Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3771/22.0T8VFX-A. L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: ACÇÃO UTI UNIVERSI
LEGITIMIDADE ACTIVA
REJEIÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Em face do trânsito em julgado do despacho que concluiu pela “ilegitimidade singular activa superveniente do Autor” e considerou que assistia exclusivamente ao administrador da insolvência a legitimidade para a prossecução da presente ação, bem como a constatação que o administrador da insolvência passou efetivamente a intervir no processo, em substituição do primitivo autor, aceitando os autos no estado em que os mesmos se encontravam e fazendo-os seus, entendemos que se operou uma alteração significativa do âmbito da ação, que deixou de poder configurar-se estritamente como uma ação social uti singuli (art. 77.º do CSC).
2. Por força da declaração de insolvência da sociedade e da posição assumida pelo administrador da insolvência, passou a ação a configurar-se como se de verdadeira ação ut universi (art.75.º do CSC) se tratasse; consequentemente, deixou de ter qualquer relevância abordar a questão, agora meramente académica, de saber se o primitivo demandante, arrogando-se a qualidade de acionista, por ser titular de um conjunto de ações ao portador, qualidade que é pressuposto da instauração da ação, tinha que alegar e provar apenas que é o possuidor dessas ações (nas ações ao portador, que estas lhe foram entregues) ou, ao invés, se é ainda de exigir a alegação e prova do negócio causal à detenção dos títulos.
3. Impõe-se a rejeição da impugnação do julgamento de facto nos casos em que os apelantes não cuidaram de especificar, com referência aos concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, a “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (art. 640.º, n.º 1, alínea c) do CPC). Essa concretização do sentido da decisão a rever não se compadece com a mera descrição de raciocínios valorativos e genéricos, que até podem deixar antever os pontos de discordância relativamente ao juiz, mas não permitem, com suficiente precisão, alcançar em que termos o recorrente pretende que seja alterada a decisão sobre a matéria de facto por parte desta Relação, nos vários sentidos possíveis (eliminação, aditamento e modificação de texto).
4. Os efeitos do caso julgado podem ser vistos numa dupla perspetiva, tratando-se de realidades distintas: a exceção de caso julgado, exceção dilatória a que alude o art. 577º, alínea i) do CPC, aferindo-se pela identidade dos sujeitos, pedido e causa de pedir (art. 581º do CPC), pressupondo a repetição de uma causa; trata-se de exceção de conhecimento oficioso e dá origem à absolvição da instância (arts. 578º e 576º, nº2 do CPC); e a autoridade do caso julgado, que importa a aceitação de decisão proferida anteriormente, noutro processo, cujo conteúdo importa ao presente e que se lhe impõe, assim obstando que uma determinada situação jurídica ou relação seja novamente apreciada, considerando parte da jurisprudência e doutrina que, nesta aceção, não se exige a tríplice identidade
5. Estando suficientemente demonstrado que os réus, administradores da sociedade, com a sua conduta, de forma consertada, violaram os mais elementares deveres de lealdade que sobre si impendem, atuando em concorrência com a sociedade insolvente e descaminhando o património desta, agindo em proveito próprio e prejudicando a sociedade, que viu o seu património delapidado, mostram-se preenchidos os pressupostos de responsabilidade civil indemnizatória previstos no art. 483.º do Cód. Civil.
6. Na fixação da indemnização a título de ressarcimento pelos lucros cessantes que a sociedade insolvente deixou de auferir em resultado da conduta dos réus – cujo cômputo foi relegado para liquidação posterior e fixado tendo por referência um período de 20 anos, nos termos indicados na petição inicial –, provando-se que, por força da condenação proferida no processo n.º 1446/18.3T8LRS, já transitada, a sociedade insolvente está obrigada a entregar à respetiva proprietária, “devoluto de pessoas e bens”, o prédio onde estava implantado o viveiro de marisco que utilizava, aí centrando a sua atividade e o seu negócio, estamos perante um evento imputável exclusivamente à própria sociedade insolvente a favor de quem ora está a ser fixada a indemnização e a entrega do prédio sempre implicaria a diminuição/cessação da atividade respetiva, pelo menos nos moldes em que vinha sendo exercida.
7. Tal ocorrência tem reflexos na ponderação da extensão do dano a indemnizar – e não tanto do nexo causal – e, não permitindo excluir a indemnização devida a título de ressarcimento pelos lucros cessantes, como pretendem os apelantes, justifica a alteração da decisão quanto ao enquadramento temporal aí feito, em ordem a condenar os réus no pagamento de indemnização correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a sociedade geraria ponderando como termo final a data do trânsito em julgado da sentença proferida no aludido processo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I RELATÓRIO
Ação
Ação com forma de processo comum [ [1] ].
Autora/apelada
Massa Insolvente de C…, S.A., representada pelo Administrador da Insolvência, em substituição do primitivo autor FC [ [2] ].
Réus/apelantes
1.º SS;
2.ª NS;
3.ª VS;
4.º TS.
Pedido
Condenar os réus a pagar, solidariamente, à sociedade C…, S.A., uma indemnização pelos prejuízos por esta sofridos, referente à destruição dos viveiros, no montante de € 457 480, 31 (quatrocentos e cinquenta e sete mil, quatrocentos e oitenta euros, trinta e um cêntimos), e pela perda de receita e lucro a partir de 2019, correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a C…, S.A. geraria ainda em, pelo menos, durante vinte anos de atividade, a liquidar posteriormente.
Causa de pedir
FC é titular de 50% do capital social da sociedade C… – representada em 37 títulos, ações ao portador -, da qual é administrador, bem como os réus, sendo os 3.º e 4.º réus, administradores de facto.
No verão de 2014, a sociedade registava um lucro líquido de € 358 674, 00, emergente do trabalho desenvolvido pelo autor que, enquanto administrador, detinha um profundo papel ativo na gestão da empresa, o que sucedia desde dezembro de 1991, sendo o responsável pelas vendas, compras, pagamentos, recebimentos e reuniões com clientes e fornecedores; em agosto de 2014, foi afastado dos assuntos e contas da empresa, quer por via da retirada de poderes no banco para movimentar as contas bancárias da empresa, quer por via da simulação da realização de assembleia geral (07-08-2014) (cujas deliberações vieram a ser anuladas por sentença transitada em julgado), quer por via da realização de assembleia geral irregularmente convocada (12-09-2014), cujos pontos 3 e 4 se reportavam à supressão no texto dos Estatutos da obrigatoriedade da assinatura do autor para obrigar sempre a sociedade, o que veio a ser deliberado com o voto contra do autor, que reagiu com a propositura de ação de anulação da deliberação, ainda pendente; a partir de agosto/setembro de 2014, a sociedade passou a ser gerida exclusivamente pelos réus, que retiraram ao autor o computador que usava nas instalações da sociedade,  alterada a “password” para entrar no sistema informático da empresa, o seu endereço de email e o acesso ao BesNet; em outubro de 2014, os réus alteraram as fechaduras das portas dos escritórios da sociedade, impedindo o acesso por parte do autor; tendo-se mantido, porém, a exigência da sua assinatura para a movimentação das contas no Banco em virtude de o autor ter “bloqueado” o registo das deliberações inválidas, veio a ser aberta uma nova conta bancária, em nome do 4.º réu, para onde, a pedido dos réus, os clientes passaram a fazer os pagamentos; como forma de operar e continuar a trabalhar sem a assinatura do autor, os réus constituíram a sociedade F..., Lda., com objeto social igual ao da C…, utilizando os meios desta, incluindo os seus veículos de transporte ou os pertencentes à C… Transportes, S.A., na compra dos “stocks” de marisco pela C…, na venda por esta dos referidos “stocks” à F... (que, porém, nada paga à C…) e na venda por esta última aos clientes finais que antes adquiriam à C…, passando a F... a ser a fornecedora; mais utilizou o número de operador/recetor, número de controlo veterinário, PME Líder, HACCP e programa informático da C… para viabilizar a atividade; acresce que os réus mudaram o contabilista da C… sem a autorização do autor e enviaram autorizações SEPA para pagamento a fornecedores só com a assinatura do 1.º réu, o que não era controlado pelo Banco; pretenderam os réus, através da constituição da F..., esvaziar o património e a atividade da C..., desenvolvendo a atividade desta através daquela e afastando o autor da mesma, razões que levaram o Autor a recusar assinar documentos que autorizassem pagamentos a efetuar pela C..., desconhecendo a que título deviam os mesmos ser realizados; a F... utiliza o viveiro de marisco sito em ..., Lourinhã, onde a C... e a C... Transportes centravam a sua actividade; iniciaram negociações e sem uma solução alcançada, o autor constituiu a sociedade MB... (na linha da negociação das partes), com o mesmo objeto da C..., a qual passou a operar junto do viveiro da Póvoa do Varzim, vindo os réus a cessar as negociações, mantendo a atividade na F... e ainda instauraram contra o autor um processo de destituição de administrador, que correu termos sob o processo …/15.2T8VFX, no Juiz 1 do Juízo de Comércio de VFX, julgado improcedente, vindo a ser investido nas funções de administrador, após revogação de decisão cautelar de suspensão, em 11-07-2019; nessa data, conforme do respetivo auto consta, a sociedade não tinha sistema informático, veículos, atividade; alguns veículos foram vendidos pelos réus, na Holanda, sem intervenção do autor, e com o valor obtido foram adquiridas pela F... viaturas idênticas para o transporte de mariscos; desde, pelo menos, 11-07-2019, a C... está sem atividade e sem receitas; o edifício onde a C... desenvolvia a sua atividade, que incluía dois viveiros e uma loja, foi avaliado em € 457 480, 31, no âmbito do processo …/18.3T8LRS, que correu termos no Juiz 4 do Juízo Central Cível de Loures, e após essa avaliação, os réus retiraram todos os equipamentos e canalizações que se encontravam nos viveiros e na loja, conforme melhor descrito no art. 110.º da petição inicial, restando, apenas, nos viveiros, os tanques de betão, sendo que, no viveiro mais pequeno foi retirado igualmente o telhado, sem valor de mercado; a par da destruição dos viveiros, donde resultou um prejuízo de € 457 480, 31, por força da atuação dos réus, a C... deixou de gerar receitas e lucros, pelo menos, a partir do ano de 2019, resultando num prejuízo a liquidar posteriormente, mas nunca inferior ao lucro bruto que geraria ainda, em, pelo menos, vinte anos de atividade, tudo da responsabilidade dos réus que violaram os deveres de não concorrência (art. 398.º do CSCom), de cuidado e de lealdade (art. 64.º do CSCom).
Oposição 
Defendem-se os réus por exceção: (i) de ilegitimidade do Autor FC, por não ser titular de, pelo menos, 5% do capital social (tendo-se apropriado ilicitamente das ações) e, em virtude de o mesmo não ter solicitado convocação de assembleia geral em vista a uma deliberação da sociedade sobre a propositura (ou não) da presente ação; (ii) de ilegitimidade dos 3.º e 4.º réus, que não são, nem nunca foram administradores ou gerentes da sociedade; (iii) de prescrição dos direitos da sociedade, pelo decurso do prazo desde a data da constituição da F... e do conhecimento do autor, em 13-10-2014, nos termos do art. 174.º do CSCom.; (iv) de abuso do direito do autor, que atuou concertadamente com a sua tia, MF, autora na ação …/18.3T8LRS, que correu termos no Juiz 4 do Juízo Central Cível de Loures, em que se pede a devolução dos viveiros da C... sem qualquer contrapartida e nesta ação peticiona a indemnização de € 457.480,31, o montante que corresponde ao valor das instalações.
Impugnam os factos articulados na petição inicial, alegando em síntese que, no verão de 2014, o autor afastou-se por completo da sociedade, deixou de assinar a documentação e inviabilizou a sua atividade e em 2015 passou a apropriar-se de bens da C..., como sucedeu com as instalações da Póvoa de Varzim, onde obstaculizou o acesso dos 1.º e 2.º réus e onde se apropriou de parte de mercadoria importada da Escócia e ainda, numa outra ocasião, de um veículo, bem como de outros sete veículos, fornecedores e clientes da C... nas operações de uma sociedade que constituiu, em Março de 2015, a MB... – Comércio de Mariscos, Lda.; para além dos problemas e incómodos que gerou a sua recusa em autorizar pagamentos a funcionários, fornecedores, Estado; a F... foi constituída para que a sociedade C... continuasse a laborar; os equipamentos foram retirados dos viveiros, porque já não exerciam função neles; foi o autor quem criou prejuízos à C..., não tendo os réus violado os deveres elencados no art. 64.º do CSoc. Com., impondo-se a absolvição dos pedidos contra si formulados.
Resposta  
O autor apresentou resposta às exceções, concluindo como na petição inicial.
Saneamento
Foi proferido despacho, em 12-01-2022, que julgou admissível o articulado de resposta às exceções e procedeu ao saneamento do processo; julgou-se partes legítimas os 3.º e 4.º réus e relegou-se para decisão final o conhecimento da exceção de ilegitimidade ativa e das exceções perentórias de prescrição e de abuso do direito; identificou-se o objeto do litígio e enunciou os temas da prova, sem reclamações.
Articulado superveniente
Em 24-02-2023, em audiência final, os réus apresentaram articulado superveniente, com o seguinte teor:
“Na contestação (art.ºs 23º e seguintes), fez-se referência a uma ação proposta por MF contra a C... S.A, e outros, na qual era peticionada a entrega das instalações onde se situavam os viveiros da referida C..., que estavam cedidos por arrendamento ou comodato. Nessa ação, sustentava-se que os prédios deviam ser entregues livres e devolutos, sem direito a qualquer indemnização, uma vez que a construção dos viveiros fora efetuada por uma anterior sociedade denominada FS Mariscos. Essa ação seguiu a sua tramitação, tendo vindo a ser prolatada sentença em 02-03-22, que foi junta aos autos, como documento 52, anexo ao requerimento entrado em 07-12-22. Nesse requerimento, dava-se nota que essa sentença, ainda não havia transitado em julgado, estando pendente de um recurso de revista excecional, juntando-se a sentença para prova do tema da prova n.º 27. Nessa sentença, foi declarado procedente, embora parcialmente, o pedido formulado na ação, ou seja, o de condenar as Rés na entrega à autora do imóvel situado na Lourinhã, onde estavam instalados os viveiros. Dela consta “daqui resulta expressamente que todos os direitos que decorressem da construção do imóvel e que pudessem ter existido na esfera jurídica da FS Mariscos, extinguiram-se por via desta entrega do imóvel à proprietária. E isso faz a partir daí, a utilização passou a ser gratuita. Nessa mesma ação, foi julgado improcedente o pedido reconvencional deduzido a uma eventual cessão ou compensação por via das obras feitas no referido imóvel, por ter a sentença entendido, por um lado, que o imóvel já não teria qualquer valor económico, uma vez que os viveiros teriam sido destruídos, mas, por outro lado, porque mesmo que assim não fosse, a C... não teria direito a nenhuma compensação pela construção do imóvel (dos referidos viveiros), uma vez que os direitos que poderiam existir por via da construção dos viveiros,  pertenciam a FS Mariscos, não se provando que tinham sido transferidos para a C... e as outras Rés da ação. Ou seja, a pretensão da C... de adquirir por  acessão, o imóvel onde estavam instalados os viveiros ou de obter uma compensação pelas benfeitorias consubstanciadas nesses viveiros, ficou, nos termos desta ação, resolvida, com o entendimento do tribunal, de que não só os viveiros não teriam já qualquer valor económico, porque destruídos, mas independentemente disso, porque mesmo assim não fosse, a C... não tinha título para poder revindicar qualquer compensação, uma vez que ao abrigo do comodato que vigorava e, uma vez que a dona do prédio revindicava a devolução, tinha que simplesmente devolver o imóvel sem direito a qualquer compensação, razão pela qual o pedido reconvencional formulado, foi julgado improcedente, devendo por isso a C... entregar as instalações à Autora./ Como se disse há pouco, esta decisão não era ainda definitiva, porque estava dependente do recurso de revista excecional. /Esse recurso de revista excecional foi julgado no dia 01/02/23 por acórdão do Supremo Tribunal da Justiça, que considerou não preenchidos os requisitos para admitir a referida revista excecional. Esse acórdão proferido em 01-02-23, transitou em julgado ontem, dia 23-02-23, aliás, anteontem, dia 22-02-2023, nesse mesmo dia foi requerida uma certidão com nota do trânsito em julgado que deverá ser recebida ainda hoje. A junção aos autos do acórdão que torna definitiva, que indefere a revista excecional e que transitou em julgado, por força da qual esses autos, neste contexto, considera que a C... não tem direito a permanecer na posse do imóvel onde estão os viveiros nem tem direito a qualquer compensação ou indemnização ou outro direito de natureza económica sobre estas instalações, uma vez que nos termos dos contratos celebrados e vigentes com a dona deles, a entrega do imóvel não dependia de qualquer compensação ou indemnização, uma vez que a permanência era a titulo gratuito. Esta decisão transitou em julgado, como disse, junta-se, neste momento, o pedido de certidão apresentado que esta matéria é obviamente relevante. E é muito relevante porquê? Porque um dos pedidos formulados nesta ação, tem precisamente a ver com os danos causados ao referido imóvel, constituído pelos viveiros. Ora, se por decisão transitada em julgado, a C... tinha de devolver à dona do imóvel, os viveiros nele erigidos sem direito a qualquer compensação, torna-se naturalmente evidente qualquer pedido relativo a indemnização pelos danos causados nos viveiros, não teria direito a qualquer compensação ou indemnização pelo facto de ter erigido ou construído ou praticado quaisquer benfeitorias no quadro desses viveiros. A decisão é muito clara, a C... tem que devolver, sem direito a qualquer compensação ou indemnização, uma vez que foi procedente nessa parte o pedido principal da ação e improcedentes os pedidos reconvencionais.
