Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA REIS SILVA | ||
Descritores: | LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE ACTIVO SUPERVENIENTE INSOLVÊNCIA SENTENÇA DE GRADUÇÃO DE CRÉDITOS TÍTULO EXECUTIVO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | 1–A simples alegação da existência de ativo supervenientemente conhecido não permite seja intentada execução contra a generalidade dos sócios, nos termos do disposto no art. 163º do CSC, quando se mostra apurado que nenhum dos sócios recebeu qualquer bem, direito ou quantia em partilha, dado que a liquidação da sociedade ocorreu em processo de insolvência encerrado por rateio final, sem que tenham sido apurado produto suficiente para a satisfação de todos os credores. 2–Encerrado o processo de insolvência por realização do rateio final, sendo o devedor insolvente uma sociedade comercial, extingue-se nos termos do disposto no art. 234º nº3 do CIRE, o que significa que, não se extinguindo os créditos não satisfeitos, eles já não poderão ser exigidos ao devedor insolvente. 3–Os créditos apenas poderão ser exigidos a terceiros no cumprimento das regras aplicáveis, designadamente, e quanto aos sócios de sociedades comerciais de responsabilidade limitada, as regras da limitação de responsabilidade, como é o caso do art. 163º nº1 do CSC. 4–A sentença de verificação e graduação de créditos é título executivo, mas não se pode, com base na mesma, intentar ação executiva contra quem figura no título (a insolvente) por se ter extinto e, para poder intentar execução contra pessoas diversas de quem figura no título (a generalidade dos sócios representados pelo liquidatário), tem que ser possível demonstrar que os sócios receberam bens ou direitos da sociedade em partilha, cenário, à partida, arredado em processo de insolvência encerrado por rateio final em que o produto da liquidação não foi suficiente para pagar aos credores verificados e graduados. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa 1.–Relatório LMM, Lda, foi declarada insolvente por sentença de 23/05/2012, transitada em julgado. Realizou-se assembleia de apreciação do relatório, tendo sido determinado o prosseguimento para liquidação. Foram realizadas diligências de cobrança dos créditos da insolvente, tendo sido apuradas receitas de € 17.146,63. Foram reclamados créditos, tendo sido proferida em 25/10/2020, sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, tendo sido, entre outros, julgado verificado a CMP, um crédito privilegiado (crédito laboral) no montante de 104.651,39 €, do qual se encontra sub-rogado ao Fundo de Garantia Salarial o montante de 8.730,00 €, o qual foi graduado, rateadamente com os demais créditos nas mesmas circunstâncias, em 1º lugar no tocante aos bens que compõem a massa insolvente. Foi elaborado mapa de rateio, tendo cabido à credora CMP o montante de € 1.083,73. Em 26/09/2022 foi proferida sentença de encerramento do processo, após o rateio final, nos termos do disposto no art. 230º nº1, al. a) do CIRE, transitada em julgado. Em 09/12/2023 CMP veio intentar execução de sentença nos próprios autos de insolvência de LMM, Lda, contra a generalidade dos sócios da extinta sociedade, generalidade essa representada por GPR, residente na Rua … Lisboa. Alegou, em síntese, ter–lhe sido verificado um crédito sobre a insolvente por sentença de verificação e graduação de créditos transitada em julgado, a qual constitui título executivo. Só recebeu até à data do Fundo de Garantia Salarial e em rateio, estando em dívida o montante de capital de € 94.387,66. O processo de insolvência foi encerrado após realização do rateio final o que implica a extinção da sociedade insolvente. Tal extinção não implica a extinção do crédito da requerente cuja cobrança pode vir a ser efetuada em relação a ativo superveniente nos termos dos arts. 162º a 164º do CSC, correndo contra a generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário, cargo atribuído ao gerente da sociedade. Indicou à penhora os créditos por prestação de serviços efetuados pela sociedade insolvente até ao mês de maio de 2011, inclusive à Empresa …, Lda, por esta não pagos até à presente data. A Sra. Agente de Execução nomeada nos autos suscitou a intervenção do juiz, nos termos dos arts. 626.º, n.º 2, 855.º, n.º 2, al. b) e 723.º, n.º 1 al. d), todos do CPC, por ter dúvidas quanto à legitimidade passiva de GPR, último gerente conhecido da Sociedade LMM, Lda, com o NIF …., extinta por força do art. 234.º, n.º 3 do CIRE, como representante da generalidade dos sócios na execução movida contra estes, ao abrigo do disposto no art. 162.º do CSC. Por despacho judicial de 18/01/2024 foi ordenada a notificação da exequente do expediente da Sra. AE para, querendo, se pronunciar quanto ao alegado bem como sobre uma eventual falta de título executivo nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 726.