Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3241/21.3T8CSC.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
POSSIBILIDADE DE CORRECÇÃO
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Perante uma deficiente identificação dos RR., justificada na petição inicial, sendo a sua sanação peticionada pelas AA., deve esse pedido ser atendido pelo tribunal, ao abrigo do dever de gestão e adequação processual que lhe incumbe.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.RELATÓRIO


1.– A,  B  e C intentaram a presente acção de reconhecimento e restituição de posse contra D  e  E, referindo que “cujas melhores identidades as requerentes desconhecem, actualmente a residirem na Rua ..... ....., nº ..., barracão anexo à Vª ....., 2...-... S. ..... R____”, e pedindo que a acção seja “julgada procedente por provada e, em consequência, declarar-se que as autoras são possuidoras desde há mais de 30 anos do prédio identificado no artigo 6º desta petição e os réus condenados a reconhecerem que assim é e a restituírem, à sua custa, às autoras, a posse integral do mesmo, pondo fim aos autos de turbação e esbulho, deixando livre de pessoas e haveres o barracão e o logradouro e abstendo-se de permanecer e de entrar em qualquer parte do prédio”.

Na parte final da petição inicial pode ler-se o seguinte:
“Como se alcança do cabeçalho desta petição, as autoras têm escassa e insuficiente identificação dos réus e, por isso, requerem que no acto da citação seja obtida completa identificação dos mesmos.
Por outro lado, o barracão não tem caixa de correio e, a menos que a carta de citação possa ser entregue em mão, o funcionário distribuidor só poderá deixar ficar o aviso na caixa do correio da casa de habitação. E, se assim for, não é razoável, nem aconselhável, que a pessoa que habita a casa – pelo que se alegou nos artigos 91º a 99º – deva entregar o aviso para levantamento da carta aos requeridos.
Razões pelas quais se justifica – e por isso se requer – que a citação seja feita por funcionário judicial”.
2.Emitidos mandados de citação, não foi possível proceder à citação dos RR. por ninguém ter atendido.
3.Notificadas das certidões negativas de citação, as AA. apresentaram requerimento peticionando que “através da entidade policial da zona se faça a exacta e completa identificação dos réus e, depois, se proceda às respectivas citações, se necessário nos termos do disposto no artigo 232º do Cod. de Processo Civil”.
4.Na sequência desse requerimento, foi proferido o seguinte despacho:
“Compulsados os autos de procedimento cautelar a que se faz menção na Petição Inicial, verificou-se que consta dos mesmos que foi já requerida à P.S.P. a recolha dos elementos de identificação dos ali requeridos D  e  E.
(…)
Ora, conforme se vê, naquele local não habita ninguém chamado D e  E.
Essa informação foi prestada ao Ilustre Mandatário das ali requerentes, Dr. FN....., cfr. certificação de 03/12/2021.
Assim, não se percebe que as AA., pela pena do seu Ilustre Mandatário Dr. FN....., venham o mesmo no seu requerimento de 24/01/2022.
Quantas informações são necessárias comunicar às AA. para que elas tomem conhecimento da identidade das pessoas que habitam naquele barracão?
Devem, pois, as AA. declarar ou requerer o que tiverem por conveniente, em 10 dias”.
5.Apresentaram as AA. requerimento, no qual referem que
“As pessoas que ocuparam o barracão nos termos descritos nos artigos 87º e ss. da petição inicial são as mesmas e as únicas que, desde então, o vêm habitando.
Donde, os identificados Fernando ….. e Dinora ..... são as mesmas pessoas físicas que procederam à ocupação e a vêm mantendo, e se deram a conhecer como D  e  E.
Tendo-se, então, apurado que a sua correcta identificação é a que foi colhida pela PSP, requere-se, aliás no desenvolvimento do que se havia requerido na petição inicial (cf. parte final do cabeçalho e pág. 24), que a citação se faça na modalidade já aí requerida (fls. 24 da p.i.) nas pessoas dos identificados Fernando ….. e Dinora ….., pois que, afinal, são estes os verdadeiros nomes dos ocupantes, dando-se, nesta conformidade, por corrigida e completada a deficiente identificação dos réus que consta do cabeçalho da petição inicial”.
6.Foi proferida decisão julgando “os RR. D e E partes ilegítimas na presente acção declarativa e, em consequência, determino a extinção da instância com o consequente arquivamento da acção.

7.É deste despacho que a R. recorre, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“Artigo 1º
O Exmo. Juiz da 1ª instância julgou os réus partes ilegítimas, absolvendo-os da instância, cuja extinção determinou, fazendo-o, disse, ao abrigo do disposto nos artigos 576º, nºs 1 e 2, 571º, alínea e), 578º e 590º, nº 1, todos do CPC.
Mas, é entendimento das apelantes, o Exmo. Juiz violou aqueles normativos (à excepção do artigo 571º que virá referido por lapso), por errada subsunção dos factos relevantes.

Artigo 2º
Na verdade, o Exmo. Juiz entendeu que os réus, nomeados na petição inicial como D  e  E, são pessoas diferentes daquelas que a PSP apurou terem os nomes de Fernando ….. e Dinora …..
Contudo, os autos não contêm prova de que assim seja.

Artigo 3º
Tendo as autoras, suspeitosas de que os nomes que indicaram como sendo os dos réus poderiam estar incompletos ou errados, requerido que a sua melhor identificação fosse levada a cabo no acto da citação, e tendo elas vindo, após terem sido notificadas da identificação levada a efeito pela PSP, alegar que são as mesmas as pessoas que ocuparam e continuavam a ocupar e a requerer que com base nessa informação fosse corrigida e completada na petição inicial a deficiente identificação dos réus, o Exmo. Juiz deveria ter procedido em conformidade com o que assim lhe foi requerido.
É que, réus são as pessoas e não os nomes pelos quais as pessoas são conhecidas, já que diferentes pessoas podem ter o mesmo nome e outras usarem nomes falsos.

Artigo 4º
Isto é, perante a alegação/informação das autoras de que as pessoas eram as mesmas à data da ocupação e à data do apuramento dos seus exactos nomes pela PSP, impunha-se ao Exmo. Juiz deferir o que as autoras lhe requereram pelo requerimento com a refª 41389067, de 21.02.2022.
É esta, aliás, a doutrina do acórdão da Relação de Lisboa que se deixou citado acima no ponto 6.
Não o tendo feito, o Exmo. Juiz violou, por omissão, o disposto nos artigos 6º e 7º, nº 1, ambos do CPC.

Artigo 5º
E, portanto, na procedência do recurso deve agora revogar-se a douta sentença, deferindo o que a propósito as autoras requereram ou ordenando ao Exmo. Juiz da 1ª instância que assim decida”.

8.Não foram apresentadas contra-alegações.
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II.QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que a única questão submetida a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, é determinar se existe nos autos uma situação de ilegitimidade passiva ou, antes, de deficiente identificação dos RR..
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos com interesse para a decisão do presente recurso são os que constam do relatório
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou os RR. partes ilegítimas na acção e, em consequência, determinou a extinção da instância e o arquivamento da acção.
Alegam as apelantes que a decisão recorrida viola os arts. 576º, nºs 1 e 2, 578º e 590º, nº 1 do CPC.
Alegam ainda que a decisão recorrida vai contra o disposto nos arts. 6º e 7º, nº 1 do CPC, os quais impunham que fosse ordenada a citação nos termos por si requeridos, “dando por corrigida e completada a deficiente identificação dos réus constante do cabeçalho da petição inicial”.
Mais referem que “Nas diligências com vista à citação apurou-se – ainda que tal apuramento se tenha feito nos autos de providência cautelar que constituem preliminar desta acção – que os nomes dos ocupantes são outros. Mas não se apurou que sejam outras as pessoas que ocuparam e que permanecem ocupando” e que “Os dados do processo não permitem concluir que os nomes atribuídos na petição inicial e os apurados pela PSP nomeiam pessoas diferentes”.

Apreciando.

Entendeu o tribunal recorrido que a situação existente nos autos consubstancia uma situação de ilegitimidade, justificando a sua decisão nos seguintes termos:
“… não se nos afigura que ocorra uma simples identificação deficiente dos RR.
Há, sim, uma identificação diversa de pessoas que não correspondem àquelas que efectivamente ocupam aquele lugar.
Tal facto traduz-se, na verdade, em verdadeira ilegitimidade de D e  E para figurarem como RR. na presente acção.
Efectivamente, nos termos do disposto no art. 30º, do CPC, não ocupando aquele lugar nenhum FR... ou alguma CR..., não têm estes qualquer interesse em contradizer (pois nenhum acto de turbação ou esbulho, lhes pode ser imputado), pois nunca lhes poderia advir qualquer consequência negativa do aqui decidido”.

Vejamos.

A legitimidade processual está consagrada no art. 30º do CPC, onde é definida, no nº 1 deste preceito, com recurso ao interesse em demandar, por parte do autor, interesse este relacionado com a utilidade derivada da procedência da acção (cfr. nº 2 daquele normativo), e ao interesse em contradizer, por banda do réu, o qual se determinará pelo prejuízo para o réu decorrente da procedência da acção (cfr. nº 2 do citado preceito).

Assim sendo, a legitimidade reveste a natureza de um atributo das partes processuais, assumindo-se como um pressuposto processual, o qual deve ser relacionado com as consequências, em termos de utilidade ou prejuízo, que para as partes advenham do desfecho da acção.

Legitimidade processual será, portanto, a “susceptibilidade de ser parte numa acção aferida em função da relação dessa parte com o objecto daquela acção”. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, pág. 47.

A aferição da titularidade da legitimidade deve ser feita, nos termos do art. 30º, nº 3 do CPC, com recurso às indicações específicas da lei e "na falta de indicação da lei em contrário" pela titularidade da relação material controvertida, tal como configurada pelo autor.

Assim, e no seguimento da doutrina do Prof. Barbosa de Magalhães, esta relação material controvertida é vista tal como configurada pelo autor e da forma que este a apresenta ao tribunal, que se basta com a configuração dada por aquele para aferir da existência de legitimidade desde que a própria versão por ele apresentada não leve a concluir pela manifesta ilegitimidade de qualquer uma das partes.

Nos presentes autos, as AA. intentaram a presente acção contra os RR. alegando que os mesmos se encontram a ocupar um barracão que lhes pertence, pretendendo a sua desocupação.

Constata-se, assim, que, da forma como as AA. estruturam a presente acção, parte legitima é aquela que ocupa o barracão dos autos, independentemente do seu nome, género ou identidade.

Donde, e no que ao caso interessa, os RR. apenas serão parte legítima se se concluir pela existência de uma identidade de sujeitos entre os RR. e as pessoas que ocupam o barracão aludido na petição inicial. Melhor dizendo, tem de haver uma identidade de sujeito entre quem as AA. entendem ser os RR. e os titulares da situação jurídica controvertida.

Para o tribunal recorrido, as AA., ora apelantes, identificaram os RR. de tal forma que se deu uma identificação errada e não meramente deficiente, pelo que não estão preenchidos os requisitos constantes do art. 30º do CPC.

Não nos parece que assim seja.

Desde logo, porque a acção é posta contra quem, no entendimento das AA., ocupa o barracão descrito no processo.

Da leitura integrada da petição inicial é possível apreender que as AA. não têm um conhecimento completo da identidade dos RR., nomeadamente quanto aos seus elementos de identificação.

Sintomático desse desconhecimento é a indicação de apenas dois nomes de cada dos RR. e respectiva morada, referindo as AA. desconhecer mais dados de identificação, o que reiteram quando peticionam que a citação seja feita por funcionário judicial.

Por outro lado, nada nos autos indicia que os ocupantes do barracão não sejam os identificados pelas AA., independentemente do seu nome estar correcto ou incompleto.

Ou seja, e revertendo ao que se expôs supra, da forma como as AA. configuram a presente acção, parte legítima é aquela que ocupa o barracão sem a sua autorização, por serem esses os titulares da situação jurídica controvertida.

Acresce que, no caso vertente, as AA. identificaram os RR. como D  e  E”, indicando a sua residência como sendo a Rua ..... ..... , nº ..., barracão anexo à Vª... ....., 2...-... S. ..... R____.

Referem ainda nos arts. 87º a 89º da petição inicial que os RR. são um casal e se deram a conhecer com os nomes por si indicados.

Tem, pois, de se concluir que não estamos perante qualquer ilegitimidade, mas sim perante uma deficiente identificação dos RR., justificada na petição inicial e cuja sanação foi peticionada pelas AA., pedido esse completamente ignorado pelo tribunal recorrido, ao arrepio do dever de gestão e adequação processual que lhe incumbe.

Cumpre ainda salientar que nada obsta a essa sanação.

Na verdade, a omissão de determinados elementos de identificação é permitida pelo art. 552º, nº 1, al. a) do CPC, que estipula a obrigatoriedade dos elementos a indicar pelo autor, sendo admitida a correcção desses elementos desde que o réu não se mostre citado.

Saliente-se que, nos termos do art. 260º do CPC, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.

Tais possibilidades de modificação encontram-se previstas nos arts. 261º e 262º do CPC, que estabelecem os casos de modificação subjectiva da instância por intervenção de novas partes.

No caso dos autos, não tendo os RR. sido citados, não existe ainda a referida estabilização da instância, nada obstando à rectificação dos nomes dos RR..

Como se explica no Ac. do TRL de 18-06-2003, proc. 5543/2003-7, relator Santos Martins, a propósito de um caso de identificação incompleta do R., e citado pelas apelantes., “… embora não sendo desejáveis essas situações, que se traduzem em incidentes anómalos e susceptíveis de tributação, nos termos do disposto no artº 16º do C.C.J., e que apenas redundam em atrasos na normal tramitação do respectivo processo, mas a verdade é que, por vezes, tais aspectos se verificam; e, naturalmente, sendo pedida a respectiva rectificação, por parte do A.., nada obsta a que possa e deva ser deferida.

Com efeito, a propósito da questão ora em apreço - e que se considera bastante elucidativa -, escreveu o Prof. Alberto dos Reis: "Se os erros, omissões e lapsos cometidos pelo juiz na sentença são susceptíveis de rectificação, não há razão alguma para que não suceda o mesmo quanto aos erros, omissões e lapsos cometidos pelas partes nos articulados ou em quaisquer outras peças do processo. O que a ordem jurídica exige é que a vontade real prevaleça sobre a vontade declarada; para que este resultado se consiga, hão-se admitir-se, necessariamente, os meios adequados. Se for manifesto que o autor ou o réu, ao escrever ou dizer uma coisa, quis dizer coisa diferente, não pode ele ficar vinculado a uma declaração que não traduz a sua vontade.

Pela mesma ordem de considerações, de houver elementos para admitir que a parte quis dizer mais alguma coisa do que disse, que foi vítima de uma omissão ou de um lapso involuntário, também se lhe não pode negar o direito de restabelecer o seu pensamento, de exprimir, de modo completo, toda a vontade" (cfr. R.L.J., 77º-180).
Dispõe o artº 249º do Cód.Civil que "O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta", sendo que essa regra constitui um princípio geral, aplicável, nomeadamente, aos actos judiciais e das partes (v., designadamente, entre outros, os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 8/11/83, B.M.J., 332º-518 e 7/3/95, B.M.J., 445º-627).
Por outro lado, estabelece o artº 268º do C.P.C., sob a epígrafe "Princípio da estabilidade da instância" que "Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei".

Ora, independentemente dessas possibilidades de modificação (que não interessa serem aqui apreciadas efectivamente), atente-se que, no caso aqui em apreço, aquando do aludido pedido de rectificação, por não haver sido ainda localizada, a ré ainda nem sequer tinha sido citada. Daí que não seria com esse fundamento que, justificadamente, poderia haver lugar ao indeferimento do requerido pelos AA., aqui agravantes.

Acresce que, para além do já expendido, cujos fundamentos se entende que permitem o deferimento da requerida rectificação, e também aliados a razões de celeridade e economia processuais, não se compreenderia que, neste caso, os AA. tivessem de intentar uma nova acção, com todos os inconvenientes por demais evidentes e daí decorrentes (nomeadamente, quanto aos atrasos no prosseguimento dos objectivos da acção), não podendo ainda olvidar-se que, de acordo com as diversas alterações processuais introduzidas pela reforma processual de 1995, e com a letra e o espírito da mesma (D.L. nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), pretende-se, precisamente, que sejam supridas as deficiências, omissões, lapsos ou erros contidos nos respectivos articulados pelas partes, tendo-se em vista a justa e célere composição do litígio, tanto mais que, como se disse e sublinha-se, a citação da ré ainda não havia sido levada a efeito (cfr., designadamente, artº 265º, nº 2 do C.P.C.)

Em conclusão: Havendo sido ordenada, como foi, a citação pessoal da ré, no acto de citação desta, caso se verificasse alguma imprecisão ou omissão na identificação correcta/completa daquela na petição inicial, deveria o respectivo funcionário, encarregado da diligência, anotar na respectiva certidão a identificação correcta e completa do citando, notificando-se após o A. dessa situação (o qual, se caso disso, poderia requerer o que entendesse por conveniente), sendo que só depois de decorrido o prazo para a eventual apresentação de contestação e conforme o conteúdo desta, nomeadamente, nessa parte, o tribunal se pronunciaria; e, verificando-se que, efectivamente, se tratava da mesma pessoa, cuja citação havia sido por aquele (A.) pedida (que não qualquer outra), após a necessária rectificação, deveriam os autos prosseguir a restante tramitação processual”.

Também no Ac. TRL de 05-05-2005, proc. 3371/2005-8, relator Ilídio Sacarrão Martins, se pode ler que “… (estamos) na presença de um erro na identificação das partes e não perante um erro de identidade.

A decisão agravada louvou-se no acórdão da Relação de Lisboa de 1 de Março de 1978, in CJ 2/78. 392, assim sumariado:
“ Se acaba por ser citado o verdadeiro réu, apesar de na petição inicial ter sido indicado com outro nome, não há erro de identidade do citado e nenhuma nulidade se verifica.
Enquanto o réu não for citado, nada impedirá o autor de rectificar o erro cometido”.”.

Admitindo a possibilidade de correcção de erros nos articulados, ainda que em contexto diverso do dos presentes autos, veja-se ainda os Acs. TRL de 11-07-2019, proc. 4373/17.8T8LSB.L1-7, relator Maria da Conceição Saavedra; e de 21-11-2019, proc. 2775/19.4T8FNC.A.L1-2, relator Carlos Castelo Branco.

Revertendo ao caso dos autos, e atendendo a todo o enquadramento, impõe-se a conclusão que não existe qualquer situação de ilegitimidade, mas sim de errada ou deficiente identificação dos RR., que determina que se atenda ao pedido das AA. para que seja “corrigida e completada a deficiente identificação dos réus que consta do cabeçalho da petição inicial”.
Consequentemente, impõe-se a procedência da apelação, com a revogação do despacho recorrido, e subsequente correcção da identificação dos réus que consta do cabeçalho da petição inicial e posterior prosseguimento dos autos.

V.DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que ordene a correcção da identificação dos réus que consta do cabeçalho da petição inicial e determine o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
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Lisboa, 21 de Junho de 2022



Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano