Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
579/20.0TELSB-C.L1-5
Relator: ALEXANDRA VEIGA
Descritores: COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
CARTA ROGATÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Estando reconhecido o dever de cooperação com a entidade rogante e a inexistência de fundamentos para a sua recusa e sendo Portugal mera autoridade de execução- entidade rogada - as questões que venham a suscitar-se depois de cumprida a carta rogatória só podem ser dirigidas e apreciadas pela entidade rogante.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
No processo 579/20.0TELSB do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa foi proferido despacho, com o seguinte teor:
«O requerente de fls. 1253 e seguintes pretende a não remessa das quantias apreendidas a quaisquer entidades, judiciais ou não, da República ..., assim como, a libertação imediata do património do arguido e de terceiros em território português, dando-se sem efeito a apreensão de saldos e valores depositados, incluindo carteiras de valores mobiliários, e a suspensão decretada e o bloqueio de todas as operações a débito e do acesso através do canal homebanking das contas descritas na decisão judicial de 22-09-2020.
O Ministério Público, a fls. 1268 e 1269, promove que seja renovada a decisão de fls. 1209; que o arrazoado invocado concerne à detenção do arguido, não às diligências destes autos; que as apreensões foram repetidamente confirmadas por Tribunais superiores; que os fundamentos das apreensões só podem ser discutidos com as autoridades ….
Vejamos.
Tal como avança o Ministério Público, questão análoga à suscitada pelo requerente já foi anteriormente apresentada e decidida por este Tribunal Central de Instrução Criminal a fls. 1209.
Esteve pendente em Portugal um pedido de cooperação das autoridades de ..., já cumprido e devolvido, pelo que, de momento, inexiste qualquer realidade processual que permita a este Tribunal, tão pouco, ponderar as questões suscitadas pelo requerente, sendo o presente um mero translado para gestão dos fundos apreendidos.
Sendo Portugal mera autoridade de execução, entidade rogada, as pretensões do requerente só podem ser dirigidas e apreciadas pela República de ..., entidade rogante.
Deste modo, julgo este Tribunal Central de Instrução Criminal incompetente para apreciar o requerido, atenta a inexistência de inquérito que corra termos no território nacional em que tenha sido reconhecida a competência para investigar os factos subjacentes às apreensões levadas a cabo a pedido da República de ..., ex vi artigo 4.º a 6.º do Código Penal e 17.º do Código de Processo Penal.
Notifique e devolva ao Ministério Público»
*
Inconformado, recorreram AA, na qualidade de Arguido e, BB, CC, DD, EE, O ..., Lda e C ..., Lda na qualidade de terceiros, formulando as seguintes conclusões:
A. Os Recorrentes solicitaram a consulta e acesso aos autos, pois tal era e é indispensável à preparação da sua defesa, ao exercício do contraditório e apresentação do competente recurso, o que não lhes foi permitido até ao momento;
B. Ora, esta decisão, ademais ao se saber sobre o decurso do prazo de recurso e coartar o direito de acesso, conhecimento e fundamentação, viola o direito de defesa dos Recorrentes, a igualdade no âmbito de um processo penal justo e equitativo, quer no âmbito nacional (direito Constitucional) quer no âmbito internacional (Cfr. art.º 6º §1, da Convenção Europeia de Direitos Humanos e art.º 10.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos).
C. Considera-se s.m.o., que o Tribunal a quo violou os princípios de direito constitucionais internacionais, vg, os princípios gerais da necessidade da aplicação da medida e da sua proporcionalidade e busca da verdade material, e os princípios constitucionais de adequação e proporcionalidade.
D. Como também, a Diretiva europeia n.º 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de abril de 2014 sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia, transporta para a ordem jurídica portuguesa, através da Lei n.º 3/2017, de 30 de maio, vg, o seu art.º 8º
E. E, por fim, mas de não somenos importância, violou e não fez cumprir o Parecer n.º 63/2023 (...) de 14.11.2023 e publicado a 12 de fevereiro de 2024, do Conselho de Direitos Humanos - Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária - das Nações Unidas, na sua 98. “Sessão.
F. Aliás, o pedido dos Recorrentes assentou sobre a aplicação da citada decisão ulterior e recentemente proferida pelas Nações Unidas.
G. Não tendo sido sequer conhecido, pela autoridade judiciária portuguesa, o aludido Parecer, apesar da sua natureza, origem e conteúdo.
H. Se o tivesse feito, teria de ordenar o desbloqueio das quantias apreendidas, a libertação do património para os Recorrentes e revogar a ordem de suspensão da movimentação bancária pelos Recorrentes.
I. Caso assim não o entendesse, no mínimo, teria de ordenar o não cumprimento da remessa do património dos Recorrentes para território …, face às questões de ilegalidade e inconstitucionalidade suscitadas e comprovadas no Parecer emitido pelas Nações Unidas.
J. E na medida em que, as decisões normativas emanadas pelas Nações Unidas. de que Portugal é um Estado membro, são vinculativas nos termos do artigo 25. º da Carta das Nações Unidas;
K. Deveria o Tribunal a quo ter feito cumprir o Parecer em questão, cumprimento esse que advém do art.º 8. º da CRP, no seu n.º 3 estabelece:
As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respetivos tratados constitutivos.
L. Sendo que, face ao modo como está redigido o art.º 25. º de Carta das Nações Unidas conjugado com os Art.ºs 48. º e 49. º, tal parecer constitui disposição de direito internacional, que para se executar em Portugal não necessita de mediação de qualquer órgão de soberania portuguesa. Mais, do também referido n.º 3, do Art.º 8. º da CRP, nem sequer faz depender a respetiva vigência da "conditio júris" da publicação no jornal oficial.
M. Nesse sentido, também o 6. º, n.º 1, alínea a) da LCJIMP prescreve: «O pedido de cooperação é recusado quando o processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal.»
N. Nesta sede, tendo presente a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o quadro problemático da consulta, podem formular-se duas asserções prévias à ponderação da questão sobre a eventual aplicabilidade direta do artigo 6.º, n.º 1, alínea a), da LCJIMP;
O. Enquanto Estado requerido de cooperação judiciária solicitada ao abrigo de convenção internacional por um Estado que não integra o Conselho da Europa, a República Portuguesa ao apreciar se o processo pendente no estrangeiro preenche o conceito de denegação de justiça flagrante tem de atender à natureza do acto requerido, nomeadamente, se o mesmo se reporta à execução de decisões judiciárias estrangeiras.
P. As concretizações pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem do conceito de denegação de justiça flagrante para efeitos de recusa de cooperação judiciária têm compreendido, além da ponderação da natureza do ato requerido, valorações sobre a gravidade das violações dos cânones da Convenção Europeia relativos ao fair trial. base e força probatórias dos juízos sobre o desrespeito desses valores, considerações relativas a elementos disponíveis sobre o perfil do Estado requerente em matéria de direitos humanos e considerandos sobre a diligência exigível aos Estados requeridos em pedidos de cooperação formulados por Estados que não são parte da Convenção.
Q. Pelo que, a decisão é ilegal, por não conhecer do pedido dos então Requerentes ora Recorrentes, e manter as referidas apreensões que se consideram desnecessárias, desproporcionais e sem qualquer justificação para a sua manutenção, nos termos dos artigos 186.º, 191.º, n.º 1, e 193.º, todos do CPP, motivo pelo qual deve ser revogada.
R. O que conduz a uma inevitável limitação/restrição desnecessária e desproporcional dos direitos e garantias de defesa dos Recorrentes!
S. Encontrando-se postos em causa os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, e os princípios gerais da necessidade da aplicação de tal medida e da sua criteriosa proporcionalidade e busca da verdade material, bem como os princípios constitucionais de adequação e proporcionalidade, previstos e consagrados como Direitos, Liberdades e Garantias, protegidos pela Lei fundamental.
T. Sendo que, o início da execução de algum ou alguns dos atos requeridos não gera qualquer tipo de constrangimento que obste à recusa do cumprimento ao abrigo de motivos que integram a enunciação taxativa da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP.
U. Pelo que, desde que ainda se apresente pertinente em face das circunstâncias do caso concreto, a apreciação de eventuais motivos de recusa de auxílio pode realizar-se depois de iniciada pela autoridade judiciária a execução de actos requeridos pelo Estado requerente, podendo reportar-se a alguns dos actos requeridos ou à forma da sua execução.
V. Mesmo com a carta rogatória devolvida o poder soberano sobre a sua execução persiste no Estado requerido, aliás, o próprio TCIC refere ter um translado para “gestão dos fundos apreendidos”; sem prejuízo de este dever informar o Estado requerente da sua decisão de deixar de dar cumprimento, no todo ou em parte, a um pedido de auxílio, e das razões dessa decisão logo que esta seja proferida — exigência de lealdade prevista no artigo 3.º, n.º 3, da Convenção.
W. E esse poder de soberania sobre a realização dos actos ou recusa do seu cumprimento associado à lei aplicável, que deve ser, em princípio, a do Estado requerido, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, da Convenção. Pelo que, os pedidos ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP são cumpridos em conformidade com o direito interno português, no respeito dos pressupostos prescritos na ordem jurídica nacional para a prática dos concretos actos - atento o disposto no artigo 4. º, n.º 2, da referida Convenção.
X. Assim, encontrando-se os Recorrentes especialmente abrangidos e protegidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia - art.º 47.º, e Diretiva 2014/42/UE, de 3 de abril (congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia) - art.º 5.2; art.º 8.1 e art.º 8.7-9, que se encontra transposta pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio;
Y. É imperioso que ocorra a restituição de tudo quanto foi apreendido logo que se torne desnecessária a manutenção da sua apreensão, tal como imposto pelo artigo 186. º do CPP, o que ora se requer.
Z. E, assim, no estrito cumprimento do disposto nos Arts. 1º, 2.º, 3.º, 7.º, 8.º, 9.º al. b), 13.º, 18.º, 20.º, 29.º, 30.º, 32.º e 202 nº 2 primeira a parte, todos da Constituição da República Portuguesa, deverá proceder-se à libertação imediata do património do Arguido e Terceiros, em território português, vg, saldos e valores depositados, incluindo carteiras de valores mobiliários, e decretado o desbloqueio de todas as operações a débito e do acesso através do canal homebanking, das contas cartão, aplicações financeiras, títulos e fundos de investimento e operações em causa nos autos, tudo com os legais consequências.
Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a decisão proferida e ser conhecido o Parecer vinculativo n.º 63/2023 de 14.11.2023 e publicado a 12.02.2024 do Conselho de Direitos Humanos - Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária - das Nações Unidas, com o deferimento aos Recorrentes do pedido de não remessa das quantias apreendidas a quaisquer entidades, judiciais ou não, da ..., e ainda, a libertação imediata do património dos Recorrentes em território português.
*
Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos:
Os presentes autos traduzem-se num pedido de cooperação das autoridades de ..., já cumprido e devolvido à entidade rogante, tendo em vista o bloqueio de contas bancárias tituladas em Portugal por AA, bem como, de pessoas e sociedades consigo relacionadas, restando no presente traslado fazer a gestão das contas apreendidas e preparar a remessa dos fundos a ....
1º No presente recurso, que é o terceiro interposto pelas pessoas titulares das contas bloqueadas, é invocado um pretenso dever de recusa da cooperação com o Estado de ..., que teria surgido depois de um parecer emitido por um comité da ONU ter censurado alguns procedimentos processuais relacionados com a detenção e com os direitos da Defesa do arguido AA no processo que decorreu em ....
2º - Defendem, ainda, os agora recorrentes que o mesmo parecer deveria fazer cessar a apreensão dos saldos de contas, tendo a mesma se tornado injustificada, desnecessária, desadequada e desproporcional.
3º No entanto, o reconhecimento do dever de cooperação com ... e a inexistência de fundamentos para a sua recusa foi já reconhecida no acórdão da Relação de Lisboa proferido na data de 9 de Novembro de 2021, neste procedimento, e a conformidade legal e até a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida de apreensão foram já decididas no acórdão da Relação de Lisboa de 06-07-2021, onde estavam em causa pedidos apresentados pelos mesmos Recorrentes que no presente Recurso.
4º - Também as questões do acesso aos autos e da revisão da medida de apreensão com base em alegadas irregularidades ocorridas no processo pendente em ... foram já rejeitadas pela decisão de folhas 1209, subsequente ao requerimento de folhas 1183 e seguintes, tendo essa anterior decisão transitado em julgado
5º O referido parecer de um comité da ONU, que censura a forma como foi detido e investigado em ... o arguido AA, não representa um facto novo, Legitimador do presente recurso, uma vez que não é um parecer vinculativo para o Estado de ..., não tendo implicado qualquer alteração da condenação final já decidida em ..., pelo que não existe qualquer alteração na substância e fundamento do pedido de cooperação que foi executado em Portugal através do presente procedimento.
6º - Concluímos, portanto, não haver conteúdo decisório novo que justifique abrir uma nova possibilidade de recurso, sendo evidente, pelo contrário, que se verifica caso julgado quanto à questões que agora são aqui voltadas a colocar, pelo que o presente recurso não deve ser recebido, nos termos do art.º 414.-2 e do art.º 420.º-1 a) e b), ambos do Cod. Processo Penal, mas não deixaremos de repetir os fundamentos para a subsistência da apreensão de contas determinada nos presentes autos.
7º O pedido de cooperação em causa apresenta-se suportado em factos imputados a AA, na qualidade de dirigente da ..., que teria tomado o controlo da ... desenvolvendo um esquema que se traduzia, essencialmente, na cobrança à ... de comissões e prémios de seguro em excesso e indevidos - crimes de peculato, fraude fiscal e branqueamento de que o referido principal arguido foi já também acusado em ....
7º- Os factos narrados no pedido de cooperação são suficientes, não só para suportar o seu enquadramento à luz do ordenamento jurídico nacional, de onde resulta estarem em causa factos também puníveis em Portugal, como para suportar o conjunto de diligências rogadas.
8º O presente pedido de cooperação começou a ser executado através da recolha de informação bancária e das comunicações recebidas em sede de prevenção do branqueamento de capitais, no sentido de confirmar a origem e impedir a dispersão de fundos nas contas abertas em Portugal com intervenção das pessoas referidas no pedido de cooperação.
9º Nas contas ... em nome dos Recorrentes EE e DD foi comunicado o recebimento, em Agosto de 2020, de um montante de € 200.000,00 para cada conta, com origem numa conta de AA junto do ... e com a justificação de serem dividendos distribuído pela ....
10º Por sua vez, nas contas em nome dos mesmos Recorrentes junto do ..., para além do recebimento de fundos com origem no AA e na entidade ..., foi comunicada a tentativa de levantamento, a 24-09-2020, da quantia, em numerário, de € 40.000,00, de cada uma das contas.
11º - Nesse quadro de factos e de operações a débito pedidas pelos ora recorrentes, foi tomada, na data de 29-09-2020, a decisão de suspensão temporária de operações a débito sobre as contas no ... e no ... tituladas em nome dos referidos recorrentes.
12º Essa medida de suspensão, temporária por natureza, esteve vigente durante o período de recolha da prova documental, tendo, já após o primeiro prazo de vigência fixado, sido substituída pela medida de apreensão de saldos, nos termos do art.º 181º do Cod. Processo Penal, uma vez evidenciada a sua necessidade para efeito da prova e da recuperação activos - decisão recorrida de folhas 613 e seguintes.
13º Tal decisão de apreensão foi devidamente comunicada aos ora Recorrentes, com a afirmação de se encontrava claramente indiciada a origem ilícita dos fundos remanescentes nas contas e que a retenção dos próprios fundos se revelava essencial para a prova dos ilícitos cometidos em ..., bem como para a recuperação dos activos e reintegração do lesado, que é o Estado de ..., através da ....
14º - A reapreciação dos fluxos financeiros feita com base nos documentos bancários obtidos, analisados à luz dos factos comunicados pelo pedido de cooperação judiciária recebido, conduziu a que fosse aplicada, por decisão de 15 de janeiro de 2021, uma medida de apreensão de saldos de contas bancárias, sobre as mesmas contas acima identificadas e sobre novas contas, tituladas pelos demais Recorrentes, onde foram identificados fluxos financeiros idênticos.
15º Com efeito, todos os ora recorrentes foram instrumentalizados para a abertura de contas bancárias destinadas a fazer passar os fundos gerados pela atuação ilícita de AA e de CC, numa clara e tradicional prática de nepotismo, com o recurso à segurança e confiança nos elementos da família para fazer circular os fundos de origem ilícita.
16º E nesse quadro de criação de justificativos e de dispersão dos fundos de origem ilícita que surgem as sociedades ora recorrentes, a O..., Lda e a C ..., Lda., aliás entre várias outras constituídas em Portugal pelos familiares de AA e cujas contas foram apreendidas, apesar de não serem aqui Recorrentes, caso da ....
17º Tais sociedades, com um parco capital social, próximo dos € 1.000,00, viveram de financiamentos bancários, contraídos com suporte em garantias dadas por CC e que se traduziam em penhor de carteiras de valores mobiliários, constituídas junto do ..., actual ..., constatando-se que tais valores foram adquiridos com os fundos gerados pela actividade que se encontra sob investigação em ....
18º Para além desses financiamentos, que representam uma forma de substituir fundos de origem ilícita imediata por fundos suportados em contratos de financiamento bancário, numa procura de gerar distanciamento e aparente justificação entre os fundos de origem ilícita e os detidos pelas sociedades instrumentais criadas, a decisão de apreensão de saldos de conta identifica, com clareza outros circuitos financeiros, com direta origem no exterior e nas sociedades utilizadas para sacar fundos da ... com base na celebração dos contratos de seguro.
19º Assim, em Agosto de 2003, foi aberta junto do então ..., actual ..., a conta nº ..., na qual figuram como titulares BB e seu filho CC, onde foram sendo recebidos montantes do exterior para o pagamento de despesas correntes, até que, em Maio de 2019, foi recebido um montante de € 500.000,00 com origem numa conta sita em ..., no ....
20º Ainda nessa conta ... nº ..., controlada por CC, foram recebidas, ao longo do ano de 2020, pelo menos 8 (oito) operações de € 250.000,00 cada, as quais foram depois dispersas por contas, no mesmo Banco, abertas em nome das sociedades acima referidas, entre as quais a C.... SGPS
21º Foi ainda verificada a existência, junto do ..., de uma conta em nome da C... SGPS, conta nº ..., aberta em Março de 2019, a qual é alimentada essencialmente por transferências com origem na conta da O... Unipessoal e por aportes transferidos de outras contas pessoais de CC, tendo, a 13-12-2019, sido feita uma transferência de uma conta pessoal do CC para a C... no montante de € 150.000,00.
22º Foi apurado que esses fundos têm origem em contas abertas junto do ..., actual ..., onde foram colocados fundos com origem no exterior, que foram depois aplicados em carteiras de valores mobiliários, as quais, por sua vez, foram dadas como garantia de operações de crédito bancário.
23º Segundo resulta do informado pelo ..., o conjunto total de valores mobiliários titulados pelo CC junto daquele Banco, incluindo valores dados em garantia e os sem qualquer ónus, teria um valor de mercado, segundo cotações actuais, de € 3.374.300,92.
24º Ainda no que se reporta ao ..., foram identificadas contas tituladas por BB e por AA onde se regista a mesma origem suspeita de fundos, tendo sido identificada uma conta em USD, com o nº ..., na qual se registava um saldo de USD 1.292.499,85.
25º Em Maio de 2013, AA veio a abrir contas, em nome da entidade ... junto do ..., contas em Euro e USD, associadas ao nº …, onde veio a ser creditada uma quantia próxima dos 5 (cinco) milhões de USD, com origem no exterior, a qual veio a ser dispersa, após transferência inicial para a conta em Euros, por várias outras contas, domiciliadas em diversos Bancos nacionais, caso do ..., do ..., do ... e do ....
26º - Nas contas ... tituladas pelo AA indicia-se que remanescem saldos superiores a € 350.000,00, existindo saldos próximos dos € 200.000,00 em cada uma das contas abertas no mesmo Banco, em nome dos familiares do primeiro, tudo fundos que se indicia terem origem última nas remessas vindas do exterior.
27º Suscita-se assim, a suspeita de que a dispersão de fundos por diversas contas possa representar uma forma de ocultação do seu destino final, designadamente da identificação da atividade económica que possa estar a ser desenvolvida sob o controlo da família de AA e com fundos provenientes, em última instância, dos negócios que lesaram a ....
28º - O que está em causa neste processo não é apurar responsabilidades, mas sim confirmar circuitos financeiros, de forma a identificar a conexão entre os activos detetados e os actos ilícitos iniciais, pelo que, independentemente de quem seja o detentor de facto desses activos, descontando casos de terceiros de boa fé, que são necessariamente pessoas distantes do agente do crime, os fundos identificados como conexos com essa atividade ilícita inicial devem ser apreendidos - conforme aliá resulta do disposto nos arts. 110.º e 111. º do Código Penal.
29º -Da mesma forma, resulta do art.º 174.º do Cod. Processo Penal que a apreensão não é uma medida que apenas possa recair sobre bens na posse de alguém que tenha sido constituído arguido, tanto mais que a própria lei salvaguarda, no nº 7 do supra referido artigo, a possibilidade de os titulares, mesmo não sendo intervenientes processuais, virem discutir nos autos a medida de apreensão, o mesmo acontecendo aliás com a letra do art.º 181º do mesmo Código.
30º A execução da presente carta rogatória não correspondeu a uma obediência cega e acrítica do aportado pela entidade rogante, uma vez que se recorreu previamente à figura da suspensão temporária de operações, que esteve vigente durante todo o período de recolha de dados bancários, só depois se partindo para a apreensão, uma vez confirmada a origem dos fundos em cada uma das contas.
31º A motivação expressa dificuldade em compreender que estamos perante a execução de um pedido de cooperação, que foi confirmado por Portugal, como entidade executante, em sede dos fluxos financeiros dos activos a apreender, sendo certo que a avaliação final da prova e o juízo de apreensão pertencem país rogante, tal como é nesse país que os elementos de prova devem ser discutidos.
33º - A decisão de apreensão confirmou a verificação dos pressupostos exigidos no art.º 181. º do Cod. Processo Penal e explica, de forma cabal, a relação entre os fundos e activos identificados e a prática dos ilícitos subjacentes ao pedido de cooperação, evidenciando estar integralmente preenchido o pressuposto do relacionamento entre os activos e a prática de um crime.
34º - Nunca foi imputada ao sistema Judicial de ... a prática de manipulações de prova ou de tortura de forma a adulterar a realidade e a fazer incrementar ficticiamente prejuízos resultantes dos factos ilícitos e muito menos se pode imputar ao presente procedimento e à forma como foi instruído a utilização dos métodos censurados a ..., uma vez que houve evidente preocupação em encontrar fluxos financeiros relacionados com os ilícitos.
35º Por outro lado, o interesse da apreensão para a descoberta da verdade ou para a prova, exigidos pelo mesmo artigo, correspondem à necessidade face aos temas da prova a produzir e à garantia de conservação dos elementos em causa, incluindo na perspectiva da recuperação de activos, aliás elemento essencial da própria prova.
36º -Sendo evidente que foram apreendidos fundos com origem na prática de ilícitos, mal se percebe que se possa agora defender a sua devolução com base na ocorrência de práticas judiciais, no país rogante, que desrespeitaram os padrões internacionais em sede de intervenção inicial de um juiz e de garantia da intervenção do Defensor, no momento em que o arguido foi detido em ....
37º -Não compete aos Tribunais Portugueses censurar as práticas judiciais de ... e a decisão aqui executada não é a que contende com a liberdade do arguido AA, mas sim com a recuperação de activos gerados pelas suas condutas ilícitas.
38º Não foram invocados pela Defesa, nem no requerimento dirigido aos autos nem na motivação do presente recurso, factos de onde resulte que os activos apreendidos foram gerados por condutas lícitas de AA ou dos seus familiares, tal como não foram invocados factos de onde resulte que os actos identificados como lesivos foram empolados por parte da sentença final de condenação em ....
39º Pelo contrário, certo é que a situação de AA em ... ficou fixada com a produção da sentença que o condenou naquele país, ficando claro o tipo de negócios ilícitos desenvolvidos pelo mesmo, os quais geraram os ganhos que foram apreendidos em Portugal, pelo que não existe qualquer fundamento para a devolução dos fundos aos titulares das contas onde os mesmos foram guardados.
40º Tomadas as cautelas acima narradas, no sentido de confirmar a conexão dos factos ilícitos com os fundos existentes nas contas, entendemos que as diligências rogadas devem ser executadas, não se verificando qualquer fundamento para a recusa do pedido de cooperação, nos termos do disposto no art.º 3 o da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa .
41º Os recorrentes deturpam os requisitos gerais da necessidade, adequação e proporcionalidade para a aplicação da medida de apreensão, voltando a convocar os argumentos da falta de indícios, da amnistia e da prescrição do procedimento, que em nada estão relacionados com os referidos requisitos.
42º O requisito da necessidade traduz-se na verificação da inexistência de outro meio, menos constrangedor, para alcançar o resultado pretendido, impondo-se a apreensão, no caso concreto, por ser a única forma de solidificar o bloqueio dos fundos, tendo em vista a sua devolução ao sistema financeiro e judicial de ..., que é quem demonstra ter legitimidade e interesse na sua disponibilidade.
43º A adequação da medida de apreensão reporta-se à capacidade da medida para servir o fim visado, isto é garantir a disponibilidade da prova e dos meios financeiros para restaurar a entidade lesada, o que se verifica no presente caso, uma vez que a apreensão é uma forma de reação e não de prevenção, pelo que a circunstância de as operações financeiras antecederem o pedido de apreensão formulado por ... é, diríamos, uma caraterística própria da medida e não um vício.
44º Quanto à proporcionalidade da medida, deve a mesma ser aferida pela gravidade dos actos ilícitos em causa, originadores dos fundos bloqueados, e a mesma foi também detetada pelas autoridades de outros países, caso da ..., onde se veio a constatar que o AA detinha o controlo de activos avaliados em mais de mil milhões de euros.
45º Entendemos assim, que a medida de apreensão decretada subsiste, de forma clara, como sendo necessária, adequada e proporcional face à origem dos activos apreendidos e ao pedido recebido das autoridades de ..., sendo irrelevante a censura, em sede de avaliação internacional, que foi manifestada sobre as regras da detenção e do respeito dos direitos da Defesa, que se encontravam vigentes em ... à data da prisão de AA.
46º- A medida de apreensão aplicada não “comporta uma restrição ilegal e inconstitucional” dos direitos fundamentais dos Recorrentes, uma vez que estes eram meros detentores dos activos que lhes foram bloqueados e que os mesmos activos se encontravam conspurcados pela conexão evidente com actos ilícitos, pelo que não são merecedores de tutela constitucional.
47º -A limitação ao direito de propriedade não viola o princípio da presunção de inocência, uma vez que não representa qualquer antecipação da pena e visa, apenas, alcançar outras finalidades relacionadas com a boa administração da justiça, não deixando de recair sobre a acusação o ónus de provar em julgamento os elementos típicos dos crimes que vierem a ser imputados aos arguidos.
48º - Pelo contrário, a decisão de apreensão acautelou e continua a ter suporte na proteção como lesado do Estado de ..., bem como na sua pretensão punitiva contra os agentes do crime, pelo que a execução da cooperação solicitada por esse Estado apenas honra os compromissos assumidos internacionalmente pelo Estado de Portugal.
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Tudo visto, entendemos que a decisão recorrida não merece qualquer reparo, porquanto aplica corretamente a Lei e realiza o Direito.
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Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer, em concordância com o referido pelo Ministério Público em primeira instância, no sentido de que seja o recurso interposto julgado improcedente e, em consequência, confirmada a decisão recorrida.
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
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OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
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Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
Primeiro: Do acesso aos autos e consulta dos mesmos e da revisão da medida de apreensão com base em alegadas irregularidades ocorridas no processo pendente em ....
Segundo: Se o alegado Parecer n.º 63/2023 (...) de 14.11.2023 e publicado a 12 de fevereiro de 2024, do Conselho de Direitos Humanos - Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária - das Nações Unidas, na sua 98.“ Sessão levaria à recusa do cumprimento da carta rogatória, sendo que o dever de cooperação com ... e a inexistência de fundamentos para a sua recusa foi já conhecido no acórdão da Relação de Lisboa proferido na data de 9 de Novembro de 2021, neste procedimento.
Foi, igualmente, analisada e a conformidade legal e até a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida de apreensão, já decididas no acórdão da Relação de Lisboa de 06-07-2021, onde estavam em causa pedidos apresentados pelos mesmos Recorrentes que no presente Recurso.
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2. Fundamentação:
Questões a decidir
Do acesso aos autos e consulta dos mesmos e da revisão da medida de apreensão com base em alegadas irregularidades ocorridas no processo pendente em ....
Se o alegado Parecer n.º 63/2023 (...) de 14.11.2023 e publicado a 12 de fevereiro de 2024, do Conselho de Direitos Humanos - Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária - das Nações Unidas, na sua 98.“ Sessão levaria à recusa do cumprimento da carta rogatória, sendo que o dever de cooperação com ... e a inexistência de fundamentos para a sua recusa foi já reconhecido no acórdão da Relação de Lisboa, proferido na data de 9 de Novembro de 2021, neste procedimento, e a conformidade legal e até a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida de apreensão foram já decididas no acórdão da Relação de Lisboa de 06-07-2021, onde estavam em causa pedidos apresentados pelos mesmos Recorrentes, sendo por várias vezes referido que qualquer outra questão, na medida em que exorbita a carta rogatória, tem que ser colocada perante o Tribunal Rogante.
Sobre o acesso e a consulta aos autos da revisão da medida de apreensão, com base em alegadas irregularidades ocorridas no processo pendente em ..., ambas as questões foram já rejeitadas pela decisão de folhas 1209, subsequente ao requerimento de folhas 1183 e seguintes, tendo essa anterior decisão de fls. 1209 já transitado em julgado
Improcede, pois, a primeira das questões suscitadas.
O Parecer n.º 63/2023 (...) de 14.11.2023 e publicado a 12 de fevereiro de 2024, do Conselho de Direitos Humanos - Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária - das Nações Unidas, na sua 98. “Sessão levaria à recusa do cumprimento da carta rogatória.
Em primeiro lugar cumpre referir que, como já foi analisado por este Tribunal e secção – processo 579/20.0TELSB-B.L1, 5ª secção relatado por FF que os autos constituíram um pedido de cooperação judiciária internacional, mediante carta rogatória. Mais concretamente, pedido de cooperação da ... e ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na cidade da Praia em 23 de novembro de 2005 e aprovada em 18.07.2008 pela Resolução da Assembleia da República nº 46/2008.
(…) “Assim as decisões executadas, designadamente as apreensões em causa são tomadas em consideração pelos tribunais … e é perante estes que serão dirimidas as subsequentes as questões jurisdicionais.
Nos termos da referida convenção Portugal obriga-se a executar decisão de autoridade judiciária de outro Estado aderente, em conformidade, por princípio, com a lei nacional designadamente as normas sobre as apreensões em processo penal, podendo, contudo, recusar a cooperação nos casos previstos na própria convenção (art.º 3º desta).
Por outro conforme a lei Lei nº 144/99 de 12.9, podem semelhantes pedidos ser ainda recusados nos termos do que dispõem os seus artigos 6º a 10º, 18º e 19º. Ou seja, tendo presente a natureza do presente processo, o que havia a apreciar era a existência ou não de motivo de recusa de cooperação, sendo, desde já, certo que o procedimento criminal originário corre termos na ..., sem que em Portugal tal se verifique.” –
A apreensão, comprovadamente, visou valores dos recorrentes, que não são arguidos no processo originário. Não constitui motivo de recusa, já que aquela é prevista pela lei penal e processual penal nacional, artos 110º e 111º do Código Penal e nº 1 do art.º 181º do Código de Processo Penal, seguindo pressupostos que estão indiciariamente verificados- idem.
Assim, dito, que nenhum motivo haveria para recusar o pedido de cooperação.
Se o Parecer n.º 63/2023 (...) de 14.11.2023 e publicado a 12 de fevereiro de 2024, do Conselho de Direitos Humanos - Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária - das Nações Unidas, na sua 98. Sessão, constitui facto novo que levaria à recusa do cumprimento da carta rogatória.
Segundo o parecer definitivo do grupo de trabalho das Nações Unidas sobre Detenções Arbitrárias que mantém as conclusões da sua versão preliminar datada do final do ano passado, a detenção de AA violou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Neste documento de 16 páginas, os peritos denunciam designadamente as condições de uma detenção injustificadamente prolongada, a violação do direito a um julgamento independente e imparcial, a violação da presunção de inocência e a negação dos direitos de defesa.
Neste sentido, a ONU pede às autoridades … a “libertação imediata” e à compensação de AA, bem como a uma investigação imparcial sobre as condições em que o empresário foi julgado.
Conforme refere o Ministério Público, o referido parecer de um comité da ONU, que censura a forma como foi detido e investigado em ... o arguido AA, uma vez que não foi um parecer vinculativo para o Estado de ..., não tendo implicado qualquer alteração da condenação final já decidida em ..., pelo que não existe qualquer alteração na substância e fundamento do pedido de cooperação que foi executado em Portugal através do presente procedimento – referimo-nos tão somente ao cumprimento da carta rogatória para as decididas apreensões.
As decisões da Organização das nações Unidas (ONU) são tomadas pelos seus vários órgãos e tem natureza diferenciada: decisões, resoluções, recomendações, estudos e sentenças. Todas assumem um importante significado político, uma vez que são sempre o resultado de um entendimento da maioria dos Estados e territórios com autonomia do mundo. Por exemplo, a adesão de um novo membro na ONU, mesmo com o estatuto de observador, tem sido um passo importante para o processo de autonomização, como Estados, de territórios autónomos que reclamam a sua indepndência.
Só o Conselho de Segurança tem o poder de tomar decisões que os Estados-membros devem executar, sob pena de virem a ser sancionados. Os demais órgãos da ONU emitem sobretudo recomendações aos vários governos, que podem ou não acatá-las. Na Assembleia-Geral, órgão intergovernamental, têm assento todos os Estados-membros da ONU. Pode discutir qualquer tema (excepto os que se encontrem sob análise do Conselho de Segurança) e aprova anualmente várias dezenas de decisões e recomendações sobre questões e situações de direitos humanos. Compete-lhe especificamente promover estudos e fazer recomendações tendo em vista a promoção dos direitos humanos e proceder à aprovação final dos tratados. Reúne-se em ..., em sessões anuais ordinárias e em sessões extraordinárias, em plenário e em comissões (as questões de direitos humanos são discutidas no âmbito da Terceira Comissão – Questões Sociais, Humanitárias e culturais). Pode criar órgãos subsidiários, como é o caso do Conselho dos Direitos do Homem – Fundação ... (fonte aberta).
No entanto e o mais importante a reter é que estas e outras questões que se relacionam com o processo a decorrer, ou findo, em ... são questões que apenas podem ser suscitadas no processo em curso no Estado ….
Portugal esgotou a sua competência no cumprimento da carta rogatória.
Pelo que estando cumprida a carta rogatória no âmbito da cooperação judiciária entre os dois estados, porquanto reconhecido no acórdão desta mesma relação e secção nenhum motivo há para reanalisar o pedido de cooperação.
Tudo o que fosse além e designadamente o pretendido pelos recorrentes, mais não seria do que julgamento (nacional) em processo de estado soberano, correspondendo a grave violação das obrigações internacionais a que Portugal está adstrito.
Assim, não merece censura o despacho recorrido ao referir que (…)
(…) Sendo Portugal mera autoridade de execução, entidade rogada, as pretensões do requerente só podem ser dirigidas e apreciadas pela República de ..., entidade rogante. Verifica- se, em consequência, a exceção de caso julgado, porquanto já foi proferido acórdão anterior afirmando a inexistência de motivo de recusa de cumprimento da carta rogatória em questão.
Nesta conformidade todas as questões sobrevindas ao seu cumprimento não podem ser objeto de análise por Portugal, mas antes têm que ser colocadas no Estado …, detentor do processo e da ação Penal.
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3. Decisão:
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente o recurso e manter o despacho recorrido.
Custas pelo Recorrente, fixando-se em 4 UC a respetiva taxa de justiça.

Lisboa, 22-10-2024
Alexandra Veiga
Carlos Espírito Santo
Ana Cristina Cardoso