Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
360/12.0TTBGC.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: A negligência grosseira a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro consubstancia um comportamento do sinistrado, por acção ou omissão, perigoso, temerário e inaceitável à luz de um elementar juízo de prudência e cautela causador, em exclusivo, do acidente de trabalho.
Não tendo ficado provadas as circunstâncias em que se deu a queda em altura do Sinistrado, nem em que local exacto da obra se encontrava no momento que antecedeu a queda, não podemos afirmar que a circunstância de ter sido encontrado no solo com o mosquetão do arnês na posição de descanso integra uma actuação enquadrável no conceito de negligência grosseira
 (Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
AAA, viúva, natural …, titular do Certificado de Registo de Cidadão da União Europeia, n.º …. com domicílio na …, veio, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 117.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, intentar acção especial emergente de acidente de trabalho contra:
1- Varpinto, Construções, Lda, pessoa colectiva n.º 508745578, com sede na Avenida de Moçambique, lote 4, Loja c/v, 2605-819 Casal de Cambra; e
2- Lusitânia - Companhia de Seguros, S.A., pessoa colectiva n.º 501689168, com sede na Rua de São Domingos à Lapa, n.º 35, 1249-130 Lisboa, pedindo que, julgando-se procedente a acção, as Rés sejam condenadas a pagar à Autora as seguintes prestações devidas pela morte do sinistrado:
a) Uma pensão anual, vitalícia e actualizável no montante de 3.338,60€ (11.128,68 x 30%) com início em 11/02/2018 até perfazer a idade de 65 anos de idade e após esta idade no valor de 4.451,47€ (11.128,68€ x 40%);
b) Um subsídio por morte no montante de 5.333,70€;
c) Um subsídio por despesas de funeral, no montante de 3.553,70€.
Invocou para tanto, em resumo, o seguinte:
- O sinistrado foi admitido por conta, sob a autoridade e fiscalização da 1.ª Ré, Varpinto, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de carpinteiro de cofragens;
- No dia 10 de Outubro de 2012, por volta das 19h e 40m, o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as suas funções na obra de construção do corpo da barragem do …., ao serviço da 1.ª Ré;
- O Sinistrado encontrava-se a realizar trabalhos de elevação dos conjuntos de cofragem da junta 8, ao nível da plataforma de trabalho, sofrendo uma queda em altura de cerca de 7 metros;
- As tarefas do Sinistrado ao nível da plataforma dos conjuntos ainda por elevar, consistiam na remoção das cavilhas de segurança das ancoragens e fechos entre plataformas, quer ao nível do assoalhamento como da protecção colectiva;
- Na altura do acidente, a equipa de trabalho que acompanhava os trabalhos de elevação encontrava-se na cota acima da plataforma onde se encontrava o Sinistrado;
- O Sinistrado foi encontrado já no solo com o seu equipamento de protecção, capacete, colete reflector, botas com palmilha e biqueira de aço e arnês de segurança;
- As causas da morte do Sinistrado foram as lesões traumáticas crânio-encefálicas provocadas pela queda de grande altura;
- As funções que o Sinistrado estava a executar eram de elevado risco de queda em altura e de reduzida protecção para o mesmo, sendo manifesto que o acidente resultou de causa fortuita não podendo ser atribuída culpa a qualquer das partes;
- O Sinistrado deixou como único beneficiário a esposa, ora Autora; e
- O Sinistrado foi sepultado na ..., tendo as despesas com o funeral e de trasladação importado o valor de €3.553,70 (na sequência de despacho proferido nos autos, a Autora veio esclarecer que estas despesas foram suportadas pela empregadora).
A Ré Lusitânia-Companhia de Seguros, S.A. contestou invocando em síntese, que o caso sub judice é um acidente ocorrido no lugar e tempo de trabalho e, como tal, acidente de trabalho. Acrescentou que, contudo, o acidente mostra-se descaracterizado posto que o Sinistrado falecido no momento da queda não tinha o seu arnês de segurança preso ao ponto fixo da estrutura, tendo a queda numa altura de 7 metros resultado de um comportamento desviante e exclusivo do Sinistrado que, consciente dos riscos que corria não fixou a corda do arnês de segurança, verificando-se um nexo de causalidade adequado entre a referida inobservância e a queda, o que configura um quadro de negligência grosseira que descaracteriza o referido acidente de trabalho nos termos do artigo 14.º n.º 1 al. b) e n.º 3 da LAT.
Subsidiariamente ainda invocou que dos vários relatórios de averiguação, nomeadamente do Relatório promovido pela ACT e do Relatório de Averiguação da empresa FCM terá havido inobservância, por parte da empregadora, das condições de segurança adequadas e que o Sinistrado com a sua conduta violou, sem causa justificativa, as condições de segurança impostas pelo empregador, pelo que o acidente mostra-se descaracterizado nos termos do artigo 14.º n.º 1 al. a) e n.º 2 da LAT.
Concluindo que o cálculo do subsídio por morte não está correcto nem a data de início da pensão, pediu, a final, que a acção seja considerada totalmente improcedente com as legais consequências.
