Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3981/07.0TTLSB-D.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PRESTAÇÕES
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I–Embora o direito à reparação por acidente de trabalho se tenha constituído ao abrigo do direito em vigor à data em que ocorreu o acidente (Lei n.º 2127, de 3 de agosto), onde se previa o prazo de prescrição de um ano das prestações, uma vez que a reparação não se esgota no período de vigência da lei antiga, antes se vai concretizando ao longo do tempo, em prestações pecuniárias, sucessivas, de cariz periódico, vencidas no domínio da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro e da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro - o prazo de prescrição do direito a tais prestações a considerar é o de cinco anos, conforme previsto nestes últimos diplomas legais.

II–Neste caso, estamos perante uma situação jurídica em que se abstrai do facto que lhe deu origem, o que conduz à aplicação imediata da nova Lei, nos termos da 2.ª parte do n.º 2, do art.º 12.º, do Código Civil.


(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


1.Relatório:


1.1.–Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho em que figuram como sinistrada AAA e BBB e CCC,na qualidade de sócios liquidatários da extinta (…), entidade patronal da sinistrada, todos com os sinais dos autos, vierem aqueles invocar “a prescrição da prestação devida pela entidade empregadora à sinistrada, nos termos da BASE XXXVIII,  n.º 3, da Lei n.º 2027, de 03-08-1965”, porquanto tendo sido proferida a decisão definidora do montante em causa em  21-03-2019, a qual foi notificada à titular do direito nessa data, mostra-se esgotado o prazo prescricional  de um ano ali previsto (fls. 17).

Na sequência, foi proferido despacho no qual se julgou improcedente a arguida exceção, tendo-se considerado aplicável ao caso o prazo de prescrição de 5 anos, previsto no art.º 32.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro e no art.º 179.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 98/2009, de 4 setembro (fls. 19-21).

1.2.Inconformados com esta decisão dela recorrem os aludidos BBB e CCC, concluindo as suas alegações (fls. 2-10), em suma, do seguinte modo:
- O presente recurso incide sobre o despacho de 12.8.2021 que concluiu pela não prescrição da pensão atualizada, a cargo da entidade empregadora, com referência ao ano de 2019.
- A pensão em apreço foi objeto de atualização oficiosa, nos termos do art.º 3.º, nº 3, do DL n.º 668/75, tendo sido proferida decisão a 21-03-2019, da qual a sinistrada foi notificada pessoalmente.
- Até ao momento, não foi dado pagamento de tal pensão.
- Os Apelantes arguiram a prescrição por requerimento entrado em juízo em 7-04-2021.
- O Sr. Juiz a quo concluiu que não se verifica a prescrição da pensão referente a 2019, defendendo a aplicação de prazo quinquenal, previsto nas últimas leis acidentárias, e não o anual, constante da Base XXXVIII n.º 3, da Lei n.º 2127, de 3-08-1965, diploma aplicável ao acidente de trabalho em pauta nos autos-matriz (ocorrido em 15-04-1998).
- A citada Lei n.º 2127 contém um regime de Direito Transitório Formal que esclarece, sem margem de dúvida, que se aplica, in integrum, aos sinistros verificados durante a sua vigência e a todo o respetivo consectário.
- Razão pela qual falece a pertinência do recurso ao disposto no art.º 12.º n.º 2, do Código Civil.
- E, em especial, à sua parte final, pois que a fixação da obrigação de indemnizar (a prescrição é elemento definidor da obrigação) não prescinde ou abstrai, por natureza, do facto gerador do dano.
- O art.º 297.º, n.º 2, do Código Civil, tendo um campo de aplicação constrito - prazo em trânsito -, não apresenta qualquer relevância para a apreciação da presente exceção material.
- A decisão recorrida violou as Bases LI n.º 1, al.ª a) e XXXVIII n.º 3, da Lei 2127 de 3-08-1965 e os artigos  12.º, n.º 2 e 297.º n.º 2, do Código Civil.
- Termos em que deve ser revogada e, ato contínuo, substituída por douto aresto que julgue procedente, por provada, a exceção de prescrição da pensão de 2019 inicialmente assacada à entidade empregadora - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-06-2009.

