Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5215/22.8T8FNC.L1-2
Relator: JOÃO PAULO RAPOSO
Descritores: MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (da responsabilidade do relator):
I. Não é de alterar a decisão de facto com base no sentido do depoimento de uma testemunha quando tal decisão assenta expressamente na valorização de um depoimento de sentido diverso, feito por testemunha com grau de ciência superior;
II. Não é de alterar, igualmente, a decisão de facto com base no depoimento de uma testemunha, quando se pretenda inferir do envio de uma comunicação o seu necessário conhecimento e aceitação pelo recipiente, quando da restante prova não resulta, pelo contrário, tal recebimento e aceitação;
III. Pressupondo o recurso de direito a procedência da alteração da decisão de facto, não se verificando esta, decai o recorrente naquele.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Decisão
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I. Caracterização do recurso:
I.I. Elementos objetivos:
- Tribunal recorrido: - Tribunal Judicial da Comarca da Madeira Juízo Local Cível do Funchal - Juiz 2;
- Apelação: - 1 (uma) - Da sentença final de mérito;
- Âmbito – Recurso de facto e de direito.-
I.II. Elementos subjetivos:
Recorrente/ré: - (...);
Recorrido/autor: - (...). –
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II. Síntese da ação:
II.I. Petição inicial:
Instaurou (...) ação contra a (...), aqui recorrente, e (...) Sucursal em Portugal.
Pediu condenação das Rés, na proporção das suas responsabilidades, na reparação de danos sofridos em imóvel de que é proprietário, no prazo de 60 dias e, alternativamente, no pagamento de uma indemnização no valor de € 20.116,90.
Disse, em síntese:
- Por contrato de compra e venda celebrado 30 de Março de 2021 adquiriu à ré (...), uma fração autónoma destinada a comércio, inserida no prédio urbano sito (…), Funchal;
- Entre os dias 27 e 28 de Março de 2021 ocorreu uma inundação nessa fração, causada por chuvas torrenciais que assolaram a cidade do Funchal;
- Tal sinistro (no imóvel que viria a ser comprado por si, dias depois, à ré (...) e segurado na ré (…) deveu-se a entrada de água pela cobertura do prédio, possivelmente devida a prévio arrancamento de telhas causado por ação do vento;
- A inundação causou uma série de danos no interior da fração, que descreve, cuja reparação importa em € 27.886,20;
- Quer o autor quer a ré (...) desconheciam, à data da escritura, os danos verificados;
- À data do sinistro, encontrava-se vigente contrato de seguro de cobertura de riscos na fração, celebrado entre as rés;
- A 25 de novembro de 2021, o autor foi informado da realização de um pagamento do valor de € 13.904,26, unilateralmente decidido pela ré (...), para compensação dos danos na fração;
- Tal pagamento não cobriu na íntegra os danos sofridos no imóvel;
- Os danos em causa montam em €.27.886,20, o que, acrescendo o IVA, perfaz um total de €34.021,16, encontrando-se em falta a quantia de € 20.116,90, correspondente ao pedido. –
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II.II. Contestações e réplica:
- Contestou a ré (...), impugnando motivadamente e invocando caducidade do direito de reclamar dos danos objeto dos autos;
- Contestou a ré Seguradora dizendo, em síntese, reconhecer a existência de seguro celebrado com a corré, assim como do sinistro ocorrido nos dias 27 e 28 de março de 2021 (que atingiu vários edifícios cobertos pelo seguro), alegando ter pago à proprietária a indemnização convencionada nos termos contratuais.
Concluíram ambas as rés pela sua absolvição do pedido.
Apresentou o autor articulado de réplica, pugnando pela improcedência da matéria excecional e concluindo como na petição inicial. –
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 II.III. Tramitação:
- Foi dispensada realização de audiência prévia e proferido despacho saneador.
- Neste foi julgada improcedente a invocada exceção de caducidade, definido o objeto do litígio e os temas da prova;
- Designada data para audiência final, realizou-se a mesma, na sequência da qual foi proferida a sentença recorrida. –
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II.IV. Dispositivo da decisão recorrida (transcrição):
- Por todo o exposto, julgo a ação parcialmente procedente e em consequência:
A) Absolvo a Ré (...) do pagamento das quantias peticionadas pelo Autor (...).
B) Condeno a Ré (...) ao pagamento ao Autor (...) da quantia global de 20.116,90 € (vinte mil, cento e dezasseis euros e noventa cêntimos).
C) Condeno a Ré (...) ao pagamento da totalidade das custas processuais
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III. Objeto do recurso (delimitado pelas conclusões da recorrente - apresentadas sem atualização de grafia):
A. A Recorrente não se conforma com a decisão judicial proferida, porquanto a mesma fez errada decisão da matéria de facto e menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto,
B. Deste modo, e face a todo o acima exposto resulta claro que o Tribunal “a quo” fez uma errada decisão da matéria de facto e menos correcta interpretação e aplicação do direito
C. Com base na prova Testemunhal do depoimento da testemunha (...), o qual se encontra gravado através do sistema digital “Habilus medio studio” disponível na aplicação informática Citius em uso no Tribunal, em 26-05- 2023, às 10h:35:35 a 10h:48m:14 que serviu para demonstrar que os factos dados como não provados sob as alíneas A) deveriam ter sido dados como provados;
Testemunha: “Sim. O Sr. já lá tinha estado e teve conhecimento das infiltrações
Advogada: “Quando houve conhecimento das infiltrações houve contacto…?”
