Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA AMÉLIA AMEIXOEIRA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO TÍTULO EXECUTIVO ACORDO DE DÍVIDA RELAÇÃO CAUSAL FACTOS CONSTITUTIVOS ÓNUS DE ALEGAÇÃO INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I- A exequente que apresenta como título executivo um documento de acordo de dívida, está onerada com a alegação dos factos constitutivos essenciais da relação causal ao reconhecimento de dívida, facultando sobre ela o contraditório ao executado, cabendo a este, por força da dispensa de prova prevista no art.º 458º do CC, o ónus probatório relativamente à inexistência ou irrelevância dos factos constitutivos alegados pelo demandante. II- Porém, se a requerente não alegou a relação causal no requerimento inicial, limitando-se a arguir a falsidade do documento e a relação que existia entre as partes, ao que a Requerida contestou explicitando todos os factos que deram origem à elaboração do documento “Acordo de Divida”, mostrando que compreendeu perfeitamente o alegado pela Requerente, e tendo esta respondido nos termos do art.3º, nº3, do CPC, mostra-se sanado o vicio de ineptidão da petição inicial, não podendo ser conhecido oficiosamente, por força do disposto nos arts.186º, nº3 e 196º, ambos do CPC. III- Deve ser revogada a decisão do tribunal que, oficiosamente, depois de as partes apresentarem os seus articulados, onde discutiram a relação subjacente ao alegado acordo de divida, julgou verificada a nulidade do processo, por ineptidão do requerimento executivo, absolvendo a embargante da instância. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO: Experience And Consequence, Lda., intentou a execução com processo ordinário, para pagamento de quantia certa, que corre termos no Tribunal Competente: Sintra - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, contra B. de que dependem estes autos de oposição à execução mediante embargos de executado, destinada à cobrança coerciva da quantia de €24.139,41, com base no documento particular denominado “Confissão de divida e acordo de pagamento”, cuja cópia se mostra junta com o requerimento executivo, vindo neste alegado o seguinte: Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Execuções] Título Executivo: Outro documento autenticado Factos: 1. Em 26 de Janeiro de 2023, a Executada confessou-se devedora da Exequente no montante correspondente a 23.949,72€, mediante a assinatura de uma confissão de dívida com acordo de pagamento, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 352.º, 358.º e 458.º, todos do Código Civil, conforme documento que se junta como Doc. 1; 2. A Executada obrigou-se ao pagamento da quantia em dívida, em 12 prestações mensais e sucessivas, cada uma no valor de 1.995,81€, vencendo-se a primeira no dia 6 de Fevereiro de 2023; 3. Ficou expressamente consagrado que, em caso de não pagamento de uma prestação, vencer-se-iam todas as prestações, nos termos do artigo 781.º do Código Civil; 4. Ficou ainda acordado que, em caso de incumprimento, acresceriam juros de mora à taxa de 4% sobre o montante em dívida, sendo a executado ainda responsável pelas custas do processo e honorários de advogado; 5. Sucede que, logo no dia 6 de Fevereiro de 2023, a Executada não procedeu ao pagamento da primeira prestação; 6. A Executada voltou a não proceder ao pagamento das prestações devidas nos meses de Março, Abril e Maio de 2023; 7. Apesar de diversas interpelações, a Executada apenas procedeu ao pagamento da quantia de 100€ em 28 de Fevereiro de 2023 e 100€ no dia 3 de Abril de 2023, conforme documentos que se juntam como Docs. 2 e 3; 8. O documento denominado "confissão de dívida e plano de pagamento" constituí título executivo, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, na medida em que foi objecto de termo de autenticação com registo informático nos termos previstos nos art.ºs 3.º e 4.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29-06. 9. Com efeito, a Executada é devedora do montante de 23.949,72€, acrescidos de juros de mora vencidos, à taxa de 4%, desde 6 de Março de 2023 até 16 de Maio de 2023, no valor 189,69€, bem como de juros vincendos, desde a citação até efectivo e integral pagamento. - É o seguinte o conteúdo da denominado Confissão de Divida e Acordo de pagamento: Foi elaborado o termo de autenticação seguinte: A requerente B veio deduzir embargos de executado, alegando que não conhece, nem assinou o documento que serve de título executivo à presente execução, que, por isso, é FALSO, sendo igualmente FALSO o respetivo Termo de Autenticação, uma vez que, não só, a executada/embargante desconhece o Advogado responsável pela sua elaboração e registo, como, NUNCA esteve no seu escritório para o que quer que fosse. Alega que não tem qualquer divida para com a embargada, e nunca foi confrontada com tal documento, que, por isso, não assinou! Invoca a falsidade da sua assinatura no documento. Refere que são igualmente FALSOS os documentos bancários que a que a embargada junta com o seu requerimento executivo como doc. 3, para demonstrar que a aqui embargante lhe teria efetuado duas transferências de € 100,00/cada, uma alegadamente em 28/02/2023, e outra em 03/04/2023! Conclui que os documentos são todos falsos e por isso impugna os factos respectivos. Consequentemente, deve ser indeferida liminarmente a presente execução, quer por inexistência de título executivo bastante, quer por falsidade desse documento, e dos demais documentos que instruem a presente execução. Alega também a litigância de má fé da embargada, requerendo a sua condenação em multa e indemnização. Mais pede a suspensão da execução. Conclui no sentido de que devem os presentes embargos proceder por provados, e, em consequência, a executada/embargante ser absolvida do pedido e da instância executiva. Mais deverá a embargada, ser condenada por litigância de má-fé dolosa, em multa e indemnização a fixar exemplarmente pelo Tribunal, nos termos do disposto no n.º 1 e nas als. a), b) e d) do n.º 2, do art.º 542, e art.º 543, ambos do CPCivil. * A embargada, na contestação aos embargos alegou a matéria de facto que integra a relação subjacente à confissão de dívida. * A embargante, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3 do CPC, respondeu e impugnou toda a matéria alegada pela embargada na contestação. * Foi proferido despacho que julgou inepto o requerimento executivo e decidiu absolver a executada/opoente B da instância executiva. * Inconformada com o teor da decisão, dela interpôs recurso a Exequente Experience And Consequence, Lda, concluindo da forma seguinte: A. A embargada não se conforma com a sentença que julgou verificada a excepção dilatória da ineptidão do requerimento executivo, por falta de causa de pedir. B. O entendimento que advoga a ineptidão do requerimento executivo contraria a letra da lei e derroga, por via adjetiva, um mandamento substantivo. C. Um credor munido de um reconhecimento de dívida, fica dispensado de provar (logo de invocar) a relação subjacente, excepto se o devedor conseguir ilidir a presunção que o desfavorece. D. O eventual vício da ineptidão do requerimento executivo, por falta da alegação da causa de pedir, já se mostra há muito sanado, tendo em conta do disposto nos arts. 186.º/3 e 196.º do CPC. E. O requerimento executivo deu entrada em 20 de Maio de 2023, tendo sido sujeito a despacho liminar pelo Tribunal, que admitiu a execução e ordenou a citação da executada para pagar ou deduzir embargos. F. A embargante deduziu embargos de executada, em 14 de Setembro de 2023, onde alegou a falsidade do documento e a insuficiência do título executivo. G. Mas nunca a ineptidão do requerimento executivo, por falta de causa de pedir, porque a embargante compreendeu perfeitamente a causa de pedir e exerceu plenamente o contraditório. H. De facto, a embargante, logo nos embargos de executada, defendeu-se abundantemente, tanto por impugnação como por excepção, invocando factos relativos à relação subjacente à dívida. I. Por seu turno, a embargada, na contestação aos embargos, em 9 de Outubro de 2023, invocou, exaustivamente, os factos que integram a causa de pedir e integram a relação subjacente à confissão de dívida. J. De resto, a embargante, logo em 23 de Outubro, de forma espontânea, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3 do CPC, respondeu e contestou toda a matéria de facto respeitante à relação subjacente. K. Ora, se a embargante impugnou os factos e os documentos que servem de base à execução, bem como à relação subjacente à confissão de dívida. L. Se a embargante, após ser confrontada com os factos relativos à relação subjacente, apresentou uma versão alternativa dos mesmos (3.º, nº 3 do CPC). M. Foi porque compreendeu perfeitamente o requerimento executivo, o título executivo, bem como a factualidade respeitante à relação subjacente. N. Ora, se “A razão de ser da percepção do pedido e da causa que o suporta é garantir o acertado contraditório da outra parte, possibilitando que se defenda do ataque, por excepção ou por impugnação, reportada aos factos alegados na petição, idóneos para germinarem o direito invocado e pretendido. II – Não é inepta uma petição inicial em que, quer o demandado, quer o tribunal, compreendem perfeitamente o sentido da causa de pedir e do pedido emergente” (Negrito nosso, Acórdão do STJ de 14.02.2002). O. É possível e desejável a sanação de uma eventual ineptidão do requerimento executivo e o aproveitamento de todo o processado P. Por respeito aos princípios de economia processual, bem como o princípio da prevalência da materialidade subjacente. Q. Assim, o Tribunal a quo violou a norma constante do artigo 458.º do Código Civil, na medida em que considerou que a exequente não estava dispensada de “provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.” que esteve na base do título que serviu de base à execução. R. Bem como as normas constantes dos artigos 6.º n.º 2, 186.º, n.º 3 e 196.º do Código do Processo Civil, porquanto considerou que a eventual ineptidão do requerimento executivo é insuprível e insusceptível de qualquer aperfeiçoamento. S. Ignorando assim que a executada e embargante compreendeu perfeitamente o requerimento executivo, o título executivo, bem como a factualidade respeitante à relação subjacente. T. E que não foi minimamente coartado o direito ao exercício do contraditório, estando asseguradas todas as garantias processuais para a realização de julgamento justo e equitativo. Conclui no sentido de que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e a sentença em crise revogada, devendo o processo executivo seguir os seus termos até final. * QUESTÃO A DECIDIR: Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são as seguintes. - SE O REQUERIMENTO INICIAL É INEPTO POR FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO: - SE A NULIDADE EXISTENTE SE MOSTRA SANADA. * FUNDAMENTAÇÃO: - Estão provados os factos seguintes: Os que constam do relatório supra. * DE DIREITO: I- De harmonia com o disposto no artigo 703º, nº 1, al. b), do CPC, à execução podem servir de base «os documentos autênticos ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação». Constituem documentos autenticados, para efeitos da al. b) do nº 1 do artigo 703º do CPC, os documentos particulares cujo teor foi confirmado pelas partes perante notário ou similar, por termo de autenticação, conforme o artigo 363º, nº 3, do Código Civil e os artigos 150º a 152º do Código do Notariado. Os advogados podem proceder à autenticação de documentos, em conformidade com o disposto no artigo 38º do Decreto-Lei nº 76º-A/2006, de 29 de Março. Na decisão recorrida entendeu-se que o requerimento executivo era inepto por falta de indicação da causa de pedir. O título dado à presente execução é recognitivo de uma dívida. Assim, está-se perante o reconhecimento de dívida do artigo 458º, nº 1, do Código Civil, onde se dispõe: «Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova do contrário». A declaração unilateral de reconhecimento de dívida não cria a obrigação mas apenas faz presumir a existência da mesma, cuja fonte será outro acto ou facto. Como salienta Inocêncio Galvão Teles, «presume-se no entanto que a dívida realmente existe; que há uma causa que a justifica, ou seja, uma relação fundamental em que se integra o acto ou facto que a gerou. Inverte-se o ónus da prova. Aquele que se arroga a posição de credor não precisa de provar a causa da dívida, visto beneficiar da presunção decorrente da declaração feita. À outra parte é que competirá provar, se para isso dispuser dos elementos necessários, que afinal não é devedor». Em suma, o que se estabelece no apontado artigo é apenas a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental, cabendo ao devedor fazer prova do contrário. Porém, a obrigação exequenda respectiva não deixa de ter uma causa e, por isso, o credor que beneficia de um reconhecimento de dívida, embora tendo a seu favor a inversão do ónus da prova da causa de pedir, não fica dispensado de a indicar, caso o título a não contenha, nos termos do artigo 724º, nº 1, al. e), do CPC. De harmonia com a jurisprudência e doutrina predominantes, reunindo os requisitos exigidos pelo artigo 703º, nº 1, al. b), do CPC, o reconhecimento de dívida pode servir de base a uma execução, mas, não respeitando a obrigação abstracta, o exequente tem o ónus de alegação dos factos constitutivos da relação causal no requerimento executivo, quando não constem do título executivo. Apesar de não ter o ónus da respectiva prova, a causa deverá ser alegada o suficiente para evitar um indeferimento liminar por falta de aparência mínima do facto constitutivo do direito, como comina o artigo 726º, nº 2, al. c), do CPC. Cumprido pelo exequente o aludido ónus de alegação da relação fundamental, ou seja, do facto constitutivo do direito de crédito, é ao executado que cabe o ónus da prova da inexistência ou invalidade do negócio donde procede a dívida ou a que a prestação se reporta, da excepção de não cumprimento do contrato ou do exercício do direito de resolução; em suma, de todos os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito à prestação alegado pelo exequente. Daí que a prova da inexistência de relação causal válida e dos demais factos que obstam à exigibilidade da prestação, a cargo do devedor/demandado, se tenha de fazer apenas relativamente à causa que tiver sido invocada pelo credor, e não a qualquer possível causa constitutiva do direito unilateralmente reconhecido pelo devedor, pois este só consegue cumprir adequadamente tal ónus se a obrigação estiver suficientemente individualizada e concretizada no título ou, complementarmente, no requerimento executivo. No caso dos autos entendeu o tribunal que estava a exequente efectivamente onerada com a alegação dos factos constitutivos essenciais da relação causal ao reconhecimento de dívida, facultando sobre ela o contraditório ao executado, cabendo a estes, por força da dispensa de prova prevista no art. 458º do CC, o ónus probatório relativamente à inexistência ou irrelevância dos factos constitutivos alegados pelo demandante. Não podendo, no requerimento executivo, limitar-se a remeter para o reconhecimento de dívida – como fez –, tendo que indicar, sob pena de ineptidão, a concreta causa debendi – o que não se verifica –, conclui que o requerimento executivo apresentado na execução de que dependem estes autos é inepto por manifesta falta de causa de pedir. Este é o sentido quer da doutrina, quer da jurisprudência dominante, podendo acrescentar-se, aos Acórdãos citados na decisão recorrida, o Ac. da RG de 9/6/2022, Proc. nº 492/22.7T8VNF.G1, Relator Joaquim Boavida, também no sentido da necessidade de alegar os factos que subjazem ao reconhecimento da divida, veja-se o Ac. da RE de 8-2-2024, Proc. nº 739/22.0T8SENT-B.EI. II- A Recorrente vem defender que eventual vício da ineptidão do requerimento executivo, por falta da alegação da causa de pedir, já se mostra há muito sanado, tendo em conta o disposto nos arts. 186.º/3 e 196.º do CPC. Sustenta que na contestação aos embargos, em 9 de Outubro de 2023, invocou, exaustivamente, os factos que integram a causa de pedir e integram a relação subjacente à confissão de dívida. De resto, a embargante, logo em 23 de Outubro, de forma espontânea, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3 do CPC, respondeu e contestou toda a matéria de facto respeitante à relação subjacente. Ora, se a embargante impugnou os factos e os documentos que servem de base à execução, bem como à relação subjacente à confissão de dívida; Se a embargante, após ser confrontada com os factos relativos à relação subjacente, apresentou uma versão alternativa dos mesmos (3.º, nº 3 do CPC); Foi porque compreendeu perfeitamente o requerimento executivo, o título executivo, bem como a factualidade respeitante à relação subjacente. Vejamos se assim é: O art.º 186º, nº 3 do CPC refere que “Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial. E o art.196º do mesmo Código dispõe que o tribunal pode conhecer oficiosamente das nulidades mencionadas no art.186º, a não ser que possam considerar-se sanadas. No caso dos autos não foi a embargante quem arguiu a ineptidão da petição inicial, antes suportando a sua defesa na falsidade dos documentos apresentados como título executivo e invocando a insuficiência do título. Foi o tribunal que, oficiosamente, depois de as partes apresentarem os seus articulados, onde discutiram a relação subjacente ao alegado acordo de divida, entendeu que se verificava a nulidade do processo, por ineptidão do requerimento executivo, absolvendo a embargante da instância. Não temos dúvidas de que, se porventura tivesse sido proferido o despacho em sede liminar, a solução seria a ineptidão do requerimento executivo, nos termos acima expostos. Só que, o tribunal veio a pronunciar-se sobre a ineptidão do requerimento executivo, oficiosamente, numa fase do processo em que as partes já tinham tido oportunidade de fazer valer as suas posições, tomando posição sobre a factualidade que constituiria a causa de pedir que deu origem ao acordo de divida, não alegado no momento inicial da instauração da execução. Assim, desde logo no requerimento inicial dos embargos, a embargante alega que nos arts. 16º, 17º e 18º, que foi funcionária da empresa embargada, e que, em finais do ano 2022 cessou o vínculo profissional, dando o seu enquadramento quanto ao litígio com a Exequente. Esta, nos arts.8º e sgs, alega os factos que deram origem à assinatura do documento de confissão de dívida, com termo de autenticação. Na sua origem estaria o desvio de dinheiro dos clientes para proveito pessoal, pela embargante, então empregada da exequente, ora através da apropriação de valores recebidos em numerário, ora através do recebimento das mensalidades dos clientes do ginásio através de MBWAY pessoal. A embargante demonstrou arrependimento e prontamente se disponibilizou a pagar os valores provisoriamente apurados, em prestações mensais, tendo ainda acordado assinar um documento de confissão de dívida, com termo de autenticação, o que veio a ocorrer no dia 9 de Dezembro de 2022, conforme resulta dos documentos que se juntam como Docs. 1 e 2 e cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos legais. Apesar das promessas de pagamento, a embargante incumpriu desde logo o plano de pagamentos acordado, conforme resulta do documento que se junta como Doc. 3 e cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos legais. Sendo esse desvio de fundos pela embargante no valor definitivo de 23.799,71€. Confrontada com todos os factos apurados, a embargante prontamente se disponibilizou atualizar o valor em dívida, mediante assinatura de novo reconhecimento de dívida, e a pagar os valores definitivamente apurados, em 12 prestações mensais, conforme troca de e-mail que se junta como Docs. 4 e 5 e cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais. Assim, no dia 26 de Janeiro de 2023, a embargante deslocou-se à Avenida …, …. Direito (pela segunda vez) para assinar novo reconhecimento de dívida, conforme troca de e-mails que se junta como Doc. 6 e cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais. Do valor acordado apenas pagou por duas vezes 100 Euros. Não existindo acordo, a exequente deu entrada com o requerimento executivo. (Factos alegados na contestação de 8º a 25º) A embargante, logo em 23 de Outubro, de forma espontânea, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3 do CPC, respondeu e contestou toda a matéria de facto respeitante à relação subjacente, nos termos que constam dos arts.12º e sgs até 30º, onde alega a sua versão dos factos. Entendemos ser aplicável ao caso o disposto na conjugação dos arts.186º, nº 3, 196º, a contrario e art.º 6º do CPC, considerando sanada a ineptidão do requerimento executivo. Em consequência, o tribunal não podia neste momento processual considerar inepto o requerimento executivo, por falta de causa de pedir, nos termos em que o fez. Impõe-se aproveitar os atos praticados e prosseguir com os termos dos embargos, com vista a apurar a materialidade fáctica alegada na contestação aos embargos, e que constitui o complemento do que não foi alegado desde logo no requerimento inicial da execução, devidamente sujeita a contraditório, nos termos do art.3º, nº3, do CPC. Esta é a solução que melhor se adequa à descoberta da verdade material e do aproveitamento dos autos, que subjaz à génese do art.6º, nº2, do mesmo Código. Deve a apelação proceder com a consequentente revogação da sentença, devendo os presentes autos prosseguir para produção de prova, com a devida consequência na acção executiva. * DECISÃO: Nos termos vistos, acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a Apelação, com a consequentente revogação da sentença, devendo os presentes autos de embargos de executado prosseguir os seus termos normais. Custas a cargo da embargante. Lx, 10-10-2024 Maria Amélia Ameixoeira Ana Paula Duarte Olivença Amélia Puna Loupo |