Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4848/14.0TBCSC.L1-8
Relator: CARLA FIGUEIREDO
Descritores: ANESTESIA
ACTO MÉDICO
DEVER DE INFORMAÇÃO
OMISSÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS MORAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: É clara a vinculação dos médicos ao dever de informação adequada e recolha de consentimento informado do paciente, que decorre dos arts. 44º e 45º do Código Deontológico dos Médicos, aprovado pelo Regulamento nº 14/2009, em vigor à data dos factos);

Apenas sob o 3º Réu, que omitiu aquele dever de informação sobre a anestesia que ia ser administrada ao Autor, diligência que lhe era exigível, como médico anestesista (art. 487º, nº 2 do CC), e sobre a 1ª Ré, sobre a qual impende uma presunção de culpa, que não foi ilidida, pode impender a obrigação de indemnizar;

A omissão do dever de esclarecimento deu azo à impossibilidade de o Autor tomar uma decisão consciente a respeito da raquianestesia, com a administração de um anestésico, a levolupivacaína, que podia, embora em casos raros, causar as lesões como aquelas que o Autor veio a sofrer; existe, pois, nexo de causalidade entre a omissão daquele dever de informação e a perda de oportunidade de decidir, considerada em si mesma um dano susceptível de ser indemnizado;

Estando o recurso limitado ao conhecimento do quantum indemnizatório a título de compensação pela verificação do referido dano, reputa-se como ajustada, ao abrigo dos arts. 496º, nº 4 e 494º do CC, a indemnização de € 50.000,00, considerando as sequelas físicas e psicológicas que o Autor ficou a padecer após intervenção cirúrgica com a administração da referida anestesia.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I–RELATÓRIO

M...intentou acção declarativa de condenação contra:
1- “Clínica...S.A.”,
2- C....,
3- A...,
peticionando a condenação solidária dos mesmos no pagamento de uma indemnização no valor de € 2.326.593,17 (a título de ressarcimento de danos patrimoniais) e de uma indemnização no valor de € 150.000,00 (a título de ressarcimento de danos não patrimoniais), ambas acrescidas de juros moratórios à taxa legal - contados a partir da citação até integral pagamento - e da sobretaxa de 5% ao ano, a título de sanção pecuniária compulsória, a partir do trânsito em julgado da sentença e até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que na sequência de queda que lhe provocou traumatismo no joelho esquerdo, foi assistido pelo primeiro Réu nas instalações da Ré, tendo este lhe prescrito um tratamento conservador. Como as dores subsistiam e foi detectada a ruptura do ligamento cruzado anterior, por indicação daquele Réu, o A. foi sujeito a cirurgia realizada por aquele na clínica explorada pela 1ª Ré, com recurso a anestesia ministrada pelo 3º Réu, escolhido pelo 2ª Réu e que integrava a sua equipa. Porém, não foi observado pelo 3º Réu e não respondeu à ficha “anestesiologia-bloco operatório central unidade de cirurgia ambulatória- verificação à entrada dos blocos” e à “ficha de segurança cirúrgica check-list”, não tendo qualquer um dos Réus explicado o tipo de anestesia a que seria sujeito e que técnica seria empregue ou os inerentes riscos à mesma. Na sequência da ministração da anestesia e da realização da intervenção cirúrgica, ocorrida em 23 de Agosto de 2011, foi transferido para a enfermaria sem que, como lhe foi dito, tivesse recuperado a mobilidade dos dedos do pé esquerdo, tendo sentido dores abdominais e perineais que se tornaram agudas, intensas e permanentes e disfunção motora, esfinctariana anal e vesical. Apesar de estes sintomas se terem mantido (não obstante a realização de tratamentos de fisioterapia recomendados e de uma ressonância magnética ulteriormente realizada revelar uma alteração focal do sinal medular e discretos vestígios hemorrágicos, sugestivos de lesão sequelar), o 2º Réu, sem o ter informado da sua situação clínica, deu-lhe alta no dia 29 desse mês.
Por sentir preocupação com o seu estado de saúde, adquiriu uma prótese que lhe permitia levantar o pé e consultou um urologista que lhe diagnosticou lesão medular parcial irreversível (o que veio a ser confirmado por outros médicos que consultou), carecendo o Autor de algaliação prolongada por padecer de bexiga hiopotónica e neurogénica, o que levou a que ficasse a padecer de depressão profunda, sentisse tristeza e angústia, insónias e perda de apetite e, consequentemente, de peso.
Passou a usar sonda vesical com saco (o que lhe causava grande incómodo) e, na sequência de observação da Clínica Universitária de Navarra, sonda vesical por auto-sondagem, tendo sido informado que se encontrava impotente. Foi sujeito a vários exames complementares de diagnóstico e a tratamentos de fisioterapia intensivo, que realizou entre Dezembro de 2011 e que se mantinham à data da propositura da acção, beneficiando ainda de apoio psiquiátrico.
Alega ainda que, em consequência da intervenção cirúrgica a que foi sujeito, ficou a padecer de sequelas irreversíveis, o que atribui à punção, pelo 3º Réu, da dura-mater - a qual atingiu a pia-mater e que levou à saída de liquor cefalorraquidiano - e aos actos médicos praticados no decurso daquele acto, mais sustentando que, por não ter sido correctamente executado o acto cirúrgico, em meados de 2014, sentiu dores ocasionais no joelho esquerdo, perda de força, instabilidade no andar e desequilíbrio postural.
Refere ter sofrido um período de incapacidade temporário geral de 31 dias, um período de incapacidade temporária geral parcial de 684 dias, um período de incapacidade temporária total para o trabalho de 715 dias e padecer de uma incapacidade permanente geral, valorizável em 60 pontos (num total de 100 e com tendência a agravar-se), com compatibilidade parcial (que estima em 50%) para a actividade de empreiteiro (embora com recurso a esforços suplementares), dano estético valorizável em 5 numa escala de 7, prejuízo de afirmação pessoal valorizável em 4 numa escala de 5 e prejuízo sexual valorizável em 4 numa escala de 5. Terá ainda de recorrer trimestralmente a observação médica, sujeitar-se a exames e análises e, bissemanalmente, a tratamentos de fisioterapia que perdurarão para o resto da vida. Manterá ainda o tratamento de ferida recidiva no calcanhar esquerdo e o apoio psicológico 2/3 vezes por ano. Estimou as perdas remuneratórias associadas, respectivamente, ao período de incapacidade temporária geral e ao período de incapacidade temporária profissional, respectivamente, em € 8.452,50 e em € 262.762,50, a perda inerente ao período de incapacidade geral parcial em € 125.685,00 e a perda inerente ao défice funcional em € 1.587.600,00, tendo também alegado que despendeu € 17.6973,17 em consultas médicas, relatórios, exames, tratamentos, medicamentos e produtos de farmácia, de enfermaria, fisioterapia, com sondas, material de esterilização e ortopédico, estimando vir a despender no futuro a quantia de € 9.000 para idênticos fins e a quantia de € 24.000 na aquisição de veículo com caixa automática, por continuar a sofrer de pé pendente e instabilidade de perna esquerda.
Mais refere que deixou de executar tarefas da sua profissão e que experienciou e ainda experiência de consternação, revolta, desgosto por deixar de sentir como era - o que perdurará para o resto da vida - vergonha por ocorrências de incontinência na presença de terceiros, inconformismo com a impotência, preocupação com a hipótese de ter de se sujeitar a novas cirurgias e de ver agravado o seu estado de saúde, preocupação por não poder assistir os filhos, pessimismo e desinteresse por actividades que antes apreciava.
Alega ainda ter sofrido dores físicas, incómodos e momentos de ansiedade.

A 1ª Ré, agora denominada “Hospital...S.A.”, apresentou contestação, defendendo que ministrou ao Autor um constante acompanhamento da sua situação clínica, que aquele foi devidamente esclarecido sobre a intervenção a que seria sujeito, que o início dos tratamentos de fisioterapia se revelava adequado à falta de mobilização do membro inferior esquerdo e que o quadro clínico resultava de uma rara complicação do acto anestésico (possivelmente, uma reacção neurotóxica à levobupivacaína naquele empregue) e não de qualquer imperícia dos demais Réus.
Concluiu pela improcedência da acção, tendo requerido a intervenção provocada da respectiva seguradora.

O 2ª Réu excepcionou a ilegitimidade substantiva, sustentando que não celebrou qualquer contrato com o Autor e que este apenas com a Ré ajustara o contrato de prestação de serviços de saúde, defendendo, ainda, que as fichas aludidas na petição inicial não carecem de ser assinadas pelo paciente ou pelos médicos, que, no decurso da cirurgia, não ocorreram anomalias, que o Autor sempre foi acompanhado, que a ressonância magnética não evidenciou a ocorrência de hematoma medular, que o bloqueio motor que aquele apresentava no pós-operatório era adequadamente reversível com tratamentos de fisioterapia e que, aquando da alta, informou o Autor acerca dos cuidados a ter e da importância da continuação dos tratamentos de fisioterapia, não se registando, nas consultas que posteriormente realizou, quaisquer problemas do ponto de vista estritamente ortopédico, alegando que não há qualquer ligação entre a intervenção cirúrgica e as queixas de dor e inchaço sentidas pelo Autor em 2014. Requereu, a final, a intervenção provocada da respectiva seguradora.

O 3ª Réu também excepcionou, em moldes semelhantes, a sua ilegitimidade substantiva. Sustentou, ainda, que trabalha há muitos anos com co-Réu e que, no âmbito do acordado com este, é efectuada uma prévia avaliação do risco cirúrgico do operando. Posto que o Autor não apresentava risco cirúrgico (razão pela qual não foi realizada a consulta de anestesiologia), foi apenas sujeito a avaliação pré-anestésica em que se colheu anamnese e realizado exame objectivo e exames complementares de diagnóstico, tendo concluído pela aptidão daquele. Acrescentou que informou o Autor da anestesia a que iria ser submetido e tomado a decisão de realizar uma raquianestesia, tendo o Autor prestado o seu consentimento para o efeito. Referiu, também, que, no decurso da perfuração, foi verificando se o liquor estava presente e, quando surgiu no mandril da agulha (o que assinala o local onde é feita a administração do fármaco anestésico), administrou a levobupivacaína (substância que elegeu por apresentar menor toxicidade) na concentração de 5mg/ml e que não puncionou a pia mater. Defendeu, ainda, que uma eventual reacção neurotóxica apenas podia ser associada àquele fármaco e à resposta idiossincrática do Autor e não ao modo como o aplicou.

