Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4411/19.0T9LSB-A.L1-5
Relator: GUILHERMINA FREITAS (PRESIDENTE)
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
NÃO CONCORDÂNCIA DO JUIZ
IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PENAL
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: É irrecorrível a declaração de concordância ou não concordância do juiz de instrução com a suspensão provisória do processo, proferida ao abrigo do disposto no art. 281.º, n.º 1, do CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: A Ilustre Magistrada do Ministério Público reclama, nos termos do disposto no art. 405.º do CPP, do despacho proferido pelo Tribunal reclamado em 12/3/2024, o qual não admitiu o recurso por si interposto do despacho judicial de não concordância com a suspensão provisória do processo, com fundamento em que tal despacho é irrecorrível, pedindo que o recurso seja mandado admitir, porquanto o que está em causa no recurso não é um juízo de oportunidade quanto à aplicação do instituto de suspensão provisória do processo, mas exclusivamente a interpretação de uma norma jurídica.
Conhecendo.
A questão fulcral da presente reclamação consiste em saber se o despacho judicial de não concordância do juiz de instrução, a que alude o n.º 1, do art. 281.º, do CPP, é ou não suscetível de recurso.
A tal propósito, pronunciando-se pela sua irrecorribilidade, numa situação idêntica à destes autos, consignou-se na decisão proferida, em 7/11/2022, nos autos de Reclamação com o n.º 373/20.9PAVCD-A.P1, da Relação do Porto, disponível in www.dgsi.pt, com a qual se concorda:
“A interpretação de um pressuposto de aplicação daquele regime consubstancia ainda avaliação de pressupostos com vista à concordância ou discordância do JIC.
Por outro prisma, a avaliação da verificação dos pressupostos de que depende a suspensão provisória do processo inscreve-se naquilo que o Tribunal constitucional no seu acórdão n.º 7/87 denominou de “competência para a suspensão do processo e imposição de injunções e regras de conduta”[3] e para a qual exigiu a intervenção do juiz de instrução, que foi legalmente acolhida sob a forma de concordância do juiz de instrução.
A atuação do juiz não extravasou a apreciação dos pressupostos e condições de suspensão como um juízo de conformidade à lei, não questionou o leque de opções decisórias do MP, nomeadamente, sobre deveres e injunções.
(…)
No acórdão de fixação de jurisprudência n.º 16/2009[5] foi esgrimido o argumento da recorribilidade da decisão de discordância do juiz de instrução com a decisão do MP de suspender provisoriamente o processo, tendo o Exmo. PGA junto do STJ formulado redação para a resolução do conflito no sentido de “A decisão de discordância do juiz de instrução com a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do artigo 281.º do C. P. Penal, é passível de recurso”. Não foi esta a posição que fez vencimento. Não foi, consequentemente, apresentado qualquer argumento novo ou excecional para questionar a decisão de fixação de jurisprudência.”
Fazendo nossa a argumentação supra expendida, em conformidade com o Ac. de fixação de jurisprudência n.º 16/2009, de 24/12, somos de entendimento de que é irrecorrível a declaração de concordância ou não concordância do juiz de instrução com a suspensão provisória do processo, proferida ao abrigo do disposto no art. 281.º, n.º 1, do CPP.
Alega o MP/reclamante que não admitir o recurso interposto, impedindo a tomada de posição, por um Tribunal Superior, sobre esta questão jurídica de fulcral importância, traduzir-se-ia numa injustificada restrição ao exercício do poder-dever de defesa da legalidade no exercício da ação penal, que incumbe ao Ministério Público, com assento no n.º 1, do art. 219.º, da CRP e nos arts. 2.º e 4.º, n.º 1, al. a) do Estatuto do Ministério Público.
Não cremos, porém, salvo o devido respeito, que assim seja.
No que respeita à violação do direito ao recurso o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar em várias decisões, em sentido negativo, conforme resulta dos Acórdãos n.º 101/2016 e 132/2017, referindo-se no primeiro que:
“A Constituição garante a todos os cidadãos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos» (artigo 20.º, n.º 1) afirmando ainda que «o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo, o recurso» (artigo 32.º, n.º 1).
É muito vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o direito ao recurso em processo penal, o qual constitui uma das mais relevantes garantias de defesa expressamente consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
Destas normas, porém, não retira a jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra da garantia do recurso quanto a todas as decisões proferidas em processo penal, mas apenas no que respeita às decisões penais condenatórias e às decisões penais de privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais.
Como tem sido jurisprudência constante do Tribunal, mesmo antes da revisão constitucional de 1997 – na sequência da qual o artigo 32.º, n.º 1, passou a identificar expressamente o direito ao recurso entre as garantias de defesa – o núcleo essencial desta garantia constitucional coincide com o direito de recorrer de decisões condenatórias e de atos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido (cfr. entre outros, Acórdãos n.os 8/87 [n.º 8], 31/87 [n.º 7], 178/88 [n.º 6], 259/88 [n.º 2.2], 401/91 [n.º II, 2], 132/92 [n.º 3 e 4], 322/93 [n.º 5 e 6], 265/94 [n.º 7], 610/96 [n.º 11], 30/2001 [n.º 7], 189/2001 [n.º 6]).
Em suma, o “direito de recurso”, como imperativo constitucional, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, deve entender-se no quadro das “garantias de defesa” – só e quando estas garantias o exijam (Acórdão n.º 235/2010 [n.º 9]).
11. Nesta conformidade, constituindo, a faculdade de recorrer em processo penal uma expressão das garantias constitucionais de defesa que impõe o recurso de sentenças condenatórias ou de atos judiciais que durante o processo tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais, logo se verifica que a norma em apreciação não pode violar aquela garantia, na medida em que ela não envolve nenhuma condenação nem nenhum ato judicial de provação ou restrição de qualquer direito fundamental.
Se a prossecução do processo para julgamento pode ser prejudicial aos interesses do arguido, a decisão de não concordância com a suspensão do processo não pode ser qualificada como uma violação de um direi­to fundamental constitucio­nalmente garantido, cuja proteção exija a necessária recorribilidade das decisões que o afetem negativamente.”
Pelas razões apontadas, indefere-se a reclamação.
Sem custas por delas estar isento o MP.
Notifique-se.

Lisboa, 4 de Abril de 2024
Guilhermina Freitas – Presidente