Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LAURINDA GEMAS | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO LIVRANÇA PRESCRIÇÃO SANEADOR-SENTENÇA NULIDADE DE SENTENÇA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – Tendo sido invocada na Petição de embargos, não apenas a prescrição da livrança enquanto título de crédito, mas também do próprio direito de crédito que a Exequente-Embargada veio exercitar [posto que a livrança foi dada à execução como quirógrafo, com a alegação, no requerimento executivo, dos factos constitutivos da relação subjacente – cf. art. 703.º, n.º 1, al. d), do CPC], não estava vedado ao Tribunal, no Saneador-sentença, ao conhecer da questão da prescrição, convocar norma jurídica distinta da indicada pelas partes quanto ao prazo prescricional, considerando-a aplicável ao caso, o que é consentido pelo n.º 3 do art. 5.º do CPC, não sendo, por isso, a decisão recorrida nula por excesso de pronúncia ou condenação além do pedido. II – A matéria da interrupção da prescrição não pode ser perspetivada como um simples argumento da defesa, antes configurando uma verdadeira “contra exceção” que não podia deixar de ter sido apreciada aquando da decisão sobre a (im)procedência da exceção da prescrição, pelo que nesta parte, a decisão recorrida é nula, impondo-se, ao abrigo do disposto no art. 665.º do CPC, conhecer da aludida causa de interrupção da prescrição. III – Estando em causa um contrato de crédito ao consumo celebrado em 25-02-2002, cujo incumprimento (em sentido lato) determinou o vencimento antecipado de todas as prestações, tendo a então mutuante, na sequência desse incumprimento contratual, comunicado a resolução do contrato e preenchido a referida livrança (atendendo ao valor do capital em dívida e juros de mora) o prazo de prescrição aplicável ao caso é de 5 anos, conforme resulta do disposto no art. 310.º, alíneas d) e e), do CC, podendo ser transposta para o caso (embora não como obrigatória) a jurisprudência firmada no AUJ do STJ n.º 6/2022, de 30-06. IV – Sendo a partir do momento em que a obrigação se torna exigível que se começa a contar o prazo da prescrição (cf. art. 306.º, n.º 1, do CC), iniciando-se, pois, o prazo prescricional na data em que o credor mutuante podia, com base no incumprimento, interpelar os mutuários para o vencimento antecipado da dívida ou resolver o contrato, impõe-se, no caso dos autos, considerar como data relevante o dia 20-12-2002, por ter sido a data em que foi comunicada ao Executado a resolução do contrato e em que a livrança foi preenchida. V – A circunstância de antes da propositura da execução de que os presentes autos são apenso ter sido intentada uma outra ação executiva, que (segundo alegado pela Exequente) veio a findar no ano 2013, ação essa em que a então credora exigiu do mutuário (ora Executado) o pagamento da totalidade da quantia mutuada e outras quantias, apenas pode relevar, atento o disposto nos artigos 323.º, n.ºs 1 e 2, 326.º, n.º 1, e 327.º, n.ºs 1 e 2, do CC, como tendo determinado uma interrupção duradoura da prescrição, a qual cessou a partir do momento em que findou, no ano 2013, tal ação. VI – Limitando-se a Exequente a alegar que (em 29-12-2022) “após mais anos de insistência na liquidação [na verdade, quase 9 anos] teve de impulsionar nova execução”, intentando, como última cessionária do crédito, a ação executiva de que os presentes embargos constituem apenso, em que peticiona o pagamento coercivo daquela mesma importância (acrescida de mais juros), procede a exceção de prescrição, pois, quando o fez, já se tinha completado o (novo) prazo prescricional de 5 anos, que, por isso, não chegou a ficar suspenso (como também invocado pela Exequente) em virtude da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e sucessivos diplomas atinentes a medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados I - RELATÓRIO A …-STC, S.A., Exequente na ação executiva para pagamento de quantia certa, sob forma ordinária, que intentou contra B …, interpôs o presente recurso de apelação do Saneador-sentença que julgou procedente a Oposição mediante embargos deduzida por este Executado. Os autos principais tiveram início, com a apresentação de Requerimento executivo, em 29-12-2022, em que a Exequente peticionou o pagamento coercivo da quantia total de 16.939,14 €, acrescida de juros de mora vincendos desde essa data até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%, correspondendo aquela verba à soma do valor inscrito na livrança apresentada como título executivo (enquanto quirógrafo) até àquela data (8.959.71 €) com os juros de mora vencidos (7.253,93 €), as despesas indicadas (700 €) e a taxa de justiça (25,50 €). Foi então alegado o seguinte (reproduz-se, no essencial, o teor do requerimento executivo, retificando alguns lapsos de escrita; acrescentámos, para melhor compreensão, o que consta entre parenteses retos): 1. O C …, S.A., que usa a designação comercial Millennium BCP incorporou por fusão a sociedade D …, S.A., tendo-se operado a transmissão universal do conjunto dos ativos e passivos, direitos e obrigações daquela sociedade para o referido Banco. 2. Por escritura pública, a sociedade C …, S.A. celebrou um Contrato de Sociedade pelo qual constituiu uma nova sociedade comercial anónima, com a firma E …, S.A. e o capital social de 10.000.000,00 €. 3. Posteriormente, as sociedades E …, S.A. e C …, S.A. outorgaram um reforço do capital social da primeira. No âmbito da transmissão para a sociedade E …, S.A. da mencionada unidade económica autónoma de negócio nos termos acima descritos, transmitiram-se também todos os direitos sobre o título que serve de base à presente Execução. 4. Numa fase posterior, a sociedade E …, S.A. foi incorporada por fusão na sociedade F …, S.A., tendo-se operado a transferência global do património da sociedade incorporada para a incorporante, nomeadamente do conjunto dos ativos e passivos, direitos e obrigações da primeira. 5. A 17-10-2007, por alteração ao pacto social, mudou-se a firma social de F …, S.A. para F …, S.A. 6. Por Contrato de Cessão de Créditos assinado no dia 18 de maio de 2012, em Lisboa, o Banco F …, S.A., cedeu à sociedade G …, S.A.R.L., os créditos que detinha sobre o ora Requerido, incluindo capital, juros, indemnizações e quaisquer outras obrigações pecuniárias, conforme Documento N.º 1 e N.º 2 que ora se junta. 7. Cessão essa notificada ao Requerido nos termos do artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil, conforme Documento N.º 3. 8. Posteriormente, em 16 de março de 2021, foi celebrado um contrato de cessão de créditos, entre G …, S.A.R.L, na qualidade de cedente e, A … – STC, S.A., na qualidade de cessionária, - conforme Documento N.º 4. 9. Contrato pelo qual foram transmitidos os créditos e as garantias que a cedente detinha sobre o Executado, conforme Documento N.º 5 tendo sido esta cessão essa notificada ao Executado, nos termos do artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil – conforme Documento Nº 6 10. A Cedente primária, no âmbito da sua atividade, celebrou com o ora Requerido, o contrato, ao qual foi atribuído o n.º … (ref. Interna CRB-SERV- …), conforme Documento N.º 7 11. O referido contrato, tinha como objeto, um empréstimo. 12. Ora, apesar de devidamente interpelado para regularizar a dívida em que incorreu, pelo não pagamento do montante total em incumprimento, o ora Requerido não efetuou, até à presente data, qualquer pagamento. Nem prestou qualquer justificação, situação que motivou a resolução do contrato e o preenchimento da livrança, conforme Documentos N.º 8 [trata-se de carta datada de 20-12-2002, remetida por D … S.A ao ora Executado, comunicando que o “contrato de empréstimo pessoal n.º 8898614” se encontra em situação de incumprimento, por registar a falta de pagamento de 7 prestações, no valor de 941,67 €, pelo que se vê obrigado a denunciar o contrato, exigindo o pagamento da totalidade do valor em dívida, incluindo as prestações em atraso e o capital em dívida até ao final do prazo do empréstimo, acrescido de despesas extrajudiciais incorridas, pelo que irá ser preenchida a livrança da caução pelo montante de 8.959,71 €] e N.º 9 [trata-se da livrança]. 13. Assim e face ao incumprimento verificado, o capital ora indicado corresponde ao valor em dívida à data da resolução / valor utilizado e não liquidado, tal como os juros peticionados correspondem ao cálculo desde a data do incumprimento até à presente data, à taxa legal de 4%. 14. Uma vez que, até à presente data, o ora Executado não pagou qualquer quantia, são devidos juros de mora, calculados sobre o capital, à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento da livrança (03-01-2003) até à presente data (29-12-2022). 