º do CPC, considerando o encerramento do processo de insolvência da Devedora por rateio final nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE. A exequente pronunciou-se expondo que a extinção da sociedade não extingue o seu crédito cuja cobrança ainda pode ser efetuada nos termos dos arts. 162º e 164º do CSC sendo parte passivo o coletivo dos sócios representados pelo liquidatário, cargo atribuído à administração, sendo aquele o último gerente conhecido. O nº1 al. c) do art. 233º permite que os credores exerçam os seus direitos contra o devedor após o encerramento sem distinguir a causa de encerramento. A sentença de graduação de créditos é título executivo e é competente o juízo de comércio, mesmo que o processo onde foi proferida a sentença que se executa tenha sido encerrado. Pediu a prossecução da execução. Por despacho de 07/02/2024 foi o requerimento executivo liminarmente indeferido por impossibilidade originária da lide. Inconformada apelou a exequente, pedindo seja revogado o despacho recorrido e determinada a efetiva prossecução da execução, apresentando as seguintes conclusões: “1º–O douto Despacho recorrido assenta desde logo num manifesto equívoco, porquanto não está – de todo – em causa uma execução contra os próprios sócios da sociedade extinta, em função de bens que tenham recebido na respetiva liquidação: bem diversamente, a apresentação da execução em causa tem como pressuposto, expresso, a subsistência de ativos da extinta sociedade insolvente, os quais não foram objecto de liquidação no respectivo processo de insolvência. 2º–Tais activos foram, aliás, desde logo nomeados à penhora, no próprio requerimento executivo – concretamente determinados créditos, devidos à extinta sociedade insolvente, os quais não foram, até ao momento, pagos. 3º–O douto Despacho ora recorrido impede a cobrança do crédito exequendo por via da penhora de créditos da extinta sociedade que não foram cobrados, solução que não é justa, nem conforme ao direito – desde logo considerando o princípio geral da continuidade das relações jurídicas e o do cumprimento dos contratos (pacta sunt servanda). 4º–Ao arrepio do decidido pelo douto Despacho ora recorrido, a Exequente fundamentou-se e invocou (cfr. respectivo req. de 01/02/2024) um entendimento e jurisprudência que justamente integram soluções em conformidade com tais princípios. 5º–Em primeiro lugar, a extinção da Insolvente nos termos do art. 234º, nº. 3, do CIRE, não implicou a extinção do crédito da Exequente – reclamado, reconhecido, graduado e que não foi integralmente pago: não só inexiste qualquer norma ou princípio que determine a extinção do dito crédito remanescente em dívida, como o contrário resulta dos indicados princípios gerais e encontra acolhimento no disposto nos arts. 162º a 164º do Cód. das Soc. Comerciais – cfr. douto Ac. do TRL de 27/01/2022, proferido no proc. 12382/17.0T8LSB.L1-2, e douto Ac. do TRL de 08/11/2012, proferido no proc. 25009/10.2T2SNT.L1-8. 6º– Em segundo lugar, em conformidade com esses normativos, a legitimidade passiva quanto à cobrança do crédito exequendo, passou a resultar, in casu, extinta a Insolvente, à generalidade dos respectivos sócios, representada pelo identificado GPR. 7º–Com efeito, a Lei atribuiu legitimidade passiva e activa à dita «"generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário", reconhecendo assim a personalidade judiciária deste "colectivo dos sócios"» (cfr. Ac. do TRL de 11/02/2021, proferido no proc. 2538/15.6T8PDL-B.L1-2 e Ac. do TRL de 27/01/2022, proferido no proc. 12382/17.0T8LSB.L1-2). 8º–Ora, a função de liquidatário está atribuída aos membros da administração (cfr. 151º do referido Código); e, conforme resulta da Sentença de 23/05/2012, que declarou a insolvência da sociedade LMM, Lda., rectificada por Despacho de 28/05/2012, foi fixada a residência ao único gerente da dita sociedade, GPR, na Rua … Lisboa. 9º–Em terceiro lugar, a sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, constitui título executivo, dentro e fora do processo de insolvência, e mesmo após o respectivo encerramento (cfr. al. c) do nº. 1 do art. 233.º do CIRE; cfr. douto Ac. do TRE de 15/09/2022, proferido no proc. 1129/10.2TBSSB-B.E1 e douto Ac do TRP, de 23/02/2023, proferido no processo nº. 10540/22.5T8PRT.P1). 10º–Em suma, a Sentença dada à execução constitui efectivamente título executivo, as partes são legítimas, o processo é o próprio e o Tribunal a quo o competente (cfr. douto Ac. do TRP de 21/03/2022, proferido no proc. 3630/21.3T8VLG.PI). 11º–Deve ser, como tal, revogado o douto Despacho recorrido e determinada a efectiva prossecução da execução.” O recurso foi admitido por despacho de 12/03/2024 (ref.ª 433590524). Foram colhidos os vistos. Cumpre apreciar. * 2.–Objeto do recurso Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso[1]. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma. Consideradas as conclusões acima transcritas, a única questão a apreciar é se deve ser mantido o despacho de indeferimento liminar, o que passará pela análise de se a exequente dispõe de título executivo bastante para a execução intentada. * 3.– Fundamentos de facto: Os factos relevantes para a decisão do recurso são os constantes do relatório. * 4.–Fundamentos do recurso Após encerrado, nos termos do art. 230º nº1, al. a) do CIRE, o processo de insolvência da sociedade comercial por quotas LMM, Lda, veio uma das credoras, cujo crédito foi verificado e graduado por sentença de verificação e graduação de créditos transitada em jugado, intentar execução contra a generalidade dos sócios da insolvente, representados pelo liquidatário, que indicou ser o gerente cuja residência foi fixada na sentença declaratória de insolvência, e indicando como fundamento legal o disposto nos arts. 162º a 164º do CSC. O tribunal a quo indeferiu liminarmente a execução, com os seguintes fundamentos: “Dispõe o n.º 2 do artigo 726.