Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
92/22.1T8TVD.L1-8
Relator: ANA PAULA OLIVENÇA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
SUB-ROGAÇÃO LEGAL
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Para aquilatar da responsabilidade da entidade empregadora pela reparação do acidente de trabalho nos termos previstos nos artigos 18º e 79º da LAT, é necessário que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil, o que quer dizer que tem de provar-se que a entidade empregadora que se encontrava obrigada a observar determinadas regras de segurança, não as observou, e que foi o desrespeito por essas regras que deu origem ao acidente;
2. Nos termos do disposto no art.342º do CCivil, incumbe à seguradora o ónus da prova do incumprimento das regras de segurança por parte do empregador e do nexo de causalidade entre esse facto e o acidente, incumbindo à entidade empregadora alegar e provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado;
3. O chefe de equipa, que se limita a avaliar visualmente um muro concluindo que o mesmo não apresenta qualquer indício de instabilidade, tendo vindo a ocorrer o seu desmoronamento vitimando um trabalhador que trabalhava junto ao mesmo, viola as regras de segurança que se impunha, à entidade patronal com vista à prevenção de acidentes e protecção dos trabalhadores.
4. Encontrando-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, que permitem imputar o acidente de trabalho à entidade empregadora por falta de observância dos preceitos legais sobre segurança, a seguradora que satisfez a prestação indemnizatória tem direito de reembolso por parte desta, do que prestou aos titulares, por sub-rogação legal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A. Seguros, S.A.,
veio intentar contra
B, Lda., e
C, Lda.,
a presente acção declarativa com processo comum,
pedindo,
-a condenação da 1.ª R. a reembolsar a A. de todas as quantias que esta despendeu a regularização de sinistro, no valor total de € 26.986,50 (vinte seis mil novecentos e oitenta e seis euros e cinquenta cêntimos), acrescido de juros de mora até efectivo e integral pagamento.
Ou, a título subsidiário, a condenação da 2ª R. no pagamento da mesma quantia.
A final, conclui, dizendo:
«Nestes termos, e nos mais de Direito, deverá a presente ação ser julgada procedente, por provada, sendo as RR. condenadas a pagar à A., a quantia de € 26.986,50 (vinte seis mil novecentos e oitenta e seis euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento.»
Para tanto alega, em síntese:
Celebrou com a R. B, Lda. um contrato de seguro de acidentes de trabalho;
M, funcionário da B, Lda., sofreu um acidente quando trabalhava, por ordens e instruções desta;
O acidente deu origem a processo especial de acidentes de trabalho movida pelo Fundo de Acidentes de Trabalho tendo a A., no âmbito deste processo sido condenada a pagar ao Fundo o valor de € 26.476,50, correspondente ao triplo da retribuição anual auferida pelo sinistrado, de € 8.825,50, o que fez, tendo ainda pago a quantia de € 510,00, a título de custas de parte;
Alega que o acidente de trabalho deveu-se a uma má avaliação do risco por parte das RR., entidades responsáveis por garantir as condições de segurança e saúde dos trabalhadores da obra, e caso as RR. tivessem procedido à adequada avaliação de risco e à consequente adopção das medidas de segurança adequadas o acidente não teria ocorrido.
Conclui referindo estar demonstrada a existência do nexo de causalidade entre a violação de regras de segurança e a ocorrência do acidente, devendo a R. B, Lda. ser condenada a reembolsar a A. e, subsidiariamente, deverá responder a 2ª R..
*
Devidamente citadas, as RR. contestaram.
A R. B, Lda. alega, em síntese, negando que hajam sido violadas quaisquer regras de segurança, quer antes, quer durante os trabalhos antes afirmando que as regras foram cumpridas não podendo a R. prever que o proprietário do muro que veio a desmoronar-se e a cair sobre a infeliz vítima não havia, na sua construção, construído as sapatas que eram exigíveis.
Conclui pedindo a sua absolvição do pedido.
*
A Ré C, Lda, alega a sua ilegitimidade para a causa porquanto de acordo com a tese alegada pela A., o acidente terá sido provocado pela R. empregadora B, Lda., com quem esta celebrou contrato de seguros de acidentes de trabalho.
A B, Lda.,  é subcontratada pela R. C.Lda pelo que não se mostram preenchidos os pressupostos do direito de regresso.
No mais impugna a factualidade alegada pela A..
*
A A. pronunciou-se quanto à excepção invocada, pugnando pela sua improcedência.
*    
Foi realizada audiência prévia, proferido despacho saneador tendo a excepção de ilegitimidade sido julgada improcedente, e foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
*
Realizada que foi a audiência final, veio a ser proferida sentença de cujo dispositivo consta:
« VI. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos:
a) Condeno a R. B, Lda.a pagar à A. Seguros, SA o montante de € 26.476,50 (vinte seis mil quatrocentos e setenta e seis euros e cinquenta cêntimos), acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
b) Custas a cargo da A. e da R. B, Lda. na proporção do decaimento.
Notifique e registe.»
*
Não se conformando com o decidido, pela Ré B, Lda. veio interposto o presente recurso de apelação em que alinhou as seguintes:
«B - CONCLUSÕES
I. Entendemos que a decisão proferida merece censura, pois mal andou o douto Tribunal a quo ao ter condenado a R. B, Lda. na acção de que ora se recorre.
II. Bem como andou mal ao não atender a toda a prova produzida nos autos, quer documental, quer testemunhal, conforme melhor alegado infra.
III. Atenda-se pois no ponto 2, considerando o Tribunal a quo não provado que “O muro referido em 8. dos factos provados era um muro de vedação e fazia parte integrante da moradia em construção “.
IV. Contudo e salvo melhor entendimento da prova produzida resultou provado que o muro fazia parte integrante da moradia, apenas não estava ainda concluído.
V. Ou seja, o referido muro estava construído na parte em que estava implementada a zona técnica, para posteriormente ser continuada e concluída a construção, não sendo considerado provisório, mas sim definitivo.
VI. Ao considerar-se, e bem, que havia uma zona técnica, naturalmente que ela está instalada num muro de suporte.
VII. Por outro lado e a Meritíssima Juiz “ a quo” considerou como provado no ponto 12 e 13 que “ Paralelamente à zona de trabalhos onde estava a ser aberta a vala estava construído um muro, com uma altura de 1,60m por 2,60m de comprimento, que servia de suporte aos contadores da eletricidade e da água de uma obra que ali estava em execução, mais precisamente a construção de uma moradia.”; “Aquando do sinistro a vala tinha 50 cm de profundidade correspondente à cota de base de sustentação do muro.”
VIII. Ou seja, há uma clara contradição entre os factos provados e os não provados, devendo considerar-se como provado o Ponto 2, passando a ter a seguinte redacção “O muro referido em 8. dos factos provados era um muro técnico definitivo fazia parte integrante da moradia em construção “.
IX. Não se provou a profundidade de 50 cm como estava programada a abertura da vala, uma vez que logo pouco apos se iniciarem os trabalhos de escavação, o muro desabou, de onde se verificou a inexistência de fundações desse muro.
X. No que concerne aos FACTOS PROVADOS, o Tribunal a quo, considerou que no ponto 11 que “ Os trabalhos a realizar consistiam no desvio do armário referido em 8. e a sua reposição a cerca de 2,50 metros da sua posição original, e para o efeito era necessário proceder à abertura de uma vala em espaço público, com uma profundidade de 0,60 metros, de modo a destapar o cabo subterrâneo que alimentava o armário, para posterior deslocação do mesmo para o local de destino, tarefa de que o trabalhador M. foi incumbido”
XI. Ora considerando este facto provado, e tendo em conta as regras de construção, tem sido entendimento técnico, nomeadamente o entendimento dado pelo Sr. Engenheiro , Licenciado em Engenharia Civil Pré Bolonha pelo ISEL, Membro da OET nº…, “no que diz respeito à construção de muretes técnicos para instalação de infraestruturas. A construção de um murete obedece à metodologia e cumprimento das normas e regulamentos aplicáveis à construção de estruturas em betão armado, neste caso trata-se de um muro de alvenaria com componente estrutural em betão (pilares, vigas e sapatas em betão). Nas metodologias de calculo a adotar importa efetuar verificações a nível de estabilidade, tombamento e deslizamento, entrando com as respectivas sobrecargas a considerar, incluindo a preparação da estrutura para execução de abertura de vala e ligações das infraestruturas na envolvente. As referidas verificações deverão ser efetuadas de acordo com a regulamentação europeia adotada em portugal (Eurocódigo 1 - Ações e estruturas, Eurocódigo 2 - Estruturas de Betão, Eurocódigo 4 - Estruturas de Aço e Betão e Eurocódigo 5 - Alvernaria, Eurocódigo 7 - Solos) ou no caso de se tratar de uma construção mais antiga estar de acordo com o REBAP -Regulamento de estruturas de betão armado e pré esforçado, RSA -Regulamento de Segurança e Acções e demais normas, regulamentos e metodologia comprovada.
Para o cumprimento das verificações atrás referidas um murete técnico terá sempre que ser constituído por pilares que garantam a sua estabilidade (ou construção de parede em betão armado), assim como por sapatas que garantam que não ocorrem nem tombamento nem deslizamento.”
XII. O mesmo é dizer que ao homem médio, colocado naquela posição, não lhe era exigível sequer pensar que o muro em apreço estava construído como consta e bem, no ponto 13 dos Factos Provados, “ Este muro assentava numa solução construtiva em alvenaria de tijolo travado nos extremos por dois pilares, elementos assentes sobre argamassa de cimento.”
XIII. Porem e como resultou provado, neste ponto deveria também ser dado como provado que era uma argamassa de “betão de limpeza” com uma altura máxima de 2 cm” situação que se conclui pelas declarações de vários depoimentos.
XIV. Também e no que diz respeito aos Factos Provado, no ponto 14, foi dado como Provado que : “O muro não tinha sapatas e a sua alvenaria não tinha qualquer fundação.”