Tendo sido constatado que a Ré empregadora já se encontrava dissolvida, com liquidação encerrada e matrícula cancelada, facto que foi dado a conhecer à Autora, veio esta requerer a substituição da Ré empregadora pela generalidade dos sócios na pessoa do seu liquidatário, Fernando Rodrigues da Silva e pedir a citação do mesmo nos termos do disposto no artigo 163.º. n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, o que lhe foi deferido.
O liquidatário (…)  contestou invocando, em suma:
- A Ré Varpinto encontra-se extinta e em fase de liquidação;
- O sinistrado não fixou o arnês de segurança num ponto fixo resistente, descurando as medidas de segurança implementadas; e
- O acidente ficou a dever-se a culpa grave, indesculpável e exclusiva do sinistrado o qual violou expressamente e conscientemente as regras e condições de segurança impostas e estabelecidas pela ré e por lei, designadamente o disposto no artigo 17º, 1, alíneas a) e c) e 5 da Lei nº 102/2009 de 10/09 e PTRE:EM.47.05 junto aos autos; e
- a Ré empregadora transferiu, na totalidade, a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a entidade responsável seguradora, pelo valor da retribuição anual do sinistrado (10.295,52€), que não o que consta na petição inicial.
Finalizou pedindo que a acção seja julgada improcedente com as legais consequências.
O Instituto de Segurança Social não deduziu pedido de reembolso de prestações.
Foi proferido o despacho saneador fixando-se os factos assentes, identificando-se o objecto do litígio e enunciando-se os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento.
Foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
 “Nestes termos, julga-se parcialmente procedente a acção e, em consequência:
a) Reconhece-se como sendo de trabalho o acidente que causou a morte do sinistrado (…);
b) Reconhece-se a qualidade de beneficiária à autora nestes autos, AAA;
c) Condena-se a 2ª ré, LUSITÂNIA – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, a pagar à autora AAA uma pensão anual e vitalícia no valor de €3.088,66 (três mil e oitenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos), desde 11/10/2012 até perfazer a idade de reforma por velhice, sendo no valor de 40% da retribuição anual a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, sempre acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde aquela data até efectivo e integral pagamento;
d) Condena-se a 2ª ré, LUSITÂNIA – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, a pagar à autora AAA, a título de subsídio por morte, a quantia de € 5.533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 11/10/2012 até efectivo e integral pagamento;
e) Absolve-se as rés do mais peticionado.
Custas a cargo da autora e da 2ª ré, na proporção das respectivas responsabilidades, que se fixa em 5% para a autora e 95% para a 2ª ré (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Valor da causa: €59.274,76.
Registe.
Notifique.
*
Notifique a autora para juntar aos autos a sua certidão de nascimento.
*
Após trânsito em julgado, deverá a entidade responsável comprovar nos autos a actualização das pensões desde a data do seu vencimento e bem assim o pagamento das quantias em que foi condenada.”
Por não se conformar com a sentença, a Ré Lusitânia- Companhia de Seguros, S.A. recorreu sintetizando as alegações nas seguintes conclusões:
 (…)
A Autora contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
 (…)
Foi proferido despacho que admitiu o recurso.
Subidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, devendo a sentença ser mantida.
A Recorrente respondeu ao Parecer afirmando que o mesmo não merece acolhimento e concluindo como no recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.        
Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.º 608.º nº 2 do CPC), no presente recurso há que apreciar as seguintes questões:
1.ª- Se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
2.ª- Se o acidente dos autos deve ser descaracterizado.
3.ª- Improcedendo a questão anterior, se existiu actuação culposa da empregadora.
Fundamentação de facto
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
Factos considerados assentes, em despacho saneador:
A. AAA, adiante denominado sinistrado, foi admitido ao serviço da 1ª ré, VARPINTO, CONSTRUÇÕES, LDA., em 2011, para exercer, por sua conta autoridade e fiscalização, as funções inerentes à categoria profissional de carpinteiro de cofragem.
B. À data de 10/10/2012 o sinistrado, cerca das 19h40m, exercia as suas funções na obra de construção do corpo da barragem do … Bragança, ao serviço da 1ª ré.
C. Nessa ocasião, o sinistrado encontrava-se a realizar trabalhos de elevação dos conjuntos de cofragem da junta 8, ao nível da plataforma de trabalho.
D. Aquando da preparação da subida de um painel de cofragem, numa plataforma colocada a cerca de seis metros em relação ao nível do solo, caiu de uma altura de sete metros.
E. As tarefas do sinistrado ao nível da plataforma dos conjuntos ainda por elevar consistiam na remoção das cavilhas de segurança das ancoragens e fechos entre plataformas, quer ao nível do assoalhamento como também de protecção colectiva.
F. Na altura do evento referido em B a D a equipa de trabalho que acompanhava os trabalhos de elevação encontrava-se na cota acima da plataforma onde se encontrava o sinistrado.
G. O sinistrado foi encontrado já no solo com o seu equipamento de protecção, nomeadamente, capacete de protecção, colecte reflector, botas com palmilha e biqueira de aço e arnês de segurança.
H. O arnês de segurança que o sinistrado tinha colocado estava em boas condições de utilização, tanto nas cintas como nos mosquetões.