Testemunha: “Sim, claro”
Advogada: “O intermediário teve contacto?”
Testemunha: “Sim, sim”
Advogada: “Antes do temporal o imóvel tinha algum problema alguma infiltração?”
Testemunha: “Não”
Advogada: “Tinha problemas nas coberturas? Nas paredes? Nas estantes nos armários”
Testemunha: “Não, não”
D. Com base na prova Testemunhal do depoimento da testemunha (...) , o qual se encontra gravado através do sistema digital “Habilus medio studio” disponível na aplicação informática Citius em uso no Tribunal, em 26-05-2023, às 10h:49:04 a 11h:03m:58, que serviu para demonstrar que os factos dados como não provados sob as alíneas A), D) e E) deveriam ter sido dados como provados
Advogada: ”Como é que se encontrava este imóvel?”
Testemunha: ”Estava em razoável estado”
Testemunha: ”…. choveu bastante entupiu as varandas e no pavimento do escritório…”
Advogada: ”Reportou esta situação ao Sr. (...), quando? Foi antes da escritura ou depois da escritura?”
Testemunha: ”antes da escritura”
Advogada:”… o Sr. (...) foi ao escritório antes da escritura…pergunto-lhe para saber se ele tinha real conhecimento ou noção de que tinha havido uma infiltração?”
Testemunha: ”Enviamos fotografias e ele tinha conhecimento de que houve aquela infiltração”
Advogado: “A água provinha de onde?”
Testemunha: ”da varanda”
Juiz: “O Sr. diz que enviou fotografias ao Sr. (...), quando é que foi, foi antes da escritura ou depois?”
Testemunha: “Foi antes da escritura”
Juiz: “O Sr. tem a certeza?”
Testemunha: “Tenho”
E. No caso em apreço, pese embora os danos já se registassem na data da celebração da escritura de compra e venda, resultou provado que o Autor tive conhecimento desses danos;
F. Tal factualidade foi parte incorretamente julgada, dado que a prova produzida nos autos impunha uma decisão diversa da recorrida, designadamente que:
G. De facto, as testemunhas que se referiram sobre tais factos que pretende ver dados como provados e como não provados, merecem acolhimento na sequência da prova testemunhal
H. Querendo isto significar que existe prova que fundamente os pontos que a Recorrente pretende agora ver alterados, pelo que irão provar que o depoimento das testemunhas, deverá ser alterada e nessa sequência a douta sentença deverá ser alterada conforme aqui pugnado,
I. Da análise destas transcrições, constatamos que o Autor tinha pleno conhecimento do estado do imóvel aquando da realização da escritura do imóvel objecto dos presentes autos.
J. Ademais, a testemunha (...) referiu expressamente que enviou fotografias ao Sr. (...) com o estado em que se encontrava o imóvel, em data anterior à escritura de compra e venda.
K. Ou seja, o depoimento da testemunha (...) serve para demonstrar que os factos dados como não provados sob as alíneas D), E) e F) deveriam ser dados como provados.
L. Razão pela qual deveria o Tribunal a quo ter decidido no sentido de que o Autora teve pleno conhecimento das infiltrações ocorridas na fração e que ainda assim quis celebrar a escritura de compra e venda, adquirindo assim a fração.
M. Veja-se ainda o depoimento da testemunha (...) que referiu que o sótão estava seco e que referiu que a água vinha da varanda, resultante do entupimento do ralo.
N. O vício (a priori oculto ou aparente) conhecido do comprador na conclusão do contrato exclui a garantia e responsabilidade do vendedor
O. Atento o princípio da boa fé e o regime da responsabilidade civil, não se pode equiparar o comprador que desconhece o defeito, àquele que está cônscio da situação, ou que dele não sabe por negligência. Deste modo, a responsabilidade derivada da venda de coisas defeituosas só existe em caso de defeitos ocultos.”
P. Entende ainda Calvão da Silva que “o vício (a priori oculto ou aparente) conhecido do comprador na conclusão do contrato exclui a garantia e responsabilidade do vendedor: convenientemente elucidado, o comprador aceita a coisa defeituosa, não se vendo como poderia depois alegar um vício ou falta de qualidade da coisa entregue em conformidade com o contrato”.
Q. Importa ainda esclarecer que, “a responsabilidade civil pressupõe, em regra, a culpa do agente por dolo ou mera negligência, incidindo sobre o lesado o ónus de provar a culpa (artigos 483º e 487º do Código Civil).
R. Nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 493º, do CC, “quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
S. Este preceito constitui uma das exceções ao princípio geral enunciado no n.º 1 do artigo 487.º, do Código Civil, prevendo a inversão do ónus da prova, ou seja, a presunção de culpa por parte de quem exerce uma atividade perigosa, em consequência da qual ocorre o dano.
T. A lei presume a culpa, impondo ao agente que demonstre ter empregado todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, ou seja, por outras palavras, ter actuado com a devida diligência.
U. Nos presentes autos verificou-se que não houve culpa por parte da Ré, ora Apelante V. Pelo que, nenhuma culpa da Ré, (...), S.A resultou da sua actuação, não houve a violação do dever de vigilância lesados resultou existir e a da lesante.
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Respondeu o recorrido, pugnando pela improcedência total do recurso. –
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. –
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III.I. Recurso da decisão de facto:
III.I.I. Matéria de facto provada e não provada na sentença recorrida:
- Factos provados:
1. A Ré (...). é uma sociedade anónima cuja constituição foi deliberada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, em reunião extraordinária de dia (…).