Mais advogou que, perante o facto de o Autor padecer, no pós-operatório, de bloqueio motor e por acordo com o co-réu, prescreveu um anti-inflamatório de elevada potência, que aquele sempre foi acompanhado, que a ressonância magnética não evidenciou a ocorrência de hematoma epidural, que tal bloqueio era adequadamente reversível com tratamentos de fisioterapia, que a alteração focal do cone medular não se encontra na zona em que interveio e que, a 25 de Agosto de 2011, explicou ao Autor que o seu quadro clínico fora causado por uma rara complicação do acto anestésico. A final, requereu a intervenção provocada da respectiva seguradora.

Citado o Instituto de Segurança Social, I.P., este apresentou articulado em que peticionou a condenação dos Réus e da “Companhia de Seguros…, S.A.” no pagamento da quantia de € 85.064,79, acrescida de juros de mora legais desde a notificação, aduzindo, em síntese, que, na sequência do acto médico realizado pela Ré, pagou ao Autor, a título de subsídio de doença, prestação compensatória de subsídio de férias e prestação compensatória de subsídio de Natal, valores que totalizam aquela importância, assistindo-lhe consequentemente o direito a ser reembolsado.

Foi admitida a intervenção acessória da seguradora da 1ª Ré, tendo a “Companhia de Seguros…., S.A.” declarado reproduzir, em parte, as contestações daquela Ré e do Réu C..., tendo considerado que a actuação segundo as regras técnicas actualizadas da ciência médica e o diagnóstico consciente e cuidadoso afastam a culpa e que o erro escusável também afasta a responsabilidade civil da intervenção. Defendeu, ainda, que o Autor não contabilizou as despesas que suportaria consigo mesmo, que os valores indicados a título de retribuição compreendem outros proventos que não os provenientes da actividade laboral e que em nada foram afectados com o evento, impugnando ainda o valor reclamado a título de danos não patrimoniais, por excessivo e a inatendibilidade do pedido de condenação em juros de mora.

Foi admitida a intervenção acessória da seguradora dos demais Réus, tendo a “Companhia de Seguros…, S.A.”, apresentado contestação em que declarou subscrever as contestações apresentadas pelos 2º e 3º Réus.

A convite do tribunal, o Autor respondeu à matéria exceptiva, concluindo pela sua improcedência.

O Réu C... respondeu ao pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., alegando que não impendia sobre si a obrigação de indemnizar e que os subsídios em causa sempre seriam parcialmente devidos, já que o Autor já padecia de doença, mais aduzindo que o montante peticionado por aquela entidade deveria ser deduzido ao quantum indemnizatório que viesse a ser atribuído ao Autor a título de incapacidade temporária profissional. Sustentou, ainda, que a responsabilidade pelo pagamento daquele montante deveria recair sobre a respectiva seguradora.

O Réu A... respondeu ao pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., também defendendo que não impendia sobre si a obrigação de indemnizar e que os subsídios em causa sempre seriam parcialmente devidos, já que o Autor já padecia de doença, mais aduzindo que o montante peticionado por aquela entidade deveria ser deduzido ao quantum indemnizatório que viesse a ser atribuído ao Autor a título de incapacidade temporária profissional. Aduziu ainda que a responsabilidade pelo pagamento daquele montante deveria recair sobre a respectiva seguradora.

Foi elaborado despacho saneador no qual a chamada “Companhia de Seguros…, S.A.” foi absolvida da instância relativamente ao pedido de reembolso de prestações sociais formulado pelo Instituto de Segurança Social, I.P.

Foi realizada prova pericial e consulta técnico-científica.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto:
- julgo a excepção peremptória impeditiva aduzida pela Ré “Hospital...S.A.”, pelo Réu A..., pela interveniente acessória “Companhia de Seguros…, S.A.” e “Companhia de Seguros…, S.A.” improcedente por não provada;
- julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
» absolvo o Réu C.... do pedido contra ele formulado pelo Autor M...;
» condeno a Ré “Hospital.... S.A.”e o Réu A....a, solidariamente, pagarem ao Autor M... a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora vincendos desde a presente data e até integral e efectivo pagamento, sendo estes calculados à taxa de juro de 4%;
- julgo o pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social., I.P. improcedente por não provado e, em consequência, dele absolvo os Réus “Hospital...S.A.”, C.... e A....
Custas pelo Autor, pela Ré e pelo Réu A..., na proporção de 98,5% para o primeiro e de 1,5% para os segundos, sem prejuízo do apoio judiciário de que o primeiro beneficia.
No mais, custas pelo Instituto de Segurança Social., I.P.”
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Inconformado com a sentença veio o Autor interpor recurso, termina as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
1º- Ao abrigo do disposto no nº2 do artº 613º e 614º, ambos do CPC, deverá no segmento final da decisão, passar a constar a condenação de € 35.000,00 a título de danos não patrimoniais;
2º- Por não ter sido impugnado o alegado no artº 11 da petição, que veio a ser aceite pelo 2º R., Dr. C..., (cfr. artº 18 da sua Contestação) deverá ser alterada o ponto 13 dos Factos Assente, de forma a constar que foi o 2ºR. que recomendou ao A. tratamento fisioterapêutico, na Clinica.... de Reabilitação, Lda.;
3º- Posto isto, e salvo o devido respeito, que aliás é muito, a douta sentença e proferida pelo Tribunal “a quo” não fez uma boa aplicação da Justiça. Já que,
4º- Fixou em € 35.000,00 os danos não patrimoniais pela violação ilícita do direito ao consentimento informado do A., que na intervenção cirúrgica ao joelho se sujeitou a anestesia, que lhe causaram as seguintes lesões irreversíveis síndroma da cauda equina; (ii) alterações do esfíncter vesical e anal; (iii) alterações sexuais; (iv) hipostesia táctil, parésia do membro inferior esquerdo; (v) pé pendente e (vi) perturbação do humor, que merecem a tutela do direito e que devem ser reparados com uma indemnização não inferior a € 150.000,00, nos termos do artº 496º do CC – que se mostra violado.
5º- A douta sentença incorreu na nulidade prevista na al. d)- do artº 614º do CPC, por ter recorrida ignorado o pedido de condenação solidária dos RR. a título de danos patrimoniais futuros sofridos pelo A. e resultantes das lesões que se verificaram na sua integridade psíquica-física, quantificada como dano biológico de 60 pontos, e que tem repercussões não só na sua actividade profissional como também nas actividades do dia a dia, incluindo no cumprimento dos deveres e obrigações familiares e sociais.
6º- Dano patrimonial que computa em 1.381.342,00, para os seus 29 anos de vida activa, à luz dos critérios e princípios consignados nos artºs. 562º, 564º e 566º do CC. – que se mostram violados.
7º- Ao ter interpretado e aplicado de forma errada as normas jurídicas aplicáveis ao caso sub judice, o Tribunal “a quo” violou, entre outros, os dispositivos legais acima invocados.
8º- Termos em que deverá ser reparada a douta sentença recorrida e, por via da douta Apelação, ser anulada a douta sentença recorrida que deve ser substituída por outra nos termos atrás indicados”.
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A Ré “Hospital..., S.A”, o Réu C.... e o Réu A....apresentaram contra-alegações concluindo, a final, que o recurso deve improceder e ser confirmada a sentença proferida pelo tribunal a quo.
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O recurso do Autor foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (alínea a) do nº 1 do artigo 644º, alínea a) do nº 1 do art. 645º e nº 1 do artigo 647º, todos do Código de Processo Civil).
No mesmo despacho o Exmo. Sr. Juiz a quo indeferiu o pedido formulado pelo Autor, como questão prévia das alegações, quanto à correcção do alegado lapso da sentença, no dispositivo, por não especificar que a indemnização fixada era devida a título de danos não patrimoniais.
Pronunciou-se, ainda, sobre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia invocada pelo Autor, sustentando, fundamentadamente, que a mesma não se verifica.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II–DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC).

No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões do Recurso interposto são as seguintes:
- se, no dispositivo da sentença recorrida ocorre um lapso passível de correcção, devendo passar a constar que a condenação de € 35.000,00 é devida a título de danos não patrimoniais;
- se ocorre a nulidade da sentença invocada pelo Autor;
- Se deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto;
- Se deve ser alterada a decisão de mérito
(não será considera a “questão prévia” suscitada perante o Sr. Juiz a quo, na medida em que já foi decidida, quanto ao eventual lapso cometido no dispositivo).
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III–FUNDAMENTAÇÃO