XV. Mais uma vez se retira a má construção violando todas e quaisquer regras, situação que considerando o caso concreto em nada se podia prever.
XVI. Quanto aos pontos 26 e 28 dos Factos Provados, foi entendimento da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo que “ As RR. não elaboraram qualquer Plano de Segurança e Saúde para a execução dos trabalhos em causa.” e “A R. B, Lda. não elaborou qualquer ficha de procedimentos de segurança para a execução da obra, tendo adotado a ficha de procedimentos referida em 27”
XVII. Porem, a este propósito e de extrema importância releva dizer que, por não carecer do mesmo, para aquela obra em concreto não existia a elaboração de projeto de segurança e saúde de acordo o modelo que implica a existência de um projeto prévio, o que não se verificava no caso em concreto.
XVIII. Aqui no caso concreto, que é abertura de vala para deslocação de armário de rede de baixa tensão, carece de preenchimento de modelo de ficha de procedimentos de segurança para trabalhos de construção, ampliação remodelação, manutenção preventiva de redes de baixa tensão e iluminação pública, conforme imposição da E- , S.A.
Empreitada de Obras de Construção, Reparação e Manutenção de Redes de Distribuição AT, MT e BT ESPECIFICAÇÕES E CONDIÇÕES TÉCNICAS – ECT ANEXO VIII – PROJETO EDIÇÃO SETEMBRO 2021 FICHA 1 - MODELOS DE PLANOS DE SEGURANÇA E SAÚDE EM PROJETO
 Modelo de Plano de Segurança e Saúde em Projeto Construção Linha Área de Alta Tensão
 Modelo de Plano de Segurança e Saúde em Projeto Construção Linha Subterrânea de Alta Tensão
 Modelo de Plano de Segurança e Saúde em Projeto Construção Linha Área e Subterrânea de Alta Tensão
 Modelo de Plano de Segurança e Saúde em Projeto Construção Linha Área de Média Tensão
 Modelo de Plano de Segurança e Saúde em Projeto Linha Subterrânea de Média Tensão
 Modelo de Plano de Segurança e Saúde em Projeto Construção de Posto de Transformação Aéreo
 Modelo de Plano de Segurança e Saúde em Projeto Construção de Posto de Transformação Cabina
 Modelo de Plano de Segurança e Saúde em Projeto Construção de Rede de Distribuição de Baixa Tensão
 Modelo de Plano de Segurança e Saúde em Projeto Construção de Rede de Distribuição em Média Tensão e Baixa Tensão
FICHA 2 - MODELOS DE FICHAS DE PROCEDIMENTOS DE SEGURANÇA E SAÚDE PARA DIVERSOS TIPOS DE OBRAS
 Ficha de Procedimentos de Segurança de Pesquisa, Localização e Reparação de Avarias AT e MT
 Ficha de Procedimentos de Segurança para Trabalhos de Construção, Ampliação, Remodelação, Manutenção Preventiva de Redes de Baixa Tensão e Iluminação Pública
 Ficha de Procedimentos de Segurança para Trabalhos de Manutenção Preventiva e Corretiva de Redes de Iluminação Pública
 Ficha de Procedimentos de Segurança para Trabalhos de Montagem e Manutenção de Equipamento de Contagem, Cortes e Religações.
XIX. Ademais, e considerando a recomendação da Ré., C, de acordo com o documento nº 11 junto na petição inicial, o mesmo refere que para este tipo de obras deverá ser elaborado uma ficha de procedimentos de segurança, exactamente nos moldes na que se encontra junta aos presentes autos e que foi elaborada pela Ré B, Lda..
XX. Constitui prática reiterada de qualquer empreiteiro ou subempreiteiro de adoptar esta ficha técnica de procedimentos de segurança ( FPS) para obras desta natureza e dimensão.
XXI. Além disso a Ré B, Lda. enquanto empresa certificada está constantemente sujeita a auditorias nas quais, entre o mais, é verificado todo o procedimento adoptado designadamente a nível de segurança, e como tal nunca tal procedimento foi objecto de reserva, sendo certo que não se tratava de uma obra com projecto em que aí sim carece de plano especifico de Segurança e Saúde ( PSS) sendo auditada .
XXII. Daí, quando a Meritíssima juiz a quo dá como provado : “ 28. A R. B, Lda.não elaborou qualquer ficha de procedimentos de segurança para a execução da obra, tendo adotado a ficha de procedimentos referida em 27” o mesmo corresponde à verdade, porém tal não significa que haja violação das regras de segurança por parte da R. B, Lda., na medida em que cumpriu com tudo o que lhe era legalmente exigível neste caso em concreto.
XXIII. Não fora o muro estar mal construído e nenhum acidente teria ocorrido, aliás um acidente é isso mesmo, é uma “ Casualidade ou facto não essencial; um Acontecimento imprevisto; um Acontecimento negativo inesperado, que provoca danos, prejuízos, feridos ou mortos…”
XXIV. E é por esse caracter de imprevisibilidade que a R. transferiu a responsabilidade para a Seguradora, sendo certo que adoptou as medidas de segurança que lhe são exigíveis para aquele caso em concreto.
XXV. Nenhum dos trabalhadores que se encontravam no local, apos visualização daquele muro (e é o contacto inicial que determina se aparenta algum risco ou não) podiam prever que o muro em apreço estivesse assente numa espécie de “betão de limpeza”, quando até estava delimitado por 2 pilares.
XXVI. Seguramente nenhum daqueles trabalhadores queria sofrer um acidente e muito menos perder a vida.
XXVII. Os seguros são contratados para ser transferida a responsabilidade por casos imprevistos como foi o caso, não houve qualquer negligencia por parte dos trabalhadores da R. ou violação das regras de segurança.
XXVIII. O acidente deveu-se ao facto do muro não ter fundações, sapatas, ferro… e tal não eram previsível a qualquer pessoa colocada naquela situação.
XXIX. No que diz respeito ao ponto 30 dos Factos Provados, é referido que “ A R. B, Lda. não muniu os trabalhadores com os materiais necessários a procederem ao suporte do muro.”
XXX. Ora, não estavam lá os materiais de escoramento porque da analise feita se concluiu que não era necessária a entivação para aquela obra em concreto, pois se fosse necessário obviamente que os trabalhadores iriam munir-se com esses matérias.
XXXI. Até porque é prática da R. B, Lda. que mesmo que aparentemente não ofereça risco à mínima dúvida os trabalhos são parados de imediato, conforme declarações da testemunha RP.
XXXII. No que se refere ao ponto 32 dos factos provados, onde pode ler-se: “ Caso os trabalhadores da R. B, Lda. tivessem procedido à adequada avaliação do risco de desmoronamento do muro, nomeadamente, aferindo da existência de fundações e sapatas e das suas condições, e consequentemente tivessem adotado os dispositivos de proteção que prevenissem o risco de desmoronamento do muro, este não teria caído e não se teria verificado o acidente de que foi vítima M. e que resultou na sua morte”, a Ré B, Lda., não se conforma com a conclusão da meritíssima Juiz.
XXXIII. Porquanto, é através do primeiro contacto com a obra e que é visual, que se afere da existência de dúvidas acerca de eventual risco, nomeadamente, o estado de conservação da mesma ( no caso estamos perante um obra nova), se apresentasse fissuras, inclinação….e aí sim dever-se-á adoptar outra metodologia para análise do risco/ outro tipo de avaliação.
XXXIV. Ora, de acordo com as regras de experiência comum não se poderá exigir fazer, por exemplo um estado geológico de terreno e da obra, quando está em causa a abertura de uma pequena vala, com uma profundidade máxima de 50cm, afastada cerca de 20 cm de um muro técnico, de construção nova, com dois pilares e sem qualquer fissura ou inclinação.
XXXV. Veja-se a este propósito o depoimento da testemunha E, Engenheiro Civil….
XXXVI. Acresce que a experiência comum dita que um muro tem sempre que ter sapatas e fundações e não o contrario.
XXXVII. Salvo o devido respeito por opinião diversa, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, limitou-se a inverter o ónus da responsabilidade da ré B, Lda. na medida em que lhe exigiu um exercício de cogitação para supor que o muro não estava bem construído, o que não nos parece sensato, conforme conclusão da testemunha, Sr. Engenheiro:
[00:15:21.14] Mandatário: Então como é que analisa se o muro está estável? É ver se ele cai ou se ele não cai?
[00:15:27.24] Sr.: Não sei... eu não sei dizer, eu entrei para esta sala e creio que o chão está estável, não ando a ver se aguenta com o meu peso que é pesado, parto do princípio...
XXXVIII. Com o devido respeito por opinião contrária, sempre acresce dizer que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, deu relevância e fundamentou a douta sentença essencialmente no depoimento da Tecnica da ACT, para criar a sua convicção em detrimento do depoimento e declarações das demais testemunhas.
XXXIX. Contudo não podia deixar de considerar que existiu um processo, em termos administrativos, que culminou com a decisão da ACT, em manter aquilo que eram as conclusões vertidas pela Sra. Inspetora, M, em sede de auto de notícia, conclusões que determinaram a autuação das empresas RR, processo que correu termos no Tribunal de … (conforme consta dos presentes autos), em que, em consequência das impugnações das contraordenações, veio aquele Tribunal a Absolver as RR, da prática das contraordenações, ou seja foi revogada a decisão da autoridade administrativa, por se entender que as conclusões a que tinha chegado a ACT, não se verificavam uma vez que não estavam previstos pressupostos que determinassem a aplicação daquelas contraordenações.
XL. Isto para dizer que todo o depoimento da testemunha M (Inspectora da ACT) estava de certa forma marcado pela decisão do Tribunal de … que não lhe foi favorável, ou seja que não aderiu às suas conclusões o que não terá sido do seu agrado….
XLI. E, portanto, aqui chegados, reitera-se que, efectivamente, nos presentes se discutiu cuidados a ter no caso concreto, porem, em termos regulamentares não se encontra nada que, concretamente determinasse um qualquer tipo de intervenção acrescido ao que foi adoptado, em termos de procedimentos técnicos e cumprimento de normas e cuidados a ter no trabalho realizado pela R. B, Lda..
XLII. Trabalho este que foi realizado por pessoas com capacidade técnica, experientes e, também, de acordo com a prova documental que consta nos autos, ficou demonstrado que pese embora ser designado por muro técnico, se tratava do primeiro troço do muro definitivo, o que se percebe até pela lógica daquilo que é a construção da obra, porque este primeiro troço visava criar condições para incorporar, desde logo, os elementos das infraestruturas, no caso da eletricidade e porventura outras que pudessem vir a ser instaladas designadamente por onde passassem as canalizações por dentro de quadros que são cravados no muro.
XLIII. O que significa que se tratava de um muro de dois metros e sessenta para incorporar um armário, tratando-se pois de um primeiro troço de uma obra definitiva.
XLIV. A relevância deste facto é determinante para, de acordo com as regras de experiencia comum e num juízo de prognose, colocando-nos na posição dos técnicos, trabalhadores da R., que estavam na obra em apreço, tendo em conta a sua experiência e todo o tipo de obras com que se deparam, depois de analisado o muro, obviamente num contacto visual (que é sempre o primeiro), concluíram tratar-se de um troço de muro definitivo, que aparentava toda a solidez, com o travamento com dois pilares, de uma extensão de dois metros e sessenta, portanto, ou seja descontando os pilares, tratava-se de um troço entre os pilares de cerca de 2 metros, e que em termos de leitura empírica oferecia todas as garantias de estabilidade, em conformidade com os ditames e aquilo que são os procedimentos regulamentares no que concerne à construção deste tipo de infraestruturas, nada fazendo prever, ou seja não sendo previsível a existência de risco de desabamento, logo sendo desnecessário o escoramento.
XLV. Não foi a vala que afectou a estabilidade do muro, porque se aquele muro estivesse construído em cumprimento das normas regulamentares nunca teria desabado.
XLVI. Não pode exigir-se à R. que verifique se a construção de muros se encontram construídos de acordo com as boas praticas construtivas.
XLVII. Reitera-se que não pode ser assacada responsabilidade à R. pela má construção daquele muro, tratava-se de um muro recente, que aparentava toda a consistência e robustez, sendo o muro que iria envolver, a moradia, toda a análise feita, em cumprimento das normas de segurança, apontavam para que estaria feito em conformidade.
XLVIII. Não podia ser exigível à R. que realizasse uma sondagem, até porque a ser realizada num determinado local junto ao muro não era liquido que não se detectasse que o muro não tinha solidez.
XLIX. Ou dito de outra forma, quantas sondagens ao longo do muro eram precisas fazer?? com que distancias? Com que profundidade? Não há regra alguma, regulamento, ficha de segurança ou o que quer que seja que pudesse prever o acidente em apreço.
L. Pelo que não podia exigir-se da R. o cumprimento de algo que não é possível concretizar.
LI. Se o muro em apreço fosse antigo, mostrasse fissuras, inclinações, qualquer indicio, mas não, era um muro novo, e são as pessoas que andam nas obras e, naturalmente, que estão habilitadas por conhecimento, por experiência, que fazem essa leitura, leitura empírica daquilo que é os olhos de cada um, e aquilo que se entende se há ou não risco.
LII. No caso em concreto, não era exigível aos trabalhadores que tomassem outro ou qualquer comportamento que não fosse aquele que tomaram e, infelizmente, foram surpreendidos com algo que não era expectável que acontecesse, mas também não há nenhum normativo que lhes impusesse, para aquele contexto e realidade, que tomassem outra medida que não fosse aquela que tomaram, porque a avaliação que fizeram, com o cenário que tinham, o muro edificado à sua frente, é que o muro não só não lhes oferecia qualquer risco como iam fazer uma vala de pouca profundidade e como tal, não houve uma violação de norma de segurança por parte dos trabalhadores, tendo o Tribunal a quo feito uma incorrecta analise da prova produzida.
LIII. Recorde-se que, para a procedência da tese da Autora Seguradora seria necessária a verificação cumulativa de dois requisitos:
a) A prova de violação de regras de segurança por parte da R.;
b) A prova de que o acidente ocorreu em consequência directa dessa violação.
LIV. Com efeito, a jurisprudência exige o estabelecimento de um nexo de causaefeito, entre a invocada violação de regras de segurança e as lesões sofridas.
LV. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, não ficou demonstrada a existência de nexo causal entre o acidente e a invocada violação de regras de segurança.
LVI. Com efeito, o trabalho envolvia algum risco, mas foi avaliado visualmente e no entender dos trabalhadores foram observados todos os cuidados na execução de tal tarefa, a sua realização era viável sem ocorrência de qualquer acidente, como referiu a testemunha RP.
LVII. E estes factos são notórios, apelando à definição de facto notório, dir-se-á que:
o Facto notório é aquele que, para se considerar verdadeiro, não necessita da produção de prova, por ter de se considerar do conhecimento geral (art. 412.º do CPC).
o Este conhecimento geral significa, não um facto que é de fácil percepção, mas antes um facto que é realmente do conhecimento da generalidade das pessoas, sem necessidade de fazer apelo a qualquer actividade lógico-cognitiva ou juízo presuntivo.
o Para se convencer da existência de um facto notório o julgador não tem de considerar uma presunção judicial, mas apenas de colocar-se na posição do cidadão comum.
o Ou seja, ver se qualquer cidadão comum conhece o facto em questão
LVIII. Pelo que, se dúvidas existissem acerca da veracidade das declarações de parte dos legais representantes da R., certo é que dos depoimentos das testemunhas, RP, Eng. C. e Eng. E., compaginados com as regras de experiencia comum e com a prova documental, impunha-se decisão diversa, no sentido de não dar como provado o vertido no ponto 32 dos Factos Provados.
LIX. Face ao exposto e sendo certo que para a Meritíssima Juiz a quo funciona a regra geral da liberdade de julgamento prevista no n.º 5 do art. 607.º do Cód. Proc. Civil.
LX. Não pode porém esquecer-se que, como ensinava Alberto dos Reis, prova livre não quer dizer prova arbitrária, quer dizer prova apreciada com inteira liberdade pelo julgador, mas em consonância com a experiencia e as leis que regulam a actividade mental.
LXI. Logo, o princípio da livre apreciação da prova está condicionada por regras de direito e sujeita o julgador às leis da lógica, da experiencia e da ciência devendo as decisões ser objectiva e racionalmente motivadas em meios de prova validamente produzidos.
LXII. Por tudo quanto foi exposto, e da prova produzida nos autos, deverá entender-se que a decisão da Mmº Juiz de Direito violou as normas do artigo 607º do CPC, ao apresentar uma deficiente fundamentação da sentença e ao apreciar a prova produzida em julgamento, contrariando as regras da experiência comum e a normalidade do acontecer.
LXIII. A douta sentença recorrida não fez um exame critico das provas, pois não indica os motivos porque deu credibilidade ao depoimento de testemunhas da Autora em detrimento das demais.
LXIV. A Recorrente considera extremamente injusto ser condenada a pagar à A. o valor em apreço, sendo certo que considera não terem ser violadas as normas de segurança e que tem seguro de acidentes de trabalho com a A. exactamente para transferir a responsabilidade por acidentes de trabalho.
LXV. Sendo certo que a sentença, ora recorrida, é uma sentença injusta, a qual irá causar danos graves na actividade da RR., com repercussões financeiras graves na empresa, que poderão colocar em causa a continuidade da actividade, com consequências graves na vida dos seus trabalhadores, se a douta sentença recorrida não for substituída imediatamente por outra que reponha a verdade material dos factos.
Termos em que, com o mui douto provimento de V. Ex.ªs, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação e, consequentemente, ser a douta Sentença, proferida pelo Tribunal a quo, revogada e substituída por outra que proceda ao exame crítico da prova, e julgue improcedente a Acção, e, em consequência, deverá absolver-se o ora Recorrente, do pedido peticionado, assim se fazendo a tão sã e costumada
JUSTIÇA!»
*
Pela Autora, Generali foram apresentadas contra-alegações, concluindo como segue:
«III. Conclusões:
A. O Tribunal “a quo” procedeu ao exame crítico de toda a prova produzida, ponderando todos os meios de prova carreados para o processo, não havendo lugar a outra decisão sobre a matéria de facto, ou de Direito, senão a que consta da sentença recorrida.
B. Nem do depoimento do representante legal da Recorrente, nem de nenhum outro elemento de prova constante dos autos resulta que o muro que caiu sobre o sinistrado fazia parte integrante da moradia que estava em construção no local do acidente.
C. Resultando ao invés dos autos, como do “Procedimento de Segurança Para Retoma de Trabalhos” junto pela Recorrida como doc. 12 da PI, que se tratava de um muro de suporte aos contadores da eletricidade e da água da obra que ali estava em execução, que era provisório, um “muro técnico”, como de resto esclareceu o representante legal da Recorrente.
D. Deve, pois, manter-se como “não provada” a factualidade indicada no ponto 2 deste elenco.
E. Por outro lado, em matéria de segurança e saúde no trabalho, não bastava à Recorrente, enquanto responsável pela implementação e garantia das condições de segurança naquela obra, presumir que o muro estava bem construído.
F. À Recorrente competia sempre verificar se a abertura da vala podia afetar a sua estabilidade, adotando-se processos eficazes, como escoramento ou recalcamento do muto cfr. disposto no artigo 81.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, o que podia ser efetuado através de uma pequena prospeção, uma abertura de um pequeno buraco junto ao muro para perceber qual era o seu elemento de sustentação.
G. “Olhar para o muro”, como fez a Recorrente, não pode, em caso algum, ser considerada uma verificação da estabilidade do mesmo.
H. Neste caso, não estando o muro “nem um bocadinho” enterrado, estando antes “à superfície da terra” como referiu o representante da Recorrente, qualquer pessoa facilmente verificaria, nem que fosse por via da aplicação de força sobre o muro, que o muro não oferecia estabilidade.
I. Acresce que, como a própria admite no ponto 38 das suas alegações, a Recorrente não elaborou as fichas de procedimentos de segurança obrigatórias nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro.
J. Nem procedeu a uma correta avaliação de riscos, nem teve em consideração o que se dispunha no “Procedimento de Segurança Para Retoma de Trabalhos” elaborado pela R. C, dona da obra, junto pela Recorrida como doc. 12 da sua PI, e onde se faz referência a esse muro (“proximidade de Muro de estaleiro de obra com infra estruturas técnicas provisórias” “na avaliação dos condicionalismos da frente de
trabalhos, constata-se a existência de elemento construtivo (muro provisório pertencente a estaleiro de obra), próximo da zona a intervencionar).
K. Vindo aí de resto identificado como “Principais riscos” para a “Tarefa 2 –Abertura/ tapamento da vala a céu aberto” o risco de “Soterramento/ Entalamento/ Esmagamento por desmoronamento de terras e queda do muro existente”.
L. A atuação da Recorrida foi assim totalmente descuidada e manifestamente violadora do disposto, em especial, nos artigos 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro e 81.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (Decreto n.º 41821/58, de 11 de agosto), que estabelecem normas de segurança.
M. Não há dúvidas que o acidente ocorreu devido à conduta omissiva da Recorrente, e que caso tivessem sido adotadas as medidas de segurança legalmente previstas para evitar o desabamento do muro, este não teria caído em consequência da abertura da vala.
N. Assim sendo, andou bem o douto Tribunal “a quo” ao condenar a Recorrente a restituir à Recorrida, nos termos do artigo 18.º, da LAT, tudo quanto por esta foi despendido com a regularização do sinistro.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se na íntegra a sentença proferida, só assim se fazendo Justiça!»
*
O recurso foi admitido.
Mostrando-se cumpridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do CPCivil) e, não se impõe ao tribunal que aprecie todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões  sendo livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
*
São as seguintes as questões a decidir:
a) Da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto;
b) Procedendo a alterações à matéria de facto, reapreciação da decisão de direito, designadamente, averiguando se deve ser negado à apelada autora o ressarcimento da quantia paga ao abrigo do seguro de acidentes de trabalho contratado com a 1ª R. apelante, por não estarem preenchidos os pressupostos da sub-rogação.
*
3. Fundamentação de Facto
3.1.Fundamentação de Facto em 1ª Instância
a) FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, e com interesse para a decisão, ficou provado que:
1. A A. exerce a actividade comercial de seguros.
2. No exercício da sua actividade, a A. celebrou com a R. B, Lda. um contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº 0002862428.
3. M. trabalhava para a R. B, Lda. e estava incluído no quadro de pessoal seguro abrangido pelo referido contrato.
4. O referido trabalhador exercia as funções de servente da construção civil para a lª R. desde 01/09/2007.
5. M. prestava o seu trabalho 8 horas por dia, 5 dias por semana, nas obras da R. B, Lda..
6. Auferindo o referido trabalhador, pelo seu trabalho, um salário base de € 531,00 mensais, acrescido de € 126,50 a título de subsídio de alimentação, no total anual de € 8.825,50.
7. No dia 07/10/2016 a A. recebeu uma participação de acidente de trabalho relativa ao trabalhador acima identificado.
8. No dia 06/10/2016, cerca das 14.40h, o trabalhador M, por ordens e instruções da R. B, Lda., encontrava-se a trabalhar na Praceta … executando trabalhos de deslocalização de um armário de distribuição de electricidade, propriedade da EDP Distribuição, SA.
9. Este serviço foi adjudicado pela EDP à R. C, que por sua vez subcontratou a R. B, Lda.para a realização do serviço.
10. A R. B, Lda. distribuiu o serviço à equipa constituída pelo sinistrado e por J (servente), Z (servente) e P, oficial electricista que assumia a função de chefe de equipa.
11. Os trabalhos a realizar consistiam no desvio do armário referido em 8. e a sua reposição a cerca de 2,50 metros da sua posição original, e para o efeito era necessário proceder à abertura de uma vala em espaço público, com uma profundidade de 0,60 metros, de modo a destapar o cabo subterrâneo que alimentava o armário, para posterior deslocação do mesmo para o local de destino, tarefa de que o trabalhador M foi incumbido.
12. Paralelamente à zona de trabalhos onde estava a ser aberta a vala estava construído um muro, com uma altura de 1,60m por 2,60m de comprimento, que servia de suporte aos contadores da electricidade e da água de uma obra que ali estava em execução, mais precisamente a construção de uma moradia.
13. Este muro assentava numa solução construtiva em alvenaria de tijolo travado nos extremos por dois pilares, elementos assentes sobre argamassa de cimento.[1]
 14. O muro não tinha sapatas e a sua alvenaria não tinha qualquer fundação.
15. A abertura da vala foi iniciada a cerca de 15 a 20 cm de distância do muro.
16. No dia e hora referidos em 8. quando M procedia à abertura da referida vala, possuindo já esta uma profundidade de cerca de 30/40cm, o muro rodou pela base e caiu em bloco sobre a vala onde se encontrava M..
17. M ficou comprimido contra o talude da vala aberta.
18. O trabalhador M ainda foi libertado do peso do muro pelos seus colegas que o conseguiram elevar, permitindo que saísse da vala pelos seus próprios meios.
19. Contudo, face ao agravamento da sua condição de saúde, foi chamada a unidade VIMER/INEM que tentou, sem êxito, a sua reanimação.
20. As lesões sofridas com o acidente provocaram a sua morte, tendo sido declarado o óbito no local.
21. O acidente em causa deu origem ao processo especial de acidentes de trabalho que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo do Trabalho de….
22. O processo referido em 21. foi movido pelo Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), uma vez que o sinistrado morreu no estado civil de solteiro e não deixou beneficiários com direito a pensões por morte.
23. Por sentença proferida em 09/01/2019, no processo referido em 21., foi a A. condenada a pagar FAT o montante de € 26.476,50, correspondente ao triplo da retribuição anual auferida pelo sinistrado, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
24. Em cumprimento da decisão referida em 23., a A., em 25/03/2019, procedeu ao pagamento ao Fundo de Acidentes de Trabalho do montante de € 26.476,50.
25. A A. procedeu ainda ao pagamento ao Fundo de Acidentes de Trabalho do montante de € 510,00 a título de custas de parte reclamadas no referido processo judicial.
26. As RR. não elaboraram qualquer Plano de Segurança e Saúde para a execução dos trabalhos em causa.
27. A R. C elaborou ficha de procedimentos de segurança para rede subterrânea de baixa tensão, prevendo vários Procedimentos Específicos de Segurança, com base em situações abstractas e transversal a todos os trabalhos, onde consta, além do mais:
«(…)
2. RISCOS ESPECIAIS (DE ACORDO COM O DL Nº 273/2003, ART.º 7º)
- Risco de Atropelamento por veículo em obra e veículos alheios à obra;
- Risco de Entalamento/Esmagamento por veículo em obra e veículos alheios à obra;
- Risco de Soterramento/Entalamento por desmoronamento de terras (vala a céu aberto);
- Risco de Explosão/incêndio aquando da utilização de explosivos;
- Risco de Eletrocussão por interferência com redes existentes em serviço;
- Risco de Queimadura por intervenção inadvertida em cabos em tensão (curto-circuito, arco-elétrico).
3. OUTROS RISCOS A REFERENCIAR
- Entalamentos por utilização/manuseamento de ferramentas manuais;
- Quedas ao mesmo nível por materiais e matérias dispersas no solo;
- Quedas a nível diferente (ex.: para dentro de valas a céu aberto);
- Queda de objetos, ferramentas, acessórios, etc;
- Sobreesforços;
-Ruído e Vibrações na utilização de máquinas (martelos pneumáticos, etc)
4. MEDIDAS DE PREVENÇÃO GERAL
1. Ler atentamente a presente ficha de procedimentos de segurança (FPS);
2. Ler atentamente todos os anexos da FPS, tais como, os procedimentos específicos de segurança aplicáveis, identificação de perigos de modos operatórios, plano de EPI`s e plano de emergência;
3. Antes de iniciar o trabalho, coloque toda a sinalização temporária de obras, adequada para a estrada em que se encontra, conforme desenhos apresentados em anexo;
4. Use obrigatoriamente o colete retrorrefletor para efetuar trabalhos na via pública ou na sua proximidade.
5. Use as barreiras de proteção para delimitar na sua totalidade a zona de intervenção da obra.
6. Tente informar, na medida dos possíveis, todos os transeuntes alheios à obra ou trabalhos a realizar, dos perigos existentes e afastá-los o mais possível.
7. Não comece nenhum trabalho de abertura de vala, sem primeiro obter informações de possíveis serviços existentes no subsolo.
8. Caso o solo apresente paredes frágeis, com grande probabilidade de desmoronamento de terras, chame o seu superior hierárquico para que se efetue a entivação.
9. Não faça trabalhos em tensão, caso não seja habilitado a isso.
10. Sempre que existir necessidade de “dar fogo” (utilização de explosivos), tenha a consciência que esse trabalho somente poderá ser efetuado por pessoa “encartado”. Afaste os curiosos. Siga sucintamente as regras de “dar fogo”.
11. Para possíveis trabalhos onde apresente riscos de curto-circuito ou arco-elétrico, como por exemplo, aquando da utilização de “pica-cabos”, use obrigatória e devidamente fato de trabalho completo (calças, camisa e casaco), luvas dielétricas, luvas siliconizadas, capacete e viseira de proteção.
12. Em caso de acidente mantenha a calma e afaste os curiosos.
13. Consulte calmamente o Plano de Emergência que se encontra em anexo, de modo a chamar o mais rapidamente possível a emergência médica.
5. IDENTIFICAÇÃO DE PERIGOS DO PROCESSO CONSTRUTIVO
(…)
6. PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS DE SEGURANÇA
 (…)
- PES 18 – Abertura de valas a céu aberto;
(…)
(Os Procedimentos de Segurança, apresentam-se em anexo e fazem parte integrante da ficha de procedimentos de segurança para os trabalhos da classe subterrânea de baixa tensão).
(…)
ABERTURA DE VALAS OU TRINCEIRAS – PROCEIDMENTO ESPECÍFICO DE SEGURANÇA
1. CARACTERIZAÇÃO
A construção de redes subterrâneas inclui abertura de escavações (valas ou trincheiras) que envolvem condições particulares de risco para os trabalhadores.
A abertura de escavações na via pública, ou em locais de passagem, constitui também um risco para terceiros, peões e viaturas, pelo que têm de ser convenientemente protegidas e sinalizadas.
De acordo com a profundidade das escavações, deve ser tida em conta a geologia dos terrenos, o grau de humidade, o seu comportamento à ação das águas e as redes técnicas neles enterradas.
2. RISCOS MAIS FREQUENTES
- Desabamento de estruturas vizinhas;
- Soterramento;
- Interferência com redes técnicas (elétricas, águas e gás);
- Queda de pessoas;
- Queda de materiais;
- Projeção de materiais
3. MEDIDAS DE PREVENÇÃO
- Antes do início do trabalho de abertura de escavação
- Obter toda a informação sobre a existência de eventuais redes técnicas (eletricidade, gás ou água), e face à informação obtida definir o plano de prevenção para os riscos identificados.
- Eliminar, remover ou proteger (suportar) todos os objetos que ofereçam risco de desprendimento na fase de escavação.
- Se necessário, abrir uma valeta impermeável a uma distância razoável do perímetro de escavação, para evitar que esta seja inundada por uma linha de água, ou que venham a acontecer desprendimentos devidos à presença de água.
Entivação
- Por sistema, toda a escavação com mais de l, 30m de profundidade e uma largura igual ou inferior a 2/3 da sua profundidade deve ser entivada.
- Para escavações com menor profundidade, a necessidade de entivação é ditada pela natureza geológica do terreno e pelos fatores envolventes, como sejam a proximidade de circulação de veículos (provocam vibrações que afetam a coesão do terreno), a proximidade de linhas de águas pluviais.
- Nas escavações abertas em passeios ou outros locais não sujeitos a vibrações, devem ser colocadas longitudinalmente ao longo da vala costaneiras contínuas, travadas por meio de escoras deforma a conter a desagregação do terreno adjacente.
- Nas escavações efetuadas nas faixas de rodagem ou perto destas a entivação deve ser sempre realizada.
- Prolongar os elementos de entivação acima da superfície da escavação (15 cm pelo menos)
Durante os trabalhos
- Evitar toda a deposição de materiais ou resíduos que possam provocar a sobrecarga no coroamento da escavação, os materiais novos e escavados reutilizáveis devem ser depositados por espécies, sempre que possível de um dos lados da escavação, afastados, pelo menos 30 cm dos bordos da mesma, de modo a:
- não criar risco de desmoronamento para dentro da escavação;
- não impedir a circulação rodoviária e pedonal; evitar a obstrução de passeios, entradas de edifícios, garagens, locais de utilização de serviços públicos, saídas de emergência, bocas de incêndio, etc;
- não impedir o escoamento de águas pluviais; não obstruir sumidouros e valetas;
- Proteger e sinalizar todo o perímetro da escavação.
- As escavações abertas perto de caminhos públicos, ou com passagem de animais, devem ser protegidas com painéis, redes ou guardas longitudinais protetoras, com altura e resistência adequadas, colocadas a uma distância adequada do perímetro da escavação, de forma a garantia a segurança dos peões ou viaturas;
- Devem ser colocadas passadeiras adequadas nas zonas de transposição da escavação; as passadeiras devem ser protegidas com guardas laterais;
- As guardas longitudinais da escavação e as guardas laterais das passadeiras devem incluir uma barra colocada a cerca de 30 cm do pavimento para proteção de crianças.
- Se necessário, dependendo da profundidade da escavação, colocar escadas de mão para facilitar o acesso.
4. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÄO INDIVIDUAL
- Capacete de proteção;
- Calçado de segurança com proteção mecânica;
- Luvas de proteção mecânica;
- Colete retrorrefletor (para trabalhos na via pública);
- Óculos de proteção;
- Protetores ou obturadores auriculares (se for utilizado martelo pneumático)», conforme documento junto aos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
28. A R. B, Lda. não elaborou qualquer ficha de procedimentos de segurança para a execução da obra, tendo adoptado a ficha de procedimentos referida em 27.
29. Aquando da realização dos trabalhos, P avaliou visualmente o muro, e concluiu que o muro não apresentava qualquer indício de instabilidade ou de falta de fundação, sendo de construção recente, aparentando robustez, tendo considerado inexistir risco de desmoronamento não tendo adoptado qualquer procedimento a fim de o prevenir.
30. A R. B, Lda. não muniu os trabalhadores com os materiais necessários a procederem ao suporte do muro.--- não estavam lá os materiais de escoramento porque da analise feita se concluiu que não era necessária a entivação para aquela obra em concreto, pois se fosse necessário obviamente que os trabalhadores iriam munir-se com esses matérias.
31. Apenas após a queda do muro é que se verificou que o mesmo não tinha sapatas e a sua alvenaria não tinha qualquer fundação.
32. Caso os trabalhadores da R B, Lda.tivessem procedido à adequada avaliação do risco de desmoronamento do muro, nomeadamente, aferindo da existência de fundações e sapatas e das suas condições, e consequentemente tivessem adoptado os dispositivos de protecção que prevenissem o risco de desmoronamento do muro, este não teria caído e não se teria verificado o acidente de que foi vítima M. e que resultou na sua morte.[2]
b) FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão não se provaram os seguintes factos:
1. O armário estava localizado na moradia em construção de H.
2. O muro referido em 8.[3] dos factos provados era um muro de vedação e fazia parte integrante da moradia em construção. [4]
3. Aquando do sinistro a vala tinha 50 cm de profundidade correspondente à cota de base de sustentação do muro.
*
3.2. Da modificabilidade da decisão de facto
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo art.º 662º, nº 1, do CPCivil, segundo o qual «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.».
Conforme decorre do disposto no art.º 607º, nº 5 do CPCivil a prova é apreciada livremente; prevê este preceito que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto»; tal resulta também do disposto nos arts 389º, 391º e 396º do CCivil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do art.º 607º).
A prova há-de ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica. Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade[5] «segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas.».
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova «não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto»[6]. Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
É claro que a «livre apreciação da prova» não se traduz numa «arbitrária apreciação da prova», pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a «menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto»[7]; o «juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)»[8].
É, por isso, comumente aceite que o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Temos pois que a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão distinta da que foi proferida em 1ª instância, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto; neste sentido salienta Ana Luísa Geraldes[9] que «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.».
O julgador procede ao exame crítico das provas e afere as mesmas recorrendo a critérios de razoabilidade.
É fundamental explicar o processo de decisão de modo a que se possa avaliar o processo lógico-formal que serviu de suporte ao seu conteúdo.
A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância, pois como ensinava o Prof. Alberto do Reis[10], citando Chiovenda: «ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar.»
A questão que se coloca relativamente à prova, quer na 1ª Instância quer na Relação, é sempre a da valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação, pois que, em ambos os casos, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios.
Porém, previamente à apreciação pelos julgadores das instâncias superiores sobre a bem fundada (ou não) apreciação que dela fez o julgador da 1ª instância, cumpre verificar se ora o apelante preencheu todos os pressupostos de que depende a reapreciação da matéria de facto.
O art.º 640º, nº 1 do CPCivil dispõe, nas suas diversas alíneas,  que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Nos termos do disposto no nº2, da citada disposição legal, incumbe-lhe, quando as provas tenham sido gravadas, indicar com exactidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos trechos que considera relevantes. Não o fazendo, o tribunal procederá à rejeição do recurso na respectiva parte.
Desçamos ao caso sub judice e analisemos a impugnação apresentada pela apelante.
Não obstante as extensas considerações produzidas quanto à impugnação da matéria de facto e tal como bem assinala a apelada, a impugnação da matéria de facto apresentada pela apelante, resume-se à alteração de três pontos da factualidade tudo o restante reconduzindo-se à contestação das conclusões que o tribunal retirou da matéria de facto apurada.
As alterações pretendidas são as seguintes:
Ponto 2 dos factos não provados:
Tal facto deverá integrar o elenco dos factos dados como provados.
Ponto 13 dos factos provados:
Nesta factualidade pretende seja incluído que a «argamassa» utilizada era uma «argamassa de betão de limpeza com uma altura máxima de 2 cm»;
Ponto 32 dos factos provados:
Tal facto deverá integrar o elenco dos factos dados como não provados.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
Ponto 2 dos factos não provados: «o muro referido em 8. dos factos provados era um muro técnico definitivo que fazia parte integrante da moradia em construção».
Quanto a esta factualidade entende a apelante que considerando a matéria provada sob os pontos 12 e 13, existe uma clara contradição com a matéria aqui considerada como não provada devendo esta última integrar a factualidade provada.
Defende que em face do apurado nos pontos 12 e 13, resulta claro que o muro fazia parte integrante da moradia, apenas não estava, ainda, concluído. Defende que o muro estava construído na parte em que estava implementada a zona técnica para, posteriormente, ser continuada e concluída a construção não sendo considerado provisório mas definitivo.
Para fazer valer a sua posição a apelante socorre-se das declarações de parte prestadas por M que, é certo, referindo-se ao dito muro, assinala tratar-se de um «murete técnico, como a gente chama, onde estavam as caixas do contador provisório e a caixa do ramal, da portinhola, e tinha cerca de um metro, um metro e pouco e altura tinha para aí um metro e vinte».
Recorda-se, aqui, o teor dos pontos 12 e 13:
«12. Paralelamente à zona de trabalhos onde estava a ser aberta a vala estava construído um muro, com uma altura de 1,60m por 2,60m de comprimento, que servia de suporte aos contadores da eletricidade e da água de uma obra que ali estava em execução, mais precisamente a construção de uma moradia.
13. Este muro assentava numa solução construtiva em alvenaria de tijolo travado nos extremos por dois pilares, elementos assentes sobre argamassa de cimento.»
Para justificar a inclusão de tal facto no elenco dos factos não provados, escreve-se na sentença recorrida (sendo a fundamentação comum para os demais factos considerados não provados): «Quanto aos factos não provados, resultaram da ausência de prova em relação aos mesmos produzida ou prova insuficiente.
Acresce que, resultou das declarações de parte dos legais representantes da R. B, Lda., e dos depoimentos das testemunhas H e M, que o muro em causa era um muro que servia de suporte ao quadro elétrico e contador da água de uma moradia que estava em construção e não de qualquer muro de vedação, tendo a testemunha P afirmado também que quando se deu o acidente a vala ainda não estava aberta na profundidade estabelecida, mas apenas em cerca de 30/40cm.»
Ora, na verdade, não vemos qualquer contradição entre a factualidade considerada provada em 12 e 13 e aquela considerada como não provada em 2. Mais, não vemos como as declarações aqui trazidas possam abalar a convicção firmada em 1ª instância quanto à falta de prova da matéria do ponto 2.
Na verdade, das declarações prestadas não resulta, por um lado que o muro seja técnico definitivo e muito menos que fazia parte integrante da moradia em construção. Na verdade, das declarações prestadas tal factualidade não se pode retirar ou concluir. Pretender de outro modo, seria extravasar claramente do conteúdo das declarações. Ademais a noção de «muro técnico definitivo» que fazia «parte integrante» da moradia em construção, não deixa de encerrar em si mesma conceitos conclusivos a retirar de factos.  
Improcede a impugnação.
Ponto 13 dos factos provados: «este muro assentava numa solução construtiva em alvenaria de tijolo travado nos extremos por dois pilares, elementos assentes sobre argamassa de cimento»
Nesta factualidade pretende seja incluído que a «argamassa» utilizada era uma «argamassa de betão de limpeza com uma altura máxima de 2 cm».
O tribunal a quo, justificou, deste modo, a consideração desta factualidade como provada: «Quanto aos factos vertidos nos pontos 12., 13., 14., 16., e parte do 8., resultaram da conjugação dos depoimentos das testemunhas H, P, P, M, bem como nas declarações de parte dos legais representantes da R. B, Lda., A e M, em conjugação com a análise do auto de notícia, no que aos factos diz respeito, elaborado pela inspetora da Autoridade para as Condições do Trabalho, a testemunha M.
A testemunha H, engenheiro civil, que presta serviços de peritagem à A., mencionou que fez peritagem relativa ao acidente em causa nos autos, deslocou-se ao local, referiu que trabalhos estavam a ser executados pelos trabalhadores da R. B, Lda., junto a um muro que ali existia para albergar os contadores de uma obra que estava em curso, quando chegou ao local o muro estava caído, esclareceu o tribunal quanto às caraterísticas do muro em causa, e que o mesmo caiu em bloco, tinha dois pilares nas extremidades e não tinha fundações.
A testemunha P trabalhador por conta da R. B, Lda., referiu que estava presente no dia do acidente, assistiu ao acidente, e que o muro em causa caiu em bloco, e que a vala que estava a ser aberta ainda não se encontrava totalmente aberta, tinha, aquando da queda do muro, uma profundidade de cerca de 30/40cm. A testemunha esclareceu ainda o tribunal acerca das características do muro.
A testemunha P, técnico administrativo por conta da R. B, Lda., trabalha na área de gestão de qualidade, higiene e segurança, referiu que não estava presente aquando do acidente, deslocou-se ao local após o acidente, viu o muro caído e que este estava praticamente construído à face do solo.
A testemunha M, na data do acidente inspetora na Autoridade para as Condições do Trabalho, referiu recordar-se do acidente em causa nos autos, descreveu que obra estava a ser executada, deslocou-se ao local após o acidente e referiu que no local inexistiam quaisquer materiais para proceder ao escoramento do muro que caiu.
Os legais representantes da R. B, Lda., , engenheiro civil, e M, engenheiro eletrotécnico, esclareceram que obra estava a ser executada pela R. B, Lda., que não presenciaram o acidente em causa, mas deslocaram-se ao local após ter ocorrido e verificaram que o muro em causa era um muro de apoio de obra, vulgarmente designado por “muro técnico”, A esclareceu qual a altura e comprimento do muro. Ambos referiram que o muro era em tijolo, alvenaria, e tinha dois pilares nas extremidades e que não tinha sapatas, não tendo qualquer fundação, e caiu em bloco.»
Para defender que deve ser incluído na factualidade provada que a «argamassa» utilizada era uma «argamassa de betão de limpeza com uma altura máxima de 2 cm», afirma que tal se conclui de diversos depoimentos produzidos, referindo, os depoimentos de M e de A. Antes de mais cumpre desde já assinalar que em nenhum dos depoimentos assinalados se refere que a argamassa tinha uma altura máxima de 2 cm. M fala em 5 centímetros e A, fala em 4,5 centímetros (pressupondo-se que está a falar da argamassa dado o contexto porquanto a dado momento é imperceptível).
Deste modo, e mais uma vez, improcede a impugnação por inexistirem quaisquer elementos objectivos que determinem a alteração da factualidade. Acresce que a impugnante sequer esclarece a relevância da distinção entre argamassa de cimento e argamassa de betão de limpeza para o caso concreto tanto mais que o próprio M esclarece que betão de limpeza são restos de cimento, logo, a matéria é cimento.
Improcede a reclamação.
Prosseguindo na apreciação.
Ponto 32 dos factos provados:
«caso os trabalhadores da R. B, Lda. tivessem procedido à adequada avaliação do risco de desmoronamento do muro, nomeadamente, aferindo da existência de fundações e sapatas e das suas condições, e consequentemente tivessem adotado os dispositivos de proteção que prevenissem o risco de desmoronamento do muro, este não teria caído e não se teria verificado o acidente de que foi vítima M e que resultou na sua morte».
Pretende a apelante que este facto deverá ser considerado como não provado.
O tribunal a quo, esclareceu deste modo a sua motivação quanto a este facto: «Quanto ao facto vertido no ponto 32., resulta das regras da experiência comum, na verdade, o muro em causa nos autos caiu porque não foi escorado, e não foi feita uma adequada avaliação de risco de desmoronamento, que deverá ser feita não apenas pela análise visual da parte descoberta, mas também pela análise da estabilidade das fundações, que no caso, se tivesse sido feita ter-se-ia constatado a inexistência de sapatas e de qualquer fundação, e ainda que o muro tivesse sapatas e fundações, ter-se-ia sempre que aferir da profundidade das mesmas por forma a aferir se a profundidade da vala era superior à das fundações e sapatas, caso em que se verificaria também o risco de desmoronamento sendo necessário tomar medidas preventivas.
Não há, pois, dúvidas que o muro caiu por não ter sido escorado, caso tal tivesse sucedido, ou seja, caso tivessem sido adotadas as medidas de segurança para evitar o desabamento do muro (v.g. escoramento), o muro não teria caído em consequência da abertura da vala.
Os depoimentos das testemunhas, na parte suprarreferida e valorada pelo tribunal, mereceram a credibilidade do tribunal, as testemunhas depuseram sobre os factos que tiveram conhecimento, de forma isenta e espontânea, sem contradições, demonstraram a sua razão de ciência. Quanto às declarações de parte dos legais representantes da R B, Lda.tendo sido no essencial confirmados pelos depoimentos das testemunhas e documentos juntos aos autos, também mereceram a credibilidade ao tribunal.
O tribunal baseou-se ainda na análise crítica dos documentos juntos aos autos de fls. 8 verso a 44 verso, 50 verso a 51 verso, 55 a 61, e certidão do processo nº …, que correu termos no Juízo do Trabalho de Sintra – Juiz 3, tudo conjugado com os depoimentos das testemunhas acima referidas.»
Ora, o vertido sob o ponto 32, ao contrário do pretendido não integra factos mas juízo conclusivos e conclusões não são factos.
Na verdade levar aos factos provados que «caso os trabalhadores da R. B, Lda. tivessem procedido à adequada avaliação do risco de desmoronamento do muro, nomeadamente, aferindo da existência de fundações e sapatas e das suas condições, e consequentemente tivessem adotado os dispositivos de proteção que prevenissem o risco de desmoronamento do muro, este não teria caído e não se teria verificado o acidente de que foi vítima M. e que resultou na sua morte» trata-se de conclusões puras a retirar de outros factos.
Para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.
Conforme se decidiu em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[11], «Saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse mesmo facto enquanto realidade da vida.» 
Ora, sendo certo que a redacção actual do Código de Processo Civil não contém norma absolutamente equivalente à do art.646º, nº4, do CPCivil de 1961, a verdade é que, analisando o disposto no artigo 607º nº 4 do actual CPCivil, concluimos que consagra o mesmo princípio quando prevê que da fundamentação da sentença devem constar os factos julgados provados e não provados. A expressa menção aos factos reconduz-se ao velho princípio de que a fundamentação de facto deve ser expurgada de toda e qualquer matéria susceptível de ser qualificada como de direito, conceito que abarca de igual modo juízos conclusivos.
Deste modo, tal matéria nunca poderia integrar a factualidade provada e exactamente por encerrar uma mera conclusão, não integrará, de igual modo, a factualidade considerada como não provada, restando pura e simplesmente eliminá-la da factualidade a considerar na presente sentença.
Assim se decide eliminar o ponto 32 dos factos provados.
As restantes considerações tecidas a propósito da matéria de facto não visam a sua impugnação mas contestar as conclusões retiradas pelo tribunal da factualidade apurada.[12]
3.3 Fundamentação de Direito
Aos factos apurados em 1ª instância, pois que o recurso da matéria de facto não mereceu provimento, cumpre agora verificar se foi bem aplicado o direito uma vez que na perspectiva da apelante tal não sucedeu.
Nesta sede assumem importância as considerações tecidas pela apelante a propósito das conclusões retiradas pelo tribunal de 1ª instância da factualidade dada como provada, manifestando a sua discordância.
Vejamos, pois, se não obstante manter-se a fundamentação fáctica fixada no tribunal a quo -com excepção da matéria vertida no ponto 32- ainda assim, lhe assiste razão na argumentação jurídica apresentada.
Nos presentes autos a seguradora pretende ser ressarcida do montante que despendeu com a indemnização que teve de satisfazer em virtude de um acidente de trabalho sofrido por um trabalhador que prestava serviço por conta e sob as ordens da R. B, Lda., que a R. C. a subcontratou para realização da obra que lhe foi adjudicada pela EDP Distribuição SA.. Tal indemnização foi satisfeita pela A. apelada, ao abrigo de um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho celebrado com a Ré B, Lda., nos termos do disposto no art. 79º, nº 1 e 2 da Lei dos Acidentes de Trabalho - LAT (Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro).
Cumpre, assim, averiguar se o acidente que vitimou o trabalhador da B, Lda. ocorreu por força da violação das regras de segurança que impendiam sobre a entidade empregadora.
Nos termos do artigo 18º, nº 1 da LAT, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. Conjugada esta disposição legal com o artigo 79º, nº 3 da LAT que prevê que verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso, há-de concluir-se que caso o acidente de trabalho resulte da falta de observação das regras de segurança por parte do empregador, a seguradora não obstante estar obrigada a satisfazer o pagamento das prestações devidas caso não houvesse actuação culposa, tem direito de as reaver do empregador.
Destarte, para aquilatar da responsabilidade da entidade empregadora pela reparação do acidente de trabalho nos termos previstos nos artigos 18º e 79º da LAT, é necessário que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil, o que quer dizer que tem de provar-se que a entidade empregadora que se encontrava obrigada a observar determinadas regras de segurança, não as observou, e que foi o desrespeito por essas regras que deu origem ao acidente.
Nos termos do disposto no art.342º do CCivil, incumbe à seguradora o ónus da prova do incumprimento das regras de segurança por parte do empregador e do nexo de causalidade entre esse facto e o acidente, incumbindo à entidade empregadora alegar e provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado.
O que está aqui em causa é a figura da sub-rogação legal, nos termos do disposto no artigo 592º, nº 1, do CCivil. O que a A. pretende é ser ressarcida da quantia que despendeu em virtude do acidente de trabalho e que, nos termos em que conforma a respectiva relação material controvertida, deveria ter sido suportada pelo empregador, por violação das regras de segurança. Vejamos em que consiste a sub-rogação.
Tal figura vem definida por Antunes Varela[13], na exegese do disposto nos arts. 589º a 594º CCivil, como «uma forma de transmissão das obrigações que coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo»; e prossegue: «o principal efeito da sub-rogação é a transmissão do crédito que pertencia ao credor satisfeito para o terceiro (sub-rogado) que cumpriu em lugar do devedor ou à custa de quem a obrigação foi cumprida».  
Continuando a seguir Antunes Varela[14] «a sub-rogação pode definir-se, segundo um critério puramente descritivo, como a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento (…). Trata-se de um fenómeno de transferência de créditos, que a lei regula no capítulo da “transmissão de créditos e de dívidas...os direitos do sub-rogado medem-se sempre em função do cumprimento (art. 593º, 1).»
Nos termos do art. 592º, nº 1 do CCivil o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, dispondo o artigo 593º, nº 1 do mesmo diploma que o sub-rogado adquire na medida da satisfação dado ao direito do credor, os poderes que a este competiam.
É este direito de sub-rogação que a seguradora invoca nesta acção imputando à Ré, em primeira linha e enquanto entidade patronal, a responsabilidade pelo acidente que deu origem aos danos indemnizados, invocando que estes só ocorreram porquanto esta violou regras de segurança no trabalho.
Não nos retemos sobre a discussão se se trata aqui de um direito de regresso ou da figura da sub-rogação legal porquanto é questão que já não gera dúvidas na jurisprudência. Com efeito, apesar da letra do art.79 nº 3 da LAT, referir «direito de regresso», trata-se de uma verdadeira sub-rogação legal da entidade patronal ou da seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, na medida em que tiver procedido ao pagamento da indemnização.[15]  
Impõe-se, pois, enquadrar a factualidade adquirida no direito aplicável.
Para o que releva ficou provado que:
No dia 06/10/2016, cerca das 14.40h, o trabalhador M, por ordens e instruções da R. B, Lda., executava trabalhos de deslocalização de um armário de distribuição de electricidade, propriedade da EDP Distribuição, SA; Tal serviço foi adjudicado pela EDP à R. C, SA, que por sua vez subcontratou a R. B, Lda. para a realização do serviço; A R. B, Lda. distribuiu o serviço à equipa constituída pelo sinistrado e por J (servente), Z (servente) e P, oficial electricista que funcionava como chefe de equipa; Os trabalhos consistiam em desviar o armário e a sua reposição a cerca de 2,50 metros da sua posição original, tornando-se necessário para tal, a abertura de uma vala com uma profundidade de 0,60 metros, de modo a destapar o cabo subterrâneo que alimentava o armário, para posterior deslocação do mesmo para o local de destino; A tarefa de abertura da vala foi atribuída ao falecido M.
Ora, no local e paralelamente à zona de trabalhos onde estava a ser aberta a vala estava construído um muro, com uma altura de 1,60m por 2,60m de comprimento, que servia de suporte aos contadores da electricidade e da água de uma obra (construção de uma moradia) que ali estava em execução; Tal muro assentava numa solução construtiva em alvenaria de tijolo travado nos extremos por dois pilares, elementos assentes sobre argamassa de cimento; não tinha sapatas e a sua alvenaria não tinha qualquer fundação; A abertura da vala foi iniciada a cerca de 15 a 20 cm de distância do dito muro;
Quando M procedia à abertura da vala e esta já tinha uma profundidade de cerca de 30/40cm, o muro rodou pela base e caiu em bloco sobre a vala onde se encontrava M tendo-lhe vindo a provocar as lesões que provocaram a sua morte no local.
Da matéria factual apurada, dúvidas não resultam que a morte sobreveio das lesões que para o infeliz trabalhador resultaram da queda do muro em cima do seu corpo. Dúvidas de igual modo não resultam, que a abertura da vala a tão curta distância do muro, esteve na origem do seu desmoronamento e queda.
É de conclusão óbvia que se as fundações do muro fossem sólidas e profundas não seria a abertura de uma vala, a cerca de 15 a 20 cm de distância do dito muro com uma profundidade de cerca de 30/40cm, que provocaria a queda de tal edificação.
Porém, a questão que se põe neste âmbito é a de saber até que ponto a entidade empregadora da infeliz vítima precaveu o mesmo de tal ocorrência, designadamente, cumprindo as normas de segurança no trabalho que lhe eram impostas.
Está provado que as RR. não elaboraram qualquer Plano de Segurança e Saúde específico para a execução do trabalho em causa, designadamente, para a abertura da vala. O plano existente é aquele a que se refere o ponto 27 da matéria de facto elaborado não pela B, Lda. mas pela empresa que a havia subcontratado, e segunda Ré na presente acção. Analisado tal plano, há-de concluir-se tratar-se de um plano genérico, não se podendo concluir que o mesmo haja sido previsto para aqueles trabalhos em concreto. No entanto, sempre se dirá que se desconhece se tal plano foi posto em prática e se do mesmo os trabalhadores da B, Lda. foram postos ao corrente.
Alega a apelante B, Lda. que no caso não foi elaborada qualquer ficha de procedimentos de segurança para a execução da obra, tendo sido adoptada a ficha de procedimentos da 2ª R. referida em 27 porque aquela obra não carecia da elaboração de projecto de segurança e saúde prévio. Tal serve para defender que o facto de não ter o projecto de segurança e saúde próprio, não significa que haja violação das regras de segurança por parte da R. B, Lda. na medida em que cumpriu com tudo o que lhe era legalmente exigível neste caso em concreto.
Porém, o que resulta da factualidade apurada é que o chefe da equipa, P, limitou-se a avaliar visualmente o muro e tal bastou-lhe para concluir que não apresentava qualquer indício de instabilidade ou de falta de fundação. Assim, ao pôr de parte o risco de desmoronamento, não adoptou qualquer procedimento de segurança adicional e não forneceu aos trabalhadores quaisquer materiais necessários para procederem ao suporte do muro. Compreende-se que, não tendo considerado o risco de desmoronamento, não fosse necessário oferecer aos trabalhadores materiais de escoramento. Compreende-se que, bastando-se com um simples olhar sobre o muro, tenha concluído que nenhum procedimento de segurança adicional se revelasse necessário, porém, a questão é mesmo essa: não bastava a análise visual, pois o certo é que o desmoronamento ocorreu e, só depois de ocorrido, se veio a constatar que o muro não tinha sapatas e a sua alvenaria não tinha qualquer fundação.
Dispõe o art.8º da Lei dos Acidentes de Trabalho[16]:
«1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
c) No caso de teletrabalho ou trabalho à distância, considera-se local de trabalho aquele que conste do acordo de teletrabalho.»
Assim, não sofre dúvidas a caracterização do acidente dos autos como acidente de trabalho.
Vejamos, pois, se o acidente de trabalho ocorreu por violação das regras de segurança por parte da R. B, Lda.e apurado tal circunstancialismo, se estão preenchidos os demais pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito que permitem imputar o dano à entidade patronal.
E não podemos deixar de acompanhar o decidido em 1ª instância.
Nos termos do disposto nos arts.281º e 282º do Cód.Trabalho o empregador está obrigado a  proporcionar ao trabalhador, para a sua protecção, condições de segurança e saúde, aplicando as medidas necessárias à prevenção de riscos que abrangem, designadamente, a formação, a informação, a planificação de prevenção e a identificação desses riscos e a adopção directa de prescrições mínimas de segurança e saúde previstas em regulamentação específica.
Importemos a legislação aplicável, exaustivamente assinalada pelo tribunal a quo:
«Os interesses que tais normas visam são tuteladas concretamente em vária legislação, entre eles o DL nº 273/2003, de 29 de outubro, que estabelece regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover a segurança, higiene e saúde no trabalho em estaleiros da construção e transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho a aplicar em estaleiros temporários ou móveis (artigo 1º), sendo estaleiros os locais onde se efetuam trabalhos de construção de edifícios ou trabalhos referidos no nº 2 do artigo 2º (artigo 3º, nº 1 alínea j), prevendo o artigo 2º, nº 2, alínea a), os trabalhos de escavação. Estabelece o artigo 5º do referido diploma, que o dono da obra deve elaborar ou mandar elaborar, durante a fase do projeto, o plano de segurança e saúde para garantir a segurança e a saúde de todos os intervenientes no estaleiro, que será posteriormente desenvolvido e especificado pela entidade executante para a fase da execução da obra (nºs 1 e 2), estabelecendo o nº 4 do mesmo preceito a obrigatoriedade do plano de segurança e saúde em obras sujeitas a projeto e que envolvam trabalhos que impliquem riscos especiais previstos no artigo 7º ou a comunicação prévia da abertura do estaleiro.
Por sua vez, estabelece o artigo 14º do mesmo diploma, que nos casos em que se trate de trabalhos em que não é obrigatória a elaboração do plano de segurança e saúde nos termos do nº 4 do artigo 5º, mas que impliquem os riscos previstos no artigo 7º, a entidade executante deve elaborar fichas de procedimentos de segurança para os trabalhadores que comportem tais riscos e assegurar que os trabalhadores intervenientes na obra tenham conhecimento das mesmas, sendo que, entre os riscos especiais prevê-se, na alínea a) do artigo 7º os riscos de soterramento, de afundamento, ou de queda em altura, particularmente agravados pela natureza da atividade, ou dos meios utilizados, ou do meio envolvente do posto ou da situação de trabalho, ou do estaleiro.
O artigo 29º do mesmo diploma prevê que até à entrada em vigor do novo Regulamento de Segurança para os Estaleiros da Construção mantêm-se em vigor o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto nº 41.821, de 11 de Agosto de 1958, e a Portaria nº 101/96, de 3 de Abril, sobre as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis.
A Portaria nº 101/96 de 3 de abril, regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis, estabelecendo, no artigo 13º, os trabalhos em escavações, poços, zonas subterrâneas, túneis, terraplenagens e coberturas, os trabalhos com utilização de vigamentos metálicos ou de betão, cofragens, elementos pré-fabricados pesados, ensecadeiras e caixotões e trabalhos de demolição, realizados no estaleiro, devem obedecer às prescrições da legislação aplicável.
As prescrições mínimas de segurança para trabalhos de escavação e abertura de trincheiras estão previstas nos artigos 66º a 85º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (RSTCC), aprovado pelo Decreto nº 41.821, de 11 de agosto de 1958.
Prevê o artigo 66º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil que os trabalhos de escavação serão conduzidos de forma a garantir as indispensáveis condições de segurança dos trabalhadores e do público e a evitar desmoronamentos, e que haverá um técnico, legalmente idóneo, responsável pela organização dos trabalhos e pelo estudo e exame periódico das escavações. O artigo 67º do mesmo diploma estabelece que é indispensável a entivação do solo nas frentes de escavação. Aquela será do tipo mais adequado à natureza e constituição do solo, profundidade da escavação, grau de humidade e sobrecargas acidentais, estáticas e dinâmicas, a suportar pelas superfícies dos terrenos adjacentes, excetuando essa obrigação as escavações de rochas e argilas duras, e nos artigos 69º a 72º estabelecem-se as características técnicas exigíveis para profundidades iguais ou superiores a 1,20m.
Prevê ainda o artigo 81º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, que antes de se executarem escavações próximas de muros ou paredes de edifícios, deve verificar-se se essas escavações poderão afetar a sua estabilidade. Na hipótese afirmativa; serão adaptados processos eficazes, como escoramento ou recalcamento, para garantir a estabilidade, e que os trabalhos serão orientados e examinados por pessoa competente. Conforme resulta das disposições referidas, o nosso ordenamento jurídico aborda com cautela os trabalhos de escavações, pelos riscos que comportam, de modo a garantir que os trabalhos decorram em segurança, nomeadamente no que respeita à integridade física dos trabalhadores.»
Face aos normativos em apreço, há-de concluir-se que se impõe à entidade empregadora  que numa obra como a que era levada a efeito, se impunha a entivação do solo nas frentes de escavação recaindo o dever acrescido de, no caso das escavações se situarem na proximidade de muros, garantir a sua estabilidade, designadamente, mediante o escoramento ou recalcamento. Exceptua-se, é certo, os casos em que tais medidas não se justifiquem, porém, para se concluir que tais medidas não se justificam não bastará uma simples operação de visualização como a que aqui foi feita pelo chefe da equipa que se limitou a olhar para o muro para concluir -afinal erradamente- que não seria necessário qualquer procedimento de segurança específico. O cumprimento das regras de segurança pressupunha que uma análise cuidada fosse feita antes, assim se prevenindo o acidente.
Perante tal modus procedendi, dúvidas não podem subsistir, de que foram violados as normas jurídicas acima citadas destinadas a proteger os trabalhadores. Tivessem sido seguidos a rigor os normativos em apreço e o acidente não se teria dado porquanto uma análise adequada do muro teria concluído pela sua instabilidade determinada pela sua evidente má construção. Tivesse sido dado cumprimento integral  ao artigo 81º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, que determina que a entidade empregadora antes de executar escavações próximas de muros verifique se essas escavações poderão afectar a estabilidade dos mesmos e o acidente não teria ocorrido.  Obviamente verificar não é limitar-se a olhar, tanto mais que há-de notar-se que o chefe da equipa que «verificou» era electricista, subsistindo até dúvidas que dispusesse de especiais conhecimentos para fazer uma tal verificação dada a sua especialidade de electricista.
Anote-se, ainda, que a apelante B, Lda. incumpriu com as regras estabelecidas no Decreto Lei nº 273/2003, na medida em que não procedeu à elaboração de qualquer ficha de procedimento de segurança nos termos do disposto no artigo 14º do referido diploma, limitando-se a adoptar a ficha elaborada pela R. C que foi elaborada, não para aquela obra em concreto, mas em termos genéricos e abstractos, e como tal, em desconformidade com o disposto no artigo 14º.
Deste modo, pudemos concluir que houve incumprimento, por parte da R. B, Lda., das referidas disposições legais e das obrigações consignadas nas mesmas a seu cargo.
Vejamos, agora, se existe nexo de causalidade entre a decidida violação das regras de segurança e o acidente em causa, uma vez que é pressuposto da responsabilidade civil a verificação de relação entre a violação de um direito subjectivo ou de uma norma de protecção e o dano.
Para que o agente possa ser obrigado a indemnizar o dano, não basta que o facto ilícito por ele praticado, possa ser considerado, em abstracto, causa adequada desse dano, sendo necessário, para além disso, que seja a causa concreta do dano. [17]
E mais uma vez dúvidas não subsistem que se verifica o nexo de causalidade entre o facto e o dano: tendo o muro desabado em virtude do incumprimento das referidas regras de segurança e tendo do desabamento do muro sobre o corpo do infeliz trabalhador resultado as lesões que foram a causa determinante da sua morte, é claro o nexo de causalidade adequado entre aquela inobservância e o acidente.
Encontram-se pois preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, sendo claro, ainda, que a R. B, Lda.  ao não observar os preceitos legais sobre segurança, agiu com culpa, vista esta na sua modalidade de negligência.
Tudo visto por sub-rogação legal, encontram-se preenchidos todos os pressupostos do direito de reembolso da A. por sub-rogação legal.
Nenhuma censura merece a sentença recorrida que importa confirmar integralmente.

4. Decisão
Na sequência do que se deixou exposto acordam as Juízes que constituem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar o presente recurso de apelação improcedente, por não provado e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
*
Notifique e registe.
Custas pela apelante.
Lisboa,  assinado e datado electronicamente
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Maria do Céu Silva
Carla Mendes
_______________________________________________________
[1] Mantido na sequência da impugnação da matéria de facto
[2] Eliminado na sequência da impugnação da matéria de facto
[3] A menção ao ponto “8” resulta de mero lapso porquanto o muro vem referido nos pontos 12 e ss..
[4] Mantido na sequência da impugnação da matéria de facto
[5] Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384
[6] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436
[7] cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, obra cit., p.  655
[8] cfr.P. J. Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325
[9] Cfr. Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609
[10] Cfr.CPC. Anotado. vol. IV, págs. 566 e ss..
[11] Cfr. Ac.STJ, de 29.9.2017, Proc. Nº659/12.6TVLSB.L1.S1, disponível in, www.dgsi.pt.
[12] Veja-se a propósito as considerações aventadas a propósitos dos factos provados nº11,12,14,26,28 e 30
[13] Das Obrigações em Geral, II/10ªed./págs. 346 a 348, cit. in Ac.R.L. 9/6/05 Col.III/96; no mesmo sentido, I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3ª ed., pg. 220.
[14]  In Direito das Obrigações, II, pág. 224.
[15] cfr. Acs. do STJ de 25.03.2010, de 25.10.2012; de 07.02.2017 e de 3-7-2018 disponíveis in www.dgsi.pt
[16] Lei n.º 98/2009, de 04/09, alt. Lei n.º 83/2021, de 06/12
[17] Neste sent. V. Antunes Varela, R.L.J., Ano 104º, pág.271.