º do Código de Processo Civil que o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a)- Seja manifesta a falta ou insuficiência do título; b)- Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso; c)- Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda de conhecimento oficioso; d)-Tratando-se de execução baseada em decisão arbitral, o litígio não pudesse ser cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente, a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito controvertido não ter caráter patrimonial e não poder ser objeto de transação. Apreciando. Salvo melhor entendimento os autos não reúnem condições para prosseguir. Com efeito e como bem refere a Exequente a sociedade comercial LMM, Lda. mostra-se extinta, na sequência do encerramento após rateio final do processo de insolvência de que a mesma foi objeto. É, aliás, o que resulta do n.º 3 do artigo 234.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Tal significa que, na sequência da declaração de insolvência da devedora LMM, Lda., os autos prosseguiram para liquidação do ativo desta, sendo que após procedeu-se ao rateio do produto da liquidação e aos respetivos pagamentos aos credores da insolvência, com respeito à sentença de verificação e graduação de créditos. Em síntese, foi apreendido e vendido todo o património da devedora, cujo produto foi repartido pelos seus credores graduados, em sede de rateio. Ora, a Exequente alega que o seu crédito não se extinguiu com a extinção da sua devedora, sendo que nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência. No caso, a Exequente não se encontra a fazer valer os seus direitos – os decorrentes do seu crédito que, apesar de verificado e graduado, não obteve integral pagamento – contra a Devedora, que se mostra extinta, mas contra a generalidade dos seus sócios, ao abrigo do disposto nos artigos 162.º a 164.º do Código das Sociedades Comerciais. O artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais não tem aqui qualquer aplicação, na medida em que a presente execução não se mostrava pendente à data da extinção da Devedora. Por sua vez, dispõe o n.º 1 do artigo 163.º do Código das Sociedades Comerciais que encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada. No caso, a sociedade foi extinta na sequência do encerramento de um processo de insolvência após realização do rateio final, sem que para tanto os credores graduados em primeiro lugar – trabalhadores e Fundo de Garantia Salarial – tenham obtido integral pagamento. Se os credores privilegiados não receberam a integralidade dos créditos que lhes eram devidos, na sequência da liquidação da integralidade do ativo da devedora parece-nos claro e evidente que os sócios (credores subordinados, por natureza) nada receberam da sociedade em questão, pelo que nada têm a responder pelo seu passivo. É a regra da responsabilidade limitada das sociedades comerciais por quotas. Note-se, aliás, que a Exequente não alegou, tampouco demonstrou – como seria seu ónus[2] – que a generalidade dos sócios da sociedade comercial extinta tivesse bens ou direitos que houvessem sido partilhados pelos sócios. A falta dessa alegação resulta, apenas, do facto de que tal não aconteceu manifestamente, porquanto o património da devedora, entretanto extinta, foi integralmente excutido no processo de insolvência, inexistindo fundamento legal para demandar os sócios daquela, com fundamento na sentença de verificação e graduação de créditos que serve de base a esta execução. Assim sendo, sem necessidade de considerações de maior, parece-nos claro que o presente requerimento executivo deve ser liminarmente indeferido, por impossibilidade originária da lide, o que se decide. Custas pela Exequente. Notifique, bem como comunique à Senhora Agente de Execução. A apelante recorre, esgrimindo essencialmente os seguintes argumentos: - não está em causa uma execução contra os próprios sócios da sociedade extinta em função de bens que tenham recebido na respetiva liquidação, antes se trata de uma execução que tem como pressuposto a subsistência de ativos da insolvente não liquidados no processo de insolvência; o despacho recorrido impede a cobrança de um crédito, que não se extinguiu, por via da penhora de créditos da extinta sociedade o que não se afigura justo ou conforme ao direito; - a extinção da insolvente, nos termos do art. 234º nº3 do CIRE não implicou a extinção do crédito não pago da exequente, tal como se decidiu no Ac. TRL de 27/01/2022 (Carlos Castelo Branco – 12382/17). Não só não existe nenhuma regra ou princípio que o determine como resulta dos princípios gerais de direito e do disposto nos arts. 162º a 164º do CSC, citando o Ac. TRL de 08/11/2012 (Teresa Prazeres Pais – 25009/10); - de acordo com os arts. 162º a 164º do CSC, a legitimidade passiva quanto à cobrança do crédito exequendo passou para a generalidade dos sócios, representados por GPR, não se tratando do renascer da pessoa coletiva mas sim da personalidade judiciária da generalidade dos sócios representados pelo liquidatário – citando os Acs. TRL de 27/01/2022 e de 11/02/2021 (Laurinda Gemas – 2538/15); a função de liquidatário está atribuída aos membros da administração (151º do CSC) sendo o referido GPR o único gerente da sociedade insolvente; - a sentença de verificação e graduação de créditos constitui título executivo, dentro e fora do processo de insolvência, nos termos do disposto no art. 233º nº1, al. c) do CIRE, sem que a lei distinga qual tenha sido o fundamento do encerramento do