Assim sendo, entende-se que se deve considerar assente logo que chegue a certidão requerida, que a sentença é supervenientemente inútil o pedido formulado pelo autor no que diz respeito aos danos causados no imóvel em prejuízo da C..., uma vez que em face desta decisão transitada em julgado nada teria a C... a revindicar relativamente aos referidos viveiros. 
Requer-se que este articulado superveniente seja admitido nos termos do art.º 588.º, n.º 3, alínea c), do CPC, considerando que o trânsito em julgado ocorreu em vésperas desta audiência final e, por isso, o momento próprio é esta audiência final em que se vem arguir a essência de um facto, que é o trânsito em julgado da decisão a que se reporta a sentença junta em dezembro do ano passado, de que já se fazia referência na contestação apresentada em 11-11-2021, da qual decorrem importantes consequências para a parte do pedido que tem a ver com uma indemnização pelos danos causados nos viveiros. Junta-se cópia do acórdão e do pedido de certidão”.
Proferido despacho liminar de admissão o autor apresentou resposta, em 06-03-2023, alegando, em síntese, que:
“Assim, deve o articulado ora apresentado ser rejeitado em toda a argumentação (não superveniente relacionada com as decisões de mérito proferida), aceitando-se apenas que se considere assente que a sentença proferida na acção referida no tema da prova 27 transitou em julgado). /10º De qualquer modo, não pode olvidar-se que tal decisão não faz caso julgado face ao Autor, o qual, não foi nela parte./11ºE nunca o pedido por ele deduzido será inútil, pois, tal sentença confirma, nomeadamente, que os Réus destruíram o viveiro onde a sociedade exercia a sua actividade, como foi alegado na petição inicial./12º E destruíram-no, por terem passado a exercer actividade noutro local, com utilização ainda do nome “C...” em conjunto com o da nova sociedade que montaram, a “F…”, em novo viveiro, no qual colocaram os equipamentos que estavam no anterior (Documento n.º 1 que se junta)./ 13º O viveiro em causa constitui o centro de actividade da “C...” e era o activo (ainda que não por ela construído) que lhe permitia exercer a sua actividade /14º E mesmo tendo em conta que o terreno não pertencia à “C...” e que a construção do viveiro havia sido feita pela “FS Mariscos”, as alterações e equipamentos nele integrantes (da “C...”) determinavam que esta tivesse registado no seu imobilizado um valor total de € 820.690,02 (Documento n.º 2 que se junta)./ 15º Como se apontou todo esse imobilizado, ou foi destruído ou é utilizado pela “F…”, pelo que, e como muito bem se disse na sentença proferida, o viveiro e o edifício que nele existiu, nesta data não têm qualquer valor de mercado”.
Concluindo como segue:
“Termos em que, deve admitir-se apenas na medida do que se apontou o articulado apresentado e deve ser indeferido o requerimento de inutilidade superveniente do pedido formulado pelo Autor”
Após o que foi proferido, em 13-04-2023, despacho com o seguinte teor:
“Ref.ª 155922384/13476188 – Do articulado superveniente
  Alegaram os Réus, em síntese, que, no dia 22-02-2023, transitou em julgado a sentença de 02-03-2022 que julgou procedente o pedido formulado na acção (proc. 1446/18.3T8LRS, a que se fez referência no art. 23.º da contestação) e improcedente o pedido reconvencional, condenando as Rés C..., S.A. e outros a entregar à Autora MF o imóvel situado na Lourinhã, onde estavam instalados os viveiros, sem direito da C... a qualquer compensação ou indemnização, “uma vez que, nos termos dos contratos celebrados e vigentes com a dona deles, a entrega do imóvel não dependia de qualquer compensação ou indemnização, uma vez que a permanência era a título gratuito” e que os direitos que poderiam existir sobre a construção dos viveiros pertenciam à FS Mariscos, decisão que torna supervenientemente inútil o pedido formulado, nesta acção, pelo Autor no que diz respeito à indemnização pelos danos causados nos viveiros em prejuízo da C....
 Por despacho proferido em audiência, foi liminarmente admitido o articulado superveniente e determinada a notificação do Autor para apresentar a sua resposta, no prazo de dez dias.
 O Autor respondeu. Requereu a rejeição do articulado superveniente em toda a argumentação por respeitar a factos conhecidos dos Réus desde as datas da sentença de 02-03-2022 e do Acórdão da Relação de Lisboa que a confirmou em 27-09-2022, sobre o que recaiu Acórdão do STJ que não se pronunciou sobre o mérito, aceitando, apenas, que se considere assente que a sentença proferida na acção referida no tema da prova 27 transitou em julgado. Mais alegou que tal decisão não faz caso julgado relativamente a si, por não ter sido parte na referida acção e o pedido por si deduzido não é inútil, pois tal sentença confirma que os Réus destruíram o viveiro, viveiro que constituía o centro de actividade da C... e era o activo que lhe permitia exercer a sua actividade, de modo que as alterações e os equipamentos nele integrantes determinavam que a C... tivesse registado no seu imobilizado um valor total de € 820 690, 02, devendo ser indeferido o requerimento de inutilidade superveniente do pedido formulado pelo Autor.
Cabe decidir.
1. Da admissibilidade do articulado superveniente ou novo articulado
 Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão – art. 588.º, n.º 1, do CPCivil.
 Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos – art. 588.º, n.º 2, do CPCivil.
O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido na audiência final, se os factos ocorrerem ou a parte deles teve conhecimento em data posterior ao encerramento da audiência prévia ou, quando esta não se tenha realizado, aos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final – art. 588.º, n.º 3, als. a), b) e c), do CPCivil.
A apresentação do novo articulado pelos Réus fundamenta-se na superveniência objectiva da ocorrência do trânsito em julgado de decisão judicial dias antes do início da audiência final, trânsito que, em seu entender, torna supervenientemente inútil o pedido formulado pelo Autor de condenação dos Réus em indemnização a favor da C....
 Está certificado o trânsito em julgado invocado na data de 16-02-2023 (certidão junta com o requerimento ref.ª 13480524), temporalmente situada após os dez dias posteriores à notificação da data designada para audiência final, em 11-012023 (ref.ª 155338715), o que fundamenta a superveniência objectiva na perspectiva formulada da extinção de um dos direitos que o Autor pretende fazer valer e não obstante o enquadramento factual e jurídico (“abuso do direito”) efectuado pelos Réus em fase processual anterior, em sede de contestação.
 A par, a decisão sobre a admissibilidade do “novo articulado” foi tomada em sede de audiência final, mediante prolação de despacho liminar de admissão que, não o tendo rejeitado, por extemporaneidade ou por manifesta impertinência, determinou a notificação da parte contrária para, querendo, responder – art. 588.º, n.º 4, do CPCivil, o que produz caso julgado formal e, como tal, não se irá contrariar – art. 620.º, n.º 1, do CPCivil.
 2. Da invocada inutilidade superveniente do pedido de indemnização formulado pelo Autor
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida.
Ação de Processo Comum
O trânsito em julgado de uma decisão não redunda em desaparecimento do objecto do processo (ou de um dos pedidos), menos ainda em satisfação da pretensão fora do esquema da providência pretendida.
 Não estando o juiz sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPCivil), dir-se-ia ser a questão enquadrável nas figuras do caso julgado ou da autoridade do caso julgado, por terem estas funções de segurança e paz social quando evitam a prolação de decisões contraditórias pelos tribunais, mediante efeito impeditivo ou negativo – a excepção dilatória de caso julgado -, ou efeito vinculativo ou positivo – a autoridade do caso julgado.
 A primeira, excepção de caso julgado, não prescinde da tríplice identidade estabelecida no art. 581.º do CPCivil (a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir) e consiste no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura e leva à absolvição do Réu da instância; a segunda, a autoridade do caso julgado, não depende da verificação integral ou completa da tríplice identidade prescrita no art. 581.º do CPCivil, mormente no plano do pedido e da causa de pedir, e implica o acatamento – inclusive por terceiros, não sujeitos da primitiva acção, de forma indirecta ou reflexa - de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, obstando a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa , e, acarretando uma efectiva apreciação do mérito da acção, leva à apreciação concreta das causas de pedir e dos pedidos em ambas as acções, a implicar a improcedência da acção e a consequente absolvição do Réu do pedido.  No caso, não se verifica a tríplice identidade que caracteriza a excepção do caso julgado, que, deste modo, se afasta.
 Equacionando-se eventual autoridade de caso julgado e importando esta uma apreciação do mérito da acção/do pedido formulado, relega-se o seu conhecimento para final, para sede de sentença
 Termos em que se indefere a requerida extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de indemnização pela destruição dos viveiros formulado pelo autor.
*
Cabe, porém, aferir da factualidade relevante à decisão da causa a extractar do articulado superveniente e da resposta apresentada (cfr. art. 588.º, n.º 6, do CPCivil), considerando-se:
Facto assente:
 - O trânsito em julgado, em 16-02-2023, da sentença proferida no processo 1446/18.3T8LRS, a que alude o ponto 27 dos temas da prova; 
Tema da prova:
 28) O viveiro como centro de actividade da C... e determinativo do valor do imobilizado registado (€ 820 690, 02) – arts. 13.º e 14.º da Resposta apresentada”.
Julgamento
Realizou-se a audiência final, com sessões de 19-06-2023, 20-06-2023, 21-06-2023, 06-07-2023, 04-01-2024 e 16-01-2024 após o que, em 08-02-2024 foi proferida sentença com o seguinte segmento dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se os Réus SS, NS, VS e TS a pagarem à Autora Massa Insolvente de C..., S.A., a indemnização correspondente aos danos causados no viveiro do ..., da Lourinhã, descritos sob lll), mmm) e nnn) dos factos provados, bem como a indemnização correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a C..., S.A. geraria ainda, em, pelo menos, durante vinte anos de actividade, ambas a liquidar posteriormente, em sede incidental.
Custas a cargo dos Réus, sem prejuízo da medida da responsabilidade que resultar da liquidação ulterior.
Registe e notifique.
Oficie os processos n.º …/14.3TBLNH e n.º …/19.5T8VFX, que correram termos no Juiz 1 deste Juízo de Comércio, a solicitar certidão judicial onde conste a data da entrada das respectivas petições iniciais/instauração de ambas as acções.
Oficie o processo …/14. 1 T8VFX, que correu termos no Juiz 4 deste Juízo de Comércio, a solicitar certidão da sentença proferida, com nota de trânsito em julgado.
Oficie o processo …/15.2T8VFX, que correu termos no Juiz 1 deste Juízo de Comércio, a solicitar certidão judicial onde conste a data da entrada da respectiva petição inicial/instauração da acção.
Notifique o Ministério Público para requerer o que tiver por conveniente, face aos depoimentos prestados pelo Réu TS e pela testemunha VM, no julgamento realizado nestes autos, por confronto com os que prestaram no julgamento do processo …/18.3T8LRS, que correu termos no Juiz 4 do Juízo Central Cível de Loures”.
Recurso
Não se conformando, os réus apelaram, formulando as seguintes conclusões:
“I-QUESTÃO PRÉVIA-
II-        Os RR. tiveram recentemente conhecimento da celebração em 18/03/2024 de escritura notarial de compra e venda de um prédio misto sito ..., na Lourinhã, sito na Avenida …, nº 21, no lugar de ..., freguesia da Lourinhã, em que são intervenientes MF, como vendedora e FC, na qualidade de administrador único e em representação da sociedade “Falésia Radical, S.A.”, como comprador. Sucede que o terreno em questão era o local onde se encontravam implantados os viveiros principais da firma C.. S.A. (alínea eee dos Factos Provados), cuja actividade é objecto dos presentes autos, e os intervenientes na dita escritura anteriormente relacionados com o processo …/18.3T8LRS, que correu termos no Juiz 4, do Juízo Central Cível de Loures, referida nas alíneas rrr) e sss) dos Factos Provados na sentença de ora se recorre. Nessa acção judicial M F, figurava como Autora, sendo Ré a firma C..., e nela se peticionava a devolução do terreno agora vendido a FC, com a particularidade da taxa de justiça da A. ter sido paga por este, apesar de ser administrador da firma C..., que figurava como Ré nesse processo. No âmbito dos presentes autos os RR. invocaram o conluio entre MF e FC naquele processo …/18.3T8LRS, com o intuito de prejudicar a firma C..., conluio esse que fica assim amplamente confirmado e demonstrado. A escritura notarial que agora se traz ao conhecimento de V. Exas. Meritíssimos Desembargadores é um facto superveniente já que tem data posterior não só em relação ao termo da discussão da matéria de facto, mas mesmo da sentença. Por ser relevante para a reapreciação da matéria de facto constante dos autos, mormente para se aquilatar qual o grau de responsabilidade, e actuação de má-fé do primitivo A. dos presentes autos, FC, na inviabilização da actividade da firma C..., requer a V. Exas que se dignem considerar o referido facto e admitir o documento que ora se junta com as presentes alegações. 
DA IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA-
III- Pela sentença que ora se impugna, na sequência de accção declarativa de condenação interposta pelo primitivo A. também sócio e administrador da firma C..., SA, a MMª Juiza, julgando parcialmente procedente a acção condenou os RR, na qualidade de administradores da mesma C..., no pagamento de indemnizações à Sociedade, relegando para liquidação posterior o apuramento do quantum da indemnização por danos causados nos viveiros descritos nos factos provados sob lll), mmm) e nnn), bem como na indemnização correspondente ao lucro cessante adveniente da cessação da actividade da C... em 2019, correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a C..., S.A. geraria ainda, em, pelo menos, durante vinte anos de actividade. 
IV- Também julgou o Tribunal “a quo” totalmente improcedentes as excepções de ilegitimidade, autoridade do caso julgado, prescrição e abuso de direito, invocadas pelos RR.
V- Considerando para tanto, acolhendo a tese plasmada na PI, ter ficado demonstrado que os RR, em Agosto de 2014, haviam afastado o primitivo Autor dos assuntos e instalações da sociedade C..., S.A. e constituído, em Outubro de 2014, uma sociedade, a F..., com objecto social idêntico ao da C..., sociedade que, no desenvolvimento da sua actividade e até à sua autonomia, em 2019/2020, utilizou as instalações, os meios (incluindo veículos), os trabalhadores, a clientela e os fornecedores da C..., transferindo-os para a primeira, acabando esta última por cessar a actividade, esvaziada de património, em 2019 (factos sob n) a kk) dos factos provados). 
VI- Mais tendo considerado que os RR V e T, apesar de não serem Administradores de Direito da firma C..., teriam agido no período em questão (2014 2019) como administradores de facto da referida firma.
VII- Concluindo assim que os RR. violaram os deveres previstos nos artigos 254.º, n.º 1, 398.º, n.º 3, e 5, e 428.º do CSCom, bem como nos artigo 186.º, n.º 2, alíneas d), e) e f) do CIRE), com culpa, pelo que deviam responder para com a sociedade nos termos do artigo 72º, nº1, do CSCom.
VIII- Respaldando tal decisão na matéria de facto de II.1.1, alíenas a) a yyy) dos Factos Provados factos descritos, e no entendimento que deles fez em desabono dos RR.
IX- Ora os RR, ora recorrentes consideram que na sua defesa, quer por excepção, quer por impugnação, invocaram factos, e apresentaram provas que deviam ter conduzido à sua absolvição. Senão vejamos, 
X- Relativamente à Excepção de ILEGITIMIDADE do primitivo A. para a propositura da acção:
XI- Como refere a MMª Juíza “a quo” a presente é uma acção de responsabilidade proposta por “sócios” e supõe que estes possuam, pelo menos 5% do capital social da sociedade, conforme estabelece o artigo 77º, nº1, 1ª parte do CSCom.