I. O sinistrado recebeu formação para os trabalhos que estava a realizar, de acordo com o PTRE aprovado pela fiscalização, designadamente, as formações que constam certificadas a fls. 45-71.
J. Do evento referido em B a D resultaram as lesões corporais descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 145-151, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, em concreto lesões traumáticas crânio encefálicas provocadas pela queda, as quais lhe determinaram a morte ocorrida no mesmo dia 10/10/2021.
K. Nas conclusões do mesmo relatório de autópsia consta «O exame toxicológico feito ao sangue periférico não revelou a presença de álcool etílico nem de drogas de abuso».
L. Conforme consta do relatório da ACT junto a fls. 20-27 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, «foi constatado que as plataformas de trabalho quando unidas e antes da sua elevação estavam dotadas de protecção colectiva em toda a sua periferia» (…) «No entanto, e após a subida de uma plataforma, a que se situa imediatamente a seguir, encontra-se desprovida de protecção colectiva no topo da união com a plataforma que anteriormente subiu, local onde supostamente ocorreu a queda».
M. Ao tempo do acidente o sinistrado auferia, por conta das funções desempenhadas para a 1ª ré, a remuneração anual de €10.295,52, correspondente a: €545,00 x 14M (retribuição base) + €6,40 x 22D x 11M (subsídio de alimentação) + €81,73 x 12M (subsídio de deslocação) + €11,33 x 12 meses (horas extra).
N. A entidade empregadora tinha a sua responsabilidade infortunística em relação ao sinistrado transferida para entidade seguradora LUSITÂNIA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., aqui 2ª ré, mediante contrato de seguro, em regime de prémio variável, titulado pela apólice nº 1504935, abrangendo a remuneração anual do acidentado referida em M.
O. A empregadora participou o sinistro à seguradora, a qual, por sua vez, o fez ao tribunal.
P. O sinistrado faleceu no estado de casado com AAA, aqui autora, não deixou ex-cônjuge, ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis ou filhos para quem contribuísse com carácter de regularidade para o respectivo sustento ou que carecessem de tal ajuda.
Q. O sinistrado faleceu em …, foi autopsiado no Instituto Nacional de Medicina Legal – Delegação … (Serviço de Genética e Biologia Forense) e foi transladado e sepultado no Cemitério (…).
Factos considerados provados, na sequência do julgamento:
R. Após a realização das tarefas referidas em E o sinistrado deveria mover-se para a plataforma adjacente, que se segue àquela, onde daria indicações ao colega de trabalho posicionado no bloco para realizar a elevação.
S. Na realização das tarefas referidas em E e R é indispensável o uso de capacete de protecção, botas com palmilha e biqueira de aço, colecte reflector e arnês de segurança.
T. As tarefas referidas em E e R deveriam ser realizadas com o gancho do arnês de segurança fixado no ponto de ancoragem.
U. Até se concluir o procedimento de união entre as plataformas, os trabalhadores estão obrigados a utilizar o arnês de segurança para prevenir o risco de queda em altura, sendo esta uma medida obrigatória para garantir a sua segurança.
V. O equipamento de protecção individual (arnês de segurança) utilizado por todos os trabalhadores, incluindo o sinistrado, possui uma corda com um gancho na sua extremidade, o qual deve ser introduzido no ponto de ancoragem fixo existente na Plataforma para ficar ligado/preso a esse ponto de ancoragem através daquela corda.
W. O Plano de Trabalho com Riscos Especiais (PTRE) junto a fls. 84-201 continha o plano de trabalhos com riscos especiais relacionados com a execução do corpo da barragem referida em B, e previa o seguinte, a respeito da elevação do sistema de cofragem trepante: «(…) Para a movimentação do sistema de cofragem trepante, um primeiro trabalhador posicionado no bloco colocará as correntes nas vigas vela dos painéis. Um segundo trabalhador sobre a plataforma removerá as cavilhas de segurança das plataformas e em seguida sairá para a plataforma adjacente onde dará ordens ao primeiro trabalhador para efectuar a elevação. Durante a execução das tarefas sobre a plataforma de trabalho o segundo trabalhador deverá garantir a fixação do seu arnês de segurança a um ponto fixo resistente».
X. Todos os trabalhadores da empregadora, incluindo o sinistrado, reuniam diariamente com a equipa de técnicos de segurança na obra onde exerciam a sua actividade, antes do início desta, com o objectivo de alertar os trabalhadores para o cumprimento escrupuloso das regras de segurança e para o uso correcto do equipamento de segurança, segundo o PTRE aplicável aos trabalhos em causa.
Y. Nessas reuniões, eram permanentemente alertados para as questões de segurança impostas pela actividade, designadamente no que concerne a utilização dos equipamentos imprescindíveis para prevenir quaisquer riscos de queda em altura.
Z. A empregadora tinha um técnico de segurança e higiene no trabalho em obra, em permanência e a tempo inteiro, (…).
AA. O sinistrado sabia executar as tarefas referidas em E e R e conhecia as cautelas que aquelas reclamavam, sendo considerado um trabalhador cumpridor das normas de segurança preconizadas para aquele trabalho.
BB. A empregadora forneceu ao sinistrado, assim como aos seus demais colegas de trabalho, os manuais de instruções respeitantes ao uso apropriado dos equipamentos de protecção referidos em S.
CC. O sinistrado recebeu e frequentou várias sessões de formação específica para as tarefas que iria desenvolver, sessões essas ministradas quer pelo Agrupamento Complementar de Empresas que executava a obra de construção onde se deu a queda do sinistrado, quer pelo subempreiteiro FCM Cofragens e Construções S.A, nas quais tomou conhecimento dos planos de segurança existentes para a sua actividade e das medidas de prevenção implementadas pela entidade empregadora.
DD. Em concreto, o sinistrado frequentou as seguintes sessões de formação:
- 9 de Janeiro de 2012 - Duas sessões iniciais de acolhimento que visaram desenvolver competências para a identificação de situações de risco durante a execução de tarefas relacionadas com trabalhos de cofragem e descofragem, incutindo responsabilidade nas acções de exposição perante o perigo;
- 26 e 27 de Janeiro de 2012 – Formação em passaporte de segurança ministrada por uma entidade externa ISQ – Instituto da Soldadura e Qualidade – que incluiu avaliação do risco, equipamentos de protecção e prevenção em estaleiros de construção;
- 9 de Janeiro de 2012 – Formações específicas para as actividades a desempenhar, ministradas directamente pela entidade empregadora a qual tinha por objecto o PTRE.EM.47.03;
-30 de Janeiro de 2012 – Formação sobre regras gerais de segurança durante a execução dos trabalhos de cofragem/descofragem;
- 9 de Fevereiro de 2012 – Requisitos de segurança, higiene e saúde incluindo informação sobre equipamentos de protecção individual e trabalhos em altura;
- 22 de Fevereiro de 2012 – Requisitos de segurança, higiene e saúde, incluindo PTREs;
- 22 de Junho de 2012 – Requisitos de segurança, higiene e saúde.
EE. No momento da queda o sinistrado não tinha o seu arnês de segurança preso ao ponto fixo da estrutura, estando o respectivo mosquetão colocado em posição de descanso.
FF. Após a ocorrência dos factos, como medidas complementares às vigentes, previstas no PRTE, foi implementado na obra reforço de sinalização e segurança, repetindo junto dos pontos de amarração a sinalização da obrigação de utilização do arnês de segurança, ficou definido um ponto de fixação alternativo para o arnês de segurança, passando pela implementação em cada painel de cofragem de uma linha de vida entre os dois pontos inicialmente existentes e foi prestada formação específica para estas novas medidas de protecção.
Foram considerados não provados os seguintes factos:
1. O sinistrado realizou as tarefas referidas em E e R sem proceder à fixação do mosquetão da corda do arnês de segurança no respectivo ponto de ancoragem (tensor TR).
2. A queda do sinistrado deu-se pela circunstância de o mesmo ter realizado as tarefas referidas em E e R sem fixar o arnês de segurança no ponto de ancoragem.
3. A queda do sinistrado deu-se quando o mesmo realizava as tarefas referidas em E e R.
4. A queda do sinistrado deu-se por não terem sido observadas pelo sinistrado as regras de segurança implementadas na obra e consagradas no PTRE.
5. A queda do sinistrado deu-se porque o local estava desprovido de protecção colectiva no topo da união com a plataforma que anteriormente subiu.
6. Foi a autora que suportou as despesas de funeral e transladação do corpo do sinistrado.
Fundamentação de direito
Comecemos por apreciar se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
(…)
Em suma, improcede, em toda a sua extensão, o recurso da matéria de facto.  
Apreciemos, agora, se, como defende a Recorrente, o acidente dos autos deve ser descaracterizado.
Sobre a questão, depois de considerar aplicável ao caso dos autos a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), debruçar-se sobre o conceito de acidente de trabalho e concluir que o evento ocorrido com o Sinistrado consubstancia um acidente ocorrido no tempo e no local de trabalho e que, no caso, estão verificados todos os elementos caracterizadores do acidente de trabalho tal como definido no artigo 8.º da mencionada Lei, matéria que não foi posta em causa pelas partes, pronunciou-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
 “B. Da negligência grosseira do trabalhador/ inobservância de regras de segurança ou violação pelo sinistrado de normas de segurança implementadas pela empregadora
A ré seguradora defende que o acidente se deu em virtude de o sinistrado não ter fixado a corda do arnês de segurança na estrutura fixa, tendo o acidente resultado exclusivamente desta sua conduta omissiva.
Defende, portanto, a descaracterização do acidente. Subsidiariamente, invoca que terá ocorrido inobservância das condições de segurança, que as regras de segurança implementadas se revelaram insuficientes para impedirem o acidente questão e, ainda, que o sinistrado desrespeitou as normas de segurança implementadas no local de trabalho.
Também o liquidatário da sociedade empregadora defende que o sinistrado não adoptou as medidas de segurança implementadas, desprezando a utilização do equipamento de protecção individual que lhe foi facultado e que o acidente decorreu exclusivamente dessa omissão. Conclui que o acidente se deveu a culpa grave e exclusiva do sinistrado, por violação das regras e condições de segurança estabelecidas pela empregadora e pela lei.
Dispõe o art.º 14º da LAT o seguinte:
«1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
3 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.»
As situações tratadas nesta norma são os eventos que o legislador considerou adequado colocar fora da esfera dos riscos decorrentes da actividade do empregador, em que este não tem o dever de reparar os danos decorrentes do acidente.
A causa de descaracterização prevista na alínea a) depende da verificação cumulativa das seguintes condições, cabendo à entidade responsável pela reparação o respectivo ónus de prova (artigo 342.º, nº 2, do Código Civil):
- violação dolosa, pelo trabalhador, ou por acção ou omissão, das condições de segurança;
- inexistência de causa justificativa para a violação;
- existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal (ex. em regulamento interno, ordem de serviço, etc,) ou previstas na lei;
- o acidente tem de ser consequência necessária do acto ou omissão do sinistrado.
Como ensina CARLOS ALEGRE, em Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 59-612:
«A noção de dolo utilizada no n.º 1, alínea a) do artigo 7.º, é muito próxima do conceito de dolo em Direito Penal: requer-se a consciência do acto determinante do evento e das suas consequências e, também, a vontade livre de o praticar. Mais do que previsto, o resultado do acto tem que ser intencional. O dolo deve, pois, verificar-se em referência, quer ao elemento intelectual (consciência), quer ao elemento volitivo (vontade). A conduta, quer por acção, quer por omissão, tem que ser considerada e desejada nas suas consequências danosas”
(…)».
A respeito do segmento o acidente provier de acto ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, defende o mesmo autor:
«(…) o acidente que provier de acto ou omissão da vítima, só não dá direito a reparação, se se verificarem, cumulativamente, as seguintes condições:
2 Em comentário ao art.º 7º da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro, mas cujos ensinamentos são passíveis de transposição para o actual regime.
1ª Que sejam voluntariamente violadas as condições de segurança, exigindo-se, aqui, a intencionalidade ou dolo, na prática ou omissão, o que exclui as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distracção, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco;
2ª Que a violação das condições de segurança sejam sem causa justificativa (do ponto de vista do trabalhador), o que passa pelo claro conhecimento do perigo que possa resultar do acto ou omissão; a causa justificativa ou explicativa não tem que ter um carácter lógico ou normal em relação à actividade laboral: pode ser uma brincadeira a que não se associam consequências danosas, uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta;
3ª Que as condições de segurança sejam, apenas, estabelecidas pela entidade patronal (em regulamento de empresa, ordem de serviço ou outra forma de transmissão (…)
4ª Deve verificar-se, também, que o acidente seja consequência necessária do acto ou omissão do sinistrado. (…)».
A propósito da situação tratada na alínea b), Carlos Alegre defende:
(…) Ao qualificar a negligência de grosseira, o legislador está a afastar implicitamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e os contras. Há, todavia, uma espécie de comportamento que, em termos laborais, deve ser considerado muito diverso da negligência ou da imprudência, embora, em muitos casos, possa resultar de um misto de ambas: é a imperícia ou o erro profissional.
(…) A negligência lata ou grave confina com o dolo e parecer ser, sem dúvida, a esta espécie de negligência que se refere o legislador ao mencionar a negligência grosseira: é grosseira porque é grave e por ser aquela que in concreto não seria praticada por um suposto homo diligentissimus ou bonus pater-familias (…)».
O art.º 7º da Lei n.º 100/97 a que se referia o mencionado autor não continha segmento semelhante ao hoje contido no n.º 3, que vem esclarecer o que se deve entender por negligência grosseira: o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
*
No caso dos autos, não ficaram provadas as circunstâncias de facto em que se deu a queda do trabalhador.
Sabe-se que, nos momentos que antecederam a queda, o mesmo estava afecto à execução de trabalhos em altura, em concreto à preparação da subida de um painel de cofragem, numa plataforma colocada a cerca de seis metros em relação ao nível do solo. As tarefas do sinistrado, ao nível da plataforma dos conjuntos ainda por elevar, consistiam na remoção das cavilhas de segurança das ancoragens e fechos entre plataformas, quer ao nível do assoalhamento como também de protecção colectiva, após o que o trabalhador deveria mover-se para a plataforma adjacente, que se segue àquela, onde daria indicações ao colega de trabalho posicionado no bloco para realizar a elevação. Durante a execução das mesmas, o sinistrado era obrigado a usar o arnês de segurança de forma adequada, isto é, preso num ponto de ancoragem fixo existente na plataforma (alíneas T, U e V). Trata-se normas implementadas na obra em questão, previstas no Plano de Trabalho com Riscos Especiais, que o sinistrado conhecia, por lhe ter sido dado formação exaustiva sobre a matéria.
Sucede que o sinistrado caiu sem que se tivesse apurado o que se encontrava a fazer, se é que estava a executar algum acto inerente às tarefas atribuídas em obra. No momento da queda tinha colocado todo o equipamento de protecção individual que se impunha, incluindo o arnês, estado o mosquetão do respectivo cabo de ligação colocado em modo de segurança.
Perante estes factos podemos equacionar várias hipóteses: o sinistrado não cumpriu as regras que lhe foram impostas, assegurando-se que se mantinha com o arnês preso em ponto de ancoragem durante a execução dos trabalhos; o sinistrado estava a executar as tarefas, mas não tinha onde prender o arnês; o trabalhador já tinha terminado as suas tarefas e preparava-se para abandonar o local (não foi alegado nos autos que a tarefa atribuída ao trabalhador tivesse ficado incompleta), o que justificaria que o arnês estivesse colocado na posição de segurança.
Não ficaram provados factos que sustentem qualquer uma destas hipóteses.
Considerou-se não provado que a queda do sinistrado se deu quando o mesmo realizava as tarefas referidas em E e R, que o sinistrado realizou as tarefas referidas em E e R sem proceder à fixação do mosquetão da corda do arnês de segurança no respectivo ponto de ancoragem (tensor TR), que a queda se deu pela circunstância de o trabalhador ter realizado as tarefas referidas em E e R sem fixar o arnês de segurança no ponto de ancoragem, e, por fim, que a queda ocorreu por não terem sido observadas pelo sinistrado as regras de segurança implementadas na obra e consagradas no PTRE.
Na verdade, a matéria de facto é escassa, não nos fornecendo elementos bastantes que permitam descaracterizar o acidente, em qualquer das possibilidades equacionadas no art.º 14º da LAT, em particular das que estão em causa nestes autos, previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 14º da LAT. Do conspecto factual assente não resulta que o acidente proveio de negligência grosseira do sinistrado, muito menos grosseira, ou que proveio de seu acto ou omissão que importasse violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.”
A Recorrente discorda deste entendimento defendendo, em suma, que:
-o acidente está descaracterizado nos termos do artigo 14.º n.º 1 al. b) da LAT, porque o sinistrado não estava a usar o arnês de segurança preso a um ponto fixo;
-o Tribunal a quo olvidou que  o ónus da prova acerca da dinâmica do acidente impendia sobre o Autor e, não tendo essa dinâmica, segundo o Tribunal a quo, ficado apurada, só lhe restava absolver a Recorrente do pedido, na medida em que a presunção legal prevista no artigo 10.º da LAT apenas desonera o sinistrado ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade ente o evento e as lesões, não o libertando de provar o próprio evento causador das lesões.
Adiantamos, desde já, que não assiste razão à Recorrente.
Senão, vejamos:
Nos termos do artigo 14.º n.º 1 al. b) da LAT, o empregador não tem de reparar os danos decorrentes de acidente que “ Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.”
E de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, “Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.”
Sobre a negligência grosseira escreve-se no sumário do Acórdão do STJ, de 19.11.2014, Proc.177/10.7TTBJA.E1.S1, relatado pelo Exmo. Conselheiro Fernandes da Silva, consultável em www.pt, “(…) III – A negligência grosseira, prevista na alínea b) da norma enquanto causa exclusiva descaracterizadora do acidente, preenche-se na assunção, pelo sinistrado, por acção ou omissão, de um comportamento temerário em alto e relevante grau, causalmente determinante da eclosão do evento infortunístico, considerando-se como tal a actuação perigosa, audaciosa e inútil, reprovada por um elementar sentido de prudência
(…)”
Por fim, embora versando sobre a anterior Lei dos acidentes de trabalho, mas expressando entendimento actual, veja-se, ainda, o Acórdão do mesmo Tribunal, de 17.09.2009, Proc. 451/05.4TTABT.S1, relatado pelo Exmo. Conselheiro Vasques Dinis também disponível em www.dgsi.pt em cujo sumário lemos: “I - Para excluir o direito à reparação de acidente de trabalho, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), é indispensável que o evento seja imputado, em termos de causalidade adequada, exclusivamente, a comportamento temerário em alto e relevante grau do sinistrado (n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril), o que implica, por um lado, a prova de que o acidente se deveu a conduta inútil, indesculpável, sem fundamento, e de elevado grau de imprudência, da vítima, e, por outro lado, a prova de que nenhum outro facto concorreu para a sua produção.”
A Recorrente estriba a alegada negligência grosseira no facto de o Sinistrado não estar a usar o arnês de segurança preso a um ponto fixo.
Sucede, porém, que esse facto, só por si, não é suficiente para qualificar o comportamento do Sinistrado de temerário em alto e relevante grau.
Na verdade, não obstante resultar dos autos que, no momento da queda, o Sinistrado não tinha o seu arnês de segurança preso ao ponto fixo da estrutura, estando o respectivo mosquetão colocado em posição de descanso, dessa circunstância não podemos extrapolar para a conclusão de que a queda resultou desse facto, na medida em que, apesar de todas as hipóteses levantadas pelo Tribunal a quo sobre o que terá efectivamente sucedido, o certo é que nenhuma delas foi consignada na factualidade provada pelas razões que também foram enumeradas na sentença recorrida e que acompanhamos.
A factualidade provada apenas permite afirmar, com certeza, que o sinistrado deu uma queda em altura e, quando no solo, foi possível confirmar que tinha colocado todo o equipamento de segurança exigido para a execução dos trabalhos em que estava envolvido e que, no momento da queda, o Sinistrado não tinha o seu arnês de segurança preso ao ponto fixo da estrutura, estando o respectivo mosquetão colocado em posição de descanso. Mas como refere o Tribunal a quo não foi alegado nem ficou provado que o Sinistrado deixou as suas tarefas por completar, o que implicaria, necessariamente, que se concluísse que, quando ocorreu a queda ainda estava a executá-las e sem estar preso a um ponto fixo. Contudo, como bem explica a sentença recorrida, não se sabe o que fazia o Sinistrado no momento em que se deu a queda, em que local exacto se encontrava, nem quais as circunstâncias que a determinaram.
Por isso, não podemos enquadrar o comportamento do falecido na denominada negligência grosseira a que alude o artigo 14.º n.º 1 al. b) da LAT, termos em que não procede esta pretensão da Recorrente.
Mas ainda defende a Recorrente que, considerando-se que não tendo a dinâmica do acidente ficado provada, o que competia ao beneficiário do falecido provar, então, só restava ao Tribunal absolver a Ré Recorrente.
Sem prejuízo de a Recorrente já ter aceitado que o evento que vitimou o Sinistrado ocorreu no local e no tempo de trabalho e é um acidente de trabalho, mas que está descaracterizado, mesmo assim, apreciar-se-á esta argumentação.:
Estatui o artigo 10.º da LAT:
“1 - A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.
2 - Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.”
Sobre esta norma escreve-se no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.03.2019, Proc. 1692/17.7T8CSC.L1, relatado pela Exma. Desembargadora 2.ª Adjunta, pesquisa em www.dgsi.pt: “A existência da presunção legal prevista no art.º 10 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro apenas desonera o sinistrado ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o evento (“acidente”) e as lesões. Não os liberta do ónus de provar a verificação do próprio evento causador das lesões, nem tão pouco da prova do nexo de causalidade entre a lesão corporal, perturbação funcional ou doença contraídas no acidente e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte da vítima, cabendo a sua demonstração ao sinistrado ou aos beneficiários legais.”
Também a propósito desta norma afirma-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 6 de Outubro de 2016, 197/13.0TTSTS.G1, relatado pela Exma. Desembargadora Vera Sottomayor, in www.dgsi.pt, “Estabelece este preceito presunções a favor do sinistrado e dos seus beneficiários legais, bastando-lhes para tanto, alegar e provar que a lesão considerada causa da morte ou da incapacidade de trabalho ou de ganho foi constatada no local e tempo de trabalho.
Da citada disposição legal resulta que o requerente fica dispensado da prova relativa ao nexo de causalidade ente o acidente e a lesão, contudo incumbe-lhe demonstrar a ocorrência do evento em si.
Trata-se de um presunção juris tantum que a parte contrária pode ilidir mediante prova em contrário. Competirá, assim, à parte contrária, para destruir a prova feita através da presunção, fazer prova do contrário, no que respeita ao facto que serve de base à presunção, ou no que respeita ao próprio facto presumido, caso obtenha êxito, será a parte favorecida pela presunção legal que passa a ter o ónus de rebater essa prova do contrário, mediante a produção de contraprova.”
Ora, percorrendo a factualidade provada, logo constatamos que a Autora alegou e provou o evento em sim mesmo, bem como provou o nexo de causalidade entre o evento e as lesões sofridas e que estas foram a causa da morte do Sinistrado (cfr. nomeadamente os factos provados nas als. B, C, D, G e J).
Por conseguinte, também não procede esta pretensão da Recorrente.
Analisemos, por fim, se existiu actuação culposa da empregadora.
Sobre esta questão e após analisar o disposto no artigo 18.º da LAT (Actuação culposa do empregador), enunciar as obrigações gerais do empregador previstas no artigo 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro e as obrigações dos empregadores previstas no artigo 22.º do Decreto Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, escreve-se na sentença recorrida o seguinte:
“De acordo com o estatuído no art.º 342º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, incumbe a quem invoca o direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, recaindo o ónus da prova dos factos impeditivos ou modificativos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita. O que, transposto para o caso em apreço, implica que compete ao sinistrado, potencial beneficiário do direito a esta reparação especial, ou à seguradora, que pretende salvaguardar o referido direito de regresso, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente resultou da inobservância por parte da entidade empregadora de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.»
*
A imputação feita pela seguradora prende-se com o facto de o local estar desprovido de protecção colectiva no topo da união com a plataforma que anteriormente subiu.
Ora, como já se referiu, decorre da decisão proferida sobre a matéria de facto que não ficou demonstrada a dinâmica do acidente na sua plenitude. Não se apurou qualquer facto que demonstre que a queda se deu por causa daquela falta de protecção colectiva, tanto mais que sequer foi alegado ou provado que o sinistrado se encontrava no topo da união com a plataforma que anteriormente subiu (local onde, de acordo com a ACT, a protecção colectiva era insuficiente).
Ademais, o facto de terem sido implementadas outras medidas de segurança após a ocorrência do acidente - que a seguradora alega como indício de que não haviam sido implementadas todas as normas de segurança que se impunham - não permite concluir, por si só, que houve inobservância de condições de segurança na sua plenitude, como conclui a seguradora.
Como se provou sob o ponto FF, após o acidente foram efectivamente implementadas novas medidas, mas complementares às já existentes e previstas no PTRE. Nada nos indica que a sua prévia existência teria evitado o acidente, dado que são desconhecidas as suas exactas circunstâncias, como já se referiu, incluindo o exacto local onde o sinistrado se encontrava no momento em que inicia a queda em altura. Repare-se que as medidas passaram pelo reforço da sinalética sobre obrigatoriedade de uso do arnês e por reforço na formação, o que não é idóneo a evitar qualquer queda, apenas o efectivo uso do arnês o poderia ser.
Passaram também pela definição de um ponto de fixação alternativo para o arnês de segurança. Para se concluir que essa medida poderia ter evitado o acidente que vitimou o aqui sinistrado era necessário que tivesse ficado provado que o mesmo se deu porque o sinistrado não tinha ponto de ancoragem disponível para prender o arnês em determinado momento de execução das suas tarefas e que essa foi causa adequada para a sua queda. Como se viu, a matéria de facto assente não permite alcançar essa conclusão e ficou por provar que a queda do sinistrado se deu porque o local estava desprovido de protecção colectiva no topo da união com a plataforma que anteriormente subiu.
Cumpre também referir que ficou provado que a empregadora tinha implementadas medidas de protecção, colectiva e individual, e possuía um plano de segurança implementado e minucioso a respeito desta obra, para reduzir ou eliminar os riscos no trabalho, o qual era dado a conhecer aos trabalhadores. O plano de segurança prevê expressamente a forma como deveria decorrer o trabalho atribuído ao sinistrado e a obrigatoriedade de fixação do arnês durante a execução das tarefas a realizar sobre a plataforma de trabalho.
Mais se provou que o ACE que liderava a obra proporcionava formação exaustiva nas matérias de segurança no trabalho aos trabalhadores e, em concreto, ao sinistrado, para além da formação assegurada pelo subempreiteiro da obra.
Em suma, não é possível concluir que não foram salvaguardadas pela empregadora as condições de acesso, deslocação e circulação necessárias à segurança em todos os postos do estaleiro nem que não foi garantida a protecção permanente dos trabalhadores expostos aos riscos de queda em altura.
O ónus da prova dos factos que agravam a responsabilidade da empregadora cabe a quem dela tirar proveito, no caso, à beneficiária e/ou à seguradora alegar e provar, não só a inobservância por parte da empregadora de regras sobre segurança no trabalho, mas também a existência de nexo de causalidade entre essa inobservância e o acidente.
Uma vez que não foi feita essa prova, está afastada a responsabilidade agravada prevista no art.º 18º da LAT.”
Nesta sede, limita-se a Recorrente a invocar que não concorda com o entendimento do Tribunal a quo de que não existiu actuação culposa do empregador, bem como com a interpretação que faz do facto provado FF, de que nada indica que a prévia existência das novas medidas teriam evitado o acidente.
Apela a Recorrente às declarações da testemunha (…), cujas passagens da gravação transcreve, para concluir que só se pode retirar do depoimento da referida testemunha que o facto de não ter sido assegurado ao Sinistrado, a todo o tempo, protecção contra quedas contribuiu para o acidente, pelo que a Recorrente nos termos do art.º 79.º nº. 3 da LAT tem direito de regresso satisfeitas as prestações.
Vejamos:
O n.º 3 do artigo 79.º da LAT estatui:
“3 - Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.”
No artigo 18.º da LAT prevê-se a actuação culposa da empregadora.
Assim, verificando-se algum dos comportamentos que integram actuação culposa da empregadora e o nexo de causalidade entre aquele comportamento e o acidente de trabalho, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
Ora, como já vimos, a Recorrente avocou as declarações da testemunha (…) para estribar o seu entendimento de que a empregadora actuou culposamente.
Contudo, as declarações das testemunhas não são idóneas para enquadrar os factos provados no direito; servem sim, para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Sucede, porém, que, relativamente à actuação da Ré empregadora, a Recorrente não exprimiu qualquer vontade de ver alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto com base nas declarações da mencionada testemunha. Apenas concluiu que das suas declarações se pode imputar à empregadora não ter assegurado a todo o tempo a protecção do trabalhador contra quedas, pelo que lhe assistiria direito de regresso satisfeitas as prestações, o que não colhe pela razão que apontámos.
Discorda ainda a Recorrente do entendimento do Tribunal a quo no sentido de que nada indica que a prévia existência das novas medidas teria evitado o acidente.
 Não merece, contudo, reparo esta constatação do Tribunal a quo, na medida em que não ficaram apuradas as circunstâncias da queda, nem sequer se provou em que local exacto se encontrava o Sinistrado quando caiu para, assim, se poder concluir que as medidas complementares implementadas depois do acidente eram as adequadas a evitar a queda do Sinistrado.
Por conseguinte, improcede a apelação devendo ser confirmada a sentença recorrida.
Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em:
- Julgar o recurso da matéria de facto improcedente nos termos supra mencionados.
- Julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 17 de Maio de 2023
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Albertina Pereira
Decisão Texto Integral: