Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2916/17.6T8ALM.L1-8
Relator: AMÉLIA PUNA LOUPO
Descritores: CITIUS
FORMULÁRIOS
FICHEIRO ANEXO
DESCONFORMIDADE
PREVALÊNCIA
ILEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – artº 663º nº 7 do Código de Processo Civil)

I - O citius é apenas o sistema informático de apoio à actividade judiciária e os respectivos formulários destinam-se a recolher de forma automatizada informações para efeitos administrativos e estatísticos de molde a propiciar o descongestionamento da actividade procedimental dos serviços; trata-se, portanto, de um sistema de índole administrativa e por isso a própria lei prevê a possibilidade de rectificação do conteúdo do formulário (cfr. art.º 7º nº 3 da citada Portaria).
II - Tal significa que os formulários citius não se sobrepõem à realidade processual decorrente das regras legais substantivas e adjectivas, sob pena de violação da hierarquia das fontes de direito caso se concedesse a um diploma de regulação administrativa (a Portaria) valor superior a um diploma de ordenação jurídica (a Lei ou o Decreto‑Lei).
III - A identificação das partes na apresentação de uma acção não pode ser tida como uma mera informação no sentido empregue no art.º 7º nº 2 da Portaria nº 280/2013, de 26/08, uma vez que se trata de elemento fulcral da própria lide, essencial à verificação de vários pressupostos processuais, como a legitimidade, capacidade, personalidade, e por isso é requisito da própria petição – do articulado, enquanto tal – o dever de identificação das partes (cfr. art.º 552º nº 1 al. a) CPC).
IV - A ilegitimidade singular constitui uma excepção dilatória insanável, não podendo ser ultrapassada através do incidente de intervenção porquanto quer à intervenção espontânea (cfr. art.ºs 311º ss. CPC) quer à intervenção provocada (cfr. art.ºs 316º ss. CPC) subjaz sempre uma relação litisconsorcial.
V - Só a ilegitimidade plural (preterição de litisconsórcio) é suprível por via do incidente de intervenção.
VI - Por conseguinte, a ilegitimidade singular constitui excepção dilatória que dá lugar à absolvição do réu da instância.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
AA, divorciado, residente na Rua … - …, em representação do seu filho menor BB, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma única de processo comum,
contra
Estabelecimento …, Lda”, NIPC: …, sito na Rua … - …;
CC, Directora Pedagógica, com domicílio profissional na Rua …- …;
DD, Professora …, com domicílio profissional na Rua … - ….
Alega-se na petição, em suma, que as RR. causaram danos não patrimoniais a AA, pois com a sua actuação impediram-no de ver e estar com o filho, de participar activamente na sua vida, de o acompanhar no seu percurso escolar e no seu desenvolvimento, o que acabou por o induzir a um estado de depressão, razão pela qual peticionou a condenação das Rés a indemnizá-lo por tais danos não patrimoniais na quantia de € 30.100,00 (trinta mil e cem euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos a contar da citação.
As Rés contestaram, refutando os factos alegados e concluíram pela sua absolvição do pedido.
Prosseguindo os autos a sua tramitação, a final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu as Rés do pedido.
AA veio interpor o presente recurso de apelação, com impugnação da matéria de facto, sustentando que a decisão recorrida deve ser revogada, depreendendo-se das suas alegações que defende a sua substituição por acórdão que condene as Rés a indemnizá-lo nos termos peticionados. Requereu ainda a junção de documentos.
Das suas alegações extraiu as seguintes
Conclusões
«a) Contradição entre o facto provado 4 e 7 com o facto não provado 1 (indicado pela ordem dos parágrafos não estando numerados os factos não provados)
A. Se foi dado como provado que as RR começam a cumprir no ano civil de 2014 o cumprimento do despacho referido em facto 12, é porque foi proferido um despacho de 21/11/2013, que oficia as RR. a cumprirem o regime nos precisos termos.
B. Só se justifica tal ofício por parte do Tribunal quando o estabelecimento de ensino se demite do dever de cumprir o regime e abster-se de tomar partido de qualquer dos progenitores em conflito, conforme factos provados 4 a 11.
C. Tal despacho teve origem no requerimento de 06/11/2013 Ref. 3551933.
Termos em que que deve ser dado provimento ao recurso nesta parte, revogando-se a sentença.
b) Facto não provado 3 e 4 devem ser dados como provados a notificação e recusa de aplicação de exames diagnósticos para PEI
A. O tribunal de Família proferiu despacho em 11/02/2015 a ordenar ao colégio, aqui RR. a realização dos exames necessários para o acompanhamento pedagógico do BB.
B. O despacho remete «cópia à escola do relatório pericial realizado ao menor a fim de o mesmo ser considerado no acompanhamento escolar», ordenando a realização de exames a organizar entre pais e colégio sob pena de condenação em multa, incumprindo.
C. Encontrando-se suprida a ausência de consentimento da mãe, e impondo o colégio o dever de cumprir o despacho.
D. O tribunal, oficiosamente, procedeu à notificação das RR, por documento elaborado em 17/12/2015, sob o registo RJ99293927PT.
E. regularmente notificadas, as RR, deliberada e intencionalmente omitiram o dever de cumprir
F. Dec-Lei 3/2008, que implementa o PEI, à data vigente, impunha a instituições de ensino público, privado ou cooperativo o dever de, com ou sem colaboração parental providenciar pela referenciação, avaliação das crianças e aplicação de PEI.
G. Nunca as RR., mesmo após notificação do despacho judicial, desencadearam a realização de qualquer avaliação
H. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso nesta parte e revogada a decisão proferida e substituição por outra, dando como provados os factos 3 e 4 da matéria não provada.
I. CONSEQUENTEMENTE, deve ainda ser corrigido lapso do facto provado 23, que refere «despacho de 23/02/2015» e é de «11/02/2015»
c) Facto não provado 3 deve ser desconsiderado e tido por não escrito, 5, 6 e 7 devem ser dados como provados que a escola, mediante instruções, recusou a entrega da criança ao Autor (reapreciação da prova gravada)
A. Foi dado como não provado (facto 3) que as RR tivessem sido notificadas do despacho de 02/06/2014 que fixava a residência alternada, quando tal aspecto não foi impugnado nem contestado pelas RR, ou sequer discutido em sede de audiência de julgamento.
B. Sendo inócua tal notificação para fazer prova da legitimidade ou não da conduta das RR ao recusarem entregar o BB.
C. Qualquer estabelecimento de ensino deve abster-se de interferir nos conflitos familiares, só sendo legitimo recusar a entrega de uma criança mediante despacho judicial expressando essa proibição – o que nunca existiu, nem foi pelas RR invocado.
D. Dizem as RR nunca terem recusado a entrega.
E. Mas recusaram.
F. Além dos autos de ocorrências da PSP, as testemunhas TS e AC, afirmaram categoricamente terem recusado a entrega do BB ao Autor porque tinham instruções da Direcção para só entregar o BB à mãe.
G. TS sistema habilus citius 09:58 10:11 00:12:39, em minutos 7:50, em minutos 9:32, em minutos 9:37 em minutos 10:15, e em minutos 11:10, em minutos 11:26, e minutos 11:34
H. AC habilus citius 10:27 10:37 00:10:20, em minutos 7:02, minutos 7:09 e confirma em minutos 7:53.
I. Termos em que o Facto não provado 3 deve ser desconsiderado e tido por não escrito, e os factos não provados 5, 6 e 7 devem ser dados como provados, dando-se provimento ao recurso nesta parte e revogando a decisão recorrida
d) Facto provado 27 deve ser dado como não provado por se encontrar em contradição com a demais matéria assente e prova documental
i. É, tal facto, manifestamente falso, dado que a relação Autor-RR, foi pautada por intensa conflitualidade, conforme factos provados 4 a 11, 23 a 26.
ii. Obrigação das RR que é estatutária decorrente do art.º 11.º do Estatuto do Aluno e Ética Escolar
iii. As RR. recusaram cumprir despacho judicial de 11/02/2015, que ordenava a realização de exames complementares e aplicação do PEI ao BB, negando ter recebido a notificação do tribunal falsamente,
iv. Além de sob instruções da Direcção as RR passam a recusar a entrega do BB ao Autor nos períodos de convivência que lhe cabiam,
v. Tal conclusão é manifestamente contraditória em toda a linha com a globalidade da factualidade provada, e demais aqui contestada em sede de recurso
B. Termos em que deve ser dado provimento ao recurso nesta parte, revogando-se a decisão recorrida nesta parte e dando o facto 27 como não provado.
Termos em que se REQUER que seja dado provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida por provada.».
Foram apresentadas contra-alegações, que terminaram com as seguintes
Conclusões
«A) BB, é maior de idade, fez 18 anos no dia 10 de outubro de 2023, e à data da interposição do presente recurso tinha personalidade e capacidade judiciária e legitimidade para defender os seus direitos e interesses em juízo, pelo que, o Recorrente, AA, é parte ilegítima nos presentes autos.
B) O recurso interposto pelo Recorrente, AA, não deverá ser admitido conforme o previsto no n.º 1 do artigo 641.º do Código de Processo Civil.
C) A ilegitimidade do Recorrente é uma exceção dilatória, conforme estatuído na alínea e) do artigo 577.º do Código de Processo Civil.
D) Sendo admitido o recurso, os Recorridos devem ser absolvidos da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 576.º Código de Processo Civil.
E) O Recorrente alegou contradição entre o facto provado 4 e 7 com o facto não provado 1, mas esta não existe.
F) Foi proferido pelo Tribunal de Família e Menores de Cascais o Despacho datado de 21/11/2013 e o mesmo constar nos presentes autos.
G) Mas o Recorrente, não provou que tinha requerido ao Tribunal de Família e Menores de Cascais que diligenciasse junto do 1.º Réu, ora Recorrido, para cumprir o regime legal de responsabilidades parentais e para aquele informar o ora Recorrente da evolução escolar do BB, nem que tinha apresentado tal requerimento em Tribunal devido à inoperância e silêncio dos Réus.
H) Logo, não deve ser dado como provado o facto 1 da matéria não provada.
I) Alega o Recorrente que relativamente aos factos não provados 3 e 4 deverem ser dados como provados a notificação e recusa de aplicação de exames diagnósticos para PEI.
J) Os factos não provados 3 e 4 não fazem qualquer referência ao Despacho proferido em 11/02/2015, ao teor do mesmo ou à sua notificação aos Réus, contrariamente ao que pretende fazer crer o Recorrente no enredo/fábula que são as suas alegações quanto a esta matéria.
K) Incumbia ao Recorrente fazer prova no Tribunal a quo do invocado no artigo 41.º da petição inicial, ou seja, que o Tribunal de Família e Menores de Cascais, em fevereiro de 2015, emitiu despacho favorável ao exame médico de despiste de dislexia conforme documento que se junta sob a forma de doc. 16(...).
L) O Recorrente não produziu qualquer prova no Tribunal a quo sobre o Despacho, datado de 11/02/2015, proferido pelo Tribunal de Família e Menores de Cascais, não juntou aos autos no Tribunal recorrido qualquer documento com o número 16, nem juntou o referido despacho, nem a alegada notificação dos Réus datada de 17/12/2015, vindo de forma ardilosa invocar e transcrever em sede de alegações de recurso o referido despacho.
M) O Recorrente não produziu qualquer meio de prova a este respeito no Tribunal a quo, pelo que, não consta da prova por documentos qualquer referência ao Documento 16, nem ao Despacho, datado de 11/02/2015, proferido pelo Tribunal de Família e Menores de Cascais.
N) O Recorrente de forma pérfida e ardilosa alega que os Réus foram notificados do referido despacho e que prestaram falsas declarações ao afirmarem que não tinham sido notificados do despacho e que não tinham tomado conhecimento do teor do despacho, sem nunca ter logrado fazer prova de tal facto no Tribunal recorrido.
O) Sendo extemporânea e inadmissível a pretensão do Recorrente de em sede de alegações de recurso juntar aos autos o despacho do Tribunal de Família e Menores de 11.02.2015 que supra a ausência de consentimento e determina a realização das avaliações necessárias e ordena o Ofício e notificação aos Réus e da notificação dos Réus para realização de exames de diagnóstico ao discente BB com vista ao PEI.
P) Pois, o Despacho cuja junção o Recorrente ora requer aos presentes autos foi proferido, em 11/02/20215, pelo Tribunal de Família e Menores de Cascais, num processo em que o Recorrente era parte.
Q) A alegada notificação datada de 17/12/2015 relativa ao supra referido Despacho pertence ao mesmo processo de o Recorrente era parte.
R) A ação que correu termos no Tribunal recorrido foi proposta em 12 de abril de 2017 e a audiência de discussão e julgamento naqueles autos teve início em 17 de janeiro de 2022.
S) Desde 2015 que o Recorrente tem acesso quer ao Despacho proferido, em 11/02/20215, pelo Tribunal de Família e Menores de Cascais, quer à alegada notificação datada de 17/12/2015.
T) Decorreram mais de 5 anos entre a propositura da ação no Tribunal recorrido e o início da audiência de discussão e julgamento e neste longo período de tempo o Recorrente nunca juntou estes documentos aos autos no Tribunal a quo.
U) Os documentos visam demonstrar certos factos antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica, motivo pelo qual a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1.ª instância e com os articulados.
V) Dispõe o artigo 651.º do Código de Processo Civil que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
W) Em sede de recurso, como resulta do artigo 651.º do Código de Processo Civil em conjugação com o artigo 425.º do CPC, é legítimo às partes juntarem documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou quando a sua apresentação apenas se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância.
X) Não é o que sucede no caso sub judice, os documentos que o Recorrente requer a junção em sede de alegações de recurso, estavam já disponíveis em fase muito anterior ao presente recurso e até à entrada da ação no Tribunal a quo – os documentos datam de 11/02/2015 e 17/12/2015 a ação deu entrada em 12/04/2017.
Y) O momento de apresentação de tais documentos era o previsto no artigo 523.º do CPC, o Recorrente não pode juntá-los agora, alegando que a sua junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, pois, não é esse facto que determina a necessidade da junção dos documentos, mas sim a existência de um facto que já antes do julgamento que o Recorrente sabia estar sujeito a prova.
Z) Tendo perdido a ação, não pode agora, extemporaneamente, tentar instruir melhor a prova, com elementos que há muito estariam já disponíveis, para inverter o resultado final.
AA) Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 18/02/2003, in CJ/STJ, ano XI, tomo I, pág. 106: «Não é lícito juntar, com as alegações de recurso de apelação, documento relativo a factos articulados e de que a parte podia dispor antes do encerramento da causa na 1.ª instância. Na verdade, o artigo 693.º-B do CPC, ao admitir a junção só tornada necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância, não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância (Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 10; Antunes Varela, R.L.J. 115-94)».
BB) Revestindo a junção de documentos na fase de recurso carácter excecional, só deve ser admitida nos casos especiais previstos na lei, o que não sucede no caso sub judice, não devendo ser admitida a junção daqueles documentos.
CC) O Recorrente prossegue as suas alegações com devaneios sobre a necessidade e obrigatoriedade de ser aplicado ao aluno BB um PEI, ignorando, sem qualquer fundamento para tal, a matéria de facto provada, quer por prova documental, quer testemunhal resultante dos depoimentos das testemunhas GG e HH que de forma isenta declaram que os Réus não estavam obrigados a aplicar a BB um PEI.
DD) Atendendo às conclusões supra entendem os Recorridos inexistir qualquer fundamento para a pretensão do Recorrente, pelo que, devem manter-se como não provados os factos 3 e 4 da Douta Sentença.
EE) Alega, ainda, o Recorrente que o facto não provado 3 deve ser desconsiderado e tido por não escrito e que os factos não provados 5, 6 e 7 devem ser dados como provados que a escola, mediante instruções, recusou a entrega da criança ao Autor.
FF) O Recorrente contradiz-se em sede de alegações, primeiro argumenta que o facto não provado 3 deve ser dado como provado e alguns parágrafos depois defende que o facto não provado 3 deve ser desconsiderado e tido por não escrito.
GG) A decisão referida facto não provado 3 nunca foi notificada aos Réus, nem logrou o Recorrente fazer prova de que tenha sido, pelo que inexiste fundamento para que o facto não provado 3 seja desconsiderado e tido por não escrito, devendo manter-se como não provado.
HH) O Recorrente pretende que os factos não provados 5, 6 e 7 sejam alterados e “(…) dados como provados que a escola, mediante instruções, recusou a entrega da criança ao Autor (reapreciação da prova gravada).” quando na realidade o que consta dos referidos factos não provados, conforme resulta da transcrição é:
“Acresce que, nos dias seguintes ocorrem diversos episódios em que os Rés impediram o aqui A. de ver o seu filho menor. [do art.º 49.º - petição inicial]
O Autor foi durante três meses privado de ver ou estar com o seu filho menor, por parte da escola. [do art.º 50.º - petição inicial]
Tendo a escola se recusado a entregar o menor ao pai na semana em que a este competia. [do art.º 51.º - petição inicial]”
II) O que resulta da decisão ora recorrida é que o Recorrente, não prova “(…) que as Rés não tenham vindo a cumprir com os deveres de entrega do menor ao Autor decorrentes de decisão judicial nesse sentido.”
JJ) Constando, ainda, daquele aresto que não se logrou saber se nas duas vezes que a testemunha II acompanhou o Recorrente ao estabelecimento do 1.º Réu “ (…) correspondia a dia em que o menor devia ser entregue ao Autor, mas se assim fosse, estranha- se o momento porquanto, foram unânimes as testemunhas ouvidas a respeito desta matéria que estava ainda a decorrer o período letivo. Ainda que assistisse o direito ao Autor de lhe ser entregue o filho no final do período letivo não se compreende que não tenha aguardado pelo final das aulas ou se não fizesse acompanhar de autoridade policial munido da sentença que o habilitasse a fazer-se acompanhar do seu filho naquela data e hora.”
KK) Resulta, ainda, provado nos autos que sempre que o menor, BB, se recusou a sair das instalações do 1.º Réu na companhia do pai, os Réus solicitaram a presença policial e nunca foram os Réus que recusaram entregar o menor, BB, ao pai, ora Recorrente, este decisão foi sempre tomada pelos agentes da Policia de Segurança Pública, que se deslocavam ao local, com a anuência dos progenitores (pai e/ou mãe).
LL) Assim, os factos não provados 5, 6 e 7 devem permanecer inalterados, ou seja, como não provados.
MM) O Recorrente alega que facto provado 27 deve ser dado como não provado por se encontrar em contradição com a demais matéria assente e prova documental.
NN) Os Réus fizeram prova da factualidade vertida no facto provado 27, com o Documento 2 junto com a contestação, que é um email do Recorrente, dirigido à Direção do 1.º Réu, em que agradece à 2ª Ré a isenção face ao problema de comunicação que tem com a mãe do BB e refere que a 2ª Ré foi uma ajuda essencial para o restabelecimento da paz na vida do BB e por isso lhe fica eternamente grato e agradece a ajuda, amizade e colaboração daquela.
OO) O documento não foi impugnado, razão pela qual foi dado como provado que “(…) O Autor reconheceu que as Rés atuaram de forma isenta e cordata. E que foram uma ajuda essencial para o restabelecimento da paz na vida do menor BB. [do art.º 29.º - contestação].”
PP) Assim, o facto provado 27 deve manter-se.
QQ) O Recorrente veio requerer em sede de alegações de recurso a junção dos seguintes documentos:
• Doc. 12 – email do A. às RR. com despacho do tribunal de Família e menores de --- que define residência alternada – nunca foi junto aos autos em 1.ª instância;
• Doc. 16 – despacho do Tribunal de Família e Menores de 11.02.2015 que supra a ausência de consentimento e determina a realização das avaliações necessárias e ordena o Ofício e notificação às RR - nunca foi junto aos autos em 1.ª instância;
• notificação das RR. do regime vigente e dever de o cumprir o regime vigente em 2013 nos precisos termos - nunca foi junto aos autos em 1.ª instância;
• despacho de 21/11/2013 e promoção que antecede - nunca foi junto aos autos em 1.ª instância;
• notificação das RR. para realização de exames de diagnóstico ao discente BB com vista ao PEI - nunca foi junto aos autos em 1.ª instância.
RR) O Recorrente requer a junção dos referidos documentos invocando ter-se tornado necessário em função da sentença proferida e do presente recurso.
SS) No que concerne ao requerimento do Recorrente de junção dos documentos em sede de recurso, os Recorridos reiteram o vertido nas suas conclusões de K) a BB).
TT) A que acresce estarem agora elencados despachos e documentos datados de 2013, juntos a processos em que o Recorrente era parte e as quais sempre teve acesso.
UU) Deve ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.
VV) Conforme resulta das conclusões sob a letras K) a BB), deve ser indeferida a junção ao presente recurso dos documentos elencado na conclusão sob as letras QQ).
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas doutamente
suprirão, deverá:
• ser julgada procedente, por provada e fundada, a exceção dilatória de ilegitimidade e, em consequência, serem os Recorridos absolvidos da instância, ou, caso assim não se entenda,
• a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada e infundada, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.»
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Tendo AA apresentado recurso da sentença em nome próprio e assumindo a qualidade de Autor, e constatando-se que o Autor BB atingiu a maioridade em 10/10/2023 anteriormente à apresentação do recurso, passando a deter capacidade judiciária, vislumbrou-se nos autos fundamentos de ilegitimidade activa obstaculizadora do conhecimento do recurso, razões pelas quais foi pela relatora proferido despacho que, em vista dos artºs 655º nº 1 e 3º nº 3 CPC, determinou a notificação de Recorrente e Recorridas para alegarem o que tivessem por conveniente face às vislumbradas causas de não conhecimento do recurso.
Responderam nos termos dos requerimentos que antecedem: as Recorridas perfilhando o ponto de vista veiculado no citado despacho da relatora e AA juntando procuração emitida por seu filho BB ao pai “para prosseguir, tramitar e interpor acções judiciais em seu nome a partir da sua maioridade, sanando, assim qualquer irregularidade.”, remetendo ainda para um seu requerimento junto aos autos que nem sequer cuidou de identificar (pelo menos pela data em que o apresentou aos autos) mas que se trata da peça que apresentou como articulado superveniente em 14/02/2022, refª  20451984 / 41324889, renovando os argumentos aí apresentados e que consistem em que: «o Autor AA intervém nos presentes autos numa posição dualizada face ao objecto do processo: em nome próprio como Autor, e em representação do filho, à data menor.
PORQUANTO, os presentes autos versam sobre duas questões relacionadas entre si:
(1) a conduta das RR. ao incumprirem despacho judicial que determinava que o Colégio facultasse ao pai todas as informações escolares do filho e que não impedissem a relação de convivência familiar conforme decisões judiciais proferidas pelo Tribunal de Família e Menores de Cascais, bem ainda,
(2) o incumprimento de despacho judicial de que foram regularmente notificadas as RR., que impunha ao Colégio o dever de realizar a avaliação e despiste de problemas de aprendizagem relacionados com disortografia e dislexia do BB, bem como a recusa de aplicação do PEI ao BB.
Na primeira questão é o Autor, pai do Jovem parte na acção quanto aos factos referentes a essa questão, nomeadamente pontos 4 a 31, e 49 a 64 da PI.
Na segunda questão é o Autor, pai do Jovem, representante do BB, uma vez que foi este o lesado com a conduta do Colégio, aqui RR, nomeadamente 32 a 48 da PI.
DE MODO QUE, o Autor AA tem legitimidade activa, quer em nome próprio, quer em representação do filho BB, quer para a interpositura da acção, quer para a sua tramitação subsequente após a maioridade do jovem.».
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Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º nº 3 do mesmo Código), sendo que dentre as questões que lhe caiba conhecer, mormente as de conhecimento oficioso, o Tribunal apenas apreciará aquelas cujo conhecimento não fique prejudicado pela apreciação precedente de outras.
No caso, as questões a decidir são as seguintes e pela indicada ordem:
- ilegitimidade activa;
- alteração da matéria de facto;
- alteração da sentença com inerente condenação das Rés.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A - DE FACTO
Na sentença sob recurso foi considerada a seguinte a factualidade:
Factos provados
«1. BB nasceu em 10.10.2005 e é filho do Autor AA e de JJ. [do art.º 2.º - petição inicial]
2. O processo que regula o exercício das responsabilidades parentais do menor BB, corre termos no J.. da ..ª Secção de Família e Menores do Tribunal de …, sob o número …. [do art.º 5.º - petição inicial]
3. BB foi inscrito por sua mãe JJ no “Colégio …” 1.º Réu, que frequentou nos anos letivos de 2013-2014 e 2014-2015. [dos art.º 7.º e 8.º - petição inicial] Logo no inicio do ano letivo, a 12.09.2013, o Autor enviou à 2.ª Ré, CC, o email que ora se transcreve: “Boa tarde CC /Dado que o BB vai começar este ano lectivo um desafio numa nova escola e com uma nova professora, a DD, eu gostaria de reunir consigo e com a professora do meu filho quando vos for possível./Aguardo resposta com a Vossa disponibilidade asap.” [do art.º 11.º - petição inicial]
4. E-mail ao qual a 2.ª Ré, a 13.09.2013, respondeu dizendo que: “Boa tarde Pai,/Estou informada que foi atribuída em exclusivo a guarda provisória e os cuidados do aluno BB à mãe e encarregada de educação pela Conferência de Pais de 16 de Agosto (tenho cópia no processo do aluno), assim sendo, toda a informação que a escola poderá passar só será feita à mãe. O Pai deverá esclarecer-se de qualquer informação junto da mãe./Aproveito para informar que iremos seguir e respeitar a informação e ordem passada pelo tribunal, não vale a pena aparecer para ver o BB que não será possível autorizarmos, apenas com a autorização da mãe./Atenciosamente, ASL Direcção Pedagógica” [do art.º 12.º - petição inicial]
5. Face ao e-mail recebido pela Diretora Pedagógica da Escola, 2.ª Ré, o Autor enviou email, em 23.09.2013 se transcreve: “Com base no seu mail não posso contactar a professora…logo não posso estar a par da educação escolar do meu filho. Porque estive este fim-de-semana a fazer os trabalhos da sua escola com o meu filho. Encontro dificuldades no livro de matemática, sobre o actual método de ensino, que preciso esclarecer. A quem pergunto?? Pergunto à mãe (por mail) como se resolvem os problemas de matemática do meu filho? Ou fico sem saber como ajudar a criança a estudar? Devo contactar o Tribunal para informar a escola a agir de forma a um pai separado saber como se ensina as somas hoje em dia?” [do art.º 16.º - petição inicial]
6. Tendo a 2.ª Ré, Diretora da Escola no mesmo dia, respondido, por e-mail que se transcreve: “As professoras não ensinam os pais a resolverem, se o BB não consegue fazer algum exercício dos TPC, não se preocupe, a professora na aula seguinte explica. Não me leve a mal mas no colégio não damos aulas adultos/Pais.”. [do art.º 17.º - petição inicial]
7. No dia 25.09.2013, a 2.ª Ré voltou a enviar um e-mail ao Autor que se transcreve: “Lamento mas não irei agendar nenhuma reunião, apenas com a encarregada de educação, não vale apena insistir. Aproveito para informar que entrarei em contato com o tribunal para passar a sua insistência em querer agendar reunião com a direção e explicações com a docente do BB.”. [do art.º 18.º - petição inicial]
8. No dia 30.10.2013, 15:56m o Autor voltou a solicitar reunião com a 2.ª Ré nos seguintes termos “Venho solicitar reunião consigo e com a professora do meu filho, BB, ainda esta semana, se for possível, para mim a sexta-feira às 14 horas seria óptimo. Será que me pode receber? Senão poder a esta hora durante manhã também seria viável”. [do art.º 19.º - petição inicial]
9. A 2.ª R. respondeu ao Autor em 30.10.2013, às 23:57 por comunicação eletrónica com o seguinte teor: “Nunca é possível agendarmos uma reunião à hora que o pai sugeriu, a essa hora a docente está com os alunos amanhã vou analisar a agenda da Professora DD e envio email a informar do dia e hora, no entanto posso adiantar que esta semana já não vai ser possível”.
10. No dia 06.11.2013, 17:06m o Autor voltou a solicitar reunião com A 2.ª Ré nos seguintes termos “Venho mais uma vez, solicitar uma reunião com a professora do meu filho BB. O meu interesse pelo projecto educativo do meu filho não deverá ser ignorado. Peço atenciosamente a sua compreensão e aguardo uma rápida resposta. Estou disponível em qualquer dia a qualquer horário”.