1.3.O Ministério Público contra-alegou (fls. 11-15), sustentando, em resumo, que:
- Os recorrentes não podem recorrer, visto não se mostrar junta aos autos procuração a seu favor;
- Para além disso, os intervenientes nestes autos são a sinistrada, o FAT e a seguradora na parte que lhe respeita, sendo os sócios (os ora-Recorrentes) alheios a toda a factualidade, visto apenas pretenderem reaver a caução que a extinta sociedade prestou, devendo o recurso improceder por ilegitimidade daqueles.
- O prazo de prescrição a considerar é o de 5 anos, previsto nos artigos art.º 32.º n.º 2, da Lei 100/97, de 13 de setembro e 179.º, n.ºs 2 e 3, da Lei 98/2009, de 4 setembro por força do disposto no art.º 12.º, n.º 2, do Código Civil.
- Constituída a situação jurídica de acordo com o direito em vigor no momento em que ocorreu o facto (o acidente que a origina) ela fica sujeita às alterações supervenientes do sistema jurídico que tenham incidência sobre o conteúdo dessa situação jurídica, abstraindo do facto que lhe deu origem.
- Entre essas alterações da situação jurídica derivada do acidente está a concretização do período de tempo concedido ao trabalhador para reclamar os seus direitos derivados de um acidente de trabalho, que é o fundamento do prazo de prescrição de direitos, prazo este que materializa um equilíbrio não constante na relação entre responsáveis e sinistrados.

1.4.–O recurso foi admitido, no efeito e regime de subida adequados (fls. 22).

1.5.Remetidos os autos a esta Relação foi ordenada vista, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido do não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida (fls. 43).

1.6.Pelos Recorrentes foi deduzido incidente de suspeição contra o Exmo. Juiz Desembargador que interviria como 1.º Adjunto nestes autos. Esse incidente foi julgado improcedente por despacho da Exma. Senhora Vice-Presidente deste Tribunal da Relação, tendo o referido Exmo. Juiz Desembargador, entretanto, pedido escusa, que lhe foi concedida (fls. 48 a 52).

1.7.–Foram colhidos os vistos (fls. 54-56) e realizada a conferência.

Cumpre apreciar e decidir

2.–Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º s 3, 639.º, n.º 1e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras. Assim, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em verificar se ocorre a exceção de prescrição do direito à prestação devida à sinistrada.

3.–Fundamentação de facto

Os factos provados são os do relatório e ainda os seguintes.
A sinistrada sofreu um acidente de trabalho em 15-04-1998 (fls. 20, 2.º Volume).
Foi fixado em 3.984,61 o valor da caução a prestar pela (…), entidade patronal da sinistrada - que foi prestada (fls. 784, 4.º Volume). 
Foi atualizado o valor da pensão devida à sinistrada (fls. 794, 4.º Volume).
A (…), foi dissolvida (Certidão da CRC de fls. 810 a 815, 4.º Volume).
Os Recorrentes emitiram procuração forense em benefício do Ilustre Mandatário subscritor do recurso (fls. 830, 4.º Volume).
A sinistrada veio informar nos autos que nada recebeu a título de indemnização correspondente ao acidente de viação e de trabalho que sofreu (fls. 858, 4.º Volume).
Os Recorrentes requereram que a caução prestada fosse libertada e transferida para si (fls. 868, 4.º Volume).
O referido requerimento foi indeferido (fls. 937, 4.º Volume).

4.–Fundamentação

Questões prévias

Sustenta o Recorrido que não se mostra junta aos autos procuração forense a favor do mandatário subscritor do recurso, pelo que não podem os Recorrentes recorrer.
Para além disso, os intervenientes nestes autos são a sinistrada, o FAT e a seguradora na parte que lhes respeita, sendo os sócios (os ora-Recorrentes) alheios a toda a factualidade, visto apenas pretenderem reaver a caução que a extinta sociedade prestou, devendo o recurso improceder por ilegitimidade daqueles.
Analisando os autos, desde já se adianta não assistir razão ao Recorrido, em qualquer dos aspetos assinalados.
i)-Com efeito, relativamente à procuração forense, os Recorrentes  - em consonância com o disposto nos artigos 40.º, n.º 1, alínea b), 43.º e 44.º do Código de Processo Civil e 79.º, alínea b), do Código de Processo do Trabalho –  constituíram como seu mandatário o Exmo. Advogado subscritor do presente recurso e demais expediente produzido nos autos, a favor do qual emitiram a correspondente procuração, nos termos de fls. 830.
Assim sendo, encontram-se os mesmos devidamente representados em juízo. 
ii)- No respeitante à sua (i)legitimidade para recorrer, importa ter em consideração o preceituado no art.º 631.º, do Código de Processo Civil
1- Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
2- As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
(…)”

No presente caso, a sociedade (…), foi dissolvida (fls. 810-815). Por força dos artigos 151.º, n.º 1 (“Salvo cláusula do contrato de sociedade ou deliberação em contrário, os membros da administração da sociedade passam a ser liquidatários desta a partir do momento em que ela se considere dissolvida”), 162.º (“As ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5; 2 - A instância não se suspende, nem é necessária habilitação”) e 163.º, do Código das Sociedades Comerciais, considera-se a dita sociedade substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, que no presente caso são os Recorrentes.

Encontra-se em dívida a pensão de 2019, da responsabilidade da referida sociedade, tendo sido ordenado o pagamento da quota parte da pensão desse ano pelas forças da caução prestada nos autos pela dita sociedade. Os Recorrentes pretendem reaver tal caução, tendo invocado a prescrição do direito à pensão devida à sinistrada - o que lhes foi indeferido.

Perante esse quadro, torna-se manifesto que a decisão lhes é desfavorável, assistindo-lhes legitimidade para recorrer. Como refere Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5.ª Edição, pág. 86,É parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não tenha obtido a decisão mais favorável aos seus interesses”, como sucede in casu com os Recorrentes.
Posto isto, apenas nos resta concluir pela improcedência das referidas questões.

4.2.Da exceção de prescrição do direito à pensão devida à sinistrada
Pretendem os Recorrentes ocorrer a prescrição do direito à prestação (pensão) devida à sinistrada, referente ao ano de 2019, a cargo da entidade empregadora. Pensão essa atualizada oficiosamente, da qual foi a sinistrada notificada em 21-03-2019. Invocam, para tanto, o disposto na Base XXXVII, da Lei 2127, de 3 de agosto.
Salvo o devido respeito, não assiste razão aos Recorrentes.
Anota-se que relativamente ao acidente de trabalho em questão, foi a Ré, entidade empregadora,  condenada a pagar à sinistrada a correspondente pensão. Pensão esta que foi atualizada, não tendo sido paga por aquela responsável ou pelos liquidatários, ora Recorrentes, qualquer quantia a esse título à dita sinistrada.
Nos termos da Base XXXVIII, da Lei n.º 2127, de 3 de agosto
“(…)
3.As prestações estabelecidas por decisão judicial, instituição de previdência ou acordo das partes prescrevem no prazo de um ano, a partir da data do seu vencimento.
4.O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações.

Por seu turno, o n.º 2, do art.º 32.º, da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, que revogou a aludida Lei n.º 2127, dispõe que: As prestações estabelecidas por decisão judicial, (…) prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento.” Determinando o n.º 3, tal como o correspondente preceito da Lei n.º 2127, que 3- O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações”.

Idêntico prazo de prescrição foi estabelecido no art.º 179.º n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, diploma que sucedeu àquele e se encontra atualmente em vigor:
2.- As prestações estabelecidas por decisão judicial ou pelo serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais, prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento.
3.- O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações.”