XII- Ora o primitivo Autor, FC, apresentou-se como titular de 50% do capital social da C... S.A., a que corresponderiam 37 títulos de acções ao portador alegadamente na sua posse.
XIII- Os RR. invocaram a ilegitimidade daquele A. para instaurar a presente acção, por alegadamente este não ser titular de, pelo menos 5% do capital social da referida sociedade, dado que era titular de apenas 100 acções, no valor de €1,00, cada, quando o capital social era de € 50.000, 
XIV- Ou seja, o primitivo A., segundo os RR. era apenas titular de € 100 €, quando 5% do capital social da referida sociedade corresponderia a € 2.500.
XV- Efectivamente, do registo comercial junto aos autos de fls., ficou demonstrado que a firma C... S.A., foi constituída inicialmente, como sociedade por quotas e transformada, em 2009, em sociedade anónima, com o capital social de € 50.000,00, dividido da seguinte forma: SS – 100 acções; FC – 100 acções; NS – 100 acções; VS 9975 acções e TS – 39724,90 acções.
XVI-    Note-se que quando a firma C... tinha a forma jurídica de sociedade por quotas, já o capital social era maioritariamente da titularidade dos sócios VS e TS.
XVII-  Acontece que a MMª Juíza “a quo”, considerando provado que o primitivo A. tinha na sua posse 37 títulos de acções ao portador, que corresponderiam a 50% do capital social, entendeu que tal posse fazia presumir a sua legitimidade, e que prevaleceria inclusivamente sobre a presunção de veracidade emergente da publicidade feita pelo registo comercial – artigo 11º, do código do Registo Comercial – de distribuição diversa do capital social da referida sociedade. 
XVIII- Mas bastava tal posse para assim se entender e decidir de acordo com a lei, a justiça e a equidade?
XIX- É sabido que a Jurisprudência maioritária, tanto no Supremo Tribunal de Justiça, como no Tribunal da Relação de Lisboa, perfilha a tese segundo a qual o portador de acções tituladas ao portador não se encontra legitimado para exercer os direitos sociais inerentes a essas acções pelo simples facto dessa detenção, cabendo-lhe, para o efeito, provar a titularidade das acções, isto é, o negócio causal subjacente, literalmente, o contrato de compra e venda de acções.
XX- Na PI do autor era alegado que “por motivos relacionados com a vontade dos sócios de tal sociedade (artº 6º, foi igualmente decidido, aquando dessa operação de transformação, optar pela emissão de títulos ao portador” (Cfr. Artº 6º da pi), mais alegando que “no seguimento do acordado, o Autor ficou sendo titular de 37 títulos no valor de 50% do capital social da sociedade, títulos esses que ficaram por acordo das partes envolvidas, na sua posse” (Cfr. Artº 7º, da pi).
XXI- Na contestação os RR. vieram contra-alegar nos seguintes termos: “o A. vem invocar que está na posse de 50% do capital social da C..., SA, mas a verdade é que não explica como é que adquiriu o remanescente para além das 100 acções que lhe foram atribuídas aquando da transformação da C... em Sociedade Anónima, sendo certo que tais acções (as que excedem as 100 atrás referidas) nunca lhe foram transmitidas.”(Cfr. artº 10º, da Contestação), colocando assim em causa que o primitivo A. fosse titular do direito de propriedade sobre as acções correspondentes a 50% do capital social da sociedade.
XXII- Na resposta à contestação veio o primitivo A., em vez de apresentar o contrato de transmissão de acções que o tornaria legítimo portador, veio apenas dizer: “É falso como bem sabem os Réus aquilo que alegam nos 9º e 10º da contestação que se impugna, tendo, de resto, o Autor apresentado nos autos cópias certificadas das acções que detém e que correspondem a 50% do capital da sociedade “C...”, mais afirmando: “Aliás, a sociedade em causa, tendo três administradores, obriga-se com a assinatura de dois desses administradores, mas, tendo um deles que ser obrigatoriamente o Autor”, para concluir que: ”É evidente que tal disposição estatutária nunca teria sentido ou razão de ser, caso o Autor detivesse menos de 5% do capital social como defendem falsamente os Réus.”
XXIII- Ora o que era evidente é que ao primitivo A. não lhe bastava invocar a existência de um acordo, tinha de provar que a alteração da distribuição do capital social da referida sociedade relativamente ao que resulta do registo comercial da mesma tinha correspondido à vontade de todos os sócios, o que só poderia ser feito pela exibição de um documento escrito e assinado pelas partes que plasmasse a transmissão (compra e venda) das referidas acções, o que aquele não fez, a menos que os RR. o admitissem na sua contestação o que também não foi o caso.
XXIV- Pelo que a legitimidade do primitivo A. para intentar a presente acção contra os RR. se encontrava claramente prejudicada, devendo a excepção de ilegitimidade, invocada pelos RR. na sua Contestação, ter sido julgada procedente pela MMª Juíza “a quo” levando à absolvição da instância de todos os RR, o que desde já se requer a V. Exas. Desembargadores.
XXV- Relativamente à Excepção de ABUSO DE DIREITO quanto à peticionada indemnização pelo valor dos viveiros, na decisão da sua improcedência refere a MMº Juiza “a quo” na sentença ora impugnada: “que na referida acção não foi peticionada a devolução dos viveiros, sem qualquer contrapartida, mas sim o terreno onde aqueles se encontravam instalados, pelo que não se vislumbra abuso de direito, em nenhuma das suas modalidades (Cfr.art. 334º, do C. Civil, que paralise o direito de indemnização acima reconhecido”.
XXVI- A Julgadora a quo não vislumbrou qualquer abuso de direito, no entanto era bem claro que referida acção interposta por MF de conluio com F (o pagamento por este da taxa de justiça na referida acção denota claro interesse no desfecho da referida acção, ao contrário do que entendeu a MMª Juíza, e portanto tal conluio), contra a empresa C..., significava na prática, não só a devolução do terreno, bem como a destruição dos tanques dos viveiros, das infra-estruturas, por não se tratar de bens amovíveis, e portanto a impossibilidade da continuação da laboração da empresa naquele lugar, sem direito a qualquer indemnização, ou seja o primitivo Autor da presente acção seria afinal o responsável pela impossibilidade de continuação da actividade da firma, de que era ainda sócio-administrador, e que acabou por originar a insolvência da mesma, mas estaria a eximir-se a essa responsabilidade imputando-a aos outros administradores /gerentes e sócios da C..., e de forma encapotada, sob o manto aparentemente diáfano do interesse social, quando o interesse era essencialmente dele (vibrar um golpe mortal na actividade da empresa e ao mesmo tempo escapar à responsabilidade pela impossibilidade de continuação da laboração da empresa, que vinha aliás dificultando desde 2014, como se verá pela reapreciação da matéria de facto que aqui se requer), num claro e maquiavélico abuso de direito. Pelo que também aqui andou mal o Tribunal “a quo” ao declarar improcedente a referida excepção. O direito ao valor dos viveiros, e mesmo o referente a lucros cessantes, que resultasse reconhecido nos presentes autos, inserir-se-ia na esfera jurídica da sociedade mas deixaria de fora, em termos de responsabilização, o primitivo A., principal culpado. Pelo que era clara a má-fé e existência de Abuso de Direito por parte do Réu ao intentar a presente acção contra os RR, que devia ter sido considerada provada pelo tribunal “a quo”.
XXVII- Relativamente à decisão da Autoridade de Caso Julgado, alegada pelos RR para obstar à indemnização peticionada pelo valor dos viveiros, com a consequente extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, entendeu a MMª Juíza “a quo” que a mesma inexistia, porquanto a sentença proferida no processo nº proc. 1446/18.3T8LRS, transitada em julgado no dia 2202-2023, que julgou procedente o pedido formulado na acção e improcedente o pedido reconvencional, condenando as rés C..., S.A. e outros a entregar à Autora MF o imóvel situado na Lourinhã, onde estavam instalados os viveiros, sem direito da C... a qualquer compensação ou indemnização, “uma vez que, nos termos dos contratos celebrados e vigentes com a dona deles, a entrega do imóvel não dependia de qualquer compensação ou indemnização, uma vez que a permanência era a título gratuito” e que os direitos que poderiam existir sobre a construção dos viveiros pertenciam à FS Mariscos. Entendendo o Tribunal “a quo”que não se verifica autoridade de caso julgado ou outra excepção paralisadora do direito de indemnização acima reconhecido. Mas erradamente segundo se crê, é que se a sentença em questão faz referência “aos direitos que poderiam existir sobre a construção dos viveiros” pertencerem à FS Mariscos, e por exclusão de partes, não pertencerem à C..., esta indemnização abrangia evidentemente a construção dos Viveiros, i.é. as infraestruturas existentes à data do trânsito em julgado da referida sentença, infraestruturas essas que não podiam ser levantadas após a restituição do terreno, desde os tanques a todo o edificado existente no sítio em questão, que não podia ser retirado, pelo que o caso julgado tinha forçosamente de se repercutir, pelo menos em parte, no direito à indemnização peticionado pelo primitivo A. na presente acção, por incluir essas construções. Deverão assim V. Exas. Excelentíssimos, considerar relevante, nestes precisos termos, a excepção de caso Julgado invocada pelos RR, e decidida desfavoravelmente na sentença “a quo”. 
XXVIII- Vejamos em seguida a questão da reapreciação da matéria de facto, relativamente aos factos provados, que também constitui fundamento do presente recurso.
XXIX- Desde logo se alerta para a Contradição entre o facto constante da alínea ll) dos Factos Provados: “Pelas razões descritas, o Autor passou a recusar assinar quaisquer documentos que autorizassem pagamentos a efectuar pela C…, S.A..” com os factos constantes das alíneas anteriores, mormente da alínea dd): “Como forma de operar o negócio sem a assinatura do Autor, constituíram os Réus, em 13-10-2014, a F..., Lda., com sede na Rua …., n.º 37, ... Lourinhã, NIPC …, com o objeto social “Comércio, importação e exportação de peixe e mariscos vivos e congelados”, com o capital social, inicial, de € 5 000, 00 e posterior de € 50 000, 00, detido pelos Réus VS e TS, sendo seus gerentes, obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente”, tendo em conta que foi dado como provado na alínea mm) que: “O R. SS solicitou ao primitivo Autor FC, por diversas vezes, mediante cartas endereçadas através de email, em Setembro e Outubro de 2014, e em Fevereiro, Março e Abril de 2015, a sua autorização quanto a vários pagamentos, o que o Autor se recusou a fazer.”
XXX-  Ou seja, a razão para o primitivo A. se recusar a “assinar quaisquer documentos” em Setembro de 2014, não podia ser, entre outros, o facto de ter sido constituída a firma F..., o que só aconteceu, no mês seguinte (1310-2014), e que se duvida que o primitivo A. tenha sequer tomado conhecimento nessa altura, uma vez que não mais retornara à empresa.
XXXI- Pelo que tal facto (constante da alínea ll, deverá integrar o elenco dos factos não provados).
XXXII- E ainda a contradição entre o facto constante da alínea qqq)” A sociedade, por força da actuação dos Réus, deixou de ter quaisquer receitas e lucros, pelo menos, a partir do ano de 2019” e o facto constante da alínea rrr) “Em 07-02-2018, MF instaurou a acção cível que correu termos sob o processo …/18.3T8LRS, no Juiz 4 do Juízo Central Cível de Loures, contra a C..., S.A., C... Transportes, S.A. e F..., Lda., onde pediu a condenação das Rés na devolução imediata do terreno, onde se situam os viveiros do ..., na Lourinhã, devoluto de pessoas e bens, e no pagamento do valor de rendas que considerava serem devidas.”, Porquanto a referida acção de reivindicação de propriedade, que ela sim veio determinar o fim da actividade da firma C..., não foi intentada pelos RR, ora recorrentes, mas sim por um familiar dos RR. de conluio com o primitivo A. FC.
XXXIII- Mas os RR. também não podem aceitar, por isso ora impugnam recursivamente, parte da decisão sobre a matéria de facto, mormente, os factos constantes das alíneas y) “A partir de Agosto/Setembro de 2014, a sociedade passou a ser gerida pelos Réus”, z) “Nessa ocasião, os Réus alteraram a password do primitivo Autor para entrar no sistema informático da empresa e do seu endereço de e-mail”, aa) “Cancelaram o acesso do primitivo Autor ao BesNet, inviabilizando que este conseguisse efectuar qualquer pagamento ao Estado, fornecedores ou trabalhadores.bb) “Em data não apurada, os Réus alteraram a fechadura da porta do escritório da empresa, tendo o primitivo Autor, em certa ocasião, dado um pontapé na mesma.cc) “os Réus abriram, em 13-08-2014, uma nova conta bancária em nome do Réu TS, dd) “constituíram os Réus, em 13-10-2014, a F..., Lda” , ee) Com a constituição da F..., os Réus passaram a proceder da seguinte forma: i) Adquirem stocks de marisco através da C..., S.A., utilizando os meios desta e colocando-o nas instalações desta, para o que utilizam os veículos de transporte dela ou da C... Transportes, S.A.; ii) Vendem-no, através da F... aos clientes finais – que antes o adquiriam à C..., S.A. -, utilizando nas operações inerentes a essa venda, os equipamentos e meios da C..., S.A. e C... Transportes, S.A.; iii) Contabilisticamente, emitem uma factura de compra dos stocks da C..., S.A. e uma factura de venda desta à F..., que, por sua vez, os factura aos clientes finais; ff) “Os Réus transferiram diversos contratos de fornecimento que a C..., S.A. havia celebrado com clientes finais para a F...”; hh) Mudaram o contabilista da C..., S.A. sem a autorização do Autor. ii) Passou a F... a utilizar o viveiro de marisco sito no ..., Lourinhã e onde a C..., S.A. e a C... – Transportes, S.A. centravam a sua actividade, bem como todas as operações acima descritas. jj) Em data não apurada, os Réus deslocaram-se à Holanda e venderam veículos da C... – alguns por estarem desgastados -, sem que o Autor tivesse tido qualquer intervenção, venda que só poderia ocorrer mediante a assinatura dos dois administradores da sociedade, o Autor e o Réu SS, vindo o valor da venda a ser utilizado para compra de viaturas idênticas para o transporte de mariscos em nome da F...; kk) “Pretendiam os Réus, através da constituição da F..., Lda. esvaziar por completo o património e terminar com a actividade da C..., S.A., desenvolvendo a actividade desta através da mesma, com afastamento definitivo do Autor.”; ll) “Pelas razões descritas, o Autor passou a recusar assinar quaisquer documentos que autorizassem pagamentos a efectuar pela C..., S.A.”.  ss) “Os Réus, através da C... e da F..., continuavam a actuar no mercado, auferindo o lucro que para eles resultava dessa actividade e canalizando os clientes para essa nova sociedade
XXXIV- Porquanto o Depoimento de Parte da Ré VS, conjugado com os depoimentos das testemunhas J e AR, afinal as únicas pessoas que estiveram na firma C... de Agosto de 2014 até 2019, e que a seguir de transcrevem (cfr. transcrição no fundamento do recurso, obrigavam a um elencar diferente dos factos provados e não provados.
XXXV- Do depoimento de parte da Ré VS, resultava claro e cristalinamente, num registo genuíno, e sem contradição, que a criação, em 13-08-2014, de uma conta bancária pessoal em nome dos Réus TS e VS, no Banco Millenium BCP, com o NIB ….805, tendo pedido aos clientes que passassem a efectuar os pagamentos para a mesma, se ficou a dever à recusa do primitivo A. em assinar as ordens de pagamento que permitissem a movimentação das contas bancárias, com a consequência do bloqueio/paralisação da tesouraria da empresa, isto após se ter afastado voluntariamente, desde Junho/Julho de 2014, da administração da sociedade C..., S.A., que detinha conjuntamente com o Réu  SS, seu cunhado.
XXXVI- E que foi como única forma encontrada de continuar o negócio da firma C..., dispensando a assinatura do Autor, que o Réu S teve a ideia de constituir, em 13-10-2014, a firma F..., Lda., com sede na Rua … , n.º 37, ... Lourinhã, NIPC …, com o objeto social “Comércio, importação e exportação de peixe e mariscos vivos e congelados”, com o capital social, inicial, de € 5 000, 00 e posterior de € 50 000, 00, detido pelos Réus VS e TS, sendo seus gerentes, ficando esta sociedade a obrigar-se a sociedade com a assinatura de um gerente.
XXXVII- Que tanto a abertura da referida conta pessoal no banco Millenium BCP, como a constituição da firma F..., foram soluções encontradas pelo R. S que era o administrador executivo sobrante da firma C..., e que os também RR. VS e TS, tendo um papel na referida sociedade como seus funcionários administrativos, além de sócios maioritários, nunca a geriram, nem foram seus administradores de direito ou de facto.