15. Os documentos juntos preenchem os requisitos destas disposições legais pelo que lhes deve ser reconhecida a natureza de títulos executivos. 16. A dívida é certa, líquida e exigível. Em 03-01-2023, efetuada a distribuição, os autos principais foram autuados, tendo sido enviada à Exequente notificação para juntar o original do título executivo. Em 16-01-2023, esta informou que ainda não dispunha do mesmo e que, por requerimento datado de 29-12-2022, o tinha solicitado ao arquivo do tribunal competente. Em 30-01-2023, a Exequente veio juntar o original da livrança em falta – em que consta “NO SEU VENCIMENTO PAGAREMOS POR ESTA ÚNICA VIA DE LIVRANÇA AO D …, S.A.”, a quantia de 8.959,71 €, bem como, no lugar da assinatura do subscritor, “ B …”, a data de emissão de 20-12-2002 e a data de vencimento 03-01-2003. Em 02-02-2023, foi proferido despacho determinando a citação do Executado. O Executado foi citado mediante carta registada rececionada em 22-02-2023. Na sua Petição de embargos, apresentada em 14-03-2023, o Executado defendeu-se invocando, por esta ordem, a exceção perentória da prescrição, o incumprimento das formalidades inerentes ao PERSI, a insuficiência de título executivo, a ineficácia da cessão de créditos quanto ao Executado e a falta de legitimidade processual ativa, o abuso do direito e o preenchimento abusivo da livrança, bem como a invalidade e ineficácia de certas cláusulas contratuais gerais, requerendo que fossem: a) Julgadas procedentes por provadas as exceções invocadas: i - Prescrição do título cambiário, e da dívida exequenda, e, em consequência, ser o Embargante absolvido do pedido, e extinta a execução; ii - Da ilegitimidade da Exequente; da inexigibilidade executiva da quantia exequenda por falta de título bastante; do preenchimento abusivo, e, em consequência, ser o Embargante absolvido da instância executiva; iii - Abuso de direito, pelo intentar de procedimento executivo no circunstancialismo descrito, e, em consequência, ser o Embargante absolvido do pedido; b) Declaradas nulas as cláusulas (que indica) das Condições Gerais do Contrato de Crédito; c) Sempre e em todo o caso, julgados os Embargos de Embargante totalmente procedentes, por provados, e, consequentemente, ser determinada a extinção da execução. No que concerne à exceção de prescrição, o Embargante alegou o seguinte (omitimos os destaques – sublinhado/negrito): 1. Da análise do requerimento executivo, para o que agora importa, consta: Finalidade: Iniciar Novo Processo; Espécie: Execução Ordinária (Ag. Execução) Título Executivo: Livrança. 2. Estamos, perante um novo processo, uma execução, sendo o título dado à execução uma livrança entregue em “branco”, a qual foi preenchida/completada pela Embargada, na data que melhor terá considerado como oportuna, a saber, 20-12-2002. 3. E, dos dizeres constantes da quadrícula do vencimento na livrança, após preenchimento pela Exequente, consta: Vencimento: 2003-01-03 4. Ora, a prescrição é tradicionalmente definida como o instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercitados durante certo período fixado na lei, e que varia conforme os casos. 5. No que se refere ao início do prazo de prescrição, como decorre do preceituado no artigo 306.º, n.º 1, do Cód. Civil, “O prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido” 6. No caso particular das letras e livranças, o legislador associou o início do prazo de prescrição à data de vencimento constante do título, pois que, naturalmente, a partir desse vencimento, está o portador em condições de exigir aos obrigados cambiários o respetivo pagamento. 7. Assim, e no que releva ao caso dos autos, resulta do preceituado no artigo 70.º, n.º 1, ex vi artigo 77.º, ambos da LULL, que “Todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”. 8. O prazo de três anos inicia-se na data de vencimento constante do título. 9. Ora, in casu, decorreram desde o vencimento aposto na livrança (2003-01-03), até à data em que foi citado o Embargante na presente ação executiva, muito mais de 3 anos, isto é, o aludido prazo prescricional de 3 anos, artigo 70.º, n.º 1, da LULL, há muito que se esgotou, por inércia da Embargada. De outra banda, 10. No mútuo bancário em causa, a obrigação de reembolso do capital mutuado foi objeto de um plano de amortização que se traduz na fixação de determinado número de quotas de amortização que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios vencidos, originando uma prestação unitária e global. 11. Consta dos autos uma declaração de vontade unilateral emitida pelo credor originário, no sentido de que não quer a continuação do contrato de mútuo, alegadamente comunicada ao Embargante por carta datada de 20 de dezembro de 2002, cf. doc. 8 do Requerimento Executivo, 12. tendo sido preenchida, em consequência, a livrança dada à execução com vencimento em 03-01-2003. 13. A declaração em tal missiva corresponde, não ao normal perfil jurídico-negocial da figura da denúncia, mas sim ao da resolução, motivada por alegado incumprimento da base negocial que atingiu o equilíbrio das prestações. 14. A resolução do contrato de mútuo em causa gera a obrigação que se traduz na restituição do que cada um dos contraentes recebeu do outro, ou seja, via de regra, a resolução implica um regresso ao status económico-jurídico anterior à frustração contratual. 15. Resolvido o contrato de mútuo, o mutuante exige ao mutuário, aqui Embargante, a restituição do capital que lhe entregou por força desse contrato, mais exatamente, o montante do capital em dívida nesse momento, bem como os juros de mora e os encargos. 16. O crédito em dívida e exigível em 03-01-2003 que era de, 8.959,71 euros, assume a sua natureza original, a obrigação unitária de restituição do tantundem, e fica sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos. 17. Ora, o prazo de prescrição da dívida exequenda é o prazo geral de 20 anos previsto no artigo 309.º, do Código Civil, o qual se mostra também ter sido atingido, recordando-se que o Embargado foi citado em 22-02-2023. 18. Pelo que dúvidas não podem restar que o título dado à execução se encontra prescrito por decurso do prazo de 3 anos atinente à livrança executada em causa, 19. bem como, cumulativamente, decorreu o prazo ordinário prescricional de 20 anos em relação à obrigação pecuniária emergente de contrato de mútuo, 20. pelo que, por qualquer das vias, estamos perante prescrições que se invocam, com todas as consequências legais. 21. Devendo em consequência das invocadas prescrições, ser a presente execução extinta, o que se requer. Pugna o Embargante, a final, pela procedência das exceções invocadas e consequente procedência da oposição. A Exequente apresentou Contestação, pronunciando-se sobre as exceções invocadas, concluindo pela improcedência da Oposição, alegando, no que ora importa, que (omitimos algumas passagens que são citações de doutrina e jurisprudência, bem como os destaques, sublinhado/negrito, e retificámos alguns lapsos de escrita): 22. A livrança tem como data de vencimento dia 03-01-2003. 23. Tendo a ação sido proposta em 29/12/2022 – conforme data de certificação aposta no requerimento executivo; 24. Contudo, somente foi distribuída a dia 03-01-2023. 25. Antes da reforma processual civil de 2013, discutiu-se o facto de a validade do cheque/letra/livrança, enquanto títulos cambiários, poder ser colocada em causa pelo decurso do prazo prescricional. 26. Como seja a situação de a execução haver sido intentada para além do prazo prescricional cambiário da livrança. 27. Porém, tal como veio a ser legalmente fixado e jurisprudencialmente aceite, mesmo com a eliminação da regra genérica da exequibilidade dos documentos particulares, os títulos de crédito continuariam a valer como documentos quirógrafos (art. 703.º, n.º 1, alínea c) do CPC) “(…) desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”; 28. Face ao supra exposto, ainda que extinta a obrigação cambiária incorporada no título cambiário pelo decurso do prazo de prescrição, este pode continuar a valer enquanto título executivo, 29. Não se trata de presumir a existência e o reconhecimento duma dívida subjacente, mas tão somente atestar a verificação de um indício sobre a existência duma dívida subjacente, que permite ao portador do título cambiário avançar diretamente para a ação executiva sem necessidade de recurso a uma ação declarativa prévia. 30. Aliás, como refere LEBRE DE FREITAS, “(…). 31. Ainda, neste sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 04.12.2007 (Mário Cruz) advertindo que: “(…)”. 32. Pelo que, apesar de aqui a Embargada não ter intentado esta nova ação executiva dentro do prazo prescricional da relação cartular, prevista no art. 70.º LULL, a Embargada intentou dentro do prazo prescricional dos 20 anos. 33. Para o efeito, basta que o Exequente alegue os factos constitutivos da relação subjacente, seja no título cambiário ou, na ausência deste, no próprio requerimento executivo. 34. Complementarmente à alegação dos factos que deram causa à obrigação cambiária, exige-se que não se esteja perante negócio jurídico formal e que no caso de oposição o Exequente faça prova da existência da relação subjacente. 35. Neste âmbito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-10-2019: “(…)” 36. No caso concreto, resulta evidente que a aqui embargada (e exequente), aquando da propositura da ação, não se limitou a invocar a existência do seu direito de crédito, tendo antes alegado no requerimento executivo de forma contextualizada e circunstancial os factos constitutivos da relação cambiária subjacente. 37. De facto, são descritos no requerimento executivo os intervenientes no contrato, o tipo de contrato, o incumprimento ocorrido e interpelação efetuada, os esforços desenvolvidos e que vieram a culminar na apresentação do requerimento executivo. 38. Mais resulta que no contrato de crédito em análise, destinando-se ao consumo, o mesmo carece de qualquer veste formal para o negócio jurídico considerado. 39. A Exequente, enquanto portadora do título de crédito, mesmo que sem validade cambiária, invoca legitimamente no requerimento executivo a relação/obrigação subjacente para fazer valer judicialmente o seu direito de crédito. 40. Com bem salienta a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-07-2019: “(…)”. 41. Do exposto, resulta que a obrigação exequenda não pode ser confundida com a obrigação cambiária decorrente da assinatura que o embargante colocou na livrança, mas antes entendida como obrigação subjacente, isto é, ainda que o título de crédito enquanto documento tenha perdido a sua qualidade para valer como título executivo, poderá não obstante continuar a ser usado como quirógrafo da obrigação que lhe está subjacente, desde que devidamente alegados os factos constitutivos da respetiva relação. 42. É este o regime legal consagrado no artigo 703.º, n.º 1, alínea c) do CPC, no qual a embargada (e exequente) se apoiou para intentar a presente ação executiva, pelo que a exceção de prescrição invocada pelo embargante (executado) não poderá proceder. 43. Só se pode concluir que a Embargada intentou a ação executiva dentro do prazo prescricional da exigência do título executivo de documento particular como mero quirógrafo. 44. A presente execução é ordinária, sendo que, dispõe de citação prévia. 45. Ora, ensina-nos o 323.º, n.º 1 C.C. que o “prazo prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. 46. Contudo, se a mesma não se fizer dentro dos 5 dias subsequentes por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias, nos termos do artigo 323º, nº 2 do Código Civil. 47. Não houve qualquer motivo imputável à requerente que fizessem com que nos 5 dias subsequentes à propositura da ação, não fizessem com que o prazo não fosse interrompido. 48. É assente na jurisprudência que, “(…)” – cf. Ac. do STJ de 12-01-2017, 49. Há interrupção da prescrição e considerando até em ratio a data de distribuição em 05-01-2023! Não obstante e se assim não se entender por mero dever de patrocínio sempre se dirá que, 50. Considerando a data de vencimento da livrança e a data de distribuição da ação pode levar ao engano na perceção de que foi proposta a ação executiva na própria data da prescrição dos 20 anos atento à data de vencimento da livrança; contudo, não podemos olvidar-nos do facto que houve uma suspensão geral de prazos, no âmbito da pandemia sarvs-cov-2; 51. Houve diplomas que suspenderam o prazo de prescrição, designadamente a Lei.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, suspendendo os prazos desde o dia 9 de março de 2020; De acordo com o n.º 1 do art.º 5.º da Lei n.º 16/2020 de 29 de maio, cessou a suspensão imposta, alargando pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão. Cf. art.º 6.º da Lei n.º 16/2020 de 29 de maio, ou seja, em 3 de junho de 2020, o que alargou por isso o prazo de prescrição em 87 dias! 52. Posteriormente, no decorrer da evolução da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 e doença COVID-19, voltou a vigorar um regime de suspensão dos prazos de prescrição introduzido pelo n.º 3 do art. 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, vigorando entre 22 de janeiro de 2021 até ao dia 5 de abril de 2021, num total de 74 dias (cf. art. 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e art. 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril). 53. Assim e considerando todas as datas acima descritos, e a suspensão dos prazos prescrição, não houve qualquer ultrapassagem do prazo de prescrição dos 20 anos nos termos do art. 309.º C.C., considerando a data de citação a 22-02-2023. 54. Havendo interrupção começa o novo prazo de prescrição a correr do ato interruptivo (artigo 326º, n.º 1 do Código Civil). 55. Assim, e ultrapassada a questão relativa ao título executivo, considerando o prazo ordinário de 20 anos, não assiste razão ao Embargante quando alega genericamente que o título executivo já se encontrava prescrito, bastando analisar em termos de calendário o tempo que decorreu para comprovar esse mesmo facto! Não obstante e se assim não se entender por mero dever de patrocínio sempre se dirá que, 56. Como não pode ser do desconhecimento do Executado, foi intentada a competente ação executiva a 17-06-2003, em que era Exequente o D …, S.A.,, a qual após distribuição foi dada o n.º …/… cf. Doc. 8 Que já se juntou e certidão que se protesta juntar; 57. Sendo já essa ação executiva ordinária, pelo que, foram cumpridos todos os requisitos legais da citação do Executado, logo após proposição daquela ação, tendo a mesma sido efetivada em 21-10-2003, a qual foi recebida por H …. 58. Pelo que, se promoveu à advertência em virtude de a citação não ter sido feita na própria pessoa, prevista no então art. 241.º CPC antigo, em 12-11-2003. 59. Certo é que a execução aqui indicada foi extinta em 2013, apesar de várias tentativas de penhora, sempre logradas, nomeadamente pela existência de outros processos executivos que já se encontravam a penhorar os bens do Embargante. 60. Pelo que, e após mais anos de insistência na liquidação teve de impulsionar nova execução. 61. A existência de uma ação anterior e a subsequente citação da mesma confere ao presente crédito uma causa de interrupção prevista no art. 323.º, n.º 1 C.C.; pelo que e considerando a data de advertência da citação em 3.º pessoa supra mencionada, a mesma teve a sua interrupção em 12-11-2003. 62. Tendo a interrupção da prescrição da presente dívida ocorrido em 12-11-2003, daqui se começa a contar o novo prazo para a imputação dos 20 anos, nos termos e para os efeitos do art. 309.º C.C., o que leva a concluir que aquando da propositura desta ação, 63. Interrompido o prazo, gera a “inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo.”, conforme estipulado no artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil. 64. E até da citação que ocorreu em 22-02-2023 não tinha ainda transitado o prazo de prescrição que só iria ocorrer em 12-11-2023! Com a Contestação, a Embargada juntou vários documentos, mormente, no que ora importa, cópia fotográfica de peças processuais do proc. n.º …/…, distribuído em 20-06-2003 no ….º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, designadamente: requerimento executivo, apresentado, em 17-06-2003, por D …, S.A. contra o ora Executado; cópia da livrança no valor de 8.959,71 € com indicação de que o original foi mandado desentranhar (trata-se do original ora junto nos autos principais); cópia da carta enviada para citação do aí Executado e o a/r, assinado em 21-10-2003, bem como cópia da carta enviada ao Executado, em 12-11-2003, com advertência ao Executado nos termos do art. 241.º do CPC então em vigor. Foi realizada audiência prévia, em que teve lugar a discussão das posições das partes (quanto à questão da prescrição), tendo em vista o conhecimento do mérito da causa no saneador. De seguida, foi proferido o Saneador-sentença (recorrido), cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Em face e todo o exposto, julgo procedente a excepção da prescrição nos termos supra expostos e, em consequência, julgo procedente a presente oposição à execução, mediante embargos de executado, nos termos do artigo 732º, nº4 do CPC, declaro extinta a execução quanto ao executado B …. Custas pelo exequente. Registe, notifique e comunique ao Sr. AE.” É com esta decisão que a Exequente se não conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões (que reproduzimos, retificando diversos lapsos de escrita): A. O aqui Recorrido intentou, a 14/03/2023, sob a Ref.