Verificamos, pois, que apesar de o acidente em causa ter ocorrido no domínio temporal da Lei n.º 2127, e como tal dever o mesmo ser qualificado, assim como as suas consequências de acordo com esse regime legal e diploma que o regulamentou (Decreto-Lei n.º 360/71, de 21 de agosto), nos termos do art.º 12.º, do Código Civil, o que é uma realidade é que o legislador veio nos diplomas acidentários que se lhe seguiram consagrar um prazo de prescrição das prestações mais longo do que o previsto naquele primitivo diploma.

Anota-se ainda que embora o direito à reparação se tenha constituído ao abrigo do direito em vigor à data em que ocorreu o acidente, a reparação não se esgota no período de vigência da lei antiga, antes se vai concretizando ao longo do tempo em prestações pecuniárias,  sucessivas, de cariz periódico e vitalício (artigos 23.º alínea b), 47.º n.º 1, alínea c), 48.º n.º 3, alínea c), 50.º, n.º 2 e 72.º, da Lei n.º 98/2009).

Ora, em situações como a presente, há muito tempo considera a jurisprudência deverem aplicar-se as alterações do prazo prescricional decorrentes da Lei n.º 100/97 e da Lei n.º 98/2009, às prestações que se vão sucessivamente vencendo no decurso temporal desses diplomas, embora tenham sido estabelecidas na vigência da pretérita Lei n.º 2127 (Vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-07-2014, proc. n.º 378/1993.1.S1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-03-2021, proc. n.º 409/14.2T8VRL-B.G1, também referidos no despacho recorrido, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-11-2016, proc. n.º 314/2.T8CTB-J.C1, www.dgsi.pt).

Não vemos razão para nos afastarmos desse entendimento, que se nos afigura correto de acordo com as regras de aplicação da lei no tempo emanadas do referido art.º 12.º, do Código Civil.

Com efeito, conforme se consignou no mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-07-2014:
“Constituída a situação jurídica de acordo com o direito em vigor no momento em que ocorreu o facto, concretamente o acidente que a origina, ela fica sujeita às alterações supervenientes do sistema Jurídico que tenham incidência sobre o conteúdo dessa situação jurídica, abstraindo do facto que lhe deu origem, por força do disposto na segunda parte do n.º 2 do mesmo artigo do Código Civil. Entre essas alterações da situação jurídica derivada do acidente está a concretização do período de tempo concedido ao trabalhador para reclamar os seus direitos derivados de um acidente de trabalho, que é o fundamento do prazo de prescrição de direitos, prazo este que materializa um equilíbrio não constante na relação entre responsáveis e sinistrados Daqui que se possa concluir que as prestações nascidas na vigência da nova lei, no caso a partir da entrada em vigor da Lei n.º 100/97, já não estejam sujeitas ao prazo de prescrição de um ano, mas sim ao prazo de prescrição de cinco anos que é o previsto naquela lei.

Na verdade, não há nenhuma razão válida para que se não apliquem às situações antigas as razões que estão subjacentes ao alargamento do prazo de prescrição da nova lei, revelador de novos equilíbrios, alargamento que visa claramente beneficiar os trabalhadores menos diligentes na reclamação dos seus direitos e que, em rigor, acaba por ser afloramento do princípio da indisponibilidade dos direitos emergentes de acidentes de trabalho.

Refletindo sobre os fundamentos da aplicação da lei nova às situações jurídicas previamente constituídas, refere BAPTISTA MACHADO que «é fácil descortinar a ratio legis que está na base desta regra de aplicação imediata: por um lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas normalmente em conta pela LN, o interesse no ajustamento às novas conceções e valoração da comunidade e do legislador, bem como a exigências de unidade do ordenamento jurídico, a qual seria posta em causa, e com ela a segurança comércio jurídico, pela subsistência de um grande número de situações jurídicas duradoiras, ou até de carácter perpétuo, regidas por uma lei há muito ab-rogada»[l].

Estamos pois perante uma situação de mera alteração de uma situação jurídica em que se abstrai do facto que lhe deu origem, o que conduz à aplicação imediata da nova Lei, nos termos da 2.ª parte do n.º 2 do art.º 12.º, do Código Civil.

Segundo MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, um caso de aplicação imediata da «LN que incide sobre o conteúdo de situações jurídicas, independentemente do título que lhes esteja subjacente» é «o direito dos familiares da vítima a uma pensão vitalícia, como reparação do acidente de trabalho» que «surge com a morte do sinistrado, momento no qual se criou, ex lege, uma situação jurídica, de natureza duradoura, sem qualquer conexão direta com o facto com o facto que lhe deu origem; assim é imediatamente aplicável a LN»[2],tempo concedido ao trabalhador para reclamar os seus direitos derivados de um acidente de trabalho, que é o fundamento do prazo de prescrição de direitos, prazo este que materializa um equilíbrio não constante na relação entre responsáveis e sinistrados.

Por outro lado, a reparação do acidente materializa-se, para além do mais, no direito a uma pensão anual e vitalícia, pelo que a obrigação dos responsáveis se renova todos os anos, enquanto se mantiver a obrigação de reparar o acidente”.

Nessa linha sustenta ainda Batista Machado, in “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Almedina 1968, pág. 123, “Uma lei nova referente ao conteúdo ou efeitos de uma relação jurídica só não abstrai dos factos que a essa relação deram origem quando defina ou modele intrinsecamente esse conteúdo em função de tais factos. (…) Quando os efeitos ou consequências que ela determina são o produto da valoração legal de tais factos”. (Itálicos e sublinhados nossos).

Sustentando, por seu turno, Oliveira Ascensão, inO Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira”, 10.ª Edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 489, o seguinte: «1)- A lei pode regular efeitos como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos. Assim, a lei que delimita a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador de responsabilidade civil; a lei que estabelece poderes e vinculações dos que casam com menos de 18 anos exprime uma valoração sobre o casamento nessas condições; 2)- pelo contrário, pode a lei atender directamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado. Se a lei estabelece os poderes vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as propriedades que subsistam. Aplica-se, então, imediatamente a lei nova.» (Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-09-2009, proc. 08S2059, disponível em www.dgsi.pt)

Invocam os Recorrentes que a Lei 2127, contém regime transitório fornal que esclarece aplicar-se a mesma in integrum aos sinistros verificados na sua vigência.

Também sobre esta matéria há que fazer apelo aos ensinamentos de Batista Machado, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1983, pág. 229-231, quando o mesmo refere que “os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma LN [lei nova] podem, pelo menos em parte, ser directamente resolvidos por esta mesma lei, mediante disposições adrede formuladas, chamadas “disposições transitórias”». «Estas disposições transitórias podem ter carácter formal ou material. Dizem-se de direito transitório formal aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a LA [lei antiga] ou a LN, é aplicável a determinadas situações. São de direito transitório material aquelas que estabelecem uma regulamentação própria, não coincidente nem com a LA nem com a LN, para certas situações que se encontram na fronteira entre as duas leis.» (sublinhados nossos).

Ora, ao contrário do referido pelos Recorrentes, não resulta da Lei 2127, (Base LI 1.- Esta lei entra em vigor com o decreto que a regulamentar e será aplicável: a)- Quanto aos acidentes de trabalho, aos que ocorrerem após aquela entrada em vigor; (…)”), do Decreto-Lei n.º 369/71, que a regulamento, da Lei 100/97 (art.º 41.º, n.º 1, alínea a)), da Lei da Lei n.º 98/2009 (artigos 187.º e 188.º), qualquer regra (especifica) de direito transitório formal que imponha solução diversa da acima referida (todos os correspondentes normativos têm redação semelhante).

Desta feita, sendo aplicável à prestação em causa o prazo de prescrição de 5 anos, atendendo à data em que foi a sinistrada notificada da atualização da pensão – 21-03-2019 – é manifesto não se mostrar ainda transcorrido o referido prazo. Apenas nos restando concluir pela improcedência da presente questão.

5.–Decisão

Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.



Lisboa, 2022-06-08



Albertina Pereira
Alves Duarte
Maria José Costa Pinto