processo, não sendo excluídos quando o encerramento se deu após o rateio final, como foi decidido no Ac. TRE de 15/09/2022 (Anabela Luna de Carvalho – 1129/10) e como decidido no Ac. TRP de 23/02/2023 (Filipe Caroço - 10540/22); - o processo é o próprio e o tribunal o competente, como assinalado no Ac. TRP de 21/03/2022 (Carlos Gil – 3630/21). Apreciando: Em delapidação dos argumentos a recurso, há que frisar que, expressamente, o tribunal recorrido fundou a sua decisão na ausência de título executivo contra os executados indicados: a generalidade dos sócios da insolvente e extinta LMM, Lda, representados pelo gerente, indicado como liquidatário. O tribunal não se pronunciou, sequer, sobre a sua competência em razão da matéria, tema que está fora do objeto deste recurso. O tribunal também não baseou a sua decisão numa suposta ausência de título executivo por a sentença de verificação e graduação de créditos não revestir essa qualidade. O que o tribunal decidiu foi que não havia título executivo para prosseguir uma execução contra a generalidade dos sócios da insolvente nos termos em que foi proposta. É nesta perspetiva que analisaremos os vários argumentos apresentados pela recorrente. Começa a recorrente por alegar que o tribunal lavrou num equívoco ao considerar que a execução foi intentada contra os sócios da insolvente, em função de bens que tenham recebido na respetiva liquidação, quando se trata de uma execução que tem como pressuposto a subsistência de ativos da insolvente não liquidados no processo de insolvência. Compulsado o requerimento executivo verificamos que ali foi expressamente indicado que, tendo a insolvente sido extinta “Essa extinção não implica, contudo, a extinção do crédito da Exequente, cuja cobrança ainda pode ser efectuada, em relação a activo superveniente daquela, em conformidade com o disposto nos arts. 162º a 164º do Código das Soc. Comerciais, ou seja, não havendo qualquer "renascer" da devedora pessoa colectiva extinta, mas passando tal cobrança (in casu, por via de execução) a correr contra a generalidade dos sócios, representada pelos liquidatários (v.g., mutatis mutandis, Ac. do TRL de 27/01/2022, proferido no proc. 12382/17.0T8LSB.L1-2, e Ac. do TRL de 11/02/2021, proferido no proc. 2538/15.6T8PDL-B.L1-2).” Ou seja, foi a recorrente que invocou as regras dos arts. 162º a 164º do CSC, havendo que analisar a previsão destes. Estabelecem os preceitos citados: «Artigo 162.º (Acções pendentes) 1-As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.os 2, 4 e 5, e 164.º, n.os 2 e 5. 2-A instância não se suspende nem é necessária habilitação. Artigo 163.º Passivo superveniente 1-Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada. 2-As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles. 3-O antigo sócio que satisfizer alguma dívida, por força do disposto no n.º 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas. 4-Os liquidatários darão conhecimento da acção a todos os antigos sócios, pela forma mais rápida que lhes for possível, e podem exigir destes adequada provisão para encargos judiciais. 5-Os liquidatários não podem escusar-se a funções atribuídas neste artigo, sendo essas funções exercidas, quando tenham falecido, pelos últimos gerentes ou administradores ou, no caso de falecimento destes, pelos sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital da sociedade. Artigo 164.º (Activo superveniente) 1-Verificando-se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie. 2-As acções para cobrança de créditos da sociedade abrangidos pelo disposto no número anterior podem ser propostas pelos liquidatários, que, para o efeito, são considerados representantes legais da generalidade dos sócios; qualquer destes pode, contudo, propor acção limitada ao seu interesse. 3- A sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado para cada um deles e pode ser individualmente executada, na medida dos respectivos interesses. 4- É aplicável o disposto no artigo 163.º, n.º 4. 5- No caso de falecimento dos liquidatários, aplica-se o disposto no artigo 163.º, n.º 5.» Estes três preceitos “ocupam-se de matérias conexas, todas elas derivadas da subsistência de relações jurídicas depois de extinta a sociedade.”[3] Percorrendo as normas em causa verificamos que, em sociedades de responsabilidade limitada, como as sociedades por quotas, apenas preveem a responsabilidade dos sócios pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha – nº1 do art. 163º, sendo esta a regra geral. Os arts. 162º e 163º asseguram ainda a legitimidade da “generalidade dos sócios” representados pelo liquidatário para o prosseguimento das ações em que a sociedade extinta era parte (162º) e para a propositura das ações que visem a satisfação de passivo não satisfeito ou não acautelado (163º). O art. 164º regula a existência de bens ou direitos[4] não partilhados após encerrada a liquidação e extinta a sociedade e prescreve e confere aos liquidatários a tarefa de “propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie.” O nº2 do preceito prevê, diferentemente do disposto no 163º nº2 do CSC, a legitimidade ativa da generalidade dos sócios para a cobrança de créditos da sociedade extinta, representados pelos liquidatários, permitindo-se aos antigos sócios que proponham as ações necessárias individualmente, mas limitadamente ao seu interesse[5]. Esquematicamente, o que a lei prescreve é, assim, o seguinte: havendo ativo superveniente (ou não conhecido antes), partilha-se o mesmo entre os sócios (art. 164º), para que também esses bens ou direitos sejam suscetíveis de responder por eventual passivo superveniente ou não satisfeito (163º), no funcionamento da regra, sem exceções, de que cada sócio responde por esse passivo até ao limite do que recebeu em partilha. Só nestes termos se entende a regra do art. 163º nº1, do CSC, afinal, a que regula o passivo não satisfeito: “A responsabilidade dos antigos sócios é limitada ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada. (…) «Montante que receberam na partilha» apura-se relativamente a cada sócio, i.e., cada sócio é responsável até ao montante recebido na partilha e não por aquilo que os outros sócios também tenham recebido, o que atingiria potencialmente a totalidade do activo partilhado.”[6] Importa frisar aqui que a liquidação da sociedade devedora ocorreu em processo de insolvência. A dissolução e liquidação estão sistematicamente inseridos no Cap. XII da Parte Geral do CSC (Liquidação de sociedades) que se inicia com a regra do art. 146º, também do CSC, no qual se estabelece: «1- Salvo quando a lei disponha de forma diversa, a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, nos termos dos artigos seguintes do presente capítulo, aplicando-se ainda, nos casos de insolvência e nos casos expressamente previstos na lei de liquidação judicial, o disposto nas respectivas leis de processo. 2- A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas. 3- A partir da dissolução, à firma da sociedade deve ser aditada a menção «sociedade em liquidação» ou «em liquidação». 4- O contrato de sociedade pode estipular que a liquidação seja feita por via administrativa, podendo igualmente os sócios deliberar nesse sentido com a maioria que seja exigida para a alteração do contrato. 5- O contrato de sociedade e as deliberações dos sócios podem regulamentar a liquidação em tudo quanto não estiver disposto nos artigos seguintes. 6- Nos casos em que tenha ocorrido dissolução administrativa promovida por via oficiosa, a liquidação é igualmente promovida oficiosamente pelo serviço de registo competente.» Logo no nº1 se estabelece que, em caso de insolvência, uma das causas de dissolução da sociedade nos termos do disposto no art. 141º, nº1, al. c) do CSC, se aplica à liquidação, não o regime dos artigos seguintes mas o disposto na respetiva lei de processo, no caso o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE). O processo de insolvência tem como finalidade a satisfação dos credores, ou através da recuperação de empresa compreendida na massa insolvente, ou através da liquidação do património do devedor insolvente e da repartição do respetivo produto pelos credores – art. 1º, nº1 do CIRE. Para o efeito prevê-se que, decretada a insolvência, se apreendam todos os bens do devedor, que constituirão a massa insolvente, um património autónomo afeto à satisfação dos credores (arts. 149º e ss. e 46º do CIRE), sendo nomeado um administrador da insolvência, encarregue de uma miríade de tarefas, entre as quais avulta, após decidida a liquidação pelos credores[7], a alienação dos bens que constituem a massa insolvente (art. 55º nº1, al. a) do CIRE) com vista ao pagamento aos credores. Tais credores reclamam os seus créditos – no que é um ónus seu, caso pretendam obter pagamento no processo pelo produto da venda do património do devedor – e os créditos são verificados e graduados, determinando-se o montante e ordem de pagamento dos mesmos – arts. 90º e 128º e ss. do CIRE. A final, o administrador da insolvência presta contas (arts. 62º e ss. do CIRE) e, efetuado o rateio são efetuados os pagamentos, saindo precípuas as dívidas da massa e sendo pagos os credores pela ordem da respetiva graduação (arts. 172º e ss. do CIRE). O processo é encerrado nos termos dos arts. 230º e ss., avultando que, sendo o insolvente uma sociedade comercial e sendo a causa de encerramento a realização de rateio final, «a sociedade se considera extinta.» - 234º nº3 do CIRE. Este sintético percurso permite compreender que o regime legal aplicável afasta, em regra, a aplicabilidade das regras dos arts. 147º a 161º do CSC à liquidação das sociedades declaradas insolventes e implica que todos os preceitos, incluindo os arts. 162º a 164º do CSC têm que ser lidos à luz do regime aplicável. Assim, o art. 162º do CSC será aplicável, mas com um âmbito de aplicação diminuído, dado que o regime do CIRE, sendo uma execução universal, congrega todas as ações de conteúdo patrimonial na insolvência e aí as tramita e decide – cfr. arts. 85º e ss. do CIRE. As ações executivas contra a sociedade, por exemplo, extinguem-se com o encerramento do processo de insolvência – art. 88º nº3 do CIRE e as ações declarativas cujo resultado possa influenciar a massa são decididas. As ações destinadas a fazer valer créditos contra a sociedade insolvente extinguem-se, por inutilidade superveniente da lide – cfr. AUJ nº 1/2014 de 25 de fevereiro[8]. O campo de aplicação do art. 163º do CSC, o que aqui verdadeiramente nos interessa, dado que a exequente pretende fazer valer o seu direito a passivo não satisfeito no processo de insolvência, sofre também limitações de aplicação, mas por outra ordem de razões, explicitadas no despacho sob recurso. Na verdade, sendo o processo de insolvência encerrado após a realização do rateio final, isso significa que se vendeu todo o ativo (a massa insolvente) e com o seu produto se pagou o passivo na respetiva medida. Sendo a situação de insolvência, por definição, a incapacidade de cumprimento das obrigações vencidas (art. 3º do CIRE) na esmagadora maioria dos processos o produto da liquidação não é suficiente para o pagamento de todos os créditos (e por isso é necessária a realização de operações de rateio). Assim, as situações em que os sócios da sociedade comercial insolvente recebem bens em partilha, após o pagamento de todos os credores, são absolutamente excecionais. Será aliás um dos raros casos de aplicação de um dos preceitos do CSC relativos à liquidação de sociedades, com as devidas adaptações: nos termos do art. 156º nº1 do CSC, havendo saldo remanescente, após a liquidação integral da massa insolvente de uma sociedade, após o pagamento das dívidas da massa e após o pagamento integral dos credores verificados e graduados o produto restante (não sendo possível a distribuição em espécie) é entregue aos sócios para os efeitos previstos nos nºs 2 a 4 do referido artigo – operações, porém, alheias ao processo de insolvência, que, como referido, se destina à satisfação dos credores (e não dos sócios). O caso dos autos corresponde ao que ocorre na esmagadora maioria dos processos: liquidou-se todo o ativo, atividade que se centrou na cobrança de créditos até ao ponto em que a administradora da insolvência informou que já não era possível a cobrança de mais créditos de uma lista de devedores fornecida por trabalhador devido à falta de documentos de suporte (e impossibilidade consequente de instauração de execuções) – cfr. requerimento de 03/11/2015 apresentado no Apenso F (refª 7444495). O resultado da liquidação do ativo não foi suficiente sequer para o pagamento integral dos créditos dos credores graduados em 1º lugar – os trabalhadores e o Fundo de Garantia Salarial – cfr. sentença proferida em 21/09/2020 no apenso B e rateio final efetuado nos termos do mapa junto aos autos principais em 01/04/2021. Não tendo os sócios da sociedade recebido qualquer montante em partilha, dado que a partilha do produto da liquidação não foi sequer suficiente para pagamento aos credores, não pode ser-lhes exigido o pagamento do passivo não satisfeito. A recorrente invoca jurisprudência, no seu entender contrária a esta conclusão, tirada, essencialmente em casos de dissolução e liquidação efetuadas nos termos do CSC (e não do CIRE). Assim, aponta os Acs. TRL de 27/01/2022 (Carlos Castelo Branco – 12382/17), de 08/11/2012 (Teresa Prazeres Pais – 25009/10) e de 11/02/2021 (Laurinda Gemas – 2538/15). Há que esclarecer que persiste uma polémica jurisprudencial, totalmente alheia à situação que ora discutimos (extinção da sociedade na sequência de encerramento de processo de insolvência após rateio final) sobre a questão de sobre quem recai o ónus de alegar e demonstrar a partilha de bens da sociedade extinta e o seu recebimento pelos sócios da sociedade (nos termos do art. 160º do CSC). A posição largamente maioritária é no sentido de que se trata de um ónus do credor, sendo tais factos constitutivos do seu direito a demandar a generalidade dos sócios. Assim, entre muitos outros podemos citar os Acs. STJ de 15/11/07 (Salvador da Costa – 0TB3960), de 26/06/08 (Santos Bernardino – 08B1184), de 09/12/2021 (Catarina Serra – 4301/14), de 01/10/19 (Fátima Gomes – 4022/06) e de 25/10/18 (Maria da Graça Trigo), TRL de 09/10/18 (José Capacete – 6649/17), de 12/07/18 (Eduardo Petersen Silva – 9097/14), de 08/03/22 (Luís Filipe Pires de Sousa – 2214/04), 08/11/22 (Alexandra Castro Rocha – 970/22), TRP de 15/11/2021 (Paula Leal de Carvalho), de 18/05/17 (Filipe Caroço – 2899/15), TRC de 27/06/23 (Luís Cravo – 25/29/20), TRG de 04/04/19 (Conceição Sampaio – 228/16), TRE de 18/01/18 (Paula do Paço – 1462/16)[9]. A posição que sustenta que se trata de ónus dos sócios demandados nestes termos é defendida, entre outros pelo Ac. TRL de 27/01/22 (Carlos Castelo Branco – 12882/17), citado pela exequente, TRL de 12/06/14 (Teresa Albuquerque – 20802/07), TRL de 27/10/15 (Maria João Romba – 518/22) e TRL de 04/04/24 (Arlindo Crua – 21/17)[10]. Na doutrina é também acolhida a posição de que se trata de um ónus dos credores – cfr. Paulo Olavo Cunha[11] que refere caber aos credores demonstrar que a sociedade tinha bens e os partilhou entre os sócios. A questão que ora nos ocupa acaba por ser alheia a esta divergência doutrinal dado que apresenta afinidades com uma outra situação, também verificada em processos relativos a liquidação nos termos do CSC: quando existe prova segura da existência ou da inexistência de ativo a partilhar ou partilhado resulta espúria a discussão sobre a quem compete a demonstração de tal factualidade. Assim, no caso tratado no Ac. STJ de 28/04/2021 (Leonor Cruz Rodrigues – 3/05), estava assente nos autos que existiam bens e que as declarações dos sócios na dissolução e encerramento da liquidação (de inexistência de bens) eram falsas. Exatamente a mesma situação se verificava nas situações decididas pelos Acs. TRL de 12/02/20 (José Eduardo Sapateiro – 3/05) e TRL de 11/02/2021 (Laurinda Gemas – 2358/15), onde existiam bens penhorados[12]. Em todos estes arestos estava provada a existência de bens a partilhar ou partilhados, pelo que o prosseguimento dos autos era evidente. Nos casos de insolvência encerrada por rateio final, sem que haja saldo remanescente da liquidação está provada a situação inversa, ou seja, está apurado que não foi partilhado ativo entre os sócios e que estes nada receberam em partilha. Neste sentido aponta também Paulo Olavo Cunha[13] quando refere que caso a sociedade não tenha distribuído bens aos sócios “o sócio não pode ser responsabilizado por dívidas não satisfeitas pelo ativo social, a menos que, tendo promovido a realização da dissolução e liquidação num só ato, tenha declarado não existirem quaisquer dívidas.” Ora, precisamente, no caso de insolvência encerrada por realização de rateio final sem saldo remanescente, não foram distribuídos bens aos sócios e não foi declarado não existirem quaisquer dívidas. Há ainda mais uma razão para a total aplicabilidade da regra de responsabilidade do art. 163º nº1 do CSC a estes casos nos termos propugnados. O processo de insolvência é um processo de execução universal – cfr. art. 1º nº1 do CIRE. Permitir que se demandem a generalidade dos sócios após o encerramento por rateio final, sem que estes tenham recebido quaisquer bens em distribuição em casos de superveniência de ativo (não liquidado na insolvência) seria um incentivo legal para contornar o carater universal da insolvência. Qualquer interessado (nomeadamente credor) que tivesse conhecimento de ativo do devedor não apreendido para a massa teria um incentivo para não o comunicar ao processo e/ou ao administrador da insolvência, aguardar o termo da execução universal e depois intentar uma execução singular, subtraindo assim parte do ativo do devedor ao concurso universal de credores, em proveito próprio e exclusivo. Não tem, assim, razão a exequente quando pretende que, pelo mero facto de ter conhecimento subjetivo de ativo superveniente (cuja existência e cobrabilidade não foram alegadas) se permite seja intentada execução contra a generalidade dos sócios, nos termos do disposto no art. 163º do CSC, quando se mostra apurado que nenhum dos sócios recebeu qualquer bem, direito ou quantia em partilha, dado que a liquidação ocorreu em processo de insolvência encerrado por rateio final, sem que tenham sido apurado produto suficiente para a satisfação de todos os credores. Argumenta seguidamente a recorrente que a extinção da insolvente, nos termos do art. 234º nº3 do CIRE não implicou a extinção do crédito não pago da exequente, tal como se decidiu no Ac. TRL de 27/01/2022 (Carlos Castelo Branco – 12382/17). Não só não existe nenhuma regra ou princípio que o determine como resulta dos princípios gerais de direito e do disposto nos arts. 162º a 164º do CSC, citando o Ac. TRL de 08/11/2012 (Teresa Prazeres Pais – 25009/10). A decisão recorrida não afirmou, e tal, claramente, não foi pressuposto implícito da mesma, que o crédito da recorrente não satisfeito na insolvência se havia extinto como encerramento desta. Nos termos do disposto no art. 233º nº1, al. c), do CIRE «Encerrado o processo, e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 217.º quanto aos concretos efeitos imediatos da decisão de homologação do plano de insolvência: (…) c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência;» Como alegado, trata-se de um efeito que independe da causa do encerramento e que significa que, com duas exceções, as restrições constantes de plano de insolvência aprovado e homologado e a concessão de exoneração do passivo restante, os créditos não satisfeitos em processo de insolvência não se extinguem após o encerramento deste, seja qual for a respetiva causa. No caso dos autos não foi proposto plano de insolvência e, tratando-se de uma insolvência de pessoa coletiva, a exoneração do passivo restante nunca seria legalmente admissível – cfr. art. 235º do CIRE. Questão diversa, porém, é a do funcionamento da regra da responsabilidade limitada para as sociedades comerciais (de responsabilidade limitada), que tem um dos seus corolários no art. 163º do CSC. Encerrado o processo por realização do rateio final, como sucedeu no caso concreto, a insolvente, sendo uma sociedade comercial, extingue-se nos termos do disposto no art. 234º nº3 do CIRE, o que significa que, não se extinguindo os créditos não satisfeitos, eles já não poderão ser exigidos ao devedor insolvente, dado que este se extinguiu. Assim sendo, os créditos apenas poderão ser exigidos a terceiros no cumprimento das regras aplicáveis, designadamente, e quanto aos sócios de sociedades comerciais de responsabilidade limitada, as regras da limitação de responsabilidade. O que faz sentido e completa o círculo nas dissolução e liquidação societárias, é claramente adequado à dissolução por insolvência e liquidação nos termos previstos no CIRE, já que o regime legal apresenta várias soluções para as situações de insolvência causadas e agravadas por sócios que não observem as regras da separação de patrimónios e por administradores que sendo ou não sócios contribuam para tal – o regime jurídico, quer da resolução de atos em benefício da massa insolvente (arts. 120º e ss. do CIRE), quer do incidente de qualificação da insolvência (arts. 185º e ss. do CIRE). A solução é, naturalmente diferente quando o devedor insolvente, como sucede no caso das pessoas singulares, prossegue a sua vida e atividade após o encerramento do processo, ou quando o encerramento não tem por causa a realização do rateio final. Foi exatamente o que sucedeu nos casos, citados pela recorrente, do Ac. TRE de 15/09/2022 (Anabela Luna de Carvalho – 1129/10) que versou o recurso de decisão que extinguiu execução pendente (e suspensa) após o encerramento por rateio final de insolvência de uma pessoa singular, e do Ac. TRP de 23/02/2023 (Filipe Caroço - 10540/22) em que o encerramento do processo de insolvência se deu por insuficiência da massa insolvente[14], encerramento que não tem por efeito a extinção da sociedade insolvente[15]. Assim, sendo a sentença de verificação e graduação de créditos título executivo, não se pode, com base na mesma, intentar ação executiva contra quem figura no título (a insolvente) por se ter extinto e, para poder intentar execução contra pessoas diversas de quem figura no título (a generalidade dos sócios representados pelo liquidatário), tem que ser possível demonstrar que os sócios receberam bens ou direitos da sociedade em partilha, cenário, à partida, arredado em processo de insolvência encerrado por rateio final em que o produto da liquidação não foi suficiente para pagar aos credores verificados e graduados. Em conclusão, não temos sequer que tomar posição na querela jurisprudencial que acima enunciámos – neste caso, tal como inversamente nos casos supra citados, está provado que os sócios nada receberam em partilha -, pelo que não estão preenchidas todas as condições necessárias para intentar e fazer prosseguir contra pessoa diversa da que figura no título como devedora a presente execução. Conclui-se, nestes termos, pela correção da decisão recorrida sendo manifesta e insuprível a insuficiência do título executivo para a instauração da presente execução – art. 726º nº2, al. a) do CPC. A presente apelação improcede, assim, integralmente, sendo de manter a decisão recorrida ** Não são devidas custas na presente instância recursiva, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso, este não envolveu diligências geradoras de despesas e não há lugar a custas de parte por não ter sido apresentada resposta às alegações de recurso – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil [16]. * 5.–Decisão Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar integralmente improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida. Sem custas na presente instância recursiva. Notifique. * Lisboa, 11 de julho de 2024 Fátima Reis Silva Renata Linhares de Castro Amélia Sofia Rebelo [1]Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, junho de 2018, pg. 115. [2]Neste sentido, cf. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de outubro de 2022, processo n.º 4632/09.3TBMTS.L1-2, disponível para consulta em www.dgsi.pt. [3]Raul Ventura em Dissolução e Liquidação de Sociedades – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, pg. 461. [4]Embora a lei apenas refira bens, inclui os direitos, como refere Carolina Cunha em anotação ao preceito em Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina, 2011, pg. 691. [5]O que significa, como refere Raul Ventura em Dissolução e Liquidação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, pg. 493, que inexiste solidariedade ativa e que, sendo a pretensão indivisível, não há lugar às ações individuais dos sócios. Esclarece ainda não estarem aqui incluídos os litígios entre antigos sócios. [6] Raúl Ventura, local citado, pg. 484. [7]Na assembleia de apreciação do relatório ou nos autos, quando esta seja dispensada a sua realização, por reação ao relatório. [8]Onde se harmonizou jurisprudência no seguinte sentido: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.” [9]Todos disponíveis, como os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt. [10]Existe ainda uma terceira posição, variante destas, que, abandonando a tese do facto constitutivo, inverte o ónus da prova – Ac. TRG de 14/03/24 (Antero Veiga – 2638/17). [11]Em Direito das Sociedades Comerciais, 7ª edição, Almedina, 2022, pg. 1126. [12]Tal como nos casos tratados nos Acs. TRL de 11/07/13 (Vaz Gomes – 2163/08) e TRE de 28/04/22 (Maria João Faro – 2898/09), entre outros. [13]Local citado, pg. 1127. [14]Como consta do aresto citado “O documento que serve de base à execução é uma sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo de insolvência do executado, no dia 19.3.2015, mais concretamente uma sentença homologatória da lista de créditos e graduação elaborada pelo Sr. administrador de insolvência, proferida ao abrigo dos art.ºs 129º e 130º, nº 3, do CIRE[14], tendo transitado em julgado no dia 6.4.2015 (cf. certidão judicial junta com o requerimento executivo). Naquele mesmo processo especial, foi proferido despacho de encerramento por insuficiência da massa insolvente, nos termos do art.º 230º, nº 1, al. e) e do art.º 232º, nºs 1, 2 e 7, do CIRE (cf. certidão judicial junta com o requerimento executivo). É este um caso de encerramento do processo por inutilidade da sua prossecução, dada inexistência de património para satisfação dos próprios encargos do processo.” [15]O encerramento por insuficiência da massa insolvente de processo em que a insolvente seja uma sociedade comercial tem como efeito específico, nos termos do nº4 do art. 234º do CIRE que « a liquidação da sociedade prossegue nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, devendo o juiz comunicar o encerramento e o património da sociedade ao serviço de registo competente.», o que significa que a sociedade não se extingue por efeito do encerramento do processo de insolvência, mas sim, se for o caso, nos termos gerais quando for encerrada a liquidação no procedimento administrativo. [16]Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/. |