XXXVIII- Como afirmou: “O meu pai teve essa ideia que se revelou uma boa ideia, no entanto não foi suficiente, pediu-nos então para abrirmos uma conta em nosso nome, para quê? Para conciliar, absolutamente conciliada ou reconciliada, não sei como é que se diz, com a empresa”.
XXXIX- E explicou ad abundantiam ao tribunal “a empresa para continuar a trabalhar precisava de manter os contratos de fornecimento, precisava de manter os colaboradores que na altura eram bastantes, precisava de manter a estrutura toda a funcionar, contas de luz que depois os débitos directos foram cancelados pelo Sr. F, débitos directos de luz, água, seguros, gasóleo, só em gasóleo era cerca de 50.000 euros por mês, luz era tipo ao 20.000 euros por mês, água, não era significativo mas também se pagava, portanto sem qualquer tipo de fundo de maneio, a empresa estava paralisada, tipo não se conseguia mexer na conta do banco”.
XL- Explicando o dramatismo que foi ver certos clientes (os super e hipermercados, afinal os mais importantes, e “que não pagam para contas que não são oficiais.) continuarem a pagar para conta oficial da C..., paralisada, sem que a administração pudesse utilizar esse dinheiro em benefício da C... “a conta oficial da C... que estava absolutamente bloqueada desde o dia em que o senhor F foi embora. Pronto, quando ele foi embora não tinha valor nenhum significativo, embora as dívidas fossem imensas, o meu irmão sabe melhor do que eu mas tinha, sei lá, 30.000 euros ou assim qualquer coisa, os clientes continuaram a pagar para aquela conta, a conta foi crescendo, crescendo, crescendo, e nós estávamos a vender marisco, não é, os clientes pagavam para a conta oficial da C...”.
XLI- Justificando assim a criação pelo seu pai, o R. SS, da firma F... que “era uma empresa veículo. E lembro-me da altura, e lembro-me bastante bem, e lembro-me disso quase todos os dias, e lembro-me disso muitas vezes, eu estou-me a rir mas é de sofrimento porque eram, imagine a C..., para perceber um bocado os meandros do negócio, a C... comprava aos fornecedores camiões de Marisco, então no Natal eram mesmo camiões, sim e esse foi outro dos motivos pelos quais constituímos a F..., porquê? Nós estávamo-nos a aproximar do Natal, o Natal com os fornecedores a pedirem garantias, não é, portanto tivemos que pagar aos fornecedores antes deles pescarem o marisco, era uma coisa completamente impensável, o meu pai nunca fez isto na vida, normalmente era remessa contra remessa, ou então não, quando o meu tio foi embora nós devíamos mais ou menos meio milhão de euros, a empresa devia mais ou menos meio milhão de euros aos fornecedores, portanto havia uma liberdade, havia uma confiança, aliás é assim que se monta um negócio, é assim que se constrói um negócio com esta relação de confiança, e de repente o que é que acontece? O meu pai vê que tem que pagar o marisco aos fornecedores antes deles pescarem o marisco, ou seja, uma semana antes deles terem o marisco nos barcos deles para a C... ir buscar, o marisco tinha que ser pago, e então foi outro dos motivos pelos quais o meu pai quis constituir a F... – Não, vamos agora tipo aproveitar esse dinheiro que vem dos Supermercados para pagar aos fornecedores, isto é uma empresa sazonal, o marisco é sazonal, porquê? É Verão, Páscoa e é Natal, não é, e o Natal são 3 semanas, é o Verão concentrado em 3 semanas, portanto havia toda uma emergência, toda uma necessidade de arranjar uma forma de desbloquear aquela situação o mais rapidamente possível, pronto foi a forma que encontrámos, é pá foi a melhor forma, se calhar não, mas na altura ninguém se lembrou doutra. Mas para perceber o negócio, o marisco vem lá de fora em camiões, não é, e depois é vendido em Portugal não é em camiões, é: restaurantes, vendedores, supermercados…”.
XLII-   Também referiu a mesma depoente as dificuldades que sentiu quando em 2014 foi chamada pelo R. SS para o ajudar na firma C..., deparando-se com uma série de deficiências que tornavam a empresa alvo preferido de vigilência das entidades estaduais fiscalizadoras da actividade económica que desenvolvia, mormente: “inúmeras situações muito desagradáveis, e que também ficaram, foram uma das coisas que eu chamei a mim na altura porque sempre gostei de mexer com papéis e porque gosto de resolver coisas, a C... era constituída por umas instalações na Lourinhã, no Algarve e no Norte. As instalações do Algarve e do Norte não tinham licenças para trabalhar, portanto desde o primeiro dia em que entrei na C... nunca mais me livrei da DGAV, da DRAP, da ASAE, da DGRM, foram meus amigos até eu ir embora, até dar a minha tarefa como concluída.
XLIII-  Confirmando que o equipamento industrial dos viveiros do ..., em 2014 e 2015, era já obsoleto: “Na Lourinhã. Tínhamos uma câmara frigorífica onde a C... acondicionava portanto a sapateira cozida, os, sei lá, lavagantes congelados, camarão, portanto o marisco congelado e cozido congelado, que estava completamente obsoleto, porque hoje em dia não se trabalha assim, é obrigatório por lei tipo terem câmaras frigoríficas com registo de temperatura, com que aquilo tem aplicações e é ligado a tudo e mais alguma coisa, há uma falha elétrica, há uma falha na temperatura…
XLIV- E repisando o tema: “as coisas não só estavam obsoletas, como estavam ferrugentas, velhas, nem sei dizer outra palavra, velhas, pronto, nós fomos laborando sempre nestas condições com muito boa vontade dos inspectores, com muito boa vontade mesmo, em que tínhamos limpezas permanentes de tudo e mais alguma coisa, isto na parte da congelação e da cozedura, depois na parte do viveiro tinha lá algum equipamento que depois foi retirado, foi retirado porque não funcionava, porquê, porque é que não funcionava? Nós, sabe como funciona um viveiro de marisco, portanto o marisco precisa de ter água fria e oxigenada, como um aquário (…)
XLV-  Também explicando o desinvestimento do Réu SS na C... a partir de determinada altura, as estratégias adoptadas para a firma se manter em actividade: “Nós não investimos, mas o que é que fizemos? Para além de fazermos obras sempre, todos os anos, todos os anos vazávamos o viveiro e fazíamos obras, porque os viveiros antigamente eram construídos com azulejo, hoje em dia não, constrói-se com outro tipo de material mais resistente, mas o azulejo é uma coisa que não funciona num viveiro de marisco porque descola, tem as patinhas da sapateira, tem a água salgada, mas todos os anos fazíamos obras, que sempre se fez, que o meu pai e o meu tio sempre fizeram, portanto o meu pai continuou a fazer isso, colar os azulejos, a pintar, a lavar tudo, e começamos a fazer assim, como não tínhamos um sistema de oxigenação, de espumação que funcionasse, nem tínhamos máquinas de frio que funcionassem, nós todas as semanas vazávamos um bocado de água do viveiro e repunhamos com camiões cisterna, faz sentido, percebe aquilo que eu lhe estou a dizer Sra. Dra. Juiza? Não sei, isto são coisas muito específicas do negócio.
XLVI- Ainda sobre a recusa do A. FC em co-assinar as ordens de pagamento da firma C..., desde Julho 2014, referiu um episódio passado nessa altura em que não se verificou a recusa do administrador ausente: “… se não me falha a memória o meu tio pagou a um fornecedor que era o Mickey, que agora não me lembro do número de facturação dele, que é o fornecedor com quem ele trabalhou, começou a trabalhar exclusivamente quando criou a “MB...”, ele pagou isso com antecedência e foi então aí que se nos fêz o click – então pagaste a este fornecedor porque queres manter as boas relações com este fornecedor. Portanto, sim foi o único fornecedor que ele pagou, mas sem consultar o meu pai, sem consultar ninguém. Esse foi um dos fornecedores desviado para a nova empresa do dito F, a firma MB.... 
XLVII- E a propósito das firmas F... e MB..., e da concorrência desleal que o dono desta última, F C, levou a cabo desde que abandonou a C..., também respondeu, a instâncias do mandatário do primitivo A.: Bem a F... não começa a atacar no mercado, quem começou a tacar o mercado foi o seu cliente quando em 2015 entra no mercado e manda e-mails aos clientes da C..., que na altura ainda eram clientes da C..., a dizer para não comprarem à C..., e isto foi feito, acho que há e-mails de clientes que nos mandaram com o e-mail do Sr. F a dizer para não comprarem marisco à C..., isto, no meu entender é que é atacar o mercado. Eu enquanto vendedora da C..., que fui durante 5 anos, nunca, mas isto é um princípio de vida que eu tenho, é um valor, portanto é mais forte do que eu, eu não falo da minha concorrência, ainda hoje não falo, aquilo que eu falo e falava na altura em que vendia marisco era - o meu produto é o melhor e pode satisfazer as suas necessidades, o produto era da C... e sempre foi o produto da C...”.
XLVIII- E sobre a razão da autonomização da firma F... relativamente à C..., em 2019, esclareceu o seguinte: ” Porque era insustentável. Olhe na realidade isso teria sido mais fácil de fazer desde início, nunca foi uma ideia que passasse pela cabeça do meu pai porque a C... era o “menino de ouro” do meu pai, a empresa que ele criou, a primeira empresa que o meu pai criou de marisco chamava-se C..., portanto era completamente impensável a empresa pela qual ele trabalhou a vida inteira não se lutar por ela, e a F... sim, foi um instrumento porque teria sido muito mais fácil “ab initio” constituir logo outra empresa, e até havia outras instalações, outras oportunidades se calhar, se calhar não de certeza teria sido muito mais barato pagar tudo o que se devia da C..., fornecedores, sei lá o que é que havia, credores, mecânicos, empresas de frio.”.
XLIX- Tudo isto revela, da parte dos RR, uma actuação nos antípodas da descapitalização da empresa C..., com vista ao seu fechamento, que costuma ser o modus operandi típico dos gestores/administradores nas insolvências culposas e fraudulentas, em que os trabalhadores são as primeiras vítimas. 
L- É que depois de 2014 e até 2018/2019, a referida empresa continuou a honrar as suas responsabilidades e a ter receitas, nas palavras da Ré V: “A C... continuava a ter receitas sim, a C... continuava a vender, o que é que se fazia, a ver se eu lhe consigo explicar: a C... continuava a ter os colaboradores, continuava a ter a frota, continuava a ter uma loja, continuava a ter os clientes, e o que é que se pensou? Ok, o meu pai disse, eu constituo a F..., a C... vende à F... com uma margem de lucro, a F… paga à C..., e era uma forma do quê, de nós pormos o dinheiro que recebíamos dos clientes dentro da C...”.
LI- Ou seja, o Réu S, ao contrário do entendeu a MMª Juiz “a quo”, não constituiu a firma F... para concorrer com a C..., mas para possibilitar que esta continuasse a laborar no mercado, a pagar aos seus trabalhadores, a saldar as suas dívidas, precisamente o contrário da atitude do primitivo A. FC, que, quer por omissão (recusando-se a cumprir os seus deveres de administrador da firma C...), quer por acção (apoderando-se de acções ao portador representativas de valor no capital social da firma C... superior ao da sua verdadeira participação social, apoderando-se de instalações, veículos, produto e dinheiro da firma C..., em proveito próprio, constituindo a empresa MB... para concorrer directamente no mercado com a firma de que era administrador, difamando a firma C... junto da clientela e fornecedores) tudo fez para destruir a C..., culminando com o processo judicial em que se conluiou com a sua tia MF, no sentido de despejar a firma C... das instalações que possuía em ..., Lourinhã, não havendo outras, o que veio a conseguir, facto constante da alíneas www) e yyy) dos Factos Provados. 
LII- A versão dos factos apresentada pela Ré VS, já de si credível não só pelo sólido conhecimento demonstrado relativamente à actividade económica e funcionamento da empresa em questão, mas essencialmente pela genuinidade, naturalidade e coerência do depoimento prestado, foi depois amplamente confirmada pelas testemunhas JS e AR, quer quanto à súbita quanto injustificada ausência da empresa do A. F, quer quanto à solução adoptada pelo R. S para salvar a C…, quer quanto ao funcionamento da C... até 2019 e também da F..., também quanto à obsolescência e vetustez do equipamento com que a empresa sediada no ... terminou os seus dias. Estas testemunhas foram ainda assertivas sobre quem eram os seus patrões na C...: Sr. F e Sr. S, não reconhecendo os restantes RR., mormente TS e VS como administradores (de direito ou de facto) da empresa, a este propósito também referiu a Ré V de modo credível, no seu depoimento de parte, o seguinte quando questionada pela MMª Juiz se tinha ido substituir nas suas funções o administrador ausente: “Não, na realidade não, fui assumir outras funções, sim o sr. F acho que também falava com alguns clientes, mas a empresa sempre teve vendedores, não é, que é uma mão-de-obra escassa, e portanto também fui desempenhar esse papel de vendedora, de administrativa, portanto, o que é que eu fazia? Atendia telefonemas, aprendi a facturar aos clientes, transformar guias de remessa em facturas…”.
LIII- Refira-se ainda que, constando da alínea rrr dos Factos Provados um valor total registado de € 820.690,02 referente ao imobilizado corpóreo, o mesmo, além de ser um valor contabilístico, avançado sem mais explicações, ignora que desse total, o valor de €416.605,00 dizia respeito aos imobilizados tangíveis da sucursal da C..., sita na Póvoa do Varzim, de que o primitivo A. se apoderou e fez seu, em proveito próprio em 2014/2015, um valor que desapareceu da órbita da firma a partir dessa altura. 
LIV- Ainda sobre o imobilizado corpóreo da C... devia ter sido referido na mesma alínea rrr, o seguinte: a tubulação da circulação de água não lhe correspondia nenhum valor, talvez pela sua antiguidade, as compressoras apresentavam diversos valores – € 1.980,00, € 822,00 (em 2007) € 1027,92 (em 2009) € 1900,00 (2010);  equipamento túnel de congelação – 12.500,00 (em 2007); equipamento de frio – € 9.382,26 (em 2009); central frigorífica – € 3.000,00 (em 2009); condensador centauro – € 3.021,20 (em 2009); câmara de congelados painel – € 5.900,00 (em 2009); motor – € 1034,00 e € 1960,00 (em 2009); equipamento de frio – € 17.436,16 (2009) e € 9382, 26 (em 2008).
LV- Atento o que vai dito e tudo considerado que andou mal o Tribunal “a quo”, ao considerar que os RR. violaram culposamente os deveres de lealdade, não tendo ficado demonstrado que a constituição da F... tivesse tido um impacto negativo na actividade e sobrevivência da C... (facto 39), antes pelo contrário, se esta firma continuou a laborar até 2019 (ano do Covid, entre outras calamidades), deve-se á actuação e trabalho hercúleo, abnegado e sacrificado dos RR., 
LVI- Como decidiu mal a MMª Juiza a quo ao condenar os RR. numa indemnização por lucros cessantes, quando fica demonstrado à saciedade no processo que a empresa antes de 2019, só continuaria a laborar se se fizessem avultados investimentos no seu aparelho produtivo (dada a vetustez e obsolescência dos respectivos equipamentos industriais), um esforço patrimonial que não era legítimo exigir dos RR, investimento esse que o próprio Autor originário, ainda administrador da C... nessa data, também não levou a cabo na empresa, e sobretudo,
LVII-   Pelo futuro hipotecado da empresa desde a instauração da acção cível que correu termos sob o processo …/18.3T8LRS, no Juiz 4 do Juízo Central Cível de Loures, interposta em 07-02-2018, por MF, tia do primitivo Autor FC, de conluio com este, contra as firmas C... , S.A., C... Transportes, S.A., onde se pedia a condenação das Rés na devolução imediata do terreno, que alberga os viveiros do ..., na Lourinhã,  sito na Avenida ..., nº 21, devoluto de pessoas e bens, acção essa julgada procedente por sentença de 02-03-2022, transitada em julgado em 16-02-2023, o que significou em definitivo a impossibilidade de continuação em laboração da empresa.
LVIII- Sendo certo que como consta da alínea rrr) dos Factos Provados, o viveiro da Lourinhã  constituía “o centro de actividade da C... e era o activo que lhe permitia exercer a sua actividade”.
LIX- Pelo que ficando definitivamente inviabilizada a continuação em funcionamento da C... naquele local, não havia qualquer expectativa legítima de obtenção de benefícios futuros emergentes da actividade da empresa, desde logo a partir da instauração do processo cível nº…/18.3T8LRS, supra referenciado, que constituiu uma espécie de “espada de Dâmocles” pendente sobre a gestão da C..., e que se revelou afinal ser a sua “causa de morte”.
LX- Não se vislumbrando, nos termos da lei, qualquer direito a lucros cessantes, ou sequer mera expectativa, de que fossem titulares a sociedade C..., o seu sócio administrador FC, ou de quem quer que seja, susceptível de indemnização, sendo essa pretensão um claro locupletamento à custa alheia infelizmente com acolhimento na sentença ora impugnada.
LXI- Não violaram assim os RR., com a sua conduta (qual conduta pergunta-se relativamente aos RR. NS, VS, TS?) os deveres legais específicos previstos nos artigos 254.º, n.º 1, 398.º, n.º 3, e 5, e 428.º do CSCom, bem como nos artigos 186.º, n.º 2, alíneas d), e) e f) do CIRE), nem objectivamente, nem subjectivamente, nada lhes podendo ser assacado a título de culpa, pelo que não incorreram em qualquer responsabilidade civil para com a referida sociedade, nos termos do artigo 72º, nº1, do CSCom, ou de qualquer outra disposição legal.
LXII- Ao considerar os RR. culpados e condenando-os a pagar indemnização à C..., por danos emergentes e lucros cessantes, violou a sentença a quo a lei, in casu os referidos artigos do CSCom e do CIRE, pelo que deve ser anulada e substituída por outra que considere procedentes a excepções invocadas pelos RR., com as legais consequências, ou não se entendendo assim, e reapreciando a prova gravada, considerar improcedente a acção e absolvendo os RR. do pedido e da condenação de que foram objecto.
Como é de elementar Justiça!”
A autora apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
“(Sobre a excepção de ilegitimidade)
 1. A excepção de ilegitimidade activa deduzida pelos Réus Recorrentes deve soçobrar e manter-se intocada a douta sentença recorrida: (i) O artigo 77º do CSC confere legitimidade para a propositura de ação judicial ut singuli aos sócios que possuam ações representativas de, pelo menos, 5% do capital social e FC provou ser esse o caso; (ii) Mesmo que fosse exigida a titularidade dessas ações, FC teria legitimidade activa pois a posse faz presumir a titularidade e os Réus Recorrentes não conseguiram ilidir tal presunção; (iii) Acresce que se encontra provado – al. h) dos factos provados – que FC adquiriu a posse das ações e, portanto, da sua titularidade por acordo com os Réus Recorrentes.
 2. Seja como for, FC já não é o autor nos presentes autos, mas sim a Recorrida, pelo que a suposta ilegitimidade activa sempre se teria sanado.
 (Sobre a excepção de abuso de direito)
 3. Os Réus Recorrentes defendem-se através da excepção de abuso de direito. O abuso de direito decorreria de FC ter ajudado a sua tia a instaurar uma ação de reivindicação do terreno e das instalações e do viveiro da Recorrida e que ditaria o fim da actividade da Recorrida, mas vir agora pedir uma indemnização pelo fim da actividade da Recorrida.
 4. Salvo o devido respeito, tal argumentário carece integralmente de fundamento dado que ambas as premissas em que assenta são falsas: 
 - Por um lado, a tia de FC e também da Ré Recorrente NS reivindicou o terreno onde se situavam as instalações e o viveiro, mas não as instalações e o viveiro da Recorrida e, em qualquer caso, a mera instauração de uma ação de reivindicação em 2018 nunca ditaria o fim da actividade da Recorrida. Quando muito só a procedência da ação, o trânsito em julgado da sentença e a sua execução – que viriam a acontecer em 2023 – é que poderia ter tal consequência…
 - Por outro lado, a indemnização peticionada nunca foi peticionada por FC. Esta era uma ação ut singuli e a sua procedência beneficiaria, isso sim, a Recorrida. Tal circunstância é agora ainda mais nítida dado que, presentemente, a autora é a Recorrida e não FC. Ora, os Réus Recorrentes nem sequer se atreveram a invocar qualquer abuso de direito por parte da Recorrida…
5. A Sentença recorrida não violou, pois, o artigo 334º do CC, a excepção de abuso de direito devia ter sido – como foi – julgada improcedente e a sentença deve manter-se intocada.
 (Sobre a excepção de caso julgado)
 6. Os Réus Recorrentes deduziram também a excepção de caso julgado, invocando que a sentença proferida no processo n.º …/18.3T8LRS onde era pedida a reivindicação do terreno onde se encontravam as instalações e o viveiro da Recorrida produziria efeitos de caso julgado nos presentes autos.
 7. Não lhes assiste razão dado não haver identidade de sujeitos, pedidos e causa de pedir entre os dois processos:
 (i) Não há identidade de sujeitos uma vez que na presente ação, o Autor primitivo foi FC e, presentemente, é Autora a Recorrida. São Réus os ora Recorrentes SS, NS, V S e TS; Diferentemente no processo n.º …/18.3T8LRS, foi autora MF e foram rés as sociedades C..., S.A., C... Transportes, S.A. e F..., Lda..
(ii) Não há identidade de pedidos: Na presente ação foi pedida a condenação dos Réus a pagar, solidariamente, à sociedade C..., S.A., uma indemnização pelos prejuízos por esta sofridos, referente à destruição dos viveiros, no montante de € 457 480, 31 e uma outra indemnização pela perda de receita e lucro a partir de 2019, correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a C..., S.A. geraria ainda, em, pelo menos, durante vinte anos de actividade, a liquidar posteriormente; Diferentemente, no processo n.º …/18.3T8LRS foi pedida a condenação das rés na devolução imediata do terreno, onde se situam os viveiros do ..., na Lourinhã, devoluto de pessoas e bens, e no pagamento do valor de rendas que considerava serem devidas.
(iii)       Não há identidade de causas de pedir: Na presente ação, a causa de pedir invocada por FC foi a violação dos deveres de cuidado, lealdade e não concorrência por parte dos Réus Recorrentes enquanto administradores da Recorrida;
Diferentemente no processo n.º …/18.3T8LRS foi a propriedade do terreno, que o mesmo se encontrava cedido gratuitamente, mas a proprietária, entretanto, o queria de volta.
(Sobre o recurso da decisão da matéria de facto)
8. Não existe qualquer contradição entre os factos provados ll), dd) e mm). O pedido de assinatura de Setembro de 2014 foi recusado por factos anteriores a tal data, como sejam (i) A alteração da password através da qual FC acedia ao sistema informático e email da Recorrida (facto z); (ii) o cancealemto do acesso de FC ao Besnet (facto aa); (iii) a alteração da fechadura da porta para que FC não acedesse aos escritórios da Recorrida (facto bb); (iv) a abertura de uma conta bancária pessoal dos Réus Recorrentes onde eram recebidos os pagamentos dos clientes da Recorrida (facto cc)… A recusa dos pedidos de assinatura de Outubro de 2014 e posteriores foram recusados com as mesmas justificações e ainda com a justificação da constituição da F... e a passagem para a mesma dos clientes da Recorrida.
 9. Não existe qualquer contradição entre os factos provados qqq) e rrr). A propositura de uma ação de reivindicação – em 2018 – pela proprietária do imóvel onde se situava o viveiro da Recorrida não pode sequer causar e muito menos causou o fim da actividade da Recorrida… Esse fim de actividade deu-se em 2019 e a decisão final daquele pleito apenas ocorreu em 2023. Já a actuação dos Réus, ao invés, que passaram clientes, fornecedores, trabalhadores… para outra empresa… podia ter esse efeito e teve-o mesmo.
 10. O Tribunal Recorrido deve rejeitar o recurso da decisão da matéria de facto por os Réus Recorrentes terem incumprido diversos ónus que sobre si recaíam por força do artigo 640º do CPC.
 (i) Por os Réus Recorrentes não terem indicados “Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (artigo 640º, n.º 1, al. b), do CPC)
 - Na medida em que tentam utilizar os três depoimentos, um de parte e dois testemunhais, para impugnar, em bloco, todos os factos que põe em causa no seu recurso;
 - Na medida em que nunca indicam que parte de cada depoimento seria relevante para a alteração da decisão de qualquer dos factos atacados no seu recurso; e,
 - Na medida em que não analisam criticamente as provas produzidas, não conjugam os depoimentos em que tentam estribar o seu recurso com as demais provas, não explicam porque é que o Tribunal Recorrido deveria ter decidido cada facto de forma diferente…
(ii) Por os Réus Recorrentes não terem indicado a “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (artigo 640º, n.º 1, al. c), do CPC.
 (iii) E por os Réus Recorrentes não terem indicado “com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso” (artigo 640º, n.º 2, al. a), do CPC), tendo-se limitado a indicar a que hora se iniciaram cada um dos três depoimentos que invocam e a respectiva duração.
 11. A rejeição do recurso não deve ser antecedida de um convite ao aperfeiçoamento, convite esse que não está previsto na lei e não é necessário de acordo com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, incluindo do Tribunal Constitucional.
12. Como facto y), o Tribunal Recorrido deu como provado que “A partir de Agosto/Setembro de 2014, a sociedade passou a ser gerida pelos Réus, sendo estes que mantêm na sua posse todos os documentos contabilísticos, que recebem a correspondência, que tomam as decisões a ela respeitante e que recebem pagamentos”.
 13. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
 14. De mais a mais, o facto y) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: acordo das partes (quanto ao Réu SS) e da conjugação dos depoimentos prestados, relativamente a esta matéria (quanto ao Réu TS), cotejados com os documentos juntos aos autos, o depoimento prestado pela testemunha MF, o depoimento prestado pela testemunha PS, o depoimento da testemunha JS e os documentos 3, 8, 9 e 12 juntos com a petição inicial.
 15. Como facto z), o Tribunal Recorrido deu como provado que “Nessa ocasião, os Réus alteraram a password do primitivo Autor para entrar no sistema informático da empresa e do seu endereço de e-mail e, em data não apurada, retiraram o computador que este mantinha nas instalações da sociedade”.
 16. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
17. De mais a mais, o facto z) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: declarações de parte de FC, depoimento de parte de VS e depoimento de parte de TS.
 18. Como facto aa), o Tribunal Recorrido deu como provado que “Cancelaram o acesso do primitivo Autor ao BesNet, inviabilizando que este conseguisse efectuar qualquer pagamento ao Estado, fornecedores ou trabalhadores”.
 19. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
 20. De mais a mais, o facto aa) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: declarações de parte de FCe depoimento de parte de VS.
 21. Como facto bb), o Tribunal Recorrido deu como provado que “Em data não apurada, os Réus alteraram a fechadura da porta do escritório da empresa, tendo o primitivo Autor, em certa ocasião, dado um pontapé na mesma”.
22. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
 23. De mais a mais, o facto bb) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: admissão por acordo no artigo 69º da Contestação, declarações de parte de FC, depoimento testemunhal de JS e AR.
 24. Como facto cc), o Tribunal Recorrido deu como provado que “Como a movimentação das contas bancárias da sociedade continuava a exigir a assinatura do Autor, os Réus abriram, em 13-08-2014, uma nova conta bancária em nome do Réu TS, sediada no Banco Millenium BCP, com o NIB ….805, tendo pedido aos clientes que passassem a efectuar os pagamentos para a mesma”.
 25. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
26. De mais a mais, o facto cc) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: prova documental, depoimento de parte de VS, depoimento de parte de TS e depoimento testemunhal de JSs.
 27. Seja como for, com base na confissão da depoente VS (00:12:26 a 00:19:19, 00:55:05 a 00:57:05 e 00:07:32 a 00:08:02), deve aditar-se ao facto cc) que esta era co-titular da conta bancária em causa, propondo-se para o facto em causa a seguinte redação: “Como a movimentação das contas bancárias da sociedade continuava a exigir a assinatura do Autor, os Réus abriram, em 13-08-2014, uma nova conta bancária em nome do Réu TS e da Ré VS, sediada no Banco Millenium BCP, com o NIB …9805, tendo pedido aos clientes que passassem a efectuar os pagamentos para a mesma” (o aditamento está sublinhado).
 28. Como facto dd), o Tribunal Recorrido deu como provado que “Como forma de operar o negócio sem a assinatura do Autor, constituíram os Réus, em 13-10-2014, a F..., Lda., com sede na Rua …, n.º 37, ... Lourinhã, NIPC …., com o objeto social “Comércio, importação e exportação de peixe e mariscos vivos e congelados”, com o capital social, inicial, de € 5 000, 00 e posterior de € 50 000, 00, detido pelos Réus VS e TS, sendo seus gerentes, obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente”.
 29. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
 30. De mais a mais, o facto dd) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: admissão por acordo e prova documental.
 31. Como facto ee), o Tribunal Recorrido deu como provado que “Com a constituição da F..., os Réus passaram a proceder da seguinte forma: i) Adquirem stocks de marisco através da C..., S.A., utilizando os meios desta e colocando- o nas instalações desta, para o que utilizam os veículos de transporte dela ou da C... Transportes, S.A.; ii) Vendem-no, através da F... aos clientes finais – que antes o adquiriam à C..., S.A. -, utilizando nas operações inerentes a essa venda, os equipamentos e meios da C..., S.A. e C... Transportes, S.A.; iii) Contabilisticamente, emitem uma factura de compra dos stocks da C..., S.A. e uma factura de venda desta à F..., que, por sua vez, os factura aos clientes finais”.
32. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
33. De mais a mais, o facto ee) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: depoimento de parte de VS e depoimento testemunhal de JS.
34. Como facto ff), o Tribunal Recorrido deu como provado que “Os Réus transferiram diversos contratos de fornecimento que a C..., S.A. havia celebrado com clientes finais para a F..., que passou a ter nesses contratos a posição de fornecedora”.
35. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
36. De mais a mais, o facto ff) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: depoimento de parte de VS e depoimentos testemunhais de JS e AR.
37. Como facto hh), o Tribunal Recorrido deu como provado que “Mudaram o contabilista da C..., S.A. sem a autorização do Autor”.
38. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
39. De mais a mais, o facto hh) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: declarações de parte de FC.
40. Como facto ii), o Tribunal Recorrido deu como provado que “Passou a F... a utilizar o viveiro de marisco sito no ..., Lourinhã e onde a C.., S.A. e a C... – Transportes, S.A. centravam a sua actividade, bem como todas as operações acima descritas”.
41. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
42. De mais a mais, o facto ii) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: depoimento de parte de VS, declarações de parte de FC e depoimento testemunhal de JS.
43. Como facto jj), o Tribunal Recorrido deu como provado que “Em data não apurada, os Réus deslocaram-se à Holanda e venderam veículos da C... – alguns por estarem desgastados -, sem que o Autor tivesse tido qualquer intervenção, venda que só poderia ocorrer mediante a assinatura dos dois administradores da sociedade, o Autor e o Réu SS, vindo o valor da venda a ser utilizado para compra de viaturas idênticas para o transporte de mariscos em nome da F...”.
44. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
45. De mais a mais, o facto jj) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: depoimento de parte de VS e declarações de parte de FC.
 46. Como facto kk), o Tribunal Recorrido deu como provado que “Pretendiam os Réus, através da constituição da F..., Lda. esvaziar por completo o património e terminar com a actividade da C... , S.A., desenvolvendo a actividade desta através da mesma, com afastamento definitivo do Autor”.
 47. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AFR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
 48. De mais a mais, o facto kk) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: depoimento de parte de VS e depoimento testemunhal de JS.
 49. Como facto ss), o Tribunal Recorrido deu como provado que “Os Réus, através da C... e da F..., continuavam a actuar no mercado, auferindo o lucro que para eles resultava dessa actividade e canalizando os clientes para essa nova sociedade”.
 50. Os Réus Recorrentes invocam contra este facto – como contra todos os demais – o depoimento de parte da Ré VS e os depoimentos testemunhais de JS e de AR, mas desses depoimentos não resulta qualquer prova que impusesse uma decisão diferente da matéria de facto.
 51. De mais a mais, o facto ss) deve manter-se intocado por força das seguintes provas: “em função da globalidade da prova produzida, estando adquirido que os Réus, até à autonomia da F... (que terá sido em 2019/2020), desenvolveram a actividade de comercialização de marisco através dos meios da C... e daquela empresa” – cf. fls. 46 da sentença recorrida.
 (Sobre o recurso da decisão da matéria de direito)
 52. Os Réus Recorrentes são responsáveis enquanto administradores de direito (S e NS) ou administradores de facto (T e VS) pelos prejuízos causados à Recorrida.
 53. Violaram os deveres de cuidado, lealdade e não concorrência que sobre si recaíam ao destituir FC sem fundamento, simulando assembleia geral que nunca ocorreu, procurando alterar os estatutos da Recorrida em assembleia geral ilegalmente convocada e, sobretudo, ao desviar para uma conta pessoal as receitas da Recorrida e, num segundo momento, ao passar essas receitas, os clientes, os fornecedores, os trabalhadores… da Recorrida para uma sociedade por si constituída e detida, a F... e até retirarem equipamentos do viveiro da Recorrida e o terem danificado de molde a que esta não pudesse relançar a sua actividade (“ilicitude e culpa”).
 54. Desses actos resultou (“nexo de causalidade”) a inutilização do viveiro da Recorrida e o fim da actividade da Recorrida (“danos”), que, até ao Verão de 2014, era uma empresa saudável, pelo que, com o aplauso da Recorrida, o Tribunal Recorrido condenou os Réus Recorrentes no pagamento das indemnizações peticionadas.
 55. Os Réus Recorrentes não põem causa a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar em face dos factos provados.
 56 Talvez tentem sustentar – não se percebe com clareza – que os Réus Recorrentes não eram administradores de facto da Recorrida, mas a verdade é que, mesmo que o não fossem, deviam ser responsabilizados por terem auxiliado seus pais a violar os deveres que indubitavelmente sobre si impendiam enquanto administradores de direito da Recorrida.
 57. Os Réus Recorrentes talvez tentem sustentar também a inexistência de nexo de causalidade, defendendo ter sido a propositura de uma ação de reivindicação o verdadeiro motivo pelo qual se verificou o fim da actividade da Recorrida.
 58. Se assim for, trata-se de mais um argumento desesperado por parte dos Réus Recorrentes:
 (i) O desvio dos clientes e das receitas ocorreu logo em Outubro de 2014 e, portanto, nunca se poderia dever á propositura de uma ação judicial em 2018;
 (ii) A instauração de uma ação de reivindicação nunca teria a virtualidade de causar o fim da actividade da Recorrida:
 - Por um lado, porque apenas visava a restituição de um terreno e não das instalações e viveiro da Recorrida;
 - E, por outro lado, porque – quando muito – só a execução de sentença condenatória transitada em julgado e que é de 2023 poderia ditar o fim da actividade da Recorrida, mas esse fim ocorreu em 2019…
 59. Por todo exposto, deve esta Veneranda Relação de Lisboa confirmar in totum a douta sentença recorrida e, em consequência, julgar improcedente o recurso dos Réus Recorrentes.
IV. PEDIDO
 Termos em que se esta Veneranda Relação deve:
a) Indeferir o recurso interposto por SS, NS, TS e VS, com todas as consequências legais; e,
b) Admitir a ampliação do objecto do recurso sobre o facto cc) e dar como provado que a Ré Recorrente VS também era titular da conta bancária aí referida, mais uma vez com todas as consequências legais.
Decidindo nesta conformidade, V. Ex.as farão a esperada e costumada
JUSTIÇA!
Cumpre apreciar.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de 1ª instância deu por assente a seguinte factualidade:
a) O primitivo Autor FC e o Réu SS dedicam-se, desde há muitos anos, à comercialização de marisco, desenvolvendo essa atividade em conjunto, iniciando o Autor individualmente e com repartição de lucros com aquele e, posteriormente, através de uma sociedade por quotas denominada “FS Mariscos, Lda.”, da qual detinham, cada um deles, quotas correspondentes a 50%.
b) Entenderam, mais tarde, deixar de desenvolver a sua atividade através da FS Mariscos e passar a utilizar para esse efeito a C... , SA.
c) A C... , S.A. foi, inicialmente, em 18-01-1989, constituída como sociedade por quotas, sendo os seus gerentes, o primitivo Autor FC e o Réu SS, e o capital social de € 5 000, 00, realizado em duas quotas no valor nominal de, respetivamente, € 997, 60 e de € 4 002, 40, da titularidade, respetivamente, dos Réus VS e TS.
d) Em 30-07-2009, foi feito um aumento de capital de € 45 000, 00, por incorporação de reservas livres, tendo o Réu TS ficado com a participação de € 40 024, 90 e a Ré V com a participação de € 9 975, 10, e, na mesma data, 30-07-2009, a sociedade foi transformada em sociedade anónima.
e) Após aumento, o capital social passou a ser de € 50 000, 00, realizado em 50 mil ações ao portador, com o valor nominal de € 1, 00 cada uma, dividido da seguinte forma, após divisão de parte da quota do Réu TS: SS – 100 ações; FC – 100 ações; N S – 100 ações; VS – 9 975 ações; e TS – 39 724, 90 ações.
f) O Conselho de Administração da C... , S.A. era integrado pelos Réus SS e NS e pelo primitivo Autor FC.
g) A C..., S.A., cujo objeto social consiste em “exportação e importação de marisco e peixe grosso”, obriga-se com a assinatura conjunta dos Administradores, FlC e SS.
h) O primitivo Autor FlC tem na sua posse 37 títulos de ações que correspondem a 50% do capital da sociedade “C... , S.A”, por acordo das partes envolvidas.
i) O Réu SS tem na sua posse os restantes 37 títulos no valor de 50% do capital da sociedade.
j) No Verão de 2014, a sociedade registava um lucro tributável no montante de € 448 264, 85, sendo o lucro líquido de € 358 674, 01.
k) O primitivo Autor FC, desde dezembro de 1991, nas relações comerciais que manteve com o Réu SS, e, em concreto, na sociedade C..., foi sempre responsável pela gestão da empresa, nomeadamente, pelas vendas, compras, pagamentos, recebimentos e reuniões com clientes e fornecedores, incluindo os estrangeiros. 
l) Tratava, igualmente, da área informática e administrativa.
m) Os Réus TS e VS encontravam-se a terminar os respetivos cursos, razão pela qual não exerciam quaisquer funções de administração na sociedade. 
n) Em agosto de 2014, o primitivo Autor FC foi informado pelo banco que já não tinha poderes para intervir nas contas da empresa.
o) E que essa alteração se ficara a dever a alteração que teria ocorrido nos estatutos dessa sociedade, em assembleia, e que havia sido comunicada ao Banco, o que surpreendeu o Autor.
p) Essa assembleia veio a ser refletida na ata n.º 13, de 07-08-2014, e visou, além do mais, a alteração do artigo décimo segundo dos estatutos da sociedade, no sentido de suprimir a assinatura do Autor, enquanto obrigatória para vincular a sociedade, onde o Autor não esteve presente. 
q) Em data não apurada, o primitivo Autor exerceu o seu direito à informação junto da administração da sociedade nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do número 1 do artigo 288.º do Código das Sociedades Comerciais.
r) Acesso que lhe veio a ser recusado, conforme carta datada de 15-07-2014, rececionada pelo primitivo Autor em data não apurada, subscrita pelo Réu TS, invocando a qualidade de Presidente da Mesa, com a justificação de que o Autor não possuía, pelo menos, 1% do capital social.
s) Na sequência, intentou o primitivo Autor as ações de anulação de deliberações sociais sob n.º 529/14.3TBLNH (em 14-08-2014), extinta por inutilidade superveniente da lide, e mais tarde sob o n.º 774/19.5T8VFX (em 04-03-2019), julgada procedente – que declarou a nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral da C... realizada em 07-08-2014 -, ambas do Juiz 1 do Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira.
t) Por carta de 18-08-2014, foi remetida ao primitivo Autor, pelo Réu TS, invocando a qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, uma convocatória dos acionistas para a realização de uma assembleia geral a realizar no dia 12-09-2014, pelas 10:00 horas, na sede social da sociedade.
u) A ordem de trabalhos que consta na referida convocatória contém os seguintes pontos 3 e 4: “ 3 – Ratificação da “Alteração do disposto no artigo 12.º dos estatutos da sociedade, no sentido de suprimir a obrigatoriedade da respectiva assinatura, por parte do Administrador da sociedade senhor FC, para obrigar sempre a sociedade. 4 - Em caso de eventual não ratificação, “Alteração do disposto no artigo 12.º dos estatutos da sociedade no sentido de suprimir a obrigatoriedade da respectiva assinatura, por parte do Administrador da sociedade senhor F JC, para obrigar sempre a sociedade”.
v) Em 03-09-2014, o primitivo Autor recebeu uma nova carta, enviada pelo Réu TS, na qualidade de acionista, na qual solicitava ao Autor, enquanto Presidente da Assembleia Geral, a marcação de uma assembleia geral, contendo ordem de trabalhos idêntica à da convocatória enviada em 18-08-2014.
w) No dia 12-09-2014, realizou-se a assembleia geral da sociedade, com a presença do primitivo Autor, na qualidade de Presidente da Mesa, onde, além do mais, foi deliberado suprimir a obrigatoriedade da assinatura do Autor F para obrigar a sociedade, conforme ata que constitui o documento 10, junto com a petição inicial e que, aqui, se considera inteiramente reproduzido.
x) Em 03-10-2014, o Autor impugnou a referida deliberação, no processo n.º …/14. 1 T8VFX, Juiz 4 do Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira, onde o pedido foi julgado procedente e anulada a deliberação, conforme sentença proferida a 24-02-2023, transitada em julgado.
y) A partir de agosto/setembro de 2014, a sociedade passou a ser gerida pelos Réus, sendo estes que mantêm na sua posse todos os documentos contabilísticos, que recebem a correspondência, que tomam as decisões a ela respeitante e que recebem pagamentos. 
z) Nessa ocasião, os Réus alteraram a password do primitivo Autor para entrar no sistema informático da empresa e do seu endereço de e-mail e, em data não apurada, retiraram o computador que este mantinha nas instalações da sociedade.
aa) Cancelaram o acesso do primitivo Autor ao BesNet, inviabilizando que este conseguisse efetuar qualquer pagamento ao Estado, fornecedores ou trabalhadores.
bb) Em data não apurada, os Réus alteraram a fechadura da porta do escritório da empresa, tendo o primitivo Autor, em certa ocasião, dado um pontapé na mesma.
cc) Como a movimentação das contas bancárias da sociedade continuava a exigir a assinatura do Autor, os Réus abriram, em 13-08-2014, uma nova conta bancária em nome do Réu TS, sediada no Banco Millenium BCP, com o NIB …805, tendo pedido aos clientes que passassem a efetuar os pagamentos para a mesma.
dd) Como forma de operar o negócio sem a assinatura do Autor, constituíram os Réus, em 13-10-2014, a F..., Lda., com sede na Rua …, n.º 37, ... Lourinhã, NIPC …, com o objeto social “Comércio, importação e exportação de peixe e mariscos vivos e congelados”, com o capital social, inicial, de € 5 000, 00 e posterior de € 50 000, 00, detido pelos Réus V Se TS, sendo seus gerentes, obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente. 
ee) Com a constituição da F..., os Réus passaram a proceder da seguinte forma: i) Adquirem stocks de marisco através da C... , S.A., utilizando os meios desta e colocando-o nas instalações desta, para o que utilizam os veículos de transporte dela ou da C... Transportes, S.A.; ii) Vendem-no, através da F... aos clientes finais – que antes o adquiriam à C... , S.A. -, utilizando nas operações inerentes a essa venda, os equipamentos e meios da C... , S.A. e C... Transportes, S.A.; iii) Contabilisticamente, emitem uma fatura de compra dos stocks da C... , S.A. e uma fatura de venda desta à F..., que, por sua vez, os fatura aos clientes finais.
ff) Os Réus transferiram diversos contratos de fornecimento que a C... , S.A. havia celebrado com clientes finais para a F..., que passou a ter nesses contratos a posição de fornecedora.
gg) A F... utilizava o número de operador/recetor, número de controlo veterinário, PME Líder, HACCP e programa informático da C... - Exportações, Importações, S.A. 
hh) Mudaram o contabilista da C... - Exportações, Importações, S.A. sem a autorização do Autor.
ii) Passou a F... a utilizar o viveiro de marisco sito no ..., Lourinhã e onde a C... , S.A. e a C... – Transportes, S.A. centravam a sua atividade, bem como todas as operações acima descritas.
jj) Em data não apurada, os Réus deslocaram-se à Holanda e venderam veículos da C... – alguns por estarem desgastados -, sem que o Autor tivesse tido qualquer intervenção, venda que só poderia ocorrer mediante a assinatura dos dois administradores da sociedade, o Autor e o Réu SS, vindo o valor da venda a ser utilizado para compra de viaturas idênticas para o transporte de mariscos em nome da F....
kk) Pretendiam os Réus, através da constituição da F..., Lda. esvaziar por completo o património e terminar com a atividade da C... , S.A., desenvolvendo a atividade desta através da mesma, com afastamento definitivo do Autor.
ll) Pelas razões descritas, o Autor passou a recusar assinar quaisquer documentos que autorizassem pagamentos a efetuar pela C... , S.A.. 
mm) O R. SS solicitou ao primitivo Autor FC, por diversas vezes, mediante cartas endereçadas através de email, em setembro e outubro de 2014, e em fevereiro, março e abril de 2015, a sua autorização quanto a vários pagamentos, o que o autor se recusou a fazer.
nn) Apesar de a C... ter dinheiro nas suas contas bancárias, estava impossibilitada de fazer pagamentos de impostos ou à Segurança Social, porque o Autor não fornecia a sua assinatura para o efeito.
oo) Também não era possível comprar e vender marisco, que era o objeto da empresa, por causa da falta de assinatura do Autor para todo e qualquer ato.
pp) Esta situação gerou contratempos e dissabores à C..., com a impossibilidade de cumprir as suas responsabilidades em relação aos impostos, fornecedores, seguros e salários de trabalhadores, implicaram o desencadear de penhoras sobre o património da C....
qq) O Autor remeteu carta registada, datada de 13-10-2015, para a administração da C... –Exportações, Importações, S.A., a solicitar informação quanto aos pagamentos solicitados, por não ter acesso à gestão e à contabilidade da sociedade, nomeadamente, quanto ao pagamento ao Estado (IVA), solicitando indicação das faturas que o motivaram, sem que obtivesse resposta.
rr) Após agosto de 2014 e já no ano de 2015, iniciaram-se negociações entre as partes, através de mandatários, para tentar chegar a um acordo que pusesse fim a todo o litígio.
ss) Os Réus, através da C... e da F..., continuavam a atuar no mercado, auferindo o lucro que para eles resultava dessa atividade e canalizando os clientes para essa nova sociedade.
tt) Em 02-03-2015, o Autor constituiu a sociedade denominada “MB... – Comércio de Mariscos, Lda.”, com o objeto social “Comércio de mariscos e pescado. Comércio e indústria de produtos alimentares e ultracongelados. Indústria, transformação e comércio de pescado e outros produtos alimentares. Comércio e representação de outros produtos e serviços. Importação e exportação”, que passou a operar no viveiro, da C..., da Póvoa de Varzim, em termos semelhantes ao que vinha acontecendo com a F..., Lda., que até então operava junto desse viveiro e dos outros dois, da Lourinhã e de Portimão.
uu) O Autor utilizou o número de controlo veterinário da C... na empresa MB....
vv) Apoderou-se de viaturas da C..., em número não apurado, sendo, pelo menos, de três.
ww) Apropriou-se de, pelo menos, uma parte, de um fornecimento de marisco provindo da Escócia, destinado à C..., sendo uma parte para o viveiro da Póvoa de Varzim, e outra para a sede da C... na Lourinhã, que posteriormente, vendeu através da MB..., tendo acabado por ser retirado daquelas instalações por ordem judicial.
xx) Em 30-04-2015, os Réus VS e TS instauraram um processo de destituição de administrador, precedido de procedimento cautelar de suspensão de funções, que correu termos com o n.º …/15.2T8VFX, Juiz 1 do Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira, que foi julgado improcedente por sentença de 30-04-2020.
yy) No referido processo, foi decretada, a título cautelar, a suspensão de funções do Autor enquanto administrador da sociedade em questão, decisão que lhe foi notificada em 04-12-2015 e que veio a ser levantada por decisão de 2905-2018.
zz) Em 11-07-2019, mediante auto lavrado por agente de execução, o Autor foi investido nas funções de administrador da C....
aaa) Consta do referido auto que, por informação prestada no ato pelo Réu TS, (i) Não “existem sistemas informáticos” da sociedade; (ii) não existe o “endereço de e-mail” do Autor, por ter sido desativado; (iii) “não existem (…) veículos nas instalações e que a sociedade não detém veículos”.
bbb)     Mais informou “que a empresa C... não tem aqui qualquer atividade, mas sim a empresa F..., Lda., conforme contrato de comodato que anexo ao presente”. 
ccc) E quanto aos documentos, informou que os mesmos se encontram “nestas instalações e passou a indicar o número de caixas”, “contendo documentos contabilísticos da sociedade C..., S.A.” e ainda dois livros de atas. 
ddd) Na referida data de 11-07-2019, a sociedade não tinha qualquer atividade nas instalações do viveiro, apenas tendo guardado os dossiers de contabilidade e livros de atas.
eee) A sociedade C... desenvolvia a sua atividade num viveiro instalado num prédio de natureza mista, sito na Avenida …, 21, ..., Lourinhã, descrito na CRP da Lourinhã sob o n.º … do Livro …e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da secção …. da União de freguesias da Lourinhã e Atalaia e na matriz predial urbana dessa freguesia sob o artigo …..
fff) Nesse prédio misto encontrava-se implantado um viveiro de mariscos, que incluía espaço para escritórios e loja de venda ao público, o qual, em 16-112019,   foi avaliado, em sede de perícia realizada no processo …/18.3T8LRS, do Juiz 4 do Juízo Central Cível de Loures, individualmente considerado, isto é, isolado e sem ter em conta o terreno, no valor de € 457 480, 31. 
ggg) Esse viveiro de mariscos estava instalado no edifício, o qual tinha no seu interior dois pisos, nos quais se encontravam incluídos os tanques de água salgada e as tubagens necessárias, para em conjunto com os equipamentos de refrigeração e oxigenação, permitirem o funcionamento de um circuito fechado de água salgada para a conservação dos mariscos vivos.
hhh) Nesse viveiro, existiam tanques de betão, máquinas e canalizações, como sejam os schillers, os compressores, ventiladores, um gerador de energia elétrica e câmaras de congelação.
iii) O viveiro era um dos maiores, senão o maior, da Península Ibérica.
jjj) No viveiro existia uma loja de venda ao público com balcões frigoríficos, panelas, máquinas de embalar, arcas frigoríficas, aquários e máquina registadora. 
kkk) No prédio, existia um outro viveiro.
lll) Após a realização da perícia no referido processo -16-11-2019 -, os Réus têm vindo a retirar todos os equipamentos que se encontravam nos viveiros e na loja.
mmm)  À data da instauração da ação – 20-04-2021 - já haviam sido retirados todos os equipamentos dos viveiros, nestes restando apenas os tanques de betão.
nnn)    Com efeito: 
- Na área do viveiro, foi retirada a tubulação de circulação de água salgada, os tanques com as paredes e o piso danificado; 
- Foram retirados os motores elétricos de circulação de água salgada, os “schillers” para arrefecimento de água salgada, compressores, grupo gerador, escumadores;
- Foram retirados os compressores e evaporadores da área das câmaras frigoríficas e do túnel de congelação, restando, apenas, as paredes e o teto;
- Foi retirada louça sanitária e os azulejos foram danificados em, pelo menos, uma das casas de banho e vestiário dos funcionários;
- Foi retirado o telhado do armazém que fazia de arrecadação para guardar caixas;
- A área de carga/descarga e os escritórios estão vazios de equipamento;
ooo)  A sociedade C..., S.A. teve o seguinte volume de facturação:  
2010      - € 4 886 779, 63; 
2011     - € 4 888 051, 55; 
2012     - € 4 777 139, 30; 
2013     - € 5 246 034, 00
2014     (até setembro) - € 3 762 548, 43.
ppp) Para obter tais receitas teve os seguintes custos de matérias-primas: 
2010     - € 4 752 750, 25
2011     - € 3 544 649, 33; 
2012     - € 3 892 186, 67; 
2013     - € 4 014 231, 95
2014     (até setembro) - € 2 822 874, 98
qqq) A sociedade, por força da atuação dos Réus, deixou de ter quaisquer receitas e lucros, pelo menos, a partir do ano de 2019.
rrr) O viveiro constitui o centro de atividade da C... e era o ativo que lhe permitia exercer a sua atividade, determinando que tivesse registado no seu imobilizado o valor total de € 820 690, 02.
sss) Em 07-02-2018, MF instaurou a ação cível que correu termos sob o processo …/18.3T8LRS, no Juiz 4 do Juízo Central Cível de Loures, contra a C... , S.A., C... Transportes, S.A. e F..., Lda., onde pediu a condenação das Rés na devolução imediata do terreno, onde se situam os viveiros do ..., na Lourinhã, devoluto de pessoas e bens, e no pagamento do valor de rendas que considerava serem devidas.
ttt) MF é tia do primitivo Autor FC.
uuu) Foi o primitivo Autor FC que pagou a taxa de justiça inicial da referida ação.
vvv) Na referida ação, o primitivo Autor FC prestou depoimento de parte, na qualidade de administrador das 1.ª e 2.ª Rés.
www) As Rés contestaram e deduziram pedido reconvencional: i) ser reconhecido e declarado o direito de propriedade da C..., S.A. sobre o prédio identificado, adquirido por acessão industrial imobiliária (…); ii) não sendo aplicável o regime da acessão industrial imobiliária, ser a A. condenada a pagar à C... o valor das benfeitorias consubstanciadas na construção do armazém, em valor não inferior a € 2000 000, 00.
xxx) Por sentença de 02-03-2022, transitada em julgado em 16-02-2023, foi decidido “A- Quanto ao pedido principal, julgar o mesmo parcialmente procedente e, em consequência, condenar as rés na entrega à autora do prédio misto (…), devoluto de pessoas e bens, julgando-o improcedente quanto ao restante, absolvendo as rés do pedido quanto ao restante que contra elas vinha peticionado; B – Quanto ao pedido reconvencional, julgar o mesmo integralmente improcedente, absolvendo a autora do pedido quanto a tudo que contra ela vinha peticionado”.  
yyy)      O primitivo Autor é irmão da Ré N, a Ré N é casada com o Réu S, sendo os Réus V e T, filhos dos 1.ºs Réus. 
*
O tribunal de 1ª instância consignou ainda como segue:
“II.1.2. Factos não provados
1. O Réu S começou a sua vida profissional como empregado de mesa de marisco; o Autor trabalhava com o pai num aterro, e decidiram ambos abrir um negócio de comercialização de marisco, usando para isso o know how do Réu S, e constituir a FS Mariscos.
2. O primitivo Autor FC apossou-se dos 37 títulos de acções correspondentes a 50% do capital social (de modo ilegítimo/ilícito).
3. O lucro líquido da sociedade, no Verão de 2014, de € 358 674, 00, decorreu do trabalho desenvolvido pelo primitivo Autor.
4. O Réu S era quem tinha todo o know-how relativamente à matéria da comercialização de marisco, sendo ele o conhecedor do mercado nacional e internacional, o principal angariador de clientes e o conhecedor dos fornecedores, quem melhor conhecia as condições de transporte e armazenamento do marisco, quem sabia quais as condições necessárias em termos de infraestruturas nos viveiros.
5. O Réu S nunca se dirigiu a uma reunião com qualquer cliente e fornecedor, nunca efectuou encomendas, vendas, pagamentos, recebimentos e passava largo tempo sem sequer ir às instalações da sede da empresa.
6. A Ré NS nunca se deslocou às instalações da sociedade e os Réus TS e VS foram afastados da gestão da empresa por terem sido vistos a apropriar-se de dinheiro da sociedade que se encontrava no cofre desta.
7. A Ré N tratava também da parte administrativa.
8. O Réu TS não exerceu funções de administração na sociedade C... até à actualidade.
9. Após ter tido conhecimento da alegada assembleia geral datada de 07-082014, o primitivo Autor dirigiu-se à Conservatória do Registo Comercial para confirmar a alteração e verificou que o documento justificativo era constituído pela acta n.º 13, referente a uma assembleia geral, que foi submetida a registo.
10. A referida assembleia geral não se realizou, não ocorreu no local da sede qualquer assembleia.
11. A carta endereçada ao primitivo Autor datada de 15-07-2014 foi recepcionada em 18-08-2014.
12. Na ocasião referida em z), os Réus retiraram ao primitivo Autor o computador que este mantinha nas instalações da sociedade.
13. Foi o primitivo Autor que deu instruções ao banco para cancelamento dos cartões.
14. A fechadura da porta do escritório foi alterada em 10-10-2014.
15. A fechadura da porta do escritório foi alterada, por ter ficado destruída depois de o primitivo Autor lhe ter dado um pontapé.
16. Com a constituição da F..., os Réus passaram a proceder da seguinte forma: (…); ii) Ou adquirem stocks de marisco através da F... que vendem à C... , S.A..
17. A F... não paga à C... , S.A. os stocks de mariscos correspondentes às facturas que emite e supostamente lhe forneceu, sendo os valores pagos pelos clientes finais recebidos por ela.
18. A utilização do número de controlo veterinário foi um lapso do prestador de serviços de informática, tendo sido retirado das facturas assim que se deram conta do lapso.
19. Foram enviadas autorizações SEPA para pagamento a fornecedores só com uma assinatura, do 1.º Réu.
20. Os Réus constituíram a F... para salvar o que pudessem da C..., que o Autor abandonou para iniciar ele próprio actividade sem a concorrência da C....
21. Durante o tempo em que decorreram as negociações, o Autor estava impedido de continuar a sua actividade no mercado, por estar afastado da gestão da sociedade e não desenvolvia actividade através de outra empresa.
22. Pelo facto referido em ii), as negociações decorriam sem que os Réus demonstrassem vontade de obter acordo ou de responder às sucessivas propostas de entendimento que lhes eram apresentadas pelo Autor.
23. Tentou obter-se acordo destinado à liquidação do património da sociedade e à sua divisão entre ambos. 
24. Pretendia-se que a sociedade mantivesse a sua actividade durante um período transitório e que, durante esse período, ambas as partes, através de sociedades que detivessem ou constituíssem, actuassem no mercado, adquirindo produtos a essa sociedade em condições idênticas e revendessem esses produtos livremente no mercado.
25. Os Réus faziam arrastar o período negocial, o que levou o Autor, ainda com as negociações a decorrer, a implementar a solução prevista pelo acordo que estava a ser negociado.
26. Assim que os Réus tiveram conhecimento do referido em tt), fizeram cessar as negociações.
27. O Autor telefonava aos fornecedores da C..., dizendo que não deveriam continuar os fornecimentos, porque a empresa se encontrava numa situação económica muito debilitada, com dificuldades financeiras, o que levou a que os fornecedores passassem a exigir garantias à C... que nunca antes haviam exigido.
28. O Autor conheceu a actual mulher, começou a afastar-se dos Réus e a descurar cada vez mais as suas funções na empresa.
29. Começou por passar vários meses fora de Portugal, no Brasil, deixou de se deslocar aos viveiros, de visitar as lojas, de angariar clientes, de rever orçamentos ou procurar melhores preços e de contribuir para a resolução dos problemas do dia-a-dia da empresa, sendo a sua principal preocupação contar o dinheiro que entrava na empresa.
30. Até que casou, e no Verão de 2014, em Junho/Julho desse ano, desapareceu por completo, sem dizer nada aos Réus, deixou de assinar o que quer fosse e inviabilizou totalmente o funcionamento da empresa.
31. O Autor dirigiu-se ao banco onde a C... tinha conta e revogou os pagamentos por débito directo, o que levou a que a luz, água, seguros, entre outros, não pudessem ser pagos.
32. Na fase inicial e durante muito tempo, a F... serviu para permitir que a C... pudesse continuar a exercer a sua actividade.
33. A F... inicialmente servia de instrumento da C... e visou sobretudo a disponibilização de capital para compra de marisco, porque se aproximava a época natalícia, onde normalmente se compra cerca de 1 milhão de euros de marisco para revenda.
34. Alguns veículos da C... foram vendidos para fazer face a despesas que se acumulavam.
35. O primitivo Autor impediu o acesso pelos Réus S e N aos computadores das instalações da C... na Póvoa de Varzim.
36. A maioria do produto referido em ww) não chegou ao ... da Lourinhã.
37. Na mesma data, o Autor apropriou-se de um veículo da C..., que se deslocou à Póvoa de Varzim, tendo forçado o motorista a regressar à sede de autocarro, contrariando as instruções que haviam sido dadas pelo Réu S.
38. Em Abril de 2015, o Autor dirigiu-se a um dos fornecedores da C..., em Rennes, França e levantou uma encomenda de búzio vivo, búzio cozido, ostras francesas e castanholas, fazendo-se passar por administrador da C..., tendo ele vendido essa mercadoria, que nunca pagou.
39. A MB... foi constituída para desviar clientes e fornecedores da C....
40. O edifício, individualmente considerado, referido em fff) teria, à data da avaliação feita no processo …/18.3T8LRS, do Juiz 4 do Juízo Central Cível de Loures, o valor de € 457 480, 31.
41. O viveiro a que se reporta o facto kkk) situava-se ao lado da zona de parqueamento de veículos, tinha cerca de 150 a 200 m2, e era destinado ao marisco que deveria ser exportado e tinha os mesmos equipamentos, de menor dimensão e capacidade.
42. No viveiro mais pequeno foi retirado o telhado.
43. O viveiro exterior está inutilizado e parcialmente destruído, pois toda a maquinaria foi retirada.
44. Foram retiradas as canalizações.
45. À data da instauração da acção – 20-04-2021 -, já haviam sido retirados todos os equipamentos da loja.
46. Foi retirado o equipamento de lavagem, lubrificação e reparação da área de lavagem dos veículos.
47. Foi retirada louça sanitária e os azulejos foram danificados nas casas de banho e vestiários dos funcionários.
48. Foi retirado o portão no armazém que fazia de arrecadação para guardar caixas.
49. À data da instauração desta acção – 20-04-2021 -, a área da loja de venda ao público era a única que se mantinha com todo o equipamento e que continuava a funcionar, estando previsto o seu desmantelamento com a abertura da loja do viveiro da F....
50. Todo o exterior dos viveiros está degradado e cheio de lixo.
51. O viveiro do ..., apesar de estar sem actividade desde 2019 e com degradação natural, encontra-se preparado para retomar a sua actividade, bastando para o efeito instalar os devidos equipamentos.
52. Os equipamentos foram retirados dos viveiros, uma vez que já não exerciam qualquer função neles.
***
Não se responde à restante factualidade alegada ou por ser irrelevante ou por conter factualidade jurídico-conclusiva”.
III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos réus apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:
- Da admissibilidade da junção de documento com as alegações de recurso;
- Da (i)legitimidade do primitivo autor;
- Da impugnação do julgamento de facto;
- Dos reflexos, nos presentes autos, da decisão proferida na ação que correu termos com o n.º …/18.3T8LRS, transitada em julgado em 16-02-2023;
- Do exercício abusivo do direito por parte do autor;
- Da verificação dos pressupostos do direito de indemnização a favor da sociedade declarada insolvente pelos réus/apelantes.
Impõe-se ainda apreciar da ampliação do objeto de recurso apresentada pela apelada nas contra-alegações.
2. Da admissibilidade da junção de documento com as alegações de recurso
Com as alegações de recurso os apelantes juntaram um documento alusivo a escritura pública de compra e venda de um prédio misto sito ..., na Lourinhã,  sito na Avenida …, nº 21, no lugar de ..., freguesia da Lourinhã, em que são intervenientes MF, como vendedora e FC, na qualidade de administrador único e em representação da sociedade “Falésia Radical, S.A.”, como comprador, outorgada em 18-03-2024, ou seja, em momento posterior à sentença, que data de 08-02-2024.
Alegam que “o terreno em questão era o local onde se encontravam implantados os viveiros principais da firma C... S.A. (alínea eee dos Factos Provados), cuja actividade é objecto dos presentes autos, e os intervenientes na dita escritura anteriormente relacionados com o processo …/18.3T8LRS, que correu termos no Juiz 4, do Juízo Central Cível de Loures, referida nas alíneas rrr) e sss) dos Factos Provados na sentença de ora se recorre. Nessa acção judicial MF, figurava como Autora, sendo Ré a firma C..., e nela se peticionava a devolução do terreno agora vendido a FC, com a particularidade da taxa de justiça da A. ter sido paga por este, apesar de ser administrador da firma C..., que figurava como Ré nesse processo. No âmbito dos presentes autos os RR. invocaram o conluio entre MF e FC naquele processo …/18.3T8LRS, com o intuito de prejudicar a firma C..., conluio esse que fica assim amplamente confirmado e demonstrado. A escritura notarial que agora se traz ao conhecimento de V. Exas. Meritíssimos Desembargadores é um facto superveniente já que tem data posterior não só em relação ao termo da discussão da matéria de facto, mas mesmo da sentença”.
Terminam indicando que o documento é relevante “para a reapreciação da matéria de facto constante dos autos, mormente para se aquilatar qual o grau de responsabilidade, e actuação de má-fé do primitivo A. dos presentes autos, FC, na inviabilização da actividade da firma C...”.
Do regime previsto nos arts. 423.º, 425.º e 651.º, n.º 1 do CPC, aplicáveis aos autos ex vi do disposto no art. 17.º, nº1 do CIRE, resulta que a junção de documentos na fase de recurso tem natureza excecional, justificando-se apenas nos casos de impossibilidade de junção em momento anterior [ [3] ], em face da superveniência do documento (objetiva ou subjetiva) [ [4]  ] e ainda nas hipóteses em que a pertinência e necessidade da junção só se evidencia perante o conteúdo da decisão recorrida, isto é, “os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento”[ [5] ].
No caso, atenta a data de outorga da escritura, o facto em causa, cuja prova os apelantes prendem seja feita por via do documento, é objetivamente superveniente e o documento, em abstrato, é suscetível de revelar para aquilatar do relacionamento estabelecido entre os outorgantes, ponderando as questões que se suscitam no processo, nomeadamente em sede de aferição da matéria de facto.