ª Citius …, por apenso à execução que lhe foi movida pelo aqui Recorrente, oposição à execução mediante embargos de executado, procedentes pela verificação da exceção da perentória da prescrição. B. Invocou o Recorrido a respeito, por um lado, reportando-se à prescrição do título cambiário, enquanto tal, a sua prescrição em 3 anos nos termos do artigo 70º da LULL, e por outro, por referência à relação imediata subjacente a este título, o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309º do CC. C. Tendo o Digníssimo Tribunal a quo decidido, num notório vício lógico de raciocínio, aplicar o prazo de prescrição da alínea e) do n.º 1 do artigo 310º do CC ao direito de crédito em discussão nos autos. D. Apesar da recorrida apenas alegar a prescrição com base nos artigos 70.º da LULL e 309.º do CC., o tribunal a quo decidiu com base no artigo 310.º alínea e). E. sendo a prescrição, ou alegada prescrição, não ser de conhecimento oficioso do Tribunal, não pode este apreciá-la quando tal questão não foi previamente invocada. F. Verifica-se um excesso de pronúncia, nos termos do artigo 619.º, n.º 1 alínea d) fine, violando o princípio do jura novit curia, verificando a existência de pronúncia sobre causa de pedir e pedido que não foi colocada à consideração pela parte que teria o ónus de alegar/invocar. Não obstante, e sem conceder, G. O contrato aqui em riste é um contrato de consumo celebrado entre as partes, que se traduz exatamente num empréstimo de dinheiro, um contrato que pressupõe uma obrigação global, cujo pagamento se encontra escalonado no tempo que se traduz numa obrigação única para os devedores Embargante, correspondente ao capital mutuado e aos respetivos juros remuneratórios. H. Portanto trata-se de um único contrato, celebrado com os Embargante, em que existe uma dívida previamente fixada, dívida esta que irá ser paga parcialmente, fraccionadamente, em diversas prestações previamente estipuladas. I. As prestações fraccionadas transmutaram-se numa única obrigação sujeita ao prazo prescricional ordinário. Ou seja foram destruídas pelo vencimento antecipado, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos e os juros ao de cinco anos. J. Não se enquadrando o capital no prazo prescricional da alínea e) do artigo 310º C.C. K. Tampouco no artigo 309º C.C., uma vez que o prazo prescricional ordinário (20 anos) não iniciou ao dia 28.03.2003 (data vencimento da livrança), mas sim, em 21/10/2003 aquando da citação do executado, ora Recorrido. L. Por conseguinte, deveria o Tribunal ad quo ao receber os presentes embargos considerá-los improcedentes, atendendo que o prazo de 20 anos de prescrição não operou aquando da entrada da nova acção executiva não cabendo assim na previsão legal alegada pelos Embargante. M. Se assim não for entendido, isto representaria uma clara desprotecção do credor que nem sequer vê o valor do capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento constituindo, tal facto, uma desproporcional aplicação do direito do devedor em detrimento do credor o que ataca o princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos artigos 2º, 12º, nº 2, 18º, nºs 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa. N. A aplicação imediata da uniformização de uma nova corrente de pensamento e aplicação jurídica dos prazos de prescrição aos contratos de mútuo, quirógrafos e demais títulos executivos sem uma disposição transitória que gradue temporalmente essa aplicação é uma medida desproporcional que afeta o princípio constitucional da Proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição. O. Sendo Excessiva, Inadequada e Desnecessária face ao princípio já consagrado no artigo 310.º, n.º 1 alínea d) C.C. e a protecção que o mesmo dá aos devedores. Isto considerando a fundamentação implícita no Ac. Uniformizador de Jurisprudência P. Enferma para tal de inconstitucionalidade a norma presente no artigo 310º, alínea e) do CPC, por violação dos princípios constitucionais, da proporcionalidade, segurança jurídica e proteção jurídica, assim como de igualdade de armas num Estado de Direito. Q. Sendo que, não poderão os Venerandos Juízes Desembargadores deixar de se pronunciar sobre a presente alegação de constitucionalidade nos fundamentos que se encontram explanados nas alegações, considerando que, a aplicabilidade em sentença dessa norma (310 al. e) C.C.) permite essa alegação em sede de recurso. Ademais, R. Ora, sendo certo que, à luz do artigo 781º do CC, ocorre o vencimento antecipado das demais prestações da obrigação liquidável em duas ou mais prestações, quando ocorra incumprimento no pagamento de uma delas. e, bem assim, que por recurso a uma interpretação restritiva do preceito, no sentido de fazer depender a legitimidade do credor, para poder exigir o pagamento imediato de todas as prestações vencidas antecipadamente, depender de prévia interpelação do seu credor nesse sentido, à semelhança do preceituado no n.º 1 do 805º do CC. S. É o Recorrente forçado a discordar da posição do Douto Tribunal a quo, quando afirma que “De tal resulta que o exequente, a partir da data de 20/12/2002, passou a poder exercer o seu direito e consequentemente, iniciou-se o prazo de prescrição (...), nos termos do artº 306º, nº 1 do C. Civil.”; T. já que apenas passou a poder exercer o seu direito à data de vencimento aposta na livrança que serviu de base aos autos principais de execução, a 29/12/2022, data a partir da qual foi o Recorrido notificado, na carta de resolução, junta ao Requerimento Executivo que originou os autos principais de execução, datado de 03/01/2023, sob a Ref.ª Citius … como documento n.º 1, de que o contrato se considerava resolvido, notificado dos valores discriminadamente em divida, face o vencimento antecipado, e, bem assim, se iniciaria a contagem de juros de mora, a partir de 03/01/2003. U. Sendo, no entendimento do Recorrente, inusitada a fundamentação do Douto Tribunal a quo, que exterioriza incerteza na formação da sua convicção quando ao momento do início da contagem do prazo de prescrição. V. Ora, o tribunal a quo, mais uma vez pecou no sentido que não se pronunciou sobre questões que se devia pronunciar, designadamente sobre a chamada e invocada “legislação covid”, bem como, a acção anterior proposta sobre a mesma causa de pedir, ou seja a liquidação do valor aposto na livrança (o qual foi calculado até à data de vencimento da livrança e não até à data de aposta na carta resolução) W. Devem ser lembrados os diplomas extraordinários que, em fase pandémica, vieram suspender os prazos de prescrição face a inatividade judicial vivida, num primeiro momento em 87 dias e num segundo momento em 74 dias. X. Tais diplomas suspenderam o prazo de prescrição e caducidade, postecipando para nova data os mesmos, sendo que a jurisprudência atual e recente vem viabilizar esta posição. Y. Veja-se o Ac. Supremo Tribunal de Justiça – processo n.º 16107/21.8YIPRT-A.G1.S1 “. Por força do regime excepcional do artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 (com a redacção dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06.04) que decretou medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID 19, a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade ficou suspensa a partir de 09.03.2020, sendo a duração máxima desses prazos prolongada pelo período de tempo em que vigorou a situação excepcional. A Lei n.º 16/2020, de 29.05, ao revogar o art 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, terminou, com efeitos a partir de 03.06.2020, com a suspensão generalizada dos prazos processuais, suspensão que veio a ser reintroduzida pelo n.º 1 do artigo 6.º-8 aditado à Lei n.º 1-A/2020 pela Lei n.º 4-8/2021, de 01.02. Z. Pelo que, não poderá deixar de ser contabilizado este prazo de suspensão para efeitos de contagem de prescrição dos 20 anos previstos no artigo 309.º C.C., até porque esta exceção foi invocada desde logo, pela Recorrente em sede de contestação de Embargos de Execução. AA. Assim sendo e mesmo considerando o prazo incutido pelo Tribunal a quo, ou seja, a data de carta de resolução – 20/12/2002 – com a suspensão desses prazos em 87 dias e 74 dias facilmente se verifica que considerando a data de proposição da acção em 29/12/2022, bem como, a data de liquidação de fase 1 do processo executivo em 30/12/2022, e subsequentemente a interrupção prevista no artigo 323.º, n.º2 do C.C., em 05/01/2023, não extravasou o prazo previsto no artigo 309.º C.C., os 20 anos! BB. Ademais, carece de dizer que, a aqui Recorrente também invocou causa de interrupção da instância, com a acção anterior e a data de proposição da acção que foi totalmente desconsiderada pelo Tribunal a quo, visto que, houve citação por parte em 21/10/2003, a qual foi recebida por H …. Pelo que, se promoveu à advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa, prevista no então artigo 241.ºCPC antigo, em 12/11/2003. CC. Assim sendo não se pode deixar de considerar também este facto de interrupção da instância que postecipa o prazo de prescrição. DD. Nesse âmbito, salvo melhor opinião, parece que há aqui uma omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º, n.º 1 alínea d) CPC, considerando que ao contrário do que alega energicamente o tribunal a quo o prazo de prescrição de 20 anos não decorreu aquando da proposição da acção ou mesmo mediante a data de citação! EE. É sabido que o legislador estabeleceu um prazo ordinário de prescrição, a aplicar subsidiariamente a todas as situações que não se encontrem especialmente reguladas, de 20 anos, no artigo 309º do CC. FF. Pelo que, apesar de aqui a Embargada não ter intentado esta nova ação executiva dentro do prazo prescricional da relação cartular, prevista no artigo 70.º LULL, a Embargada intentou dentro do prazo prescricional dos 20 anos, nos termos do artigo 311º n.º 1 e demais preceitos ora aludidos por referência à interrupção e suspensão da prescrição do direito de crédito do aqui Recorrente, GG. Desde logo, deve ser relembrada a invocação da Embargante, aqui Recorrida, que, por reporte ao prazo prescricional do título cambiário, enquanto tal, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, da LULL, corresponderia a 3 anos e, por referência à relação imediata subjacente a esse título, nos termos do artigo 309º do CC, sujeita ao prazo geral de prescrição, de 20 anos. HH. E salientado que, foi alicerçado na argumentativa da Recorrida, que o Recorrente construiu a sua defesa, deduzida na sua Contestação junta aos presentes autos de apenso. II. Cientes de que vigora, no nosso ordenamento jurídico e, em especial, no domínio processual cível, o princípio geral do inquisitório, consagrado no 411º do CPC, orientador da dogmática processual civil, e que surge em especial vertido no artigo 303º do CC, segundo o qual o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição, que precisa de ser invocada por aquele a quem aproveita. JJ. Terá pecado por excesso a Sentença em crise, proferida pelo Douto Tribunal a quo, quando, atenta à alegação do Embargante, aqui Recorrente, aprecia a exceção perentória da prescrição prevista no artigo 310.º, alínea e), do CC, sem que a Recorrente invocasse o preceito ou, sequer, vagamente o pretendesse, e, em todo o caso, se ressalvando, de todo modo, igualmente a Recorrente concebeu tal solução. KK. Ora, acredita o recorrente que configura a situação descrita uma condenação além do peticionado e alegado, nos termos do n.º 1 do artigo 609º do CPC, ferindo-se, assim, de nulidade. LL. É esta a convicção do Recorrente, não conseguindo, com devido respeito, conceber outra solução que se revele justa e conforme a lei. Em suma, o despacho proferido violou, entre outras, as seguintes estatuições legais: - Da Constituição da República Portuguesa - Arts 12.º n.º 2 18.º n.os 1, 2 e 3, 20.º Assim como é inconstitucional a norma presente no artigo 310º, alínea e) a interpretação causística desta norma ao caso concreto. Termina a Apelante pugnando pelo provimento do recurso e revogação da decisão recorrida. Não foi apresentada alegação de resposta. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC). Identificamos as seguintes questões a decidir: 1.ª) Se a decisão recorrida é nula por excesso ou omissão de pronúncia ou por condenação além do pedido; 2.ª) Se improcede a exceção de prescrição - o que depende de saber qual o prazo prescricional aplicável ao caso e desde quando se inicia a sua contagem, bem como se ocorreram as invocadas causas suspensivas e interruptivas da prescrição. Factos provados Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos (sendo que, além destes, relevam para a decisão da causa os que resultam do relatório supra; acrescentámos o que consta entre parenteses retos): 1. O Exequente intentou a ação executiva de que a presente oposição à execução constitui apenso, contra B …, para cobrança coerciva do montante de 16.939,14 €, com base na livrança junta na execução, cujo teor se dá por reproduzido. 2. A referida livrança tem o valor de 8.959,71 €, a data de emissão de 2002-12-20 e a data de vencimento de 2003-01-03. 3. Em 25-02-2002, o Embargante, na qualidade de mutuário, e Embargada celebraram um contrato de crédito n.º …, destinado a financiar a renegociação da rede lar, no valor de 8.123,58 €, a liquidar em 72 prestações mensais de 156,11 €, – cuja cópia se mostra junta com a Contestação e o teor se dá por reproduzido [trata-se do documento 1 junto com a Contestação e que já havia sido junto com o Requerimento executivo como doc. 7, sendo manifesto o lapso de escrita pois, na verdade, como foi alegado e resulta do documento junto aos autos, o contrato não foi celebrado com a Embargada, mas com a D … S.A.]. 4. Como garantia de cumprimento do referido contrato, o Embargante subscreveu uma livrança com o n.º A …, sendo que em 20-12-2002 face ao incumprimento e resolução preencheu a mesma pelo valor de 8.959,71 € (oito mil novecentos e cinquenta e nove euros e setenta e um cêntimo), a qual se venceu em 03-01-2003 [de novo, é manifesto o lapso de escrita, pois a livrança não foi preenchida pelo Embargante, mas pela D …] 5. A ação executiva foi instaurada em 3-01-2023. Enquadramento jurídico Na decisão recorrida, foi julgada procedente a exceção perentória da prescrição, com a seguinte fundamentação de direito: «O exequente intentou a acção executiva de que a presente oposição à execução constitui apenso com vista à cobrança coerciva da quantia de € 8.959,71, com base numa livrança emitida em 2002.12.20, para garantia do cumprimento das obrigações emergentes de um contrato de crédito a liquidar em 72 prestações de amortização de capital e juros, celebrado em 25/02/2002, na qual foi aposta a data de vencimento de 2003.01.03. Para além de outras excepção o executado/opoente invoca a prescrição, sendo que o exequente entende que não se verifica qualquer prescrição, desde logo, porque não decorreu o prazo ordinário de prescrição de 20 anos. Vejamos. A execução a que se reporta a presente oposição foi intentada com base numa livrança, na qual o embargante tem a qualidade de subscritor. Importa, antes de mais, agora analisar a invocada questão da prescrição relativa à relação subjacente à livrança dada à execução, com enquadramento no art. 310.º, alíneas d) e e), do CC e 309º, do CC. Assim, a questão que agora importa analisar respeita à prescrição da obrigação subjacente à emissão da livrança dada à execução (e não a prescrição da livrança) – o contrato de mútuo –, sendo que se entende admissível invocar aquela prescrição uma vez que, conforme acima mencionado, a livrança dada à execução encontra-se nas relações imediatas, considerando que o exequente é o seu portador imediato e o executado é subscritor da livrança, pelo que pode esta opor as excepções decorrentes da relação subjacente – cfr., quanto a isto, entre outros, o Ac. do STJ de 19/06/2012, disponível em www.dgsi.pt. Ora, nas relações imediatas, a prescrição da obrigação fundamental acarreta, em regra, a extinção da obrigação cambiária – ver, neste sentido, Ac. RC, de 26.04.2016, relatado por Maria João Areias (in www.dgsi.pt). Nos termos das alíneas d) e e) do artº 310º, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais ainda que ilíquidos e as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros. A razão essencial desta prescrição de curto prazo é evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida. Pelo que no que respeita a este prazo, já Manuel de Andrade ensinava: “a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar” – Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1972, pág. 452. Esta prescrição dizia, por sua vez, Vaz Serra, “destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas” – Prescrição e Caducidade, in BMJ, nº 107, pág.285. Nos termos do disposto no nº 1 do artº 304º, do C. Civil, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito. Por sua vez diz-nos o artº 298º, nº 1 do C. Civil que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição. Do contrato subjacente à livrança dada à execução, consta, além do mais, que a exequente concedeu ao executado empréstimo que seria reembolsado em prestações mensais, incluindo capital e juros. Ou seja, no contrato de mútuo sob apreciação apenas existem dois tipos de prestações: juros e capital amortizável com juros, a pagar conjuntamente em prestações periódicas, pelo que qualquer deles se enquadra na previsão do artº 310º als. d) e e) do C. Civil, com um prazo de prescrição de cinco anos – ver, neste sentido, Ac. STJ, de 27.03.2014, relatado por Silva Gonçalves; Ac. RE, de 21.01.2016, relatado por Conceição Ferreira (in www.dgsi.pt). Resulta do alegado pelo exequente, que o executado subscritor deixou de pagar as prestações assumidas em 20/12/2002, uma vez que o contrato de mútuo não foi incumprido na data de vencimento da livrança. Assim, a partir da referida data venceram-se todas as prestações acordadas, nos termos do artº 781º, do C. Civil, uma vez que não foi acordado regime diferente do referido neste preceito e é aceite por ambas das partes. O facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida” sendo que na aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do artº 310º do C. Cível, não obsta a que o não pagamento de uma das prestações provoque o vencimento das restantes, não sendo de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil (cfr. Ac. RE, de 21.01.2016, relatado por Conceição Ferreira; Ac. do STJ de 04/05/1993 in CJ tomo 2, 82; Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, tomo IV, 175). Também, como é afirmado no Ac. do STJ de 27/03/2014 (processo 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) o débito concretizado numa quota de amortização mensal, em prestações mensais e sucessivas referentemente a um montante de capital mutuado enquadra-se na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil, conforme se retira das considerações explicitadas por Ana Filipa Morais Antunes, insertas nos Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume III, página 47, onde expressamente se refere “...na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante em dívida (...) (...) constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas frações: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”. Veja-se, a propósito, o recente Acórdão do STJ, de 26.09.2016, relatado por Lopes do Rego (in www.dgsi.pt), assim sumariado: “Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos. Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.” De tal resulta que o exequente, a partir da data de 20/12/2002, passou a poder exercer o seu direito e consequentemente, iniciou-se o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do artº 306º, nº 1 do C. Civil. Ainda que assim não se entendesse, tendo o contrato em causa a duração de 72 meses, a última prestação vencer-se-ia em no ano de 2007, pelo que estaria igualmente prescrita a obrigação. Num contrato de conta corrente no qual se estabelece o pagamento prestacional da dívida, as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros não deixam de prescrever no prazo de cinco anos, reportando-se o início deste prazo à data de vencimento de cada uma das prestações, não sendo a eventual verificação de incumprimento definitivo do contrato que afasta tal realidade”, vide acórdão RL datado de 8.04.2021, relatado por Eduardo Petersen, disponível in www.dgsi.pt. Por outro lado, e mesmo que se entenda como o exequente, aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil, que refere que: “O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos”, considerando que o exequente, a partir da data de 20/12/2002, passou a poder exercer o seu direito logo, consequentemente, iniciou-se o prazo de prescrição, verificando a data de instauração da presente execução, temos que está prescrita a obrigação, o que se declara. Por essa razão, entende o tribunal não ser necessário apreciar o demais alegado, concluindo pela procedência da presente oposição à execução, mediante embargos de executado.» Da nulidade da decisão recorrida Defende a Apelante que a decisão recorrida é nula por excesso de pronúncia ou condenação além do pedido, por ter sido julgada procedente a exceção de prescrição invocada pelo Embargante com base em norma jurídica diferente da indicada por este na Petição de embargos; considera ainda que a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia quanto à causa de interrupção da prescrição que invocou. Vejamos. Resulta do disposto na alínea e) do n.º 1 do referido art. 615.º do CPC que a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, o que deve ser concatenado com o disposto no art. 609.º, n.º 1, do CPC, preceito que, sob a epígrafe “Limites da condenação”, estabelece que “(A) sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.” Trata-se de manifestação do princípio do pedido, decorrência do princípio do dispositivo. Ora, tendo sido julgados procedentes os embargos, pela procedência da exceção perentória da prescrição que foi expressamente invocada na Petição de embargos, não assiste razão à Embargada-Apelante quando sustenta que o Saneador-sentença recorrido condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pretendido pelo Embargante, pelo que não se verifica esta causa de nulidade da decisão recorrida. Quanto às demais causas de nulidade invocadas, importa ter presente o disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, nos termos do qual a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de normativo legal que deve ser conjugado com o disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. De salientar que o conceito de “questões” que o juiz deve resolver na sentença, a que aludem os citados preceitos, se relaciona com a definição do âmbito do caso julgado, não abrangendo os meros raciocínios, argumentos, razões ou considerações que sejam produzidos pelas partes em defesa das suas pretensões. Neste sentido, a título de exemplo, destacamos (disponíveis para consulta em www.dgsi.pt) o acórdão do STJ de 10-01-2012, proferido no proc. n.º 515/07.0TBAGD.C1.S1, e o acórdão do STJ de 10-12-2020, proferido no proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, de que citamos o sumário deste último: “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes”. A este respeito, na doutrina, lembramos os ensinamentos de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, págs. 735-737: “(…) Os casos das alíneas b) a e) do n.º 1 (excetuada a ininteligibilidade da parte decisória da sentença: ver o n.º 2 desta anotação) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade. Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum). (…) Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (ver o n.º 2 da anotação ao art. 608). Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2), é nula a sentença em que o faça.” E na anotação ao art. 608.º, págs. 712-713, clarificam que na sentença o juiz deverá responder aos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerar, a menos que a apreciação de um esteja prejudicada; o mesmo fará relativamente às várias causas de pedir invocadas, bem como quanto às exceções perentórias que tenham sido deduzidas pelo réu ou pelo autor reconvindo (sem prejuízo da possível inutilidade), acrescentando que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.” É fora de dúvida, ante o disposto no art. 303.º do CC, sob a epígrafe “Invocação da prescrição”, que a exceção de prescrição em apreço não é de conhecimento oficioso. Efetivamente, está previsto que “(O) tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.” Porém, esta norma deve ser conjugada com o disposto no art. 5.º, n.º 3, do CPC, nos termos do qual, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Logo, tendo sido invocada na Petição de embargos, não apenas a prescrição da livrança enquanto título de crédito, mas também do próprio direito de crédito que a Exequente-Embargada veio exercitar [posto que a livrança foi dada à execução como quirógrafo, com a alegação, no requerimento executivo, dos factos constitutivos da relação subjacente – cf. art. 703.º, n.º 1, al. d), do CPC], entendemos que não estava vedado ao Tribunal a quo, no Saneador-sentença, ao conhecer da questão da prescrição, convocar norma jurídica distinta da indicada pelas partes quanto ao prazo prescricional; ao considerar tal preceito aplicável ao caso, citando jurisprudência nesse sentido, o Tribunal limitou-se a fazer a qualificação jurídica que considerou ser mais adequada ao caso, o que é consentido pelo n.º 3 do art. 5.º do CPC. Portanto, também esta outra causa de nulidade da decisão recorrida não se verifica. Resta saber se o saneador-sentença é nulo por ter omitido pronúncia a respeito da interrupção da prescrição. Embora o Tribunal tenha considerado desnecessário “apreciar o demais alegado”, parece-nos que nessa referência genérica não pretendeu incluir a subquestão da interrupção da prescrição, mas apenas referir que ficava prejudicado o conhecimento das demais questões/exceções previamente enunciadas no relatório do saneador-sentença, em que se começa por referir, precisamente, ter sido alegado na oposição à execução, em síntese, a seguinte defesa: “-Exceção da perentória da prescrição; -Do Persi; - Da insuficiência do título executivo; -Da eficácia da cessão de créditos; -Do abuso de direito; -Do preenchimento abusivo da livrança; -Das cláusulas contratuais gerais.” Como melhor se verá adiante, a matéria da interrupção da prescrição não pode ser perspetivada como um simples argumento ou razão da defesa, antes configurando uma verdadeira “contra exceção” que não podia deixar de ter sido apreciada aquando da decisão sobre a (im)procedência da exceção da prescrição. Se porventura o Tribunal a quo considerava que não dispunha de elementos para apreciar tal subquestão, deveria, pura e simplesmente, ter relegado para final o conhecimento da exceção da prescrição [cf. art. 595.º, n.ºs 1, al. b), e 4, do CPC]. Assim, há que reconhecer que, nesta parte, a decisão recorrida é nula, impondo-se, ao abrigo do disposto no art. 665.º do CPC, conhecer da aludida causa de interrupção da prescrição, o que se fará ao apreciarmos do invocado erro de julgamento quanto à decisão de procedência da exceção de prescrição. Pelo exposto, julga-se verificada a nulidade do Saneador-sentença por não ter conhecido da interrupção da prescrição invocada pela Embargada, improcedendo as conclusões da alegação de recurso quanto às demais nulidades invocadas. Da prescrição No Saneador-Sentença, foi julgada procedente a exceção de prescrição da obrigação exequenda. A Apelante pugna pela improcedência dessa exceção, objetando, em síntese, que: está em causa um contrato de crédito ao consumo cujo incumprimento ocasionou o vencimento antecipado de todas as prestações, pelo que o prazo prescricional é de 20 anos; a contagem desse prazo apenas se pode iniciar a 29-12-2022 ou, quanto muito, em 21-10-2003; além de errada, é inconstitucional uma interpretação normativa que julgue verificada a prescrição; na contagem do prazo, há que “descontar” o tempo das duas suspensões do prazo prescricional previstas na legislação Covid-19, bem como a circunstância de ter ocorrido a interrupção do prazo prescricional decorrente da citação do Executado em anterior ação finda em 2013 (não vindo questionado nas conclusões da alegação de recurso a possibilidade de serem devidos juros de mora relativamente a um capital que deixou de ser judicialmente exigível por efeito da procedente invocação da prescrição). Vejamos. Como vimos, a prescrição foi invocada pelo Executado, peticionando a sua absolvição do pedido e a extinção da execução. Preceituando o art. 304.º, n.º 1, do CC, que “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”, estamos, sem dúvida, perante defesa por exceção perentória (cf. art. 576.º, n.º 3, do CPC), importando averiguar, em ordem a decidir se a mesma devia ter sido julgada improcedente, qual o prazo prescricional aplicável ao caso, quando se iniciou tal prazo e da verificação das causas suspensivas e interruptivas da prescrição invocadas pela Exequente-Embargada. Em primeiro lugar, no tocante ao prazo de prescrição, parece-nos inaceitável a tese da Apelante ao pugnar pela aplicação do prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto no art. 309.º do CC, antes acompanhamos a posição adotada pelo Tribunal a quo, no sentido da aplicabilidade do disposto no art. 310.º, alíneas d) e e), do CC, nos termos do qual “Prescrevem no prazo de cinco anos: (…) d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades; e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”. A Apelante não questiona que estamos perante um contrato de crédito ao consumo celebrado em 25-02-2002, cujo incumprimento (em sentido lato) determinou o vencimento antecipado de todas as prestações. A circunstância de, na sequência desse incumprimento contratual, a então mutuante, ao invés de ter comunicado o vencimento antecipado e exigido o cumprimento do contrato, ter comunicado a resolução (a que impropriamente se referiu como denúncia) do contrato, em nada abala o nosso entendimento, parecendo-nos evidente que pode igualmente ser transposta para o caso (embora não como obrigatória) a jurisprudência firmada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 6/2022, de 30-06: «I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.» Quanto ao início da contagem desse prazo, rege o disposto no art. 306.º, n.º 1, do CC, nos termos do qual “(O) prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.” Portanto, é a partir do momento em que a obrigação se torna exigível que se começa a contar o prazo da respetiva prescrição. Nesta linha de pensamento, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 27-10-2022 (disponível em www.dgsi.pt), proferido no proc. n.º 4200/21.1T8ALM-A.L1-2, relatado pelo ora 2.º Desembargador-Adjunto e em que a ora Relatora teve intervenção como 2.ª Adjunta, conforme se alcança da seguinte passagem do respetivo sumário: “II – O prazo de 5 anos do art. 310/-e do CC conta-se desde o dia em que o credor podia, com base no incumprimento, interpelar os credores para o vencimento antecipado da dívida ou resolver o contrato (artigo 306/1 do CC) e não da data, 7 ou mais anos depois, em que ele resolve exigir o cumprimento das prestações em dívida, nem da data em que as prestações se venceriam de acordo com o respectivo plano de pagamento; há um entendimento contrário a este, no sentido de que isto não é assim quando não tenha havido um vencimento antecipado das prestações; no caso dos autos, qualquer destes entendimentos leva à improcedência do recurso.” Como se explica nesse acórdão, a ratio da norma é prevenir a potencial ruína do devedor, evitando que o credor demore vários anos, mais do que os 5 anos previstos na lei, a exigir judicialmente a totalidade da dívida, acrescida de juros de mora. Portanto, a solução do referido AUJ, sendo diretamente aplicável, como jurisprudência obrigatória, à situação do credor que após o incumprimento invoca logo a perda do benefício do prazo mas só muitos anos depois vem exigir judicialmente o pagamento da dívida, vale para situações idênticas, em que o credor logo comunica a resolução do contrato, mas tarda a exigir judicialmente o pagamento devido, bem como para a situação apreciada no citado acórdão da Relação de Lisboa, em que o credor, embora podendo invocar logo a perda do benefício do prazo ou resolver o contrato, não o faz (de modo a não perder os juros remuneratórios conforme resultaria da aplicação do AUJ n.º 7/2009) e só muitos anos depois vem exigir judicialmente o pagamento da dívida. Assim, iniciando-se o prazo prescricional na data em que o credor podia, com base no incumprimento, interpelar os devedores mutuários para o vencimento antecipado da dívida ou resolver o contrato, parece-nos que se impõe, no caso dos autos, considerar o dia 20-12-2002, por ter sido essa a data em que foi comunicada ao Executado a resolução do contrato e em que a livrança foi preenchida (não dispomos de elementos para afirmar que seria em momento anterior, pese embora na carta se refira que já estavam então em dívida 7 prestações; com efeito, importaria analisar o próprio teor do contrato, incluindo as cláusulas contratuais gerais do mesmo constantes, cuja invalidade foi invocada, questão cujo conhecimento ficou prejudicado). Portanto, a este propósito, concluímos que não assiste razão à Apelante. No entanto, foi também alegada pela Exequente-Embargada, na Contestação dos embargos, factualidade que, segundo defende, tem carácter suspensivo e interruptivo da contagem do prazo prescricional, matéria que tinha o ónus de provar. Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Évora de 29-04-2021, no proc. n.º 2127/19.6T8SLV-A.E1 (disponível em www.dgsi.pt), como se alcança do respetivo sumário: “II. A interrupção da prescrição decorrente da ocorrência de um dos factos interruptivos previstos nos artigos 323.º, 324.º e 325.º do mesmo diploma legal, configura-se como uma contra excepção, devendo participar da mesma natureza e disciplina. III. À semelhança do que ocorre com a prescrição, caberá à parte interessada fazer valer a interrupção da prescrição, mediante a oportuna alegação dos factos essenciais que a consubstanciam.”; - o acórdão do STJ de 04-03-2010, proferido na Revista n.º 1472/04.0TVPRT-C.S1 - 2.ª Secção, de que citamos a seguinte passagem do respetivo sumário (disponível em www.stj.pt): “III - Em certas circunstâncias a prescrição pode ser interrompida (arts. 323.º a 327.º do CC), sendo certo que, em consequência da interrupção, o tempo decorrido fica inutilizado, começando, em princípio, o prazo integral a correr de novo a partir do acto interruptivo (art. 326.º). IV - A interrupção é determinada por actos que tanto podem resultar de uma iniciativa do titular do direito (credor), a qual terá lugar sempre que se dê conhecimento ao devedor, através de citação, notificação judicial ou outro meio judicial da intenção de se exercitar o direito (art. 323.º), como por actos do beneficiário da prescrição, ou seja do devedor (art. 325.º). (…) VI - A interrupção da prescrição constitui um facto impeditivo da paralisação do exercício do direito, pelo que a respectiva alegação e prova incumbirá ao credor.” - o acórdão do STJ de 03-11-2011, proferido na Revista n.º 394/04.9TBTCS.C1.S1 - 7.ª Secção (sumário disponível em www.stj.pt): “Constituindo a interrupção da prescrição um facto impeditivo da paralisação do exercício do direito, incumbe ao credor a alegação e prova dos factos atinentes à interrupção da prescrição.” - e o acórdão do STJ de 15-12-2015, na Revista n.º 619/06.6TCFUN.L1.S1 - 1.ª Secção (sumário disponível em www.stj.pt): “I - A interrupção da prescrição deve ser provada por quem a alega.” Sucede que essa matéria de facto não foi sequer aflorada na decisão recorrida, sendo certo que a Exequente não juntou, conforme tinha protestado fazer, a certidão da primeira ação executiva (processo n.º …/…). Não obstante isso, parece-nos possível prosseguir a apreciação da questão, uma vez que, desde já o adiantamos, mesmo que viesse a quedar documentalmente provada toda a alegação de facto que foi feita na Contestação (em parte já demonstrada pelo Doc. 8 junto com esse articulado), nem assim poderia ser atendida a pretensão da Apelante, quanto à improcedência da exceção. Vejamos porquê. Está em causa a aplicação do disposto no art. 323.º, n.ºs 1 e 2, do CC, nos termos do qual: “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.” Ora, no pressuposto de que a credora, então D …, S.A., intentou, em 17-06-2003, contra o ora Executado, com base na referida livrança no valor de 8.959,71 €, uma execução para pagamento dessa quantia e juros vencidos e vincendos, tendo aí sido efetuada a citação do Executado mediante carta registada com a/r rececionada em 21-10-2003 (com ulterior advertência ao Executado nos termos do art. 241.º do CPC então em vigor), impõe-se concluir que operou o efeito interruptivo da prescrição por força do disposto no art. 323.º, n.ºs 1 e 2, do CC, pelo menos em 21-10-2003. Aliás, em bom rigor, até nos parece, que se deveria considerar interrompida a contagem do prazo prescricional decorridos 5 dias após a instauração dessa primeira ação executiva. A Apelante sustenta que essa interrupção se verificou em 12-11-2003, atendendo à data da carta expedida nos termos do art. 241.º do CPC então em vigor e considera que seria aplicável o disposto no art. 326.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC. Preceitua o art. 326.º, n.º 1, do CC, que “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.” Portanto, esse artigo ressalva na sua parte final o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte. Atentemos, pois, no que dispõem os n.ºs 1 e 2 do art. 327.º do CC, sob a epígrafe “Duração da interrupção”: “1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo. 2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.” Ou seja, só se a extinção do processo se devesse a uma das causas apontadas no n.º 2 é que começaria a correr logo novo prazo (de 5 anos) após o aludido ato interruptivo partir do aludido ato interruptivo. Não estando demonstrado ser esse o caso, podemos admitir que se manteve a interrupção durante os anos em que tal processo esteve pendente, o que significa que a Exequente, em face do que alegou como “contra exceção” à exceção de prescrição invocada pelo Executado, beneficiaria da interrupção da prescrição pelo menos até 31-12-2013. Definitivamente extinto o primeiro processo executivo, começou a correr um novo prazo de prescrição de 5 anos. Porém, mesmo nessa eventualidade (hipotética, em que está a ser considerada uma versão dos factos mais favorável à Apelante), é fácil concluir que o prazo prescricional seguramente teria findado no fim de 2018, muito antes do início da vigência de qualquer legislação que, por virtude da epidemia de COVID-19, estabeleceu a suspensão da contagem de prazos de prescrição (cf. Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e sucessivos diplomas atinentes a medidas excecionais e temporárias de resposta àquela situação epidemiológica) e, obviamente, muito antes da instauração da nova ação executiva, em 29-12-2022. Daí a procedência da exceção da prescrição, não podendo ser atendida a restante defesa da Apelante, designadamente quando se procura prevalecer, invocando a propositura da execução principal e o facto de o Executado só ter sido citado em 22 de fevereiro de 2023, da aplicação do disposto no art. 323.º do CC (com nova interrupção da prescrição). Na verdade, a prescrição já se tinha verificado anos antes de ter sido instaurada a execução de que os presentes embargos são apenso, não se podendo interromper um prazo prescricional que já se completou. Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Évora de 18-12-2023, proferido no proc. n.º 29/22.8T8FAL-A.E1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do respetivo sumário: “I – A interrupção da prescrição em data anterior à realização da citação ou notificação, por força do benefício previsto no n.º 2 do artigo 323.º do CC, só operará se a citação ou notificação tiver sido requerida pelo menos cinco dias antes do termo do prazo de prescrição e não tiver sido efetuada por causa não imputável ao requerente; II – Se o prazo de prescrição terminar antes do decurso dos cinco dias a que alude o n.º 2 do referido preceito, a prescrição opera, o que inviabiliza a interrupção do prazo prevista naquela norma”. A interpretação normativa ora propugnada não viola, em nosso entender, quaisquer normas legais, princípios constitucionais, mormente os invocados pela Apelante, muito menos representa “uma clara desprotecção do credor que nem sequer vê o valor do capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento” (cf. conclusão M). Aliás, por uma questão de rigor, não podemos deixar de lembrar que a Exequente não é um credor mutuante, mas uma cessionária, que adquiriu o direito de crédito em apreço (já prescrito) num negócio de cessão de créditos, seguramente bem ciente do risco envolvido. A este respeito, veja-se Gil Valente Maia, “Cessão de créditos e os efeitos da citação para a acção judicial em curso: uma análise jurisprudencial”, JULGAR Online, dezembro de 2021, pág. 4: “Hodiernamente, a cessão de créditos é um instituto de inquestionável importância económica, constituindo um meio simplificado de obtenção de financiamento, possibilitando, designadamente, a transferência da gestão do crédito e do risco de incobrabilidade para a esfera do cessionário.” Lembrando, na nota de rodapé 6, que «Exemplo notório desta transferência do risco, possibilitada pela cessão de créditos, são os NPL (nonperforming loans), a partir dos quais uma instituição de crédito ou sociedade financeira transmite para um terceiro, normalmente uma sociedade de gestão de activos, um conjunto de créditos “nãoprodutivos” (NPL), mediante um determinado preço. Através de tal transferência, transmite-se igualmente o risco de cobrabilidade, assumindo a sociedade de gestão de activos o risco de cobrar créditos que se encontram em incumprimento.» De qualquer modo, independentemente da forma como o direito se constituiu na esfera jurídica do credor, não deixará de operar a prescrição, parecendo-nos importante lembrar, em jeito de conclusão, a seguinte passagem do sumário do referido acórdão do STJ de 04-03-2010: “I - O fundamento último da prescrição situa-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado. II - Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar liberto de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito. Em suma, segundo resulta do alegado pela própria Exequente, a interrupção duradoura da prescrição cessou a partir do momento em que findou, no ano 2013, a primeira ação executiva em que a então credora exigiu do mutuário (ora Executado) o pagamento da totalidade da quantia mutuada e outras quantias; “após mais anos de insistência na liquidação [quase se completando, pelo menos, 9 anos, mais do que os 5 anos do prazo prescricional previsto na lei] teve de impulsionar nova execução”, intentando, como última cessionária do crédito, a ação executiva de que os presentes embargos constituem apenso, peticionando o pagamento coercivo dessa mesma importância (acrescida de mais juros); quando o fez, já se tinha completado, pelo menos a 31-12-2018, o (novo) prazo prescricional de 5 anos, que, por isso, não chegou a ficar suspenso por virtude da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e sucessivos diplomas atinentes a medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. Assim, inexistindo outras questões jurídicas de que cumpra conhecer, impõe-se concluir que improcedem as conclusões da alegação de recurso em apreço, o qual não merece provimento. Vencida a Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC). *** III - DECISÃO Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida. Mais se decide condenar a Apelante no pagamento das custas do recurso. D.N. Lisboa, 11-07-2024 Laurinda Gemas Rute Sobral Pedro Martins |