3.1.-Os factos
3.1.1.-Factos Provados

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1.–O Autor nasceu no dia 5 de Outubro de 1966.
2.–O Réu C..., licenciado em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa desde 1984, é médico cirurgião, especialista em ortopedia e traumatologia, com mais de 20 anos de experiência.
3.–O Réu A... é médico com a especialidade de anestesia e integra a equipa do Réu C... .
4.–Pela apólice n.º…, a “Companhia de Seguros…, S.A.” declarou, perante a Ré, assumir o pagamento a terceiros de indemnizações emergentes da exploração de estabelecimento de saúde até ao montante € 125.000,00 por sinistro.
5.–A “Companhia de Seguros…, S.A.” foi objecto de fusão e incorporação na interveniente acessória “Companhia de Seguros…, S.A.”.
6.–Pela apólice n.º…, a “Companhia de Seguros…, S.A.” declarou, perante o Réu C..., assumir o pagamento a terceiros de indemnizações emergentes do exercício da actividade médica de ortopedia até ao montante € 300.000,00 por sinistro, com uma franquia de 10% sobre o valor reclamado a título de danos patrimoniais, com o mínimo de € 125.
7.–Pela apólice n.º …, a “Companhia de Seguros…, S.A.” declarou, perante o Réu A..., assumir o pagamento a terceiros de indemnizações emergentes do exercício da actividade médica de anestesiologia, até ao montante € 300.000,00 por sinistro, com uma franquia de 10% sobre o valor reclamado a título de danos patrimoniais, com o mínimo de € 125.
8.–Antes de 23 de Agosto de 2011, o Autor era tido como uma pessoa alegre.
9.–O Autor trabalhava na empresa de família, fiscalizando a execução de projectos de construção civil e percorrendo a área em construção, com piso irregular ou inclinado.
10.–Nos anos de 2007, de 2008, de 2009 e de 2010, o Autor auferiu rendimentos da empresa referida no ponto n.º 9 nos valores, respectivamente, de € 195.500,00 de € 37.800,00 de € 144.600,00 e de € 149.500,00, em parte provenientes da distribuição de lucros.
11.–Até ao dia 23 de Agosto de 2011, o Autor não sofria de qualquer deficiência sensitiva, funcional ou orgânica e gostava de praticar desporto, jogar futebol, fazer natação, jogging, exercícios físicos em ginásio e de fazer caminhadas prolongadas.
12.–Mediante a apólice n.º…, a “Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde, S.A.” declarou perante o Autor assumir o pagamento de despesas relacionadas com a assistência em regime de hospitalização e em regime ambulatório, na modalidade de prestações convencionadas com os serviços clínicos da Ré.
13.–Em Março de 2011, o Autor sofreu uma queda e, nessa sequência e no âmbito do acordo referido no ponto precedente, dirigiu-se às instalações da Ré, onde consultou o Réu C..., o qual lhe recomendou tratamento fisioterapêutico, que o Autor fez durante várias semanas.
14.–Dado que persistiam as dores no joelho esquerdo, o Réu C... diagnosticou rotura do ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo, passível de correcção cirúrgica.
15.–O Réu C... disse ao Autor que, passadas 48 horas da cirurgia, podia levantar-se e andar com ajuda de canadianas, podendo, de seguida, ter alta hospitalar.
16.–O Autor decidiu submeter-se a intervenção cirúrgica referida no ponto n.º 14 na clínica explorada pela Ré.
17.–O Autor não foi ouvido nem observado na consulta de anestesia pelo Réu A... .
18.–Antes da intervenção cirúrgica, nenhum dos Réus deu a conhecer ao Autor o tipo e a técnica da anestesia que seria ministrada nem lhe deu a conhecer que corria o risco de poder sofrer complicações na sua saúde, durante e após o operatório.
19.–A Ré cedeu as suas instalações para realizar as consultas, os exames complementares de diagnóstico, a sala de operações, bem como todos os equipamentos destinados a tal fim e ainda o quarto onde esteve internado e assegurou a prestação de cuidados médicos ao Autor, antes, durante e pós-operatório, tendo tal sido pago por este através do seguro mencionado no ponto n.º 12.
20.–No dia 23 de Agosto de 2011, na clínica da Ré, o Autor, no bloco operatório, sujeitou-se a anestesia administrada pelo Réu A... com administração por agulha G27, de 12,5 ml de levolupivacaína com concentração de 5mg/ml.
21.–A administração da anestesia ocorreu pelas 16 horas e 34 minutos do dia 23 de Agosto.
22.–A levolupivacaína é um fármaco anestésico local que, comparativamente com outros fármacos usados para o mesmo efeito, é tido como tendo menor toxicidade.
23.–Em virtude dos factos mencionados no ponto n.º 20, o Autor sofreu lesão permanente no cone medular e do plexo medular sagrado com as consequências inerentes aos territórios orgânicos e anatómicos inervados a jusantes pelas fibras axonais, a qual foi desencadeada por uma reacção idiossincrática neurotóxica ao fármaco ali aludido.
24.–A reacção mencionada no ponto n.º 23 é descrita como rara.
25.–A esse procedimento, seguiu-se a intervenção cirúrgica conduzida pelo Réu C... .
26.–O Autor foi conduzido para a sala de recobro anestésico onde aguardou pela reversão do bloqueio.
27.–Pelas 23 horas desse mesmo dia, o Autor foi encaminhado para a enfermaria, sem que tivesse sinal de mobilidade dos dedos do pé esquerdo e sem que tivesse sido pesquisada a causa do bloqueio motor.
28.–No decurso da noite, o Autor sentiu dores, retenção urinária e obstipação.
29.–Em virtude de o Autor padecer, no pós-operatório, de bloqueio motor, foi-lhe, no dia 24, prescrita e administrada meltiprednisolona.
30.–O Autor foi algaliado por sonda vesical para obter esvaziamento da bexiga, mantendo-se sem ter mobilidade dos dedos do pé esquerdo e sentindo persistentes dores.
31.–O Autor sentiu preocupação sobre a recuperação do seu estado de saúde.
32.–O Réu C... receitou medicamentos para redução do síndroma doloroso sentido pelo Autor, decorrente da disfunção dos esfíncteres.
33.–O Autor tinha o pé esquerdo pendente e não sentia força para o levantar.
34.–No dia 25 de Agosto de 2011, foi submetido a ressonância magnética da coluna lombossagrada nas instalações da Ré, na qual não se vislumbrou a existência de um hematoma epidural.
35.–O Réu C... recomendou a realização de tratamentos de fisioterapia, tendo o Autor iniciado os tratamentos no dia 26 de Agosto de 2011, sob orientação da Ré.
36.–Durante quatro dias, o Autor fez tratamentos de fisioterapia, sem que sentisse melhoras da paresia do pé e da perna esquerda ou recuperado o controlo sobre a acções de defecar e de urinar.
37.–No dia 29, o Réu C... deu alta ao Autor, sem que, nessa ocasião, o tivesse informado da sua situação clínica, dos cuidados a ter e das soluções a encontrar para a resolver, tendo apenas recomendado a realização de tratamentos de fisioterapia.
38.–No período compreendido entre os dias 23 e 29 de Agosto de 2011, o Autor não dormia, sentiu dores na coxa e pénis e incómodos e sentia-se irritado, ansioso, prostrado, desassossegado e triste.
39.–Após alta hospitalar, o Autor continuou com o pé esquerdo pendente e sem receber qualquer comando da sua vontade, não controlando, também, as funções esfinctariana anal e vesical.
40.–O Autor sentiu-se preocupado, angustiado, desesperado e pessimista em relação ao futuro.
41.–Por não conseguir andar, o Autor adquiriu uma prótese que lhe permitisse levantar o pé.
42.–Apesar do referido no ponto precedente, o Autor sentia uma diminuição da sensibilidade, no pé esquerdo, relativamente ao calor, ao frio, a abrasivos e ao calçado e passou a ter ferida no calcanhar.
43.–O Autor sentia-se sem compreender o mal-estar da recorrência de episódios associados ao descontrolo do esfíncter anal e da bexiga, que lhe causavam ideias de obstipação e vontade de urinar, sem o poder fazer pela sua vontade.
44.–O Autor perdeu a vontade sexual.
45.–O Autor sentia a fadiga diária das patologias sentidas.
46.–Ao Autor não foi prestada qualquer informação sobre o seu estado de saúde e inquietações.
47.–No início de Setembro de 2011 o Autor fez fisioterapia para recuperar a lesão do joelho esquerdo, o que manteve até ao dia 29 de Setembro de 2011.
48.–O Autor fez tratamentos de acupunctura, no “Centro de Acupunctura…”.
49.–Até 10 de Outubro de 2011, o Autor utilizava, de noite e de dia, sonda vesical com saco, o que lhe causava intenso incómodo.
50.–A 8 de Setembro de 2011, o Autor consultou o Dr. V… e, na sequência de exames realizados, este transmitiu-lhe que padecia de lesão medular parcial.
51.–Na sequência do facto referido no ponto precedente, o Autor sentiu intensa perturbação mental e confusão e anteviu dificuldades na execução dos seus projectos familiares e profissionais.
52.–Na sequência do facto referido no ponto n.º 50, o Autor perdeu o apetite, o que o levou a perder 15 kg de peso.
53.–Para obter uma resposta que contrariasse o diagnóstico referido no ponto n.º 50, o Autor consultou médicos de diferentes especialidades e submeteu-se a exames complementares de diagnóstico e todos lhe confirmaram a existência de lesão medular parcial ao nível lombar na sequência da raquianestesia a que fora submetido.
54.–A 10 de Outubro de 2011, o Autor foi observado na Clínica Universitária de Navarra por médicos da especialidade de urologia e de neurologia, onde realizou exames complementares de diagnóstico, tendo sido confirmado o diagnóstico de lesão medular parcial.
55.–Na Clínica Universitária de Navarra foi-lhe retirada a sonda mencionada no ponto n.º 49 e recomendado o uso de sonda vesical por auto-sondagem, diariamente e sempre que necessário.
56.–O Autor submeteu-se a ressonâncias magnéticas e realizou electromiogramas.
57.–Por lhe ter sido transmitido pelos médicos que consultou que apenas o recurso à fisioterapia até ao fim da vida preveniria o agravamento da sua situação, o Autor reiniciou os tratamentos de fisioterapia em Dezembro de 2011, tendo efectuado um programa de reabilitação neuromotora e treino de marcha e participado em acções de avaliação uro-nefrológicas e de reeducação vesi-esfinctariana com prescrição de produtos próprios e específicos.
58.–Entre Janeiro de 2012 e o ano de 2014, manteve os programas de fisioterapia em regime ambulatório, ainda que saiba que não lhe é possível recuperar das limitações orgânicas supra descritas.
59.–Entre Setembro de 2011 e Fevereiro de 2013, o Autor teve apoio psiquiátrico prestado pela Drª. T… e pelo Dr. J… .
60.–Em consequência dos factos referidos nos pontos n.os 20 e 23, o Autor ficou com as seguintes sequelas permanentes:
a.- síndrome da cauda equina;
b.- alterações do esfíncter vesical e anal;
c.- alterações sexuais;
d.- hipostesia táctil, parésia do membro inferior esquerdo e pé pendente;
e.- perturbação do humor.
61.–Em virtude do referido no ponto n.º 60, o Autor faz terapêutica com ansiolíticos, antidepressivos, medicamentos para tratamento da disfunção eréctil, antibióticos e anti-inflamatórios e usa sondas fisiológicas e “foot-up”.
62.–A consolidação das lesões referidas no ponto n.º 60 ocorreu a 28 de Fevereiro de 2013.
63.–Em virtude das lesões referidas no ponto n.º 60, o Autor sofreu:
a.- um período de incapacidade temporário geral entre 23 de Agosto de 2011 a 29 de Agosto de 2011;
b.- um período de incapacidade temporária geral parcial, entre os dias 30 de Agosto de 2011 a 28 de Fevereiro 2013;
c.- um período de incapacidade temporária total para o trabalho, entre os dias 23 de Agosto de 2011 e 28 de Fevereiro de 2013;
d.- uma incapacidade permanente geral valorizável em 60 pontos, num total de 100 pontos;
e.- prejuízo estético valorizável no grau 4 (quatro) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente, tendo em conta a claudicação da marcha.
f.- quantum doloris valorizável no grau 6/7.
g.- Prejuízo de afirmação pessoal, valorizável no grau 3 (três) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente.
h.- prejuízo sexual considerado valorizável no grau 5 (cinco) numa escala de gravidade crescente de 7 (sete) graus, em virtude de sofrer de disfunção eréctil.
64.– Em virtude das lesões referidas no ponto n.º 60, o Autor virá, para o resto da vida, a ser observado por especialistas médicos, a beneficiar de assistência psicológica e a submeter-se a tratamentos de fisioterapia para evitar o enfraquecimento da perna esquerda.
65.– Em virtude das lesões referidas no ponto n.º 60, o Autor despendeu em consultas médicas, relatórios, exames, tratamentos, medicamentos e produtos de farmácia, de enfermaria, fisioterapia, sondas, material de esterilização os seguintes montantes:
a)- no ano 2011, o valor de € 2.922,90;
b)- no ano 2012, o valor de € 3.365,76;
c)- no ano 2013, o valor de € 7.318,88;
66.–Com consultas médicas, tratamentos de fisioterapia, medicamentos, sondas, material e ortopédico para compensar o pé pendente, o Autor virá a efectuar gastos.
67.–Em virtude das lesões referidas no ponto n.º 60, o Autor não mais praticou as actividades referidas no ponto n.º 9.
68.–Em virtude das lesões referidas no ponto n.º 60, o Autor passou a sentir-se triste, consternado, revoltado e afectado e sente que já não é o homem que era.
69.–Em virtude das lesões referidas no ponto n.º 60, o Autor sente e sentirá para toda a vida, desgosto por se sentir impotente e insegurança, tristeza e diminuição de auto-estima por sofrer disfunções esfincterianas que lhe causam incontinência.
70.–O Autor sente amargura e vergonha quando a incontinência ocorre na presença de pessoas, quer sejam familiares, amigos, parceiros de trabalho, em privado ou em reuniões e meios sociais.
71.–O Autor sente-se inconformado com o facto de estar impotente, sentindo-se desconfiado quanto à capacidade de manter relações sexuais.
72.–O Autor sente preocupação com a ideia de, no futuro, se ter de sujeitar a novas cirurgias.
73.–O Autor ainda hoje sente dores físicas, incómodos e mal-estar.
74.–O Autor sente-se prejudicado e pessimista em relação ao futuro.
75.–O Instituto de Segurança Social., I.P. pagou ao Autor as seguintes quantias:
a.- € 58.284,20, a título de subsídio de doença, no período compreendido entre 21 de Março de 2011 e 18 de Junho de 2013;
b.- € 1.319,97, a título do subsídio de prestação compensatória do subsídio de Natal de 2011;
c.- € 1.800,00, a título do subsídio de prestação compensatória do subsídio de Natal de 2012;
d.- € 19.429,27, a título de subsídio de doença, no período compreendido entre 30 de Julho de 2013 e 5 de Maio de 2014;
e.- € 833,49, a título do subsídio de prestação compensatória do subsídio de férias de 2013;
f.- € 1.597,86, a título do subsídio de prestação compensatória do subsídio de Natal de 2013”;

3.1.2.–Factos Não Provados

E não provada, com interesse para a decisão da causa, a seguinte factualidade:
i.- O Réu A... tem mais de 20 anos de experiência.
ii.- Antes de 23 de Agosto de 2011, o Autor era tido como uma pessoa sem receios.
iii.- O Autor era empreiteiro e executava projectos de construção civil, subia e descia escadas, andaimes e saltava sobre obstáculos das obras.
iv.- No ano de 2008 o Autor auferiu rendimento da empresa referida no ponto n.º 9 no valor de € 39.600,00.
v.- Os rendimentos referidos no ponto n.º 10 foram, na sua totalidade, pagos ao Autor a título de distribuição de lucros.
vi.- Até 23 de Agosto de 2011, o Autor gostava de dançar e de praticar natação.
vii.- Na ocasião referida no ponto n.º 13, o Réu C... recomendou a toma de medicação analgésica e de AINE.
viii.- O Réu C... garantiu ao Autor todo o acompanhamento médico de forma a obter os melhores resultados.
ix.- O Autor escolheu o Réu C... por ter conhecimento do facto referido no ponto n.º 2 e por ter a convicção - criada por este - de que estava habilitado para o operar com êxito.
x.- O Autor não respondeu ao questionário clínico nem à ficha “segurança cirúrgica-check list”.
xi.- O Réu A..., na visita pré-anestésica, explicou ao Autor as opções quanto a técnicas de anestesia, tendo este recebido e compreendido a informação que lhe foi transmitida e acordado no emprego da técnica referenciada no ponto n.º 20.
xii.- No procedimento descrito no ponto n.º 20, o Réu A... puncionou a dura-mater e atingiu a pia-mater.
xiii.- Uma vez retirada a agulha, ocorreu a saída de liquor cefaloraquidiano no local da punção, sem que tivesse sido reparada tal saída ou reposto o volume de liquor perdido.
xiv.- A punção foi efectuada ao nível da L4 e L5.
xv.- Ao longo do percurso que a agulha foi fazendo o Réu A... retirou o mandril da agulha para verificar a presença de liquor (líquido que envolve o sistema nervoso) e, quando este surgiu (o que indica o local onde é feita a administração da anestesia), aquele adaptou a seringa que continha a levobupivacaína e fez a sua administração.
xvi.- O Autor foi informado de que seria transferido para a enfermaria cerca de uma hora após o operatório, quando mexesse os dedos do pé esquerdo.
xvii.- As dores referidas no ponto n.º 28 eram intensas e passaram a ser agudas e permanentes.
xviii.- O Réu C... apenas receitou ao Autor os medicamentos referidos no ponto n.º 32.
xix.- O Réu C... disse ao Autor que este não apresentava qualquer anomalia ou compressão e/ou hematoma medular.
xx.- O Autor saiu das instalações da Ré convencido de que estava tratado da sua patologia.
xxi.- Hora-a-hora, o Autor sentia a necessidade de defecar e/ou de urinar sem que o conseguisse fazer.
xxii.- Nas ocasiões mencionadas nos pontos n.os 37 e 39 o Autor não tinha sensibilidade na perna e pé esquerdo.
xxiii.- A ferida mencionada no ponto n.º 42 passou a ser recidiva.
xxiv.- Em virtude dos tratamentos mencionados no ponto n.º 47, o Autor não sentiu melhoras da disfunção motora, esfinctariana anal e vesical.
xxv.- Na ocasião referida no ponto n.º 50, o Dr. V… transmitiu ao Autor que este necessitava de algaliação prolongada por bexiga hipotónica e neurogénica.
xxvi.- Na sequência do facto referido no ponto n.º 50 o Autor sentiu intensa perturbação física, profunda depressão, teve pensamentos bizarros e sentiu-se destruído e com sensação de perda de esperança de voltar a ser uma  pessoa saudável, intensamente triste e vazio pela perda pelos prazeres físicos e pela vida e com dificuldade de descrever sentimentos e/ou de ter sensações corporais próprias.
xxvii.-Na sequência do facto referido no ponto n.º 50, o Autor perspectivou que, por passar a ser uma pessoa doente e vulnerável a doenças infecciosas, imunológicas e sujeito a cuidados e de precauções, iria ser marginalizado socialmente.
xxviii.- Na ocasião referida no ponto n.º 54, foi dito ao Autor que iria ficar impotente para o resto da vida.
xxix.- Em virtude do mencionado no ponto precedente, o Autor sentiu intensa angústia, prostração, intensa tristeza e revolta.
xxx.- Os factos referidos no ponto n.º 55 tiveram, respectivamente, lugar nos dias 27 de Setembro de 2011, em 11 de Abril de 2012 e 2 de Maio de 2012 e nos dias 6 de Outubro 2011, a 2, a 14 e a 29 de Novembro de 2011.
xxxi.- Em consequência da intervenção cirúrgica, o Autor ficou com as seguintes sequelas permanentes:
a)- plexopatia lombo-sagrada crónica com evidência na severa perda axonal de alguns ramos nervosos que a constituem, cavitação seringomiélica na região do cone medular afectando a substância cinzenta da haste posterior esquerda,
b)- lesão crónica e permanente do nervo ciático poplíteo externo com parésia da perna esquerda e pé esquerdo pendente, com deficit motor dos territórios de L5S1 e hipostesia nos dermátomos referentes a L5S1.
c)- distúrbio persistente da ansiedade
e)- não consegue fazer marcha sem o apoio de prótese de compensação no pé esquerdo;
f)- apresenta ferida recidiva no calcanhar do pé esquerdo pela utilização do foot-up, o que leva Autor a recorrer à enfermaria cerca de 40 vezes ao longo do ano;
g)- sofre dores no pé e nos músculos da perna esquerda que aumentam com a distância de marcha percorrida e agravam-se em certas posições ou esforços feitos que exijam maior flexão do pé, como por exemplo subir escadas ou usar os pedais na condução de automóveis;
h)- necessidade de esvaziamento da bexiga 2 a 4 vezes/dia, por auto-sondagem;
j)-apresenta discreta diminuição da força muscular nos músculos superiores, por diminuição da actividade;
l)- vive com insónias, em stress e com alterações do humor e ansiedade;
xxxii.- Em virtude do referido no ponto n.º 60, o Autor faz sempre terapêutica com analgésicos, relaxantes musculares e benzodiazepínica (pelas alterações do sono e pelos distúrbios ansiosos consequentes) e usa compressas, soro fisiológico e meias elásticas.
xxxiii.- Em consequência da intervenção cirúrgica, o Autor, em meados do ano de 2014, o Autor passou a ter o joelho esquerdo volumoso quando comparado com o direito, inchado, com dores ocasionais, sem força, instabilidade no andar e desequilíbrio postural.
xxxiv.- O Autor fez estudos imagiológicos, que se encontram em curso.
xxxv.- Em virtude das lesões referidas no ponto n.º 60, o Autor sofreu:
a.- um período de incapacidade temporário geral entre 23 de Agosto de 2011 a 23 de Setembro de 2011;
b.- um período de incapacidade temporária geral parcial, entre os dias 16 de Março de 2011 a 22 de Agosto de 2011 e de 24 de Setembro de 2011 a 28 de Fevereiro 2013;
c.- Um período de incapacidade temporária total para o trabalho, entre os dias 16 de Março de 2011 e 28 de Fevereiro de 2013;
d.- Uma incapacidade permanente geral com tendência de agravamento;
e.- Dano estético valorizável no grau 5 (cinco) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente, tendo em conta as disfunções dos esfíncteres e os aspectos inibidores da exposição do pé pendente e da perna esquerda.
f.- Prejuízo de afirmação pessoal, valorizável no grau 4 (quatro) numa escala de 5 (cinco) graus de gravidade crescente.
g.- prejuízo sexual valorizável no grau 4 (quatro) numa escala de gravidade crescente de 5 (cinco) graus, em virtude de sofrer de não alcançar o orgasmo.
xxxvi.- As lesões referidas no ponto n.º 60 levam a que Autor não exerça cerca de metade das suas actividades de empreiteiro/trabalhador de construção civil e que desempenhe as demais com esforços acrescidos.
xxxvii.- A situação clínica do Autor piorará se as disfunções dos esfíncteres vesical e anal se agravarem ou actividade de fisioterapia tiver de diminuir por falta de estrutura física, o que poderá levar a novas intervenções cirúrgicas, dadas as sequelas existentes.
xxxviii.- Em virtude das lesões referidas no ponto n.º 60, o Autor virá, para o resto da vida, a ser sujeito a análises completas, a ressonâncias magnéticas, EMG e potenciais evocados e a estudos urodinâmicos.
xxxix.- A regularidade das observações médicas, da assistência psicológica e dos tratamentos de fisioterapia mencionados no ponto n.º 63 será respectivamente, trimestral, bimensal ou trimensal e bissemanal.
xl.- Em virtude das lesões referidas no ponto n.º 60, o Autor virá, para o resto da vida, a ser assistido, cerca de 40 vezes por ano, por uma enfermeira que lhe tratará da ferida recidiva.
xli.- Em virtude das lesões referidas no ponto n.º 60, o Autor despendeu em consultas médicas, relatórios, exames, tratamentos, medicamentos e produtos de farmácia, de enfermaria, fisioterapia, sondas, material de esterilização os seguintes montantes:
a)- no ano 2012, o valor de € 5.058,03;
b)- no ano 2013, o valor de € 9.712,24;
xlii.- Quando deixar de estar associado ao seguro de grupo da empresa, o Autor suportará o dobro referido do montante referido no ponto n.º 65 em internamentos hospitalares, consultas médicas, exames e tratamentos de fisioterapia.
xliii.- Devido ao pé pendente e instabilidade da perna esquerda, o Autor só conduz veículos automóveis com caixa de velocidades automática e despenderá € 24.000, para a adaptação de veículos.
xliv.-Com consultas médicas, exames, tratamentos de fisioterapia, medicamentos, sondas, material de esterilização e ortopédico para compensar o pé pendente, o Autor despenderá a quantia mínima anual de € 9.000,00.
xlv.- O Autor sente preocupação com a ideia de, no futuro, o seu estado de saúde se agravado, de se ver confrontado com falência da função renal e de ver agravada a situação de incapacidade permanente parcial.
xlvi.- Em virtude das lesões referidas no ponto n.º 60, o Autor sente preocupação por não poder apoiar os seus dois filhos nas actividades e tarefas do dia a dia.
xlvii.- O Autor mostra desinteresse por actividades que antes eram vividas com prazer e gosto.
*

3.2.–O Direito

Como questão prévia do recurso apresentado, o Autor alega que o dispositivo da sentença enferma de um lapso, pois que não foi especificado a que título é devida a quantia arbitrada, pelo que deve tal lapso ser corrigido e passar a constar desse segmento que a condenação de € 35.000,00 é devida a título de danos não patrimoniais.
Ora, a esse respeito, como se referiu supra, o Sr. Juiz a quo já se pronunciou, indeferindo a rectificação do alegado lapso.
No entanto, tendo o Autor feito constar tal pedido das conclusões do recurso (conclusão nº 1), cumpre reafirmar o que já foi dito. Ou seja, efectivamente, não se vislumbra que exista qualquer lapso a corrigir, não só porque o Autor demonstra que compreendeu perfeitamente o sentido da decisão, como esta se encontra bem fundamentada no 1º parágrafo de fls. 65 da sentença, de onde consta claramente que a indemnização de € 35.000,00 é fixada a título de danos não patrimoniais.
Assim, por falta de fundamento, indefere-se o referido pedido de rectificação.
*

3.2.1.- Da nulidade da sentença invocada pelo Autor
O Autor/Recorrente arguiu a nulidade da sentença, invocando o disposto no art. 614º nº 1 al. d) do CPC, o que se deverá certamente a lapso, uma vez que as nulidades da sentença vêm previstas no art. 615º do CPC.
Nos termos do art. 615º nº 1 al. d) do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade da sentença está directamente relacionada com o art. 608º nº 2 do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Nas conclusões recursivas, pode ler-se:
5º- A douta sentença incorreu na nulidade prevista na al. d)- do artº 614º do CPC, por ter recorrida ignorado o pedido de condenação solidária dos RR. a título de danos patrimoniais futuros sofridos pelo A. e resultantes das lesões que se verificaram na sua integridade psíquica-física, quantificada como dano biológico de 60 pontos, e que tem repercurssões não só na sua actividade profissional como também nas actividades do dia a dia, incluindo no cumprimento dos deveres e obrigações familiares e sociais.
6º- Dano patrimonial que computa em 1.381.342,00, para os seus 29 anos de vida activa, à luz dos critérios e princípios consignados nos artºs. 562º, 564º e 566º do CC. – que se mostram violados”.

O Autor pediu a condenação solidária dos Réus a título de danos patrimoniais futuros resultantes das lesões que se verificaram na sua integridade física. Todos os danos, sejam eles presentes ou futuros, têm como pressuposto a verificação de todos os restantes requisitos da responsabilidade civil, seja ela contratual, ou extracontratual.

Como se pode ver da sentença sob recurso (a pág. 55), o tribunal a quo concluiu que tanto por via da indemonstração do estabelecimento de qualquer relação contratual (ou paracontratual) entre o Autor e os Réus C... e A... como pela indemonstração dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, há que concluir pela irresponsabilização dos mesmos pelo cumprimento da obrigação de indemnizar com base nas lesões sofridas pelo Autor”, continuando a pág. 56, No somatório destas razões, é inviável estabelecer um nexo causal entre o comportamento dos Réus no pós-operatório e a perda de possibilidade de evitamento/impedimento/melhoria de tais lesões, sendo, outrossim, absolutamente impossível, face aos factos concretamente alegados estabelecer, formular um juízo de probabilidade sobre a debelação/minoração das mesmas acaso tivesse sido outra a conduta dos Réus, a qual, de resto, nem sequer foi, em concreto, aventada pelo Autor. (…)”. Por outro lado, quanto à 1ª Ré, concluiu também a sentença que sobre a mesma não recai o cumprimento de indemnizar o Autor pelos referidos danos (patrimoniais), imputáveis à reacção medicamentosa adversa (pág. 58).
Significa isto que a sentença recorrida pronunciou-se sobre a questão suscitada pelo Autor, a saber, a indemnização de danos patrimoniais futuros por ele sofridos, resultantes das lesões que se verificaram na sua integridade física e psíquica, por todos os ângulos possíveis, arredando a responsabilidade civil dos três Réus pela sua reparação.
Improcede, deste modo, a arguição da nulidade da sentença.
*

3.2.2.- Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto
Autor recorre da sentença impugnando, ainda, a decisão da matéria de facto.
Concretamente, alega que por não ter sido impugnado os factos vertidos no artigo 11 da petição inicial, que veio a ser aceite pelo Réu C... (cfr. artigo 18 da sua Contestação) deverá ser alterada o ponto 13 dos Factos Assente, de forma a constar que foi o 2º Réu que recomendou ao Autor tratamento fisioterapêutico, na Clínica …de Reabilitação Lda.
Efectivamente, no art. 11º da p.i., o Autor alega:
O A. dirigiu-se à “Cínica…S.A” onde consultou o 2ºR., Dr. C..., que lhe recomendou tratamento conservador, através de medicação analgésica, AINE, e tratamento fisioterapêutico, na Clínica …de Reabilitação Lda., o que fez durante várias semanas”.
É certo que nenhum dos Réus impugnou tal matéria factual e, não obstante, no ponto 13 dos factos verteu-se apenas o seguinte Em Março de 2011, o Autor sofreu uma queda e, nessa sequência e no âmbito do acordo referido no ponto precedente, dirigiu-se às instalações da Ré, onde consultou o Réu C..., o qual lhe recomendou tratamento fisioterapêutico, que o Autor fez durante várias semanas.
A propósito da elaboração da sentença, diz-se no art. 607º, nº 4, 2ª parte do CPC, que “(…) o juiz toma (ainda) em consideração os factos que estão admitidos por acordo (…)”; em harmonia com o que antes se diz no art. 574º do CPC sobre o ónus da impugnação, designadamente que consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito.
No entanto, é por demais evidente que o facto de o Réu C... ter recomendado o tratamento fisioterapêutico na Clínica … de Reabilitação Lda é absolutamente irrelevante na causa de pedir configurada pelo Autor de acordo com as várias soluções plausíveis da decisão de mérito. Por ser um facto irrelevante para a procedência ou improcedência da causa, o Sr. Juiz a quo, e bem, não o fez constar dos factos provados.
Porque o recurso da decisão sobre a matéria de facto pressupõe a utilidade ou pertinência da pretendida alteração, de acordo com a regra prevista no art. 130º do CPC, aplicável a todos os actos processuais, segundo a qual “Não é lícito realizar no processo atos inúteis”, rejeita-se o recurso do apelante relativo à decisão da matéria de facto (neste sentido, cfr. o Ac. do STJ de 19/05/2021 proferido no Proc. 1429/18.3T8VLG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, permanecerá inalterada a matéria de facto considerada na decisão sob recurso.
*

3.2.3.- Da subsunção jurídica
Permanecendo inalterável a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto, vejamos, agora, se há que fazer alguma censura à decisão recorrida.
Nas conclusões apresentadas, o Autor defende que o tribunal a quo aplicou de forma errada as normas jurídicas aplicáveis ao caso sub judice, entre outras, nomeadamente o disposto nos arts. 562º, 564º e 566º do CC (ponto 7 das conclusões).
Perscrutando as conclusões apresentadas com as alegações, conclui-se que o Autor/Recorrente não põe em causa o juízo subsuntivo efectuado pelo tribunal a quo, no sentido de que a situação dos autos se move dentro dos parâmetros da responsabilidade civil contratual, com o qual também concordamos.
Analisando os factos provados, a sentença recorrida caracterizou, acertadamente, como um “contrato de prestação de serviço médico total” o ajustado entre o Recorrente e a 1ª Ré.
Ao contrário do sustentado pelo Autor na p.i., nada nos factos provados nos permite estabelecer a existência de uma relação contratual entre o Autor e os 2º e 3º Réus (note-se que o facto de o 2º Réu ter recomendado ao Autor que este fizesse tratamento de fisioterapia na Clínica… de Reabilitação, Lda, como por si alegado no artigo 11 da p.i., em nada alterava esta conclusão, motivo pelo qual se entendeu rejeitar a impugnação da matéria de facto).

A este respeito, é expressiva a matéria factual, segundo a qualMediante a apólice n.º…, a “Companhia Portuguesa de Seguros…, S.A.” declarou perante o Autor assumir o pagamento de despesas relacionadas com a assistência em regime de hospitalização e em regime ambulatório, na modalidade de prestações convencionadas com os serviços clínicos da Ré (ponto 12); depois da queda que sofreu e no âmbito do referido anteriormente, o Autor dirigiu-se às instalações da Ré, onde consultou o Réu C..., o qual lhe recomendou tratamento fisioterapêutico, que o Autor fez durante várias semanas (ponto 13). Por recomendação do referido médico, “o Autor decidiu submeter-se a intervenção cirúrgica referida no ponto n.º 14 na clínica explorada pela Ré(ponto 16); A Ré cedeu as suas instalações para realizar as consultas, os exames complementares de diagnóstico, a sala de operações, bem como todos os equipamentos destinados a tal fim e ainda o quarto onde esteve internado e assegurou a prestação de cuidados médicos ao Autor, antes, durante e pós-operatório, tendo tal sido pago por este através do seguro mencionado no ponto n.º 12 (ponto 19).
Como se concluiu na sentença na sentença recorrida “os factos apurados não permitem concluir pela existência de um contrato entre o Autor e o réu C... ou entre aquele e o Réu A.... Dito de outra forma, a opção formulada pelo Autor (pela responsabilidade contratual) para demandar os Réus não encontra arrimo nos factos provados”.
A sentença sob recurso vai mais longe ao ponderar uma eventual responsabilização dos 2º e 3º Réus pela responsabilidade por factos ilícitos (não alegada pelo Autor), afastando-a, por falta de verificação dos respectivos pressupostos. Concordamos inteiramente com o que ali foi escrito sobre esta particular questão, de onde extraímos este excerto, que prima pela excelente argumentação facto-jurídica, sustentado, ainda, por variadas citações doutrinais e jurisprudenciais em notas de rodapé:
As sequelas de que o Autor padece (cfr. pontos n.os 60 e 63 do elenco supra) foram ocasionadas por uma lesão permanente no cone medular e do plexo medular sagrado com as consequências inerentes aos territórios orgânicos e anatómicos inervados a jusantes pelas fibras axonais, que, por sua vez, foi desencadeada por uma reacção idiossincrática neurotóxica ao fármaco empregue na raquianestesia realizada pelo Réu A... em momento prévio à intervenção cirúrgica realizada pelo co-Réu C... (cfr. pontos n.os 20, 23 e 25).
Assim, desde logo, sempre se perfilaria como preclara a impossibilidade de reconduzir a conduta do Réu C... aos pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil.
E ainda que se admita que a integração do Réu A... na equipa do Réu C... poderia constituir fundamento para o responsabilizar pela conduta do primeiro no domínio da responsabilidade contratual, a impossibilidade de, em face da facticidade provada, descortinar entre ambos uma relação de comissão (cfr. n.º 2 do artigo 500.º do Código Civil) inviabiliza, nestoutro plano, essa responsabilização pela conduta do co-Réu.

No que respeita ao Réu A..., há ainda a ter em atenção que o fármaco empregue é tido como tendo menor toxicidade comparativamente com outros, foi usado numa concentração (5mg/ml) tida como adequada para o efeito anestésico pretendido e o cariz raro da aludida reacção (pontos n.os 22 e 24). Releva-se ainda a circunstância de a raquianestesia não constituir, ao contrário do que se aventa na petição inicial, uma técnica que comporte maiores riscos comparativamente a outras técnicas anestésicas - como a anestesia geral -, revelando-se ajustada ao sequente procedimento cirúrgico.
Assim, evidenciar-se-ia, perante este quadro fáctico que o Autor - como lhe competiria acaso houvesse trilhado esse caminho (cfr. n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil) - não logrou provar factos atinentes à culpa daquele Réu na eclosão dos danos que inequivocamente sofreu.
Não se olvida, porém, que, em certos casos, incumbe ao lesante demonstrar que os danos não provêm de culpa sua.
Entre eles, conta-se o n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil, onde se lê que:
2.–Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
A presunção legal de culpa ali contida dispensa o lesado do cumprimento do ónus de demonstrar a culpa do lesante (cfr. n.º 1 do artigo 344.º do Código Civil).
A perigosidade - i.e. a aptidão para provocar danos - derivará da própria natureza da actividade ou dos meios nela empregues, devendo tal característica ser aferida aprioristicamente, i.e. sem considerar os danos ocasionados em caso de acidente, podendo, contudo, a sua gravidade e dimensão servirem o propósito de a demonstrar.
Para elidir a presunção de culpa, cabe ao lesante demonstrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar, as quais serão aquelas que forem ditadas pelas normas técnicas ou pelas regras da experiência comum e que se aferem pela diligência de um bom pai de família, não se bastando, pois, com a mera demonstração da relevância negativa da causa virtual.
Regressando ao caso vertente, não será ousado considerar que o acto anestésico, pelos riscos que co-envolve para a vida e para a saúde física e psíquica de qualquer paciente (que se contam entre os valores mais elevados da ordem jurídica) e pela índole das substâncias empregues para anestesiar, constitui verdadeiramente uma actividade perigosa.
Porém, demonstrou-se que o Réu A... empregou, numa concentração anestésica tida como adequada, a levolupivacaína que é tido como sendo o fármaco potencialmente menos tóxico, logo menos idóneo a desencadear a reacção idiossincrática que originou as lesões sofridas pelo Autor.
Pese embora não se tenham apurado os concretos moldes em que foi aplicada a raquianestesia (o que se revela irrelevante em face da demonstração da relação causal entre aquela reacção e as lesões e sequelas sofridas pelo Autor), a identificada actuação mostra-se conforme às “leges artis” respeitantes à aplicação daquela técnica, perspectivando-se ter sido cumprido o dever de prudência e de diligência na utilização daquela substância.
Deste modo, sempre caberia concluir que aquele Réu lograra ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia enquanto responsável pela condução de uma actividade perigosa.
Destarte, tanto por via da indemonstração do estabelecimento de qualquer relação contratual (ou paracontratual) entre o Autor e os Réus C... e A... como pela indemonstração dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, há que concluir pela irresponsabilização dos mesmos pelo cumprimento da obrigação de indemnizar com base nas lesões sofridas pelo Autor (pág. 52 a 55 da sentença).
De seguida, a sentença debruça-se sobre a eventual da responsabilidade contratual da 1ª Ré, ao abrigo do art. 800º, nº 1 do CC, acabando por concluir que, perante os factos provados e à luz dos princípios gerais da proporcionalidade e da razoabilidade impõe a consideração de que, por intermédio daquele Réu (3º Réu), a Ré observou a medida de cuidado exterior que se lhe impunha na administração da levolupivacaína, o que inexoravelmente arreda a sua culpa presumida. Por outras palavras, a Ré logrou demonstrar que o cumprimento defeituoso do contrato a que vimos aludindo não procede de culpa sua”.
Ora, tal como resulta das conclusões finais do recurso que, como se disse, delimitam o objecto do recurso, o Autor também não põe em causa a decisão quanto a este segmento.
*
Nas suas conclusões, o Autor insurge-se contra o valor de indemnização arbitrado pelo tribunal recorrido, que defende ser insuficiente para os danos não patrimoniais sofridos pela violação ilícita do direito ao consentimento informado do Autor (4ª conclusão).
A sentença recorrida discorre sobre a questão de forma muito bem fundamentada e com pertinência, mais uma vez recorrendo à melhor doutrina e jurisprudência actual, pelo que nos dispensamos de desenvolver maiores considerações sobre o assunto.
Resulta clara a vinculação para os médicos quanto ao dever de informação adequada e recolha de consentimento informado do paciente (cfr. os arts. 44º e 45º do Código Deontológico dos Médicos, aprovado pelo Regulamento n.º 14/2009, de 13.01, em vigor à data dos factos, e, por exemplo, André Dias Pereira, in Consentimento Informado, Centro de Direito Biomédico, Coimbra, 2006, e Rute Teixeira Pedro, in A responsabilidade civil do médico – Reflexões sobre a noção da perda de chance e a tutela do doente lesado, Centro de Direito Biomédico, número 15, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p.78).
Dos factos provados consta que o Autor não foi ouvido nem observado na consulta de anestesia pelo Réu A... e que, antes da intervenção cirúrgica, nenhum dos Réus deu a conhecer ao Autor o tipo e a técnica da anestesia que lhe seria ministrada nem lhe deu a conhecer que corria o risco de poder sofrer complicações na sua saúde, durante e após o operatório (pontos 17 e 18).
Resultou ainda provado que a levolupivacaína administrada ao Autor é um fármaco anestésico local que, comparativamente com outros fármacos usados para o mesmo efeito, é tido como tendo menor toxicidade. No entanto, em virtude de o Réu A... ter administrado ao Autor, por agulha G27, de 12,5 ml de levolupivacaína com concentração de 5mg/ml., este sofreu lesão permanente no cone medular e do plexo medular sagrado com as consequências inerentes aos territórios orgânicos e anatómicos inervados a jusantes pelas fibras axonais, a qual foi desencadeada por uma reacção idiossincrática neurotóxica ao fármaco ali aludido. A referida reacção é descrita como rara (pontos 20, 22, 23 e 24). Por outro lado, não resultou provado que o Réu A..., na visita pré-anestésica, explicou ao Autor as opções quanto a técnicas de anestesia e que este recebeu e compreendeu a informação que lhe foi transmitida e acordado no emprego da técnica supra referida (ponto xi dos factos não provados).
Perante este quadro factual, é inegável que não foram explicados ao Autor os riscos que envolvia a raquianestesia a que foi submetido e o eventual risco de complicações na sua administração, nomeadamente o risco de produção de uma lesão neurotóxica a nível medular em virtude de uma reacção medicamentosa adversa, a frequência (rara) com que podem ocorrer tais situações e as sequelas físicas que poderiam advir.
Para concluir que o cumprimento do referido dever de informação era imposto pela lei ao Réu A..., médico anestesiologista, e à Ré (em virtude do contrato de prestação de serviços médicos celebrado com o Autor), discorre ainda a sentença recorrida:
Ora, como explicita ANDRÉ GONÇALO DIAS PEREIRA 67, o «(…) consentimento não é uma série atomística de assunções de risco, é um todo complexo que exige um balanço global, uma ponderação global de risco-benefício (…) pelo que se o risco não revelado tiver conexão com o risco verificado, o médico deve responder pelos danos criados (…)».
Há ainda a considerar, nessa avaliação global (necessariamente retrospectiva), que a intervenção cirúrgica - para a qual, como se expôs, era indispensável a prévia anestesia - era necessária para curar a lesão ortopédica de que o Autor padecia mas, como transparece dos factos provados (cfr. pontos n.os 13,14 e 16 do elenco factual), foi realizada com alguma preparação e dilação temporal. Não se tratou de uma intervenção cirúrgica realizada de urgência.
Era, pois, viável o cumprimento do dever de esclarecimento quanto à eventualidade - ainda que infrequente - de ocorrência de uma reacção medicamentosa adversa ao fármaco empregue, a fim de que o Autor pudesse, informadamente, ponderar sobre os benefícios e vantagens da aplicação do fármaco anestésico que seria empregue”.

Como é natural, não cabia ao 2º Réu, médico ortopedista, o cumprimento do dever de esclarecer o Autor quanto à possível ocorrência do risco, atenta a relação entre o risco verificado e o risco não revelado, que apenas dizem respeito à administração da anestesia, a qual não está no âmbito das suas competências. Arredada está pois a sua responsabilidade a este nível.

Assim, como refere a sentença sob recurso, apenas sob o 3º Réu, que omitiu aquele dever de informação sobre a anestesia que ia ser administrada ao Autor, diligência que lhe era exigível, como médico anestesista (art. 487º, nº 2 do CC), e sobre a 1ª Ré, sobre a qual impende uma presunção de culpa, que não foi ilidida, impende a obrigação de indemnizar este específico dano.

Sendo o dano um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, apenas serão ressarcíveis os danos imputáveis ao facto lesivo segundo um nexo de causalidade, o qual será analisado segundo a teoria da causalidade adequada (o facto é tido como condição do dano, sempre que o mesmo se mostrar, de acordo com as circunstâncias do caso e de acordo com os conhecimentos do lesante e da experiência comum, objectivamente adequado à produção do mesmo – art. 563º do CC).

Analisando de novo os factos provados, resulta claro que a omissão do dever de esclarecimento deu azo à impossibilidade de o autor tomar uma decisão consciente a respeito da raquianestesia, com a administração de um anestésico, a levolupivacaína, que podia, potencialmente, causar as lesões como aquelas que o Autor veio a sofrer.

Existe, pois, nexo de causalidade entre a omissão daquele dever de informação e a perda de oportunidade de decidir, considerada em si mesma um dano susceptível de ser indemnizado (neste sentido cfr. os Acórdãos do STJ citados na sentença sob recurso, de 2/11/2017, 1/10/2015 e de 22/3/2018, e o Ac. da RL de 10/11/2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt). Como se escreve naquele primeiro citado Acórdão a perda de oportunidade é, em si mesma, um dano causado pela falta de informação devida, em abstracto susceptível de ser indemnizado, e cuja protecção tem como sustentação material o direito à integridade física e ao livre desenvolvimento da personalidade (artigos 25º, nº 1 e 26º, nº 1 da Constituição e artigo 70º, nº 1 do Código Civil). No seu conteúdo inclui-se, nomeadamente, o poder do titular de decidir em que agressões à sua integridade física consente, assim afastando a ilicitude das intervenções consentidas (cfr. nº 2 do artigo 70º e artigo 81º do Código Civil).(…) No fundo, pode entender-se que ocorre ainda a hipótese descrita por André Gonçalo Dias Pereira, O dever de esclarecimento e a responsabilidade médica, in “Responsabilidade Civil dos Médicos, Coimbra, 2005, pág. 435 e segs., pág. 496: “a falta de informação impossibilitou o paciente de tomar uma decisão informada em termos de ponderação adequada de riscos e benefícios”, apta a gerar responsabilidade civil do médico, através da sua inserção no círculo de protecção das normas que exigem o consentimento informado; embora se entenda, com Rui Cardona Ferreira, A perda de chance na responsabilidade civil por acto médico, sep. da Revista de Direito Civil, II (2017), 1, pág. 131-155, que o dano da perda de oportunidade tem autonomia, para efeitos indemnizatórios. Assim se decidiu, aliás, no acórdão de 14 de Março de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 78/09.1TVLSB.L1.S1”.

O Autor insurge-se quanto ao valor da indemnização arbitrada pelo tribunal de primeira instância a título de danos não patrimoniais, defendendo que as lesões irreversíveis por si sofridas merecem, antes, uma compensação não inferior a € 150.000,00 (4ª conclusão).

Na verdade, os danos em causa, mais uma vez tendo em conta os limites impostos pelas conclusões de recurso (posto que o conhecimento dos danos patrimoniais futuros foi tratado aquando da apreciação da nulidade da sentença invocada – 5ª conclusão do recurso), são os danos não patrimoniais resultantes da violação ilícita do direito ao consentimento informado, ou seja, resultantes da perda de oportunidade de decidir.

Os danos não patrimoniais são os que, não sendo avaliáveis em dinheiro, apenas podem ser compensados (não rigorosamente “indemnizados”) com uma obrigação pecuniária (a reconstituição natural está, por regra, afastada). Estão legitimados pelo art. 496º, nº1 do CC, que, no entanto, limita a sua reparabilidade àqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
A orientação que aceita a indemnizabilidade deste tipo de danos no campo da responsabilidade contratual (e não apenas no âmbito da responsabilidade extracontratual) está hoje perfeitamente estabilizada e é consensual, pelo que não carece de quaisquer desenvolvimentos.

O art. 496º, nº 4 do CC prescreve que o montante de indemnização desta espécie de danos é calculado segundo critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias indicadas no art. 494º do CC. Estes danos são irredutíveis a valores matematicamente exactos, pelo que devem ser calculados segundo um juízo actualista (de equidade), tendo em conta o grau de culpa do lesante, a situação económica deste último e do lesado e as circunstâncias do caso, conforme o citado art. 496º, nº 4 do CC.
 Assim, a quantia final equitativamente arbitrada deve ser obtida através de um juízo de ponderação do valor crescente que os danos desta natureza cada vez mais reclamam nos dias de hoje.
Vejamos, então, se a indemnização arbitrada a este título foi ou não ajustada.

Tendo em conta o dano em causa e todos os factos relevantes para o apuramento de um valor global, serão levadas em consideração todas as circunstâncias atendíveis, nomeadamente, a idade do Autor, o facto de ser uma pessoa alegre, que não sofria de qualquer deficiência e gostava de praticar desporto (pontos 1, 8 e 11 dos factos provados), todas as dores e sequelas físicas de que ficou a padecer após a cirurgia, exames e tratamentos a que teve de sujeitar-se (pontos 28, 30 a 33, 39, 40, 42, 43 a 45, 47 a 53, 61, 63), que terá de continuar a beneficiar de assistência psicológica e submeter-se a tratamentos de fisioterapia para evitar o enfraquecimento da perna esquerda, que se encontra triste e revoltado por sentir que já não é o homem que era, desgostoso por se sentir impotente e com diminuição de auto-estima, por sofrer disfunções esfincterianas que lhe causam incontinência, desconfiança quanto à capacidade de manter relações sexuais, preocupação constante com a ideia de, no futuro, ter de se sujeitar a novas cirurgias, dores físicas, incómodos e mal-estar, sentindo-se pessimista (pontos 64, 67, 68, 69 a 74 dos factos provados). Ao mesmo tempo, terá de ser ponderado grau de culpabilidade dos 1º e 3º Réus, que é mediano, tendo em conta que “a levolupivacaína é um fármaco anestésico local que, comparativamente com outros fármacos usados para o mesmo efeito, é tido como tendo menor toxicidade” e que a reacção idiossincrática neurotóxica que o Autor teve ao referido fármaco é descrita como rara (pontos 22 e 24 dos factos provados) – arts. 496º, nº 4 e 494º do CC.

Não resultando dos factos provados outros elementos (nomeadamente as condições económicas ou sociais do autor e dos réus) que possam ser tidos em consideração para a fixação da indemnização deste dano concreto, que não sendo irredutível a um valor matematicamente exacto, deve ser encontrado recorrendo a um juízo actualista de equidade, entendemos que a indemnização arbitrada pelo tribunal de primeira instância apenas peca por defeito, considerando as consequências gravosas que advieram para o autor da reacção adversa à referida anestesia administrada e cujo risco não lhe foi dado a conhecer antecipadamente.

Assim, tendo em vista o disposto no art. 8º nº 3 do CC (“nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”), considere-se, nomeadamente, a decisão do STJ de 2/11/2017, em que “a lesão do nervo lingual provocou dores, encortiçamento da hemilíngua direita e limitações da vida habitual da autora que se mantiveram por bastante tempo: a autora, “mulher saudável, militar no activo (…), não conseguiu praticar treino físico e não conseguiu realizar as provas exigidas pela sua condição de militar nos anos 2009 a 2011 (…). Ainda hoje, decorridos oito anos após a extracção do (…) dente, a A. mantém dor permanente no pavimento da cavidade oral à direita e hemilíngua direita, com sensação de formigueiro, com parestesia, com sensação de encortiçamento , com grande dificuldade e dor na mastigação, não consegue mastigar com o lado direito, continua a acontecer-lhe morder a língua inadvertidamente, mantendo a insensibilidade na hemilíngua direita, mantém a dificuldade em articular a fala e em pronunciar correctamente algumas palavras”, e em que foi mantida a indemnização arbitrada de € 18.000,00; o Ac. do STJ de 22/3/2018,a Autora, em virtude da perfuração cólica, teve que ser assistida no Hospital Privado … (hoje MM), onde efectuou consulta e exames, sofreu três intervenções cirúrgicas, vários períodos de internamento hospitalar entre os dias 16.03 a 30.03.2011, 30.03.2011 a 9.04.2011, de 12.04.2011 a 18.04.2011 e, ainda, de 2.11.2011 a 17.11.2011 (…). Sofreu, assim, a Autora 49 dias de internamento hospitalar. Por outro lado, desde o termo do exame de colonoscopia (a 15.03.2011) e até Abril de 2011, a Autora sofreu dores, ou seja durante cerca de 1 mês e meio. (facto provado em 26.) Depois da intervenção cirúrgica do dia 17.03.2011, a Autora teve de usar um saco de colostomia (para armazenar as fezes), carecendo, até Novembro de 2011, de ajuda de terceiras pessoas para se vestir e despir, assim como para cuidar da sua higiene (facto provado em 31.) O uso do aludido saco fazia a Autora sentir-se desconfortável, sendo que o mesmo chegou a rebentar em algumas ocasiões, incluindo de noite, obrigando a tomas de banho e mudança de roupa, no que contou com a ajuda de terceiros, nomeadamente do seu filho (factos provados em 30. e 32.) A Autora, por ter que usar o saco de colostomia, sentiu-se diminuída, com perda de auto-estima e vergonha, reduzindo as suas saídas e o convívio com amigas, sendo certo que antes do evento em causa, a Autora era uma pessoa alegre, autónoma e que saía sozinha e com amigas, participando em aulas de «Pilates», aulas que deixou após ter de usar o dito saco. (factos provados em 33., 34. e 35.) Por outro lado, ainda, é de considerar que a Autora tinha, à data do evento, uma idade avançada (83 anos), assumindo, pois, as sobreditas circunstâncias uma maior penosidade, pois que associadas às limitações de saúde próprias e naturais de quem possui aquela provecta idade”, que manteve a indemnização de € 28.000,00 por danos não patrimoniais; o Ac. do STJ de 2/6/2015, onde se manteve a indemnização de € 26.000 por danos não patrimoniais, por não ter sido impugnado o referido valor, estando provado quea Autora teve uma doença quando tinha 19 anos de idade – hidrosadenite supurativa crónica – na sequência da qual foi submetida a intervenções cirúrgicas que lhe provocaram cicatrizes na zona inguinal, que com o decurso do tempo foram descaindo, tornando-se visíveis quando usava fato de banho (…) Para o efeito de “subir” as referidas cicatrizes, de forma a deixarem de ser visíveis abaixo da linha do fato de banho, a autora consultou o Réu, procurando dele colher informação acerca dessa possibilidade (…) Ficou acordado entre o médico, réu, e a autora, enquanto paciente, que, com vista a alcançar o objetivo almejado pela autora, esta se submeteria a procedimento médico, a realizar através de duas etapas distintas: na primeira, a autora realizaria lipoaspiração à parte interior das coxas; na segunda, com o excesso de pele assim obtido, submeter-se-ia a um “lifting crural”, visando a pretendida “subida” das cicatrizes (…) No dia 2 de maio de 2003, no Hospital …, S.A., a autora submeteu-se à primeira daquelas intervenções (…).Todavia, no decorrer do processo da lipoaspiração programada com o consentimento da autora, tendo o Réu constatado que os tecidos sujeitos à intervenção não tinham a elasticidade que esperava, e não tendo com a referida intervenção logrado o ganho de tecidos que supunha vir a obter para a concretização da segunda intervenção planeada, decidiu o mesmo intra-operatoriamente aproveitar algum tecido adiposo que havia sido extraído da Autora e injectá-lo nos grandes lábios da mesma, concretizando, assim, e por este método, uma vulvoplastia, para cuja possibilidade de realização esta não fora sequer alertada. Em consequência da intervenção realizada, ocorreram complicações e a A. esteve desde a data da cirurgia até ao dia 30.5.2003 impossibilitada de realizar a sua vida normal, não tendo condições para prestar assistência ao seu marido e às suas filhas menores e requerendo cuidados contínuos, dado que tinha dores muito fortes e quase não podia andar, e não podia trabalhar (…). Nesse período, a A. andou angustiada por sentir dores valoráveis no grau 5 numa escala de 7; As cicatrizes que a Autora pretendia ocultar mantêm-se, permanecendo visíveis, e nos membros inferiores da Autora, em consequência da lipoaspiração efectuada, existem “áreas hiperpigmentadas muito dificilmente visualizáveis. A A. sente dores no período menstrual.(…) O uso de roupa interior causa-lhe incómodos (…) A autora tem os órgãos sexuais externos deformados, o que lhe causa tristeza e alguns complexos (…) A situação supra descrita afectou a vida sexual da A, sendo que, pelo menos, nos seis meses subsequentes à cirurgia, era fonte de dor e mal estar (…); Em virtude dessa situação, a A. sentiu a sua vida afectiva e matrimonial em risco, situação esta que conseguiu ultrapassar, com o apoio do seu marido (…) Nessa altura, a A. chegou mesmo a considerar a hipótese de recorrer a apoio psiquiátrico, o que acabou por não se concretizar; o Ac. do STJ de 14/07/2021, onde, levando em “consideração os 31 dias de internamento do autor (com 54 anos), com necessidade de permanecer 10 dias em coma induzido, as 4 cirurgias a que foi sujeito, essencialmente, com referência aos membros inferior e superior, com novo internamento de 28 dias, as 500 sessões de fisioterapia, as sequelas que apresenta no corpo, nomeadamente, múltiplas cicatrizes, as dificuldades de mobilidade e as dores que passou a sofrer de forma permanente, o período de 93 dias de incapacidade temporária total e de 717 de incapacidade parcial, o quantum doloris de 6/7 e o dano estético de 4/7, a que acresce a necessidade de ajudas técnicas (canadiana, meias de compressão elástica) e de tratamento médico regular, a necessidade de auxílio de terceira pessoa para funções básicas durante 90 dias, e, finalmente, o sentimento de revolta que a incapacidade lhe provocou, situação que lhe retira a alegria de viver” fixou em €50.000,00 a compensação pelo dano não patrimonial; e o recente Ac. da RL de 22/2/24 que fixou em € 50.000,00 os danos não patrimoniais ao autor, homem de 64 anos de idade que no espaço de cinco dias “foi submetido a três intervenções cirúrgicas. No pós-operatório, experimentou dores, perda de sensibilidade dos membros inferiores, coxas, nádegas e região perineal, incomodidades e depressão. Esteve internado desde 12.12.2014 até 23.01.2015, sendo alguns dias no serviço de cuidados intensivos, e nesse período necessitou sempre de ajuda para se sentar, levantar, posicionar-se no leito e fazer a transição para a cadeira de rodas. Fez fisioterapia durante o internamento e, aquando da alta, necessitava de ajuda para as actividades de vida diárias, sendo, apenas, autónomo para a alimentação, usava algália, tinha incontinência de esfíncter anal, incapacidade de executar posição ortostática, ausência de capacidade de flexão e extensão dos dedos de ambos os pés e ambos os tornozelos e hipostesia na região perineal, nadegueira e ambos os pés. Após a alta, fez reabilitação física, sem capacidade para se locomover sem apoio de muletas, para reter a urina, para controlar a dejeção e para manter relações sexuais. Ao longo de todo o internamento, e até aos dias de hoje, o A. padece de dores, que foram intensas e prolongadas no período de internamento, sendo quantificáveis em grau 6 numa escala de 1 a 7, e que, após tal período, são permanentes e pontualmente de grande intensidade, não quantificável. Em consequência da sua condição física, o A. sente grande desgosto e frustração, tendo sofrido uma depressão, que ultrapassou, mas tornou-se uma pessoa mais taciturna e triste e socialmente isolada (todos os acórdãos citados disponíveis em www.dgsi.pt).
Tudo ponderado, e porque o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, afigura-se equilibrada e mais adequada às circunstâncias do caso a quantia de € 50.000,00, ao invés dos € 35.000,00 arbitrados na sentença recorrida.
*

IV–DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor, condenando a Ré “Hospital....S.A.”e o Réu A....a pagarem, solidariamente, ao Autor M...a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos desde a presente data e até integral e efectivo pagamento, sendo estes calculados à taxa de juro de 4%, mantendo-se o demais decidido.
Custas pelo autor e pelos réus “Hospital....S.A.” e A...., na proporção do seu decaimento.


Lisboa, 4/4/2024


Carla Figueiredo
Maria Teresa Lopes Catrola
Teresa Prazeres Pais