2. A Ré (...), em data anterior a 30 de Março de 2021, era a proprietária da fração autónoma destinada a comércio, inserida no prédio urbano sito (…), concelho do Funchal, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob o número (…).
3. A Ré (...) transferiu, em data anterior a 27 de Março de 2021, até ao limite de 100.000.000 € por sinistro, para a Ré (…), todos os riscos de perdas ou danos materiais diretos, súbitos e acidentais, e ainda os demais riscos complementares expressamente definidos, que fossem causados aos bens seguros tangíveis enquanto nos locais de risco seguros, desde que essas perdas ou danos materiais diretas ocorressem durante o período de vigência do contrato de seguro, titulado pela apólice n.º (…)03.
4. Essa apólice abrangia vários imóveis propriedade da Ré “(...)”.
5. Nos termos das Condições Particulares do aludido contrato de seguro, foi convencionado que a segurada Ré “(...).” suportaria uma franquia de € 30.000,00 para sinistros relativos a tempestades/inundações para a totalidade dos imóveis propriedade da Ré “(...)”.
6. A fração autónoma destinada a comércio, inserida no (...) , da aludida freguesia encontrava-se abrangida pelo seguro celebrado.
7. Nos dias 27 e 28 de Março de 2021 houve um forte temporal na região da Madeira, originando chuvas torrenciais, provocando aluimento de terras, e inundações.
8. Em virtude da tempestade que se fez sentir no Funchal nos dias 27 e 28 de março de 2021, verificaram-se vários danos em vários edifícios da propriedade da Ré “(...).”.
9. Em virtude desse temporal ocorreu a entrada de água na fração autónoma destinada a comércio, inserida no (...) número 30-B3, da aludida freguesia, proveniente da cobertura do imóvel.
10. Dessa inundação resultaram danos no pavimento, nos rodapés, móveis, cobertura, teto e nas paredes da fração.
11. O pavimento dilatou, descolando-se da laje.
12. Os armários de madeira embutidos nas paredes dilataram e descolaram-se da laje.
13. Ainda no dia do temporal, a empresa que colabora com a “Ré (...)”, denominada “Figura Efectiva”, na pessoa do seu funcionário (...), deslocou-se ao imóvel no intuito de aferir se o mesmo tinha sido alvo de danos, face ao temporal que se tinha abatido na região da Madeira naquele fim de semana.
14. O Sr. (...) constatou que o sótão estava seco, concluindo que o sótão não tinha tido qualquer dano ou problema.
15. O Sr. (...) concluiu que a inundação se deu devido ao entupimento do ralo da varanda o que fez a água galgar para o interior do imóvel e não da cobertura.
16. O Sr. (...) enviou ao Autor fotografias do estado do imóvel, antes da data da realização da escritura.
17. A 30 de Março de 2021, por contrato de compra e venda celebrado na Conservatória do Registo Predial do Funchal, o Autor, adquiriu à Ré “(...)”, a fração autónoma destinada a comércio, inserida no (...) número 30-B3, da aludida freguesia.
18. Por essa aquisição o Autor pagou o preço de cento e vinte mil euros.
19. O Autor havia visitado o imóvel em data anterior à do temporal.
20. Os termos do contrato de compra e venda já estavam acordados antes da data da escritura.
21. O Autor requereu à Ré (...) a participação do sinistro à Ré (...).
22. No dia 05 de Abril de 2021 o sinistro foi comunicado à Ré companhia de seguros – (...) -, solicitando desde logo que fosse nomeado perito para a realização de peritagem ao imóvel.
23. Foi agendada perícia para o dia 29 de Abril de 2021, pelas 11h00m.
24. O orçamento necessário à realização de todas as reparações e substituições ascende a 34.021,16 €.
25. Foi realizada uma segunda peritagem.
26. Posteriormente, a companhia de seguros (...) corrigiu o orçamento, eliminado a rúbrica de reparação de cobertura e telhas, no valor de 2.380,00€, por as mesmas não terem sido mostradas.
27. No dia 18 de Junho de 2021, o Autor foi informado pela empresa que geria à data o ativo da Ré “(...).” que haviam sido identificadas duas formas possíveis de solucionar a situação dos danos do imóvel: - Mediante a recolha de orçamentos e análise dos mesmos, definir um valor justo a atribuir ao Sr. (...) JJ para que possa reparar os danos do imóvel a seu gosto e com o fornecedor que quiser selecionar; ou - Mediante escolha de orçamentos e análise dos mesmos a (...) selecionar um fornecedor para efetuar as reparações e suportar o custo das mesmas.
28. O Autor apresentou um orçamento no valor de 27 886,20 € ao qual acrescia IVA, perfazendo o valor global de 34.021,16€.
29. Uma vez que em virtude do temporal que ocorreu nos dias 27 e 28 de Março de 2021, foram reportados vários sinistros nos vários imóveis da propriedade da Ré “(...).” que se encontravam cobertos pela apólice contratada entre a Ré “(...).” e a Ré “(...)”, o valor atribuído pela seguradora foi rateado pelos diversos imoveis de acordo com as peritagens realizadas, pelo que, ao imóvel objeto que havia sido adquirido pelo Autor foi atribuído o valor de €13.904,26 (treze mil novecentos e quatro euros e vinte e seis cêntimos).
30. Os danos foram quantificados nos montantes seguintes: - ¾ Edifício 4890-2021 = 959,00 €; - ¾ Edifício 5072-2021 (o qual veio a ser adquirido pelo Autor) = 25.506,20€; - ¾ Edifício 4201.1-2021 = 35.420,80 €. Total: 61.886,00 €.
31. A Ré (...) procedeu ao pagamento à Ré “(...).” do montante global de 35.953,26 €, deduzida a franquia de 30.000,00 € convencionada para sinistros relativos a tempestades/inundações.
32. Esse valor incluiu o ressarcimento daqueles que se verificaram na fração que veio a ser adquirida pelo Autor.
33. No dia 25 de Novembro de 2021, a Ré (...). informou o Autor que lhe havia sido decidido atribuir ao mesmo o valor de € 13.904,26.
34. Esse valor foi transferido pela Ré “(...).” para o Autor.
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Factos não provados.
A. A inundação ocorreu devido ao entupimento do ralo da varanda o que fez a água galgar para o interior do imóvel.
B. À data da celebração da escritura de compra e venda, a Ré (...). desconhecia a ocorrência do sinistro.
C. O Sr. (...) deslocou-se conjuntamente com o Autor ao imóvel, para que este visse o imóvel e tivesse conhecimento das condições do imóvel após o temporal.
D. O Autor pôde ver e aferir o estado em que o imóvel se encontrava antes da realização da escritura.
E. Era de pleno conhecimento do A. o estado e condições em que o imóvel se encontrava à data da realização da escritura de compra e venda.
F. O Autor, pretendeu concluir o negócio e realizar a escritura de compra e venda a 30 de março de 2021 aceitando os danos que se verificavam no imóvel.
G. O Autor aceitou receber a quantia de €13.904,26 (treze mil novecentos e quatro euros e vinte e seis cêntimos) para reparação dos danos da fração.
H. O orçamento necessário à reparação dos danos ascende a €25.506,20, (vinte e cinco mil e quinhentos e seis euros e vinte cêntimos).
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III.I.II. Motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida (transcrição):
3.2. Motivação dos factos considerados não provados.
A Ré “(...).” alegou, em sede de contestação que a inundação ocorreu devido ao entupimento do ralo da varanda o que fez a água galgar para o interior do imóvel e não devido a deficiências na cobertura.
Este facto não resultou provado.
É certo que a testemunha (...), que se deslocou ao imóvel, referiu que o sótão estava seco e que, por isso, concluiu que a inundação teve origem no entupimento do ralo da varanda; porém, essa testemunha confirmou ao Tribunal que não tinha conhecimentos profissionais que lhe permitissem concluir com segurança da causa da inundação.
Por outro lado, a testemunha (...), que se deslocou ao imóvel e que é técnico de construção civil, afirmou em Tribunal ter a certeza absoluta que a origem da inundação se deveu à colocação errada das telhas, esclarecendo que analisou a cobertura de modo a retirar essa conclusão.
Pelo exposto, resultou como não provado o facto A).
Relativamente ao facto B), o Autor alegou que à data da celebração da escritura de compra e venda, a Ré (...). desconhecia a ocorrência do sinistro.
Esse facto não resultou provado.
A testemunha (...) esclareceu que após verificar os danos comunica a outra empresa que gere os ativos da “(...)” e que não conseguia afirmar com certezas se a (...) tinha ou não tinha conhecimento dos danos ocorridos no imóvel à data da escritura, uma vez que não interfere nessa fase das comunicações.
Assim, fica a dúvida insanável ao Tribunal, não sendo possível concluir se a (...) tinha ou não tinha conhecimento dos danos ocorridos no imóvel.
Pelo exposto, resultou como não provado o facto B).
No que concerne aos factos C) a G), cumpre tecer algumas considerações.
Diga-se, desde já, que não restam quaisquer dúvidas ao Tribunal de que esses factos resultaram como não provados, sobretudo no sentido que lhes pretendeu atribuir a Ré “(...)”, roçando, inclusive, a alegação da Ré “(...)” a má fé.
No fundo, o que a Ré “(...).” alegou em sede de contestação foi que após o temporal o Sr. (...) deslocou-se ao imóvel na companhia do Autor, para que o Autor pudesse tomar perfeito conhecimento do estado e dos danos do imóvel. Acrescentou que o Autor visualizou os danos e que mesmo assim aceitou efetuar a compra e venda no dia 30 de Março de 2021, aceitando o estado do imóvel e aceitando receber a quantia de €13.904,26 (treze mil novecentos e quatro euros e vinte e seis cêntimos) para reparação dos danos da fração, não tendo a Ré “(...).” mais nada a pagar.
Como já se adiantou, essa versão não merece qualquer credibilidade e, perante a prova careada para os presentes autos e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, está no limiar da má fé processual.
A testemunha (...) prestou o seu depoimento de forma clara, referindo convictamente e sem qualquer hesitação, que o Autor não se deslocou consigo ao imóvel. Essa testemunha acrescentou que enviou fotografias dos danos ao Sr. (...) (Autor), porém, nunca se referiu a qualquer resposta do mesmo a essas fotografias. Esclareceu, ainda, que não foi tida nenhuma conversa relativamente aos danos da fração no dia da escritura, não se tendo abordado essa questão.
A testemunha explicou, ainda, que antes do temporal o processo já estava fechada e que a cláusula que consta do contrato de que “o preço acordado já reflete o atual estado de conservação do imóvel” é uma cláusula geral e genérica que está incluída em todos os contratos celebrados pela “(...).” e que a presença dessa cláusula no contrato nada teve que ver com o facto de ter ocorrido o temporal e os danos na fração. Por seu turno, a testemunha (...) (…) (a outra testemunha que esteve no imóvel após o temporal e antes da escritura) também afirmou eu o Sr. (...) (Autor) não visitou o imóvel na sua companhia. Porém, ainda que se tivesse demonstrado que o Autor tinha estado no imóvel depois do temporal e antes da escritura (o que, como se acaba de fundamentar, não se demonstrou provado), o comportamento da Ré “(...).” e do Autor após a celebração da escritura é cristalino no sentido de que o Autor não aceitou comprar o imóvel sem ser ressarcido da totalidade dos danos, nem a Ré “(...).” entendeu que o Autor tinha aceitado celebrar o negócio nesses termos.
Pelo contrário, a Ré “(...)” tinha todos os elementos necessários para concluir que o Autor não aceitou celebrar o negócio sem ser ressarcido da totalidade dos danos. Tal como resultou provado, o Autor requereu à Ré (...) a participação do sinistro à Ré (...), tendo o sinistro sido comunicado à Ré companhia de Seguros (...), o que demonstra que a Ré “(...)” não entendeu que o Autor havia aceitado as condições atuais do imóvel. Foram realizadas perícias e apurado um orçamento no valor de 34.021,16 €, tendo depois a Ré informado o Autor que haviam sido identificadas duas formas possíveis de solucionar a situação dos danos do imóvel: - Mediante a recolha de orçamentos e análise dos mesmos, definir um valor justo a atribuir ao Sr. (...) JJ para que possa reparar os danos do imóvel a seu gosto e com o fornecedor que quiser selecionar; ou - Mediante escolha de orçamentos e análise dos mesmos a (...) selecionar um fornecedor para efetuar as reparações e suportar o custo das mesmas. Perante essas possibilidades, o Autor apresentou um orçamento no valor de 27 886,20 € ao qual acrescia IVA, perfazendo o valor global de 34.021,16 €.
Aqui chegados, dificilmente se compreende como é que a Ré “(...).” concluiu que procedendo ao pagamento do montante de €13.904,26 (valor que recebeu da Ré “(...)” relativamente a essa fração) a situação ficaria resolvida.
Nenhuma prova trazida ao processo demonstra que o Autor se conformou com o valor de 13.904,26 €, antes pelo contrário, uma vez que apresentou um orçamento no valor de 34.021,16 €.
Em síntese: - O Autor e a Ré “(...)” sempre agiram e reconheceram após a escritura que haveriam valores a pagar, ao contrário do alegado pela Ré “(...)” no sentido de que o Autor celebrou a escritura de compra e venda aceitando o estado do imóvel.
- A Ré “(...)”, através de seus representantes, propôs ao Autor que recolhesse orçamento para definir um valor justo a atribuir para que possa reparar os danos do imóvel a seu gosto e com o fornecedor que quisesse selecionar.
- O Autor apresentou um orçamento no valor de 34.021,16 €.
- A Ré “(...).” recebeu o valor de 13.904,26 € por parte de Seguradora “(...)” relativamente aos danos sofridos especificamente na fração adquirida pelo Autor.
- A Ré “(...)” pagou esse valor de 13.904,26 € ao Autor.
- A Ré “(...)” age como se mais nada tivesse a pagar, alegado, sem qualquer suporte probatório, que o Autor aceitou esse valor.
Não se compreende a alegação da Ré “(...).”, que é contrária à posição que adotou até à propositura da presente ação, tendo trocado diversos e-mails com o Autor (cfr. consta dos factos provados) no sentido de o mesmo apresentar um orçamento adequado à reparação.
À luz de tudo o referido, não restam quaisquer dúvidas ao Tribunal em considerar como não provados os factos C) a G).
Por fim, o facto H) resultou como não provado pelos mesmos motivos pelos quais resultou provado o facto 24, motivo pelo qual se remete expressamente para a fundamentação supra.
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III.I.III. Impugnação da matéria de facto – resumo da posição da recorrente:
Face ao supra referido, em resumo, a recorrente pretende infirmar a decisão de facto quanto a dois pontos essenciais (ainda que relativos a diversas alíneas dos factos não provados):
a) A origem da entrada de água no interior da fração do autor (no sentido que tal inundação ocorreu devido a um entupimento de um ralo de escoamento situado na varanda e não devido a uma falha na cobertura - levantamento de telhas);
b) O conhecimento e aceitação do autor dos defeitos da fração, à data do negócio. –
Relativamente a qualquer destes factos, ou segmentos de temas probatórios, sustenta a recorrente o seu pedido de revisão da decisão com base exclusivamente no depoimento de uma testemunha – (...).
Vejamos por partes.
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a) A entrada de água na fração/causa da inundação:
Quanto à questão da origem da entrada de água na fração a decisão de facto está fundamentada do seguinte modo:
A Ré “(...).” alegou, em sede de contestação que a inundação ocorreu devido ao entupimento do ralo da varanda o que fez a água galgar para o interior do imóvel e não devido a deficiências na cobertura.
Este facto não resultou provado.
É certo que a testemunha (...), que se deslocou ao imóvel, referiu que o sótão estava seco e que, por isso, concluiu que a inundação teve origem no entupimento do ralo da varanda; porém, essa testemunha confirmou ao Tribunal que não tinha conhecimentos profissionais que lhe permitissem concluir com segurança da causa da inundação.
Por outro lado, a testemunha (...), que se deslocou ao imóvel e que é técnico de construção civil, afirmou em Tribunal ter a certeza absoluta que a origem da inundação se deveu à colocação errada das telhas, esclarecendo que analisou a cobertura de modo a retirar essa conclusão.
Pelo exposto, resultou como não provado o facto A).
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A revisão da decisão de facto não constitui um novo julgamento de facto.
A propósito diz-se em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/2/2023 (Oliveira Abreu, dgsi.pt) que a lei adjetiva impõe ao recorrente que impugna a decisão de facto que individualize os factos que estão mal julgados, que especifique os meios de prova concretos que impõem a modificação da decisão, que indique o sentido da decisão a proferir, sendo que a violação deste ónus, preciso e rigoroso, conduz à rejeição imediata do recurso na parte afetada.
À instância recursória não é proposto legalmente que reaprecie integralmente a prova produzida e formule um novo juízo de avaliação da mesma.
A garantia a um duplo grau de jurisdição plena confere ao vencido uma faculdade de suscitar uma reavaliação cirúrgica da consistência e coerência dos fundamentos apresentados na decisão recorrida, indicando com precisão as questões de facto a reanalisar e os meios de prova em que tal reanálise se deverá sustentar.
Mostrando-se a decisão suportada adequadamente na prova produzida, com correspondência nos meios indicados, a decisão torna-se insuscetível de alteração ou, dizendo de forma inversa, para que a decisão de facto seja alterada é necessário que o recorrente demonstre que uma determinada asserção de facto não encontra suporte no meio de prova indicado para a fundar, ou, caso a encontre, tal suporte se mostre incoerente ou inconsistente, quando confrontado com prova mais sólida (e indicada) que a infirme.
A congruência externa dos juízos probatórios formulados com a prova produzida e  a coerência interna dos juízos apresentados (ou seja, a avaliação de que as ilações de facto decorrem, efetivamente, dos seus antecedentes) são, em síntese, a base de sustentação do recurso de facto.
Servem tais considerações para tornar claro que a impugnação não tem, manifestamente, suporte nesta parte (a causa da inundação).
O recorrente sustenta a arguição com base em declarações de uma testemunha cujo depoimento o tribunal expressamente considerou (e desvalorizou, por comparação com outro testemunho).
Tal desvalorização comparativa assentou em duas razões, claramente apresentadas na decisão recorrida e que são consistentes:
a) A testemunha com que o recorrente pretende sustentar a sua tese factual (e que declarou o que o recorrente sustenta) não tem especiais conhecimentos ou aptidões técnicas para depor sobre a matéria em causa;
b) O seu depoimento foi incompatível com o de outra testemunha, esta com tais aptidões e especiais conhecimentos.
O juízo é claro e coerente, interna e externamente: – no confronto entre dois depoimentos divergentes, o tribunal a quo valorou positivamente o depoimento com maior ciência.
É um critério atendível, assente na razão de ciência da testemunha, e que não merece censura, devendo ser mantido.
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b) O conhecimento e aceitação dos danos:
A segunda questão reporta-se ao alegado conhecimento/aceitação, pelo autor, dos vícios verificados/danos na fração.
O meio de prova que convoca é o mesmo – o depoimento da testemunha (...).
A motivação da decisão de facto, nessa parte, tem a seguinte formulação:
Relativamente ao facto B), o Autor alegou que à data da celebração da escritura de compra e venda, a Ré (...). desconhecia a ocorrência do sinistro.
Esse facto não resultou provado.
A testemunha (...) esclareceu que após verificar os danos comunica a outra empresa que gere os ativos da “(...)” e que não conseguia afirmar com certezas se a (...) tinha ou não tinha conhecimento dos danos ocorridos no imóvel à data da escritura, uma vez que não interfere nessa fase das comunicações.
Assim, fica a dúvida insanável ao Tribunal, não sendo possível concluir se a (...) tinha ou não tinha conhecimento dos danos ocorridos no imóvel.
Pelo exposto, resultou como não provado o facto B).
No que concerne aos factos C) a G), cumpre tecer algumas considerações.
Diga-se, desde já, que não restam quaisquer dúvidas ao Tribunal de que esses factos resultaram como não provados, sobretudo no sentido que lhes pretendeu atribuir a Ré “(...)”, roçando, inclusive, a alegação da Ré “(...)” a má fé.
No fundo, o que a Ré “(...).” alegou em sede de contestação foi que após o temporal o Sr. (...) deslocou-se ao imóvel na companhia do Autor, para que o Autor pudesse tomar perfeito conhecimento do estado e dos danos do imóvel. Acrescentou que o Autor visualizou os danos e que mesmo assim aceitou efetuar a compra e venda no dia 30 de Março de 2021, aceitando o estado do imóvel e aceitando receber a quantia de €13.904,26 (treze mil novecentos e quatro euros e vinte e seis cêntimos) para reparação dos danos da fração, não tendo a Ré “(...).” mais nada a pagar.
Como já se adiantou, essa versão não merece qualquer credibilidade e, perante a prova carreada para os presentes autos e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, está no limiar da má fé processual.
A testemunha (...) prestou o seu depoimento de forma clara, referindo convictamente e sem qualquer hesitação, que o Autor não se deslocou consigo ao imóvel. Essa testemunha acrescentou que enviou fotografias dos danos ao Sr. (...) (Autor), porém, nunca se referiu a qualquer resposta do mesmo a essas fotografias. Esclareceu, ainda, que não foi tida nenhuma conversa relativamente aos danos da fração no dia da escritura, não se tendo abordado essa questão.
A testemunha explicou, ainda, que antes do temporal o processo já estava fechada e que a cláusula que consta do contrato de que “o preço acordado já reflete o atual estado de conservação do imóvel” é uma cláusula geral e genérica que está incluída em todos os contratos celebrados pela “(...).” e que a presença dessa cláusula no contrato nada teve que ver com o facto de ter ocorrido o temporal e os danos na fração. Por seu turno, a testemunha (...) (a outra testemunha que esteve no imóvel após o temporal e antes da escritura) também afirmou eu o Sr. (...) (Autor) não visitou o imóvel na sua companhia. Porém, ainda que se tivesse demonstrado que o Autor tinha estado no imóvel depois do temporal e antes da escritura (o que, como se acaba de fundamentar, não se demonstrou provado), o comportamento da Ré “(...).” e do Autor após a celebração da escritura é cristalino no sentido de que o Autor não aceitou comprar o imóvel sem ser ressarcido da totalidade dos danos, nem a Ré “(...).” entendeu que o Autor tinha aceitado celebrar o negócio nesses termos.
Pelo contrário, a Ré “(...)” tinha todos os elementos necessários para concluir que o Autor não aceitou celebrar o negócio sem ser ressarcido da totalidade dos danos. Tal como resultou provado, o Autor requereu à Ré (...) a participação do sinistro à Ré (...), tendo o sinistro sido comunicado à Ré companhia de Seguros (...), o que demonstra que a Ré “(...)” não entendeu que o Autor havia aceitado as condições atuais do imóvel. Foram realizadas perícias e apurado um orçamento no valor de 34.021,16 €, tendo depois a Ré informado o Autor que haviam sido identificadas duas formas possíveis de solucionar a situação dos danos do imóvel: - Mediante a recolha de orçamentos e análise dos mesmos, definir um valor justo a atribuir ao Sr. (...) JJ para que possa reparar os danos do imóvel a seu gosto e com o fornecedor que quiser selecionar; ou - Mediante escolha de orçamentos e análise dos mesmos a (...) selecionar um fornecedor para efetuar as reparações e suportar o custo das mesmas. Perante essas possibilidades, o Autor apresentou um orçamento no valor de 27 886,20 € ao qual acrescia IVA, perfazendo o valor global de 34.021,16 €.
Aqui chegados, dificilmente se compreende como é que a Ré “(...).” concluiu que procedendo ao pagamento do montante de €13.904,26 (valor que recebeu da Ré “(...)” relativamente a essa fração) a situação ficaria resolvida.
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Nesta parte, a reavaliação da decisão de facto convoca uma avaliação menos direta, ainda que o resultado a que se chega seja o mesmo – a falta de fundamento do recurso.
Valendo, mutatis mutandis, as considerações feitas no ponto anterior no que concerne à correspondência entre a fundamentação de facto e a prova valorada, importa considerar que, neste ponto, o tribunal não convocou qualquer outro meio de prova para retirar consistência ao deposto pela testemunha (...).
Assim, se quanto ao ponto anterior o que declarou esta testemunha foi desvalorizado ao ser confrontado com o teor de outro depoimento, com superior ciência, neste caso não se trata, propriamente, de uma desvalorização do declarado. Trata-se apenas de uma avaliação do declarado em sede de livre apreciação da prova diversa da pretendida pela recorrente.
A consistência da decisão de facto, nesse contexto, transfere-se prima facie para uma avaliação da coerência interna dos juízos formulados em relação às conclusões de facto que a mesma pretende sustentar.
Vejamos.
O recorrente pretende que resulte provado, em síntese, que o autor, antes da concretização do negócio, conhecia a entrada de água na fração, e aceitou-a.
Sustenta-se na invocação de declarações da referida testemunha (...) (de ter enviado fotografias da fração antes da concretização do negócio).
De facto, a testemunha declarou nos termos invocados pela recorrente, o que constitui um suporte claro da arguição, sobretudo porque o tribunal a quo deu por assente que o envio de fotografias efetivamente ocorreu.
Questão diversa é saber se tais declarações permitem estabelecer as conclusões que a recorrente pretende retirar, designadamente quanto ao conhecimento dos danos e, principalmente, à sua aceitação.
Entende-se que não.
Diga-se que a decisão de facto se mostra, nesta matéria, parcialmente excessiva e parcialmente insuficiente, na medida que a seguir se indica.
Pode a decisão do tribunal a quo pecar por excesso ao fazer constar expressamente nos factos provados o teor do depoimento da testemunha (...) (factos provados 14 a 16). Assim:
- O Sr. (...) constatou que o sótão estava seco, concluindo que o sótão não tinha tido qualquer dano ou problema.
- O Sr. (...) concluiu que a inundação se deu devido ao entupimento do ralo da varanda o que fez a água galgar para o interior do imóvel e não da cobertura.
O Sr. (...) enviou ao Autor fotografias do estado do imóvel, antes da data da realização da escritura.
Quer isto dizer que, não só o tribunal considerou o testemunho e o valorizou, como até deu como provado o seu exato teor (e, portanto, fê-lo extravasar da fundamentação para a  matéria da decisão de facto).
Assim, ainda que se trate de uma mera avaliação subjetiva (objetivamente, o que foi dado como provado relativamente à origem da inundação foi uma entrada de água pela cobertura), pode concluir-se que o tribunal atribuiu grande relevância a este depoimento, que, talvez melhor, poderia ter-se mantido em sede de motivação da decisão e, no caso, foi até erigido em sede factual. De todo o modo, quod abundant non nocet…
Por outro lado, a decisão mostra-se insuficiente para estabelecer um vínculo entre o envio das fotografias e o conhecimento dos danos pelo autor e, muito menos, a sua aceitação.
Tal insuficiência, referida à decisão, não importa, no caso, qualquer censura ao julgamento de facto, seja porque a própria recorrente não a assinala, seja porque não se retira dos elementos indicados qualquer falha na avaliação do tribunal. Consequentemente, tal insuficiência deve ser atribuída à prova em si mesma.
Concretizando.
A simples prova de envio de fotografias, num contexto de uma inundação ocorrida a 3-4 dias de realização de uma escritura pública de compra e venda de uma fração, levaria, em termos de experiência comum, a que o comprador tivesse algum sobressalto com a situação do bem e se inteirasse diretamente da situação do mesmo antes da concretização do negócio (algo que a recorrente alega, mas não se provou, juízo de facto que não é posto em causa neste recurso).
A falta desse sobressalto do futuro proprietário (que realizaria escritura dentro de poucos dias) equivale a um não conhecimento efetivo das fotografias enviadas? Ou equivale ao carater pouco explícito das mesmas? Ou equivale ao diferimento dos danos face à sua causa (levantamento de soalho, deterioração de armários)? Ou equivale a ter havido algum contacto de conforto quanto à compensação futura?
São perguntas que ficam sem resposta (na decisão e na prova indicada).
Pode dizer-se, em termos de coerência interna da ilação de facto, que o conhecimento de fotografias que documentem uma inundação no interior de uma fração implicará, normalmente, conhecimento de danos da tipologia dos apurados (ainda que não, necessariamente, aqueles concretos danos).
Todavia, uma coisa é demonstrar o envio de fotografias, outra coisa demonstrar o seu teor (em primeiro lugar) e o seu recebimento e conhecimento pelo destinatário da comunicação (em segundo lugar).
Falhando a prova do teor das fotografias e falhando a prova do seu conhecimento pelo destinatário, aqui recorrido, não se mostra possível estabelecer tal ligação lógica entre o antecedente provado e a conclusão pretendida extrair pela recorrente com base em experiência comum – uma coisa, por exemplo, serão imagens de uma fração autónoma com dois palmos de água e soalho já levantado, outra, bem diferente, imagens de uma fração com meros sinais de humidade devidos a entrada de água entretanto escoada.
Por outro lado, importa salientar  que o tribunal recorrido foi, neste ponto, particularmente assertivo na desconsideração da argumentação da ré/recorrente, apodando-a de próxima da má-fé (ao invocar, precisamente, o conhecimento e aceitação dos danos causados pela entrada de água no interior do mesmo).
Tal juízo assenta também na ausência de prova de qualquer deslocação do autor e futuro proprietário ao imóvel e na consideração (apresentada pela mesma testemunha com que a recorrente pretende sustentar a alteração) que a ressalva ao estado do bem constante do contrato constitui uma simples menção proforma, existente em todos os escritos equivalentes.
Por outro lado, a simples existência de uma reclamação do sinistro, seguida de compensação pelos danos sofridos com o mesmo, paga pela ré seguradora à ré anteproprietária, aqui recorrente (e por esta entregue, subsequentemente, ao autor) retira completamente fundamento à ilação pretendida estabelecer de aceitação do estado da fração, pelo autor, à data do negócio.
Quer isto dizer que o juízo factual estabelecido pelo tribunal a quo relativo ao envio de fotografias da fração ao autor, no quadro da avaliação factual globalmente estabelecida, apresenta-se como coerente e não merecedor censura.
Veja-se que a decisão inclui, enquanto factos não provados, que:
- O Sr. (...) se tenha deslocado conjuntamente com o Autor ao imóvel, para que visse o imóvel e tivesse conhecimento das condições do imóvel após o temporal (não existe qualquer prova deste facto);
- O autor tenha podido ver e aferir o estado em que o imóvel se encontrava antes da realização da escritura (este poder, que é algo ambíguo - se for referido a uma mera potência, seria algo de irrelevante, se, pelo contrário, traduzir uma falta de demonstração concreta de uma deslocação, será uma mera repetição do facto anterior);
- Era de pleno conhecimento do autor o estado e condições em que o imóvel se encontrava à data da realização da escritura de compra e venda.
- O autor tenha pretendido concluir o negócio e realizar a escritura de compra e venda a 30 de março de 2021 aceitando os danos que se verificavam no imóvel.
A decisão de facto, também neste segmento, apresenta-se, assim, bem sustentada, devendo ser mantida, o que se decide, improcedendo o recurso. –
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III.II. Recurso de direito:
Assenta a recorrente o seu recurso de jure na solicitada alteração da decisão de facto.
Ou seja, pretende que se retire do conhecimento e aceitação dos vícios pelo autor-comprador, à data do contrato, uma perda do direito a reclamar dos mesmos.
Não se alterando a decisão de facto perde sustentação esta arguição, o que se decide, sem necessidade de considerações adicionais.
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Decorre do antes afirmado, que a apelação improcede na íntegra, o que se decide. –
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IV. Dispositivo:
Face ao exposto, declara-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique-se e registe-se. –
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Lisboa, 24-10-2024,
João Paulo Vasconcelos Raposo
Vaz Gomes
Rute Sobral