-se que no processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, está agendada uma nova audição dos menores para o dia 17/04/2024, pelas 10:00 horas. *** 3.3- A revogação da decisão com a estipulação do regime de visitas a efectuar junto do CAFAP. O apelante pretende se determine o reinício do regime de visitas junto do CAFAP (por intermédio da Associação Passo a Passo) argumentando que a circunstância de os menores terem manifestado discordância em estarem com o progenitor, na única visita supervisionada, chegou a haver troca de impressões entre pai e filhos, indiciando um primeiro passo para o mútuo entendimento; a decisão de não existirem mais visitas supervisionadas penaliza, gravemente, o restauro das relações entre pai e filhos. Apenas as visitas supervisionadas poderão reatar o relacionamento entre pai e filhos no superior interesse destes. Vejamos então. O artº 40º do RGPTC, determina que: “1 - Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela. 2 - É estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interesse desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal. 3 - Excecionalmente, ponderando o superior interesse da criança e considerando o interesse na manutenção do vínculo afetivo com o visitante, pode o tribunal, pelo período de tempo que se revele estritamente necessário, ordenar a suspensão do regime de visitas. (…)” A norma do nº 2 , relativa ao regime de visitas e contactos com o progenitor não residente, insere-se na linha do que é determinado nos Princípios Fundamentais estabelecidos na Constituição da República Portuguesa que, no seu artº 30º nºs 5 e 6, estabelece que os pais têm o direito e o dever de educar e manter os filhos, não podendo estes deles ser separados, excepto quando os pais não cumprirem os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. Iguais princípios decorrem de outros diplomas internacionais como, por exemplo, o artº 23º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e do artº 9º nº 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança. Do mesmo modo, o artº 1906º nº 7 do CC determina, relativamente ao exercício das responsabilidades parentais, determina: “O tribunal decidirá de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles” Portanto, é incontroverso que todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses Para manter uma relação de grande proximidade, assegurando o superior interesse da criança, impõe-se que ocorram contactos regulares e frequentes do progenitor com o filho, facultando que possa partilhar o seu espaço, passando com eles fins-de-semana, datas festivas, aniversários, períodos de férias (Cf. Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 4ª edição, pág. 313). Quando a norma se refere à relação de grande proximidade da criança com ambos os pais, está a fornecer ao juiz uma indicação que funciona como factor, entre outros, para determinar o interesse da criança. (Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 7ª edição, 2021, pág. 95). E prosseguindo com a Lição desta Ilustre autora: “O direito de visitas consiste no direito de pessoas unidas entre si, por laços familiares ou afectivos estabeleceram relações pessoais. Num contexto de divórcio, o direito de visitas significa a possibilidade de o progenitor sem guarda e a criança se relacionarem e conviverem entre si, uma vez que tais relações não podem desenvolver-se, no dia a dia, em virtude da falta de coabitação. O direito de visitas tem uma forte componente humana e subjazem-lhe realidades afectivas que o direito não pode ignorar.” (Clara Sottomayor, Regulação do Exercício…cit., pág. 128). “O objecto do direito de visitas abrange, assim, um conjunto de relações, desde contactos esporádicos por algumas horas, os quais consistem na expressão mínima do referido direito a estadias por várias semanas e ainda qualquer forma de comunicação (correspondência por escrito, telefone, electrónica, etc.).” “O exercício do direito de visitas por parte do progenitor não guardião funciona como um meio de este manifestar a sua afectividade pela criança, de ambos se conhecerem reciprocamente e partilharem os seus sentimentos de amizade, as suas emoções, ideias, esperanças e valores mais íntimos. Alguns autores referem-se, sugestivamente à visita como um “acto de puro amor puramente gratuito” que constitui “a essência dos direitos parentais para o progenitor não guardião”. Se é importante que na ordem familiar e humana que a criança não veja a sua vida amputada de carinho, contacto, relação e comunicação, o mesmo acontece no plano jurídico. O direito não pode ficar indiferente a esta profunda realidade humana, simultaneamente biológica e psíquica”. (A e ob. cit., pág. 128 e seg.). “O aspecto mais importante desta figura e o seu fundamento reside na relação afectiva que une a criança ao progenitor, a qual merece tutela jurídica por consistir numa manifestação da personalidade da criança e do seu direito ao livre desenvolvimento.” (A e ob. cit., pág. 130). Portanto, o direito de visitas é pensado de modo a salvaguarda do superior interesse da criança, o seu desenvolvimento integral e harmonioso, psíquico e emocional, visando o estabelecimento de laços afectivos e emocionais com o progenitor não guardião e deve ser desenhado de acordo com as concretas circunstâncias do caso, nomeadamente da existência, ou não, de anteriores contactos e convivência, a idade da criança e até o posicionamento dos pais em relação aos filhos e contactos com o outro progenitor. Só excepcionalmente esse direito de visitas pode ser afastado ponderando o superior interesse da criança e considerando o interesse na manutenção do vínculo afetivo com o visitante (artº 40º nº 3 do RGPTC), designadamente quando as circunstâncias concretas do caso o desaconselhem, por existir algum tipo de risco efectivo, psicológico, emocional ou físico para a criança. Fez-se questão de tecer estas considerações acerca do Direito de Visitas ao progenitor não guardião, com intuito de todos os intervenientes no processo perceberem da relevância do Direito de Visitas. Porém, como se referiu acima, o Direito de Visitas ao progenitor não guardião, não pode estar dissociado do superior interesse do filho e do seu bem-estar psíquico e emocional. O mesmo é dizer que quando o direito de visitas entra em conflito com o interesse da criança é o interesse da criança que deve prevalecer. Perante a recusa dos menores, de 16 e 14 anos, em estarem e visitarem o pai, mesmo em ambiente de visitas supervisionadas, “…a sociedade e os tribunais têm de aceitar que a criança, como qualquer adulto, tem direito a escolher as pessoas com quem querem ou não conviver. Meios coercitivos…negam à criança o estatuto de pessoa e a liberdade mais profunda do ser humano: a liberdade de amar ou de não amar. Não cabe ao tribunal impor sentimentos e afectos, e perfeição moral aos cidadãos.” (Clara Sottomayor, Regulação do Exercício…cit., pág. 247). De resto, a jurisprudência tem decidido no mesmo sentido, como decorre, entre outros, dos seguintes arestos: -TRP, de 06/02/2023 (Teresa Fonseca, Proc. 524/16): “II - Os tribunais não dispõem de meios - nem tal sequer seria desejável - para obrigar uma adolescente de 16 anos a manter contactos com o pai através de meios de comunicação à distância, sendo que forçar encontros e saídas seria despropositado e mesmo contraproducente, por contrário à verdade afetiva de pai e filha, em nada contribuindo para o bem-estar da adolescente.” -TRC, de 22/10/2019 (Vítor Amaral, Proc. 1014/08): “2. - Havendo recusa de menor em se sujeitar às visitas ao seu progenitor, haverão de ser apuradas as razões desse comportamento de rejeição da figura paterna, para o que é adequada prova técnica/psicológica que capte os aspetos psicológicos/emocionais da menor, bem como a sua dinâmica familiar e eventuais constrangimentos aí existentes. 3. - Apurado que a recusa da menor assenta numa visão da figura paterna como violenta, em consequência de diversas agressões à mãe da menor, presenciadas por esta, o que a levou a perder a confiança no pai e a ter medo dele, perceção que o acompanhamento especializado da menor não logrou alterar, não é exigível à mãe que obrigue a filha ao contacto que ela perentoriamente rejeita, não podendo a menor ser violentada na sua vontade, a tal se opondo o critério do superior interesse da criança ou do jovem. 4. - Nesse caso não encontra fundamento a conclusão de direito no sentido de o incumprimento do regime de visitas ser imputável à mãe, não se mostrando que esta tenha meios para poder persuadir a menor e vencer a sua resistência, pois que esta última, atenta a sua idade, tem a sua personalidade e vontade própria.” - TRG, de 08/10/2015 (Isabel Silva, Proc. 508/05): “a) Provando-se que é a menor, à data com 15 anos, quem recusa cumprir o regime de visitas estipulado para o pai, tal “incumprimento” não pode ser imputado à mãe.” Portanto, no caso dos autos, em face da recusa dos menores em contactarem e estarem com o pai, não pode o tribunal impor o regime de visitas supervisionadas. O problema deve ser abordado, aprofundado e trabalhado a nível de acompanhamento psicológico, que está a ser prestado aos menores e aos progenitores. Sendo relevante que todos percebam que existirão modos de ultrapassar os ressentimentos e as desilusões. Do que se expõe decorre que não há fundamento para, neste recurso, impor o regime de visitas supervisionadas. Em suma: o recurso improcede. *** III-DECISÃO Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, em consequência, mantêm a decisão sob impugnação. Custas nesta instância de recurso, pelo apelante. Lisboa, 21/03/2024 Adeodato Brotas Octávia Viegas João Brasão |