11. No dia 07.11.2013, 09:48m o Autor remeteu e mail à 2.ª Ré com o seguinte teor “As minhas iniciativas para contacto com a escola tiveram início a 12 de Setembro, Já faz 2 meses. As respostas que em tem enviado são sempre negativas e privam-me de exercer o mais elementar direito de pai (…) [do art.º 21.º petição inicial]
12. O Tribunal veio a emitir um despacho a 21.11.2013 a determinar a notificação da “Diretora da Escola do menor que se encontra em vigor o regime provisório fixado a fls. 249 e que o mesmo deverá ser cumprido nos seus precisos termos” [do art.º 23.º - petição inicial]
13. Já no início do ano civil de 2014, o 1.º Réu e a 2.ª Ré iniciaram o cumprimento do referido despacho, permitindo que o Autor tivesse acesso à informação, bem como fosse visitar o menor e buscá-lo. [do art.º 24.º - petição inicial]
14. Ao que a mãe não entrega elementos e tenta impedir a realização dos exames psicológicos ao menor. [do art.º 30.º - petição inicial]
15. Sem terem ainda sido feitos os exames ao menor, o Tribunal emite decisão provisória sobre o exercício das responsabilidades parentais, em 12.06.2014, decidindo pela guarda partilhada. [do art.º 31.º - petição inicial]
16. Foi entregue ao Autor uma folha de registo de entrevista do diretor de turma, professora SG, aluno BB, datado de 23 de junho de 2024 [do art.º 32.º - petição inicial]
17. Subsequentemente, no início do ano letivo 2014/2015 foi agendada nova reunião entre o aqui Autor a mãe do menor e as 2ª e 3ª Rés e a Psicopedagoga da Escola, para análise do Processo de Aprendizagem do menor. [do art.º 34.º - petição inicial]
18. A mãe do menor não compareceu. [do art.º 35.º - petição inicial] 19. Na mencionada reunião foi discutida a sujeição do menor a um PEI (Plano Educativo Individual) o que tinha a concordância do Autor e da Psicopedagoga do Colégio. [do art.º 36.º - petição inicial]
20. A mãe do menor havia já anteriormente recusado os pedidos de avaliação do menor, questionando a idoneidade dos técnicos do Colégio. [do art.º 37.º - petição inicial]
21. Neste sentido, entenderam as 2.ª e 3.ª Rés que, uma vez que a mãe do menor é a Encarregada de Educação, o menor não poderia ser sujeito a PEI sem a sua autorização, nem avaliado por técnicos que não pertençam INML, conforme decisão judicial. [do art.º 38.º - petição inicial]
22. As Rés entregaram ao Autor a ata da reunião com a indicação de que entendem que o menor não necessita de PEI nem avaliação especializada. [do art.º 41.º - petição inicial]
23. Na sequência do despacho emitido pelo Tribunal, em 23.02.2015, o Autor entregou aos Réus, documento a solicitar o preenchimento do mesmo, pela 3.ª Ré e a confirmar se a escola já havia recebido a comunicação do Tribunal, uma vez que o Tribunal havia determinado prazo de resposta curto e com sanção para caso de incumprimento. [do art.º 45.º - petição inicial]
24. Tendo a escola informado que não havia recebido qualquer notificação do Tribunal. [do art.º 46.º - petição inicial]
25. Após insistência por e-mail de 05.03.2015, a solicitar confirmação da receção do documento e da notificação do Tribunal, a escola informou o Autor que não havia recebido qualquer informação do Tribunal e mais acrescentou que o documento não iria ser preenchido pela professora pois entende que não pode avaliar o menor. [do art.º 47.º - petição inicial]
26. O Autor, em 05.03.2015, informa o 1.º Réu e a 2.ª Ré que deverão preencher o documento que o mesmo se prende com a evolução escolar do menor e como pai tem direito a solicitá-lo, informa ainda que caso demonstrem parcialidade e mantenham a posição comunicará às autoridades [do art.º 48.º - petição inicial]
27. O Autor reconheceu que as Rés atuaram de forma isenta e cordata. E que foram uma ajuda essencial para o restabelecimento da paz na vida do menor BB. [do art.º 29.º - contestação]»
Factos não provados
«Face à inoperância e silêncio subsequente por parte do 1.º R. e das 2.ª e 3.ª R. o A. apresentou um Requerimento em Tribunal a pedir que o mesmo diligenciasse junto da escola para cumprir o regime legal de responsabilidades parentais e informasse o A. da evolução escolar do menor. [do art.º 22.º - petição inicial]

Que a decisão do regime provisório das responsabilidades parentais de 16.12.06.2014 tenha sido notificado aos Réus. [do art.º 31.º - petição inicial / que se reporta à guarda partilhada]
Que as Rés para obviarem o cumprimento da obrigação de efetuarem a comunicação e sinalizarem o menor enquanto PEI tenham entregue ao Autor a ata da reunião com a indicação de que entendem que o menor não necessita de PEI nem avaliação especializada. [do art.º 41.º - petição inicial]
Acresce que, nos dias seguintes ocorrem diversos episódios em que os Rés impediram o aqui A. de ver o seu filho menor. [do art.º 49.º - petição inicial]
O Autor foi durante três meses privado de ver ou estar com o seu filho menor, por parte da escola. [do art.º 50.º - petição inicial]
Tendo a escola se recusado a entregar o menor ao pai na semana em que a este competia. [do art.º 51.º - petição inicial]»
B - DE DIREITO
Da ilegitimidade
Resulta das disposições conjugadas dos artºs 259º nº 1 e 552º nº 1 corpo, ambos do CPC, que autor é aquele que intenta uma acção mediante a apresentação em juízo da petição, na qual, entre o mais, deve identificar as partes, indicando os seus nomes (cfr. al. a) do citado nº 1 do art.º 552º).
No caso, o que se mostra claramente expresso no intróito da petição inicial, é que o autor é o então menor, BB, representado por seu pai AA.
Efectivamente, ali consta que “AA, divorciado, portador do cartão de cidadão …, residente na Rua… - …, vem, nos termos do art.º 10.º, n.º 2, do CPC, intentar Acção Declarativa com Processo Comum, em representação do seu filho menor BB” (sublinhado nosso).
A necessidade da representação dos menores em juízo resulta de estes carecerem de capacidade para o exercício de direitos (cfr. art.º 123º CCivil) e por isso a sua incapacidade é suprida pelo poder paternal (cfr. art.º 124º CCivil), estando eles em juízo por intermédio dos seus representantes, designadamente por quem exerce as responsabilidades parentais (cfr. art.º 16º nº 1 e nº 2 a contrario CPC).
Significa quanto antecede que a representação dos menores em juízo ocorre quando estão em causa direitos dos menores, mas que eles não podem exercer em razão da sua incapacidade e por isso estão em juízo por intermédio dos seus representantes.
Portanto parte activa na acção é o menor representado, e não o seu representante, e estarão em causa direitos daquele e não deste.
Ora, no caso todas as referências feitas na petição ao Autor não se reportam ao então menor BB mas sim a AA, como desde logo ressalta dos artºs 1º a 3º da petição onde se lê :
«1. O A. viveu em união de facto, de forma absolutamente análoga à dos cônjuges, entre o ano de 2001 e o ano de 2013, com JJ.
2. Dessa relação, nasceu a 10.10.2005, o filho de ambos, de nome, BB ,…
3. No ano de 2013, o A. separou-se da mãe do seu filho».
E a petição é também clara quanto a que se destina exclusivamente a fazer valer um direito indemnizatório a que AA se arroga por danos não patrimoniais próprios, pois após a narrativa dos factos em que o autor é sempre referenciado a AA os art.ºs 87 e 98 da petição sumariam os direitos pretendidos fazer valer nos seguintes moldes : « 87. “… a conduta dos RR. foi causadora dos danos ao A., pois com a sua acção impediram-no de ver e estar com o filho, de participar activamente na sua a vida, de o acompanhar no seu percurso escolar e no seu desenvolvimento.

98. Tendo em conta todos estes elementos e parâmetros, é entendimento do A. que a indemnização justa e equitativa deve ser fixada em € 30.100 (trinta mil e cem euros), indo a mesma ao encontro das exigências contidas no já citado artigo 496º do Código Civil, o que poderá ajudar a minorar todo o extenso sofrimento a que o A. foi, injustamente, sujeito».
Terminando a petição com o seguinte pedido:
«Termos em que, nos mais de Direito e com o mui douto suprimento de Vossa Excelência, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência serem os RR condenados a pagar ao A. a quantia de € 30.100,00 (trinta mil e cem euros), como compensação dos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora vincendos a contar da citação, custas e demais cominações legais».
É, portanto, patente que AA se assume na acção como autor, qualidade processual que não tem, pois não optou, como podia, por intentar a acção em nome próprio.
Não olvidamos que no formulário citius relativo à petição inicial no campo destinado à identificação do autor consta o nome de AA, e temos presente que o art.º 7º nº 2 da Portaria nº 280/2013, de 26/08, estabelece que “Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos”.
Mas também temos presente que o citius é apenas o sistema informático de apoio à actividade judiciária, portanto um sistema de índole administrativa,  e que os respectivos formulários se destinam a recolher de forma automatizada informações para efeitos administrativos e estatísticos de molde a propiciar o descongestionamento da actividade procedimental dos serviços, por isso a própria lei prevê a possibilidade de rectificação do conteúdo do formulário (cfr. art.º 7º nº 3 da citada Portaria), significando que os formulários citius não se sobrepõem à realidade processual decorrente das regras legais substantivas e adjectivas, sob pena de violação da hierarquia das fontes de direito caso se  concedesse a um diploma de regulação administrativa (a Portaria) valor superior a um diploma de ordenação jurídica (a Lei ou o Decreto‑Lei), como profusamente tem, de modo uniforme, sido entendimento dos Tribunais Superiores.
Diga-se também que a prevalência da informação constante dos formulários enunciada no art.º 7º nº 2 da Portaria dificilmente poderá reportar-se à identificação das partes numa petição, porque sendo a previsão a de que “Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos” a norma pressupõe que o acto processual possa ser apresentado ainda que os formulários não se encontrem preenchidos, tendo, por conseguinte, o seu campo de aplicação nas situações em que tal possa ocorrer, o que não é manifestamente o caso da petição inicial sem que conste preenchido o campo do formulário relativo à identificação das partes, porque em tal caso a acção simplesmente não entra no sistema informático.
Acresce, com particular acuidade, que a identificação das partes na apresentação de uma acção não pode ser tida como uma mera informação uma vez que se trata de elemento fulcral da própria lide, essencial à verificação de vários pressupostos processuais, como a legitimidade, capacidade, personalidade, e por isso é requisito da própria petição – do articulado, enquanto tal – o dever de identificação das partes (cfr. art.º 552º nº 1 al. a) CPC).
Por esta ordem de razões a indicação da parte não pode deixar de ser observada  à luz das menções feitas na petição, cujo intróito, no caso, é expresso quanto a que AA intentou a acção apenas em representação do seu filho menor BB, nada permitindo concluir que esta referência resultará de qualquer erro ou lapso que leve a afirmar que AA se queria apresentar por si a propor a acção, nem a situação é subsumível ao art.º 146º do CPC porque importa ao pressuposto processual legitimidade, não sendo uma mera deficiência formal.
Que a menção respeitante à interposição da acção em representação do filho menor não decorre de qualquer erro ou lapso e que a intenção foi efectivamente essa é evidenciado pela circunstância de, na sequência de questão que se suscitou à Exma Juiz de 1ª instância no decurso de inquirição da testemunha II (cfr. acta de 17/01/2022 e sua correcção ordenada por despacho de 05/12/2022, refª 141244226), AA ter cuidado de, por sua iniciativa, desencadear o procedimento para suprimento da irregularidade de representação do menor pelo requerimento de 24/01/2022 (refª 20301640/41104303), mediante a junção de declaração subscrita pela mãe do menor, e aí afirmou sanada a falta de representação do menor; como também é manifesto da peça que denominou articulado superveniente apresentado em 14/02/2022 (refª 20451984 / 41324889) na qual - além do mais a que de seguida nos referiremos - bastas vezes refere estar em juízo em representação do filho, e, ainda, da circunstância de em resposta ao despacho da Relatora vir a juntar procuração do filho para na maioridade deste prosseguir a acção.
Assim se vê que a menção no intróito da petição a “em representação do seu filho menor BB” não é um lapso mas a expressão de uma intenção processual, e na petição – articulado de que é requisito, como dito (cfr. art.º 552º nº 1 al. a) CPC), o dever de identificação das partes – AA não se identifica como autor, não tendo optado, como podia, por intentar a acção em nome próprio; desse modo surgindo claro que o mesmo vem indicado no campo do formulário destinado à identificação do autor por na acção representar um menor incapaz, além do mais de por si receber qualquer correspondência oficial/processual que porventura lhe fosse remetida.
Não restam, pois, dúvidas de que autor é apenas e só o então menor BB e não o seu pai AA, sendo inviável o aproveitamento de todo o processado como se fosse este último, em nome próprio, sujeito processual para todos os efeitos.
Contudo, todos os factos alegados, constitutivos da causa de pedir, respeitam a danos não patrimoniais por AA alegadamente sofridos; repare-se que a alegação relativa à falta de realização da avaliação e despiste dos problemas de aprendizagem relacionados com disortografia e dislexia do menor e à recusa de aplicação do PEI ao mesmo, não sustenta a invocação de qualquer dano não patrimonial próprio do menor, constituindo na lógica da narrativa aspectos atinentes aos danos não patrimoniais de AA, únicos que são invocados como fundamento do pedido indemnizatório formulado.
Acontece, porém, que sendo autor tão só o então menor BB apenas podem ser objecto da acção direitos que exclusivamente importem à esfera jurídica do mesmo, pois ele não detém legitimidade para fazer valer direitos de outrem, designadamente de seu pai AA; a este, por seu turno, não sendo parte na acção mas tão só representante do Autor, falece-lhe legitimidade processual para fazer valer direitos próprios.
O cenário em presença consiste em que pela acção se pretendem fazer valer direitos alheios à esfera jurídica do Autor e o titular dos direitos que pretendem ser exercidos não é parte na acção.
E esta realidade processual não é afastada pelas considerações constantes da peça apresentada em 14/02/2022 (indicada como “articulado superveniente”, refª 20451984 / 41324889) e reiteradas na resposta ao despacho da relatora; peça através da qual AA tenta introduzir-se no processo apresentando argumentos para justificar a sua legitimidade para estar na lide também em nome próprio, além de em representação do seu filho menor, empreendendo a tentativa de também ele passar a ser sujeito processual.
Acontece que a modificação subjectiva da instância para intervenção de novas partes ocorre por meio do incidente de intervenção, preenchidos que estejam os respectivos pressupostos. E não só aquele dito “articulado superveniente” não se reconduz a um incidente de intervenção, como no caso a intervenção não seria possível pelas razões que abaixo de aduzem.
A situação em presença reconduz-se à ilegitimidade activa.
Na verdade, atento o conceito de legitimidade que decorre do art.º 30º do CPC, conclui-se que “a legitimidade é uma posição de autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objeto do processo.” (...) Assim, a legitimidade da parte depende da titularidade, por esta, dum dos interesses em litígio” (cfr. Castro Mendes in Direito Processual Civil, Vol. II, págs. 187 e 192).
Já o Prof. Alberto dos Reis ensinava (in Comentário ao Código de Processo Civil, 2ª edição, Vol. I, pág. 41) que a “questão da legitimidade é simplesmente uma questão de posição quanto à relação jurídica substancial. As partes são legítimas quando ocupam na relação jurídica controvertida uma posição tal que têm interesse em que sobre ela recaia uma sentença que defina o direito.”
Isto porque a exigência da legitimidade pretende acautelar que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, tornando-se assim necessário que estejam em juízo, como autor e réu, as pessoas titulares da relação jurídica em causa (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 18/01/2018, in www.dgsi.pt).
Ora, no caso a relação jurídica material a que diz respeito a causa de pedir vertida na petição e no consequente pedido tem como protagonistas, por um lado, as RR. e, por outro, AA que não é Autor.
Portanto, o único Autor, o então menor BB, não tem interesse directo em demandar as RR. porque da procedência da acção, atendendo à sua causa de pedir e ao pedido, não advém qualquer utilidade para a sua esfera jurídica por não estarem em causa direitos da sua titularidade.
É, pois, patente a ilegitimidade activa, a qual, nos termos do art.º 577º al. e) CPC, constitui excepção dilatória.
Muito embora existam excepções dilatórias susceptíveis de suprimento (cfr. artºs 278º nº 3, 590º nº 2 al. a) e 6º nº 2 do CPC), entre elas não se conta a ilegitimidade singular, a qual é insanável, não podendo ser ultrapassada através do incidente de intervenção, quer espontânea, quer provocada.
Efectivamente, como se verifica da respectiva regulamentação, quer à intervenção espontânea (cfr. artºs 311º ss. CPC) quer à intervenção provocada (cfr. artºs 316º ss. CPC) subjaz sempre uma relação litisconsorcial.
Só a ilegitimidade plural (preterição de litisconsórcio) é suprível por via do incidente de intervenção. Não é possível deduzir incidente de intervenção em casos de ilegitimidade singular pois, nessa hipótese, o incidente, em vez de permitir a intervenção na lide de um novo sujeito associado a uma das partes, teria como consequência a substituição de sujeitos processuais, o que a lei não admite.
Se a legitimidade é singular só pode estar em juízo a pessoa titular dos direitos a que respeita a relação jurídica em discussão. Logo, admitir o chamamento de um terceiro implicaria, no caso, a exclusão do Autor inicial e a sua substituição pelo interveniente titular da relação jurídica veiculada na acção e dos direitos pretendidos exercer, finalidade que não é possível alcançar por esta via pois o incidente de intervenção não é um meio de substituição processual de partes, designadamente de Autor.
No sentido de que a ilegitimidade singular é insuprível vejam-se, entre outros, Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II. pág. 216, e António Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol. pág. 67 e 72.
Também a jurisprudência entende que a sanação da ilegitimidade só é possível nas situações de preterição de litisconsórcio, sendo inviável nas situações de ilegitimidade singular. Vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos da Relação de Évora de 07/12/2017, da Relação de Guimarães de 16/05/2019, da Relação de Coimbra de 06/12/2011 e da Relação de Lisboa de 14/12/2004, (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
A ilegitimidade singular é insanável e por isso inviável a sua supressão, seja por iniciativa das partes, seja por convite do juiz nos termos dos artºs 6º nº 2 e 278º nº 3, 1ª parte, do CPC.
Por conseguinte, constitui excepção dilatória que dá lugar à absolvição do réu da instância (artºs. 577º al. e), 576º nº 2 e 278º n.º 1 al. d), do CPC) e que é de conhecimento oficioso (cfr. art.º 578º CPC), não obstando a esse conhecimento a afirmação genérica da legitimidade feita em termos meramente tabelares no saneador, como ocorreu no caso, pois essa afirmação, não apreciando concretamente a excepção, não forma caso julgado (cfr. por todos Abrantes Geraldes e outros in Código Processo Civil anotado, em anotação 4. Ao art.º 595º).
Aqui chegados, há que concluir pela verificação da ilegitimidade activa e pela consequente absolvição das RR. da instância, o que torna prejudicial a apreciação do mérito do recurso.
III - DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar verificada a excepção de ilegitimidade activa, revogando-se a sentença da 1ª instância e absolvendo-se os RR. da instância.
Custas pelo Autor.

Lisboa, 10/10/2024
Amélia Puna Loupo
Rui Oliveira
Carla Matos