Assim, admite-se a junção do documento.
3. Da (i)legitimidade do primitivo autor
Suscitam os apelantes questão alusiva à ilegitimidade do primitivo autor para instaurar a ação, retomando questão já suscitada no articulado de oposição, agora ponderando igualmente a factualidade dada como assente (conclusões X a XXIV).
Está em causa saber se, arrogando-se o primitivo demandante a qualidade de acionista, por ser titular de um conjunto de ações ao portador, qualidade que é pressuposto da instauração da ação, incumbindo ao demandante o ónus de alegação e prova dessa qualidade, basta para o efeito a alegação e prova de que é o possuidor dessas ações (nas ações ao portador, que estas lhe foram entregues) ou, ao invés, se é ainda de exigir a alegação e prova do negócio causal à detenção dos títulos, porquanto aquela entrega não é, per se, bastante para operar a transmissão, que exige que ela se apoie num título válido, num negócio jurídico, o negócio causal subjacente [ [6] ].
Afigura-se-nos que essa discussão, que se deu nota na decisão recorrida e a que os apelantes novamente aludem, quanto à legitimidade do sócio para instaurar ação em defesa de interesses da sociedade, tendo por referência, entre muitos outros, os arestos indicados naquela decisão [ [7] ] é agora meramente académica, mostrando-se claramente prejudicada a opção por qualquer das orientações referidas.
Efetivamente, em face do trânsito em julgado do despacho que, proferido em 19-09-2023, concluiu pela “ilegitimidade singular activa superveniente do Autor” e considerou que assistia exclusivamente ao administrador da insolvência a legitimidade para a prossecução da presente ação [ [8] ], bem como a constatação que o administrador da insolvência passou efetivamente a intervir no processo, em substituição do primitivo autor, aceitando os autos no estado em que os mesmos se encontravam e fazendo-os seus, entendemos que se operou uma alteração significativa do âmbito da ação, que deixou de poder configurar-se estritamente como uma ação social uti singuli (art. 77.º do CSC). Por força da declaração de insolvência da sociedade e da posição assumida pelo administrador da insolvência, que entendeu justificar-se o prosseguimento da ação de responsabilidade contra os administradores da empresa, pedindo o ressarcimento dos danos por eles causados, passou a ação a configurar-se como se de verdadeira ação ut universi (art.75.º do CSC) se tratasse, sendo que essa particularidade se afigura inerente ao facto (superveniente) que constituiu aquela declaração.
Nesse contexto, perante esse fenómeno de substituição processual, pelo qual se operou a indicada alteração subjetiva, é juridicamente irrelevante a apreciação pretendida pelos apelantes, que não discutem, como não discutiram, a legitimidade exclusiva do administrador da insolvência para prosseguir o processo.
Improcede, pois, a questão suscitada.
4. Da impugnação do julgamento de facto
Ponderando os termos em que os apelantes impugnam o julgamento de facto feito pela 1ª instância, impõe-se apreciar se essa impugnação obedece aos requisitos a que alude o art. 640º. do CPC, sendo que a apelada, nas contra-alegações de recurso, suscita questão alusiva à rejeição do recurso quanto à matéria de facto alegando o incumprimento pelos apelados das exigências indicadas no referido preceito.
Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – art. 640º, nº 1, que tem correspondência com o que anteriormente dispunha o art. 685º-B, nº1 da lei processual civil. 
Entendemos que, quanto a alguma matéria impugnada, os apelantes não deram integral cumprimento ao disposto no referido preceito: os apelantes não cuidaram de especificar, com referência aos concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, a “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” – alínea c) do referido preceito. Assim, os apelantes não indicam (i) aqueles cuja eliminação, tout court, pretendem e (ii) aqueles que, dados como assentes pelo tribunal, o deviam ser em termos diferentes, ou seja, qual o conteúdo de texto que pretendem ver modificado. Essa concretização do sentido da decisão a rever não se compadece com a mera descrição de raciocínios valorativos e genéricos, que até podem deixar antever os pontos de discordância relativamente ao juiz, mas não permitem, com suficiente precisão, alcançar em que termos o recorrente pretende que seja alterada a decisão sobre a matéria de facto por parte desta Relação, nos vários sentidos possíveis (eliminação, aditamento e modificação de texto).
Particularizando, os apelantes impugnam a factualidade descrita pela 1ª instância nas seguintes alíneas:
Alínea y): “A partir de Agosto/Setembro de 2014, a sociedade passou a ser gerida pelos Réus”;
Alínea z): “Nessa ocasião, os Réus alteraram a password do primitivo Autor para entrar no sistema informático da empresa e do seu endereço de e-mail”;
Alíneas aa) e bb);
Alínea cc): “os Réus abriram, em 13-08-2014, uma nova conta bancária em nome do Réu TS”;
Alínea dd): “constituíram os Réus, em 13-10-2014, a F..., Lda”;
Alínea ee);
Alínea ff): “Os Réus transferiram diversos contratos de fornecimento que a C... , S.A. havia celebrado com clientes finais para a F...”;
Alíneas hh), ii), jj), kk), ll) e ss) (cfr. a conclusão XXXIII)
Indicando os apelantes, quanto à matéria supra identificada, que “os RR. também não podem aceitar, por isso ora impugnam recursivamente, parte da decisão sobre a matéria de facto, mormente, os factos constantes das alíneas (…)” e que o depoimento de parte da ré VS
, conjugado com o depoimento das testemunhas JS e AR “obrigavam a um elencar diferente dos factos provados e não provados” (n.º 32 e 33 do corpo das alegações e conclusões XXXIII e XXXIV). No entanto, não indicam ou precisam o sentido da alteração que pretendem ou sequer sugerem qualquer nova redação dessas alíneas, limitando-se a enunciar o conteúdo dos depoimentos prestados, com extensa transcrição desses depoimentos no corpo das alegações – cfr. as conclusões XXXV a LIII.
Idem quanto à invocada contradição entre a resposta fixada na alínea qqq) e a resposta fixada na alínea rrr), que os apelantes apontam não extraindo, no entanto, dessa alegação qual a decisão que pretendem seja proferida por esta Relação – cfr. a conclusão XXXII, que repete a alegação vertida no número 30 do corpo das alegações.
Conclui-se que, quanto à impugnação do julgamento dos factos enunciados nas referidas alíneas, se impõe a rejeição da impugnação por falta de cumprimento da apontada exigência legal, assim se decidindo.
*
Igualmente, quanto à factualidade dada por assente sob a alínea rrr), os apelantes alegam conforme consta das conclusões LIII e LIV, sendo que tais enunciados conclusivos correspondem, ipsis verbis, ao que tinham inscrito no corpo das alegações, sob os números 52 e 53, nada mais invocando a esse propósito.
Os apelantes pretendem ver aditada determinada matéria, que enunciam nos seguintes termos: “a tubulação da circulação de água não lhe correspondia nenhum valor, talvez pela sua antiguidade, as compressoras apresentavam diversos valores – € 1.980,00, € 822,00 (em 2007) € 1027,92 (em 2009) € 1900,00 (2010);  equipamento túnel de congelação – 12.500,00 (em 2007); equipamento de frio – € 9.382,26 (em 2009); central frigorífica – € 3.000,00 (em 2009); condensador centauro – € 3.021,20 (em 2009); câmara de congelados painel – € 5.900,00 (em 2009); motor – € 1034,00 e € 1960,00 (em 2009); equipamento de frio – € 17.436,16 (2009) e € 9382, 26 (em 2008)” (sic).
Não cuidam, porém, de indicar quais os elementos probatórios que suportam essa pretensão pelo que, igualmente, não se mostra cumprida a exigência a que alude o art. 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC, justificando a rejeição do recurso, nessa parte, assim se decidindo.
Acrescente-se, em argumentação subsidiária, que mesmo que assim se não entendesse, considerando o teor da referida alínea e a motivação apresentada pelo tribunal [ [9] ], não se alcança a pertinência da matéria que os apelantes pretendem ver aditada nos termos, dubitativos, em que a enunciam, justificando um juízo de improcedência da impugnação.
*
No mais, os apelantes peticionam que a factualidade dada por assente em ll) passe a integrar o elenco dos factos não provados (conclusão XXXI); invocam, para fundar a impugnação, que o facto aí consignado está em contradição com a matéria dada por assente “nas alíneas anteriores”, “mormente da alínea dd)” e “tendo em conta” o que “foi dado como provado na alínea mm)”, “[e] ainda a contradição entre o facto constante da alínea rrr)” (conclusões XXIX a XXXI, com correspondência integral na alegação vertida nos números 28 a 30 do corpo das alegações, nada mais indicando os apelantes a esse propósito.
A primeira instância motivou a resposta nestes termos:
“Factos sob ll), mm), nn), oo), pp) e qq) – resultaram provados em função do acordo das partes quanto à recusa de autorização dos pagamentos pelo primitivo Autor FC, em determinada altura, por um lado, e em função da justificação dada pelo mesmo, no depoimento que prestou – quando referiu que concedeu as autorizações para pagamentos de impostos, salários e fornecedores até Outubro de 2014 (o que resulta consentâneo com as datas de incumprimento (a partir de Novembro de 2014), que constam da certidão da Autoridade Tributária junta como documento 39 com a contestação/requerimento probatório) e, após esta data, deixou de o fazer, na medida em que não estava presente na C... e desconhecia a que despesa respeitavam os pagamentos solicitados, o que, cotejado com o teor do documento 15, junto com a petição inicial, oferece verosimilhança e credibilidade, face, também, ao facto provado sob kk), permitindo ao Tribunal dar como provados os descritos factos.  A par, resultou ainda provado que o Réu SS solicitou, por diversas vezes, autorizações de pagamentos, face aos docs. 7 a 23 juntos com a contestação/requerimento probatório, que não foram impugnados, e ainda penhora de saldos bancários emergente de falta de pagamento de impostos, documentada nos documentos 3 a 6 juntos com a contestação/requerimento probatório, e que foi corroborada pelos Réus VS e TS que se referiram, nos depoimentos que prestaram, por diversas vezes, ao “bloqueio da conta oficial” da C... que tinha dinheiro e não podia fazer pagamentos – decorrentes da actividade normal da C... -, ora porque não havia autorização do primitivo Autor FC, ora porque o saldo bancário estava penhorado”.
A factualidade assim dada como provada tem por base a matéria alegada pelo autor no art. 69.º da petição inicial, tendo por referência a alegação constante nos artigos 59.º e seguintes, sob a epígrafe “D. A constituição pelos Réus de nova sociedade”, sendo que essa factualidade foi vertida, na sua essência, nas alíneas dd) (art. 59.º da petição inicial), ee) (arts. 62 e 63), ff) (art. 64.º), gg) (art. 65), hh) (art. 66.º), kk) (art. 68.º) e ll (art. 69.º) [ [10] ]. Ora, dando-se como provado em ll) que “[p]elas razões antes descritas, o Autor  passou a recusar a assinar quaisquer documentos que autorizassem pagamentos a serem feitos pela "C... - Exportações, Importações, S.A.”, o tribunal não concretizou no tempo essa recusa, nem a reportou a qualquer concreto e específico pagamento, pelo que não se vislumbra qualquer contradição entre o conteúdo da matéria assim fixada e o conteúdo da matéria fixada nas alíneas anteriores – ao invés, é uma decorrência lógica daquelas, no contexto apontado na petição inicial – e muito menos com a matéria fixada em mm), que particulariza datas reportadas a momentos anteriores e posteriores à constituição da referida sociedade em 13-10-2013 (cfr. a alínea dd). Acrescente-se que decorre dessa matéria de facto que a recusa de assinatura teve por base outros factos que não exclusivamente a constituição e funcionamento da referida sociedade.
Não se vislumbrando a apontada contradição, inexiste motivo para alterar o juízo valorativo feito pela 1ª instância, improcedendo a impugnação do julgamento de facto.
5. A decisão proferida na ação que correu termos com o n.º …/18.3T8LRS, transitada em julgado em 16-02-2023
O apelante insurge-se contra a apreciação feita na sentença recorrida relativamente à questão suscitada aquando da apresentação do articulado superveniente, tendo por referência a decisão proferida no referido processo (conclusão XXVII). Considera “que o caso julgado tinha forçosamente de se repercutir, pelo menos em parte, no direito à indemnização peticionado pelo primitivo A. na presente acção, por incluir essas construções. Deverão assim V. Exas. Excelentíssimos, considerar relevante, nestes precisos termos, a excepção de caso Julgado invocada pelos RR, e decidida desfavoravelmente na sentença a quo”. 
Os efeitos do caso julgado podem ser vistos numa dupla perspetiva, tratando-se de realidades distintas: a exceção de caso julgado, exceção dilatória a que alude o art. 577º, alínea i) do CPC, aferindo-se pela identidade dos sujeitos, pedido e causa de pedir (art. 581º do CPC), pressupondo a repetição de uma causa; trata-se de exceção de conhecimento oficioso e dá origem à absolvição da instância (arts. 578º e 576º, nº2 do CPC). /E a autoridade do caso julgado, que importa a aceitação de decisão proferida anteriormente, noutro processo, cujo conteúdo importa ao presente e que se lhe impõe, assim obstando que uma determinada situação jurídica ou relação seja novamente apreciada, considerando parte da jurisprudência e doutrina que, nesta aceção, não se exige a tríplice identidade [ [11] ].
Na petição inicial foi formulado pedido com vista à condenação solidária dos réus a indemnizar a sociedade “pelos prejuízos causados, os quais na parte já líquida ascendem a € 457.480,31, mas cujo total valor apenas poderá ser determinado posteriormente”.
Para fundar essa pretensão o autor invoca, nomeadamente, que a sociedade já não tem qualquer atividade pelo menos desde 11.07.2019, nem receitas e que desenvolvia a sua atividade num viveiro instalado no prédio de natureza mista sito na Avenida …, 21, ... Lourinhã (descrito na CRP da Lourinhã, sob o n.º … do Livro … inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da secção … da freguesia da Lourinhã e Atalaia e na matriz predial urbana dessa freguesia sob o artigo …6; era nesse prédio misto que se encontrava implantado um viveiro de mariscos, qual incluía espaço para escritórios e loja de venda ao público, que teria, à data da avaliação feita no processo n.º …/18.3T8LRS do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (Juízo Central Cível- Juiz 4), isolado e sem ter conta o terreno, o valor de € 457.480,31; nesse viveiro existiam tanques de betão e máquinas e canalizações, como sejam os "chilers", os compressores, ventiladores, um gerador de energia eléctrica e câmaras de congelação e no viveiro em causa existia ainda uma loja de venda ao público com balcões frigoríficos, panelas, máquinas de embalar, arcas frigoríficas, aquários e máquina registadora; ainda, no prédio em causa e ao lado da zona destinada ao parque de veículos, existia  ainda um outro viveiro com cerca de 150 a 200 m2 destinado ao marisco que deveria ser exportado e com os mesmos equipamentos que tinha o outro viveiro, equipamentos esses, porém, com menor dimensão ou capacidade (arts. 100.º a 107.º da petição inicial).
Alegam que os réus procederam à retirada de todos os equipamentos e canalizações que se encontravam nos viveiros e na loja, restando apenas os tanques de betão, sendo que no viveiro mais pequeno que se descreveu até o telhado foi retirado, concretizando essa atuação nos moldes descritos no art. 110.º da petição inicial [ [12] ]. Concluem que “[d]este modo o viveiro nesta data já não tem qualquer valor de mercado, restando apenas as paredes do armazém e os tanques deteriorados” (art. 111.º), contabilizando os prejuízos causados pelos réus da seguinte forma, em síntese:
 - “[T]endo a sociedade deixado de ter qualquer actividade, pelo menos, em 2019, tal prejuízo não deverá nunca ser inferior ao correspondente ao lucro bruto que esta geraria ainda, em pelo menos vinte anos de actividade” (art. 120.º) (sublinhado nosso);
- “Os Réus são ainda responsáveis pela destruição do referido viveiro de mariscos, provocando um dano equivalente ao do valor que este tinha, de € 457.480,31, valor esse que é, já, líquido” (art. 121.º).
Afastada liminarmente a ponderação do caso julgado como exceção, uma vez que não existe entre a presente ação (instaurada em 20-04-2021) e o aludido processo (instaurado em 07-02-2018) identidade de sujeitos processuais/pedido/ causa de pedir – cfr. a factualidade dada por assente em sss) a xxx) –, temos também por seguro que não tem qualquer cabimento a pretendida extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, que a lei processual prevê no art. 277.º, alínea e) do CPC e que ocorre sempre que por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide deixe objetivamente de ter qualquer utilidade ou interesse para os sujeitos processuais, seja porque já não é possível o pedido ter acolhimento, seja porque o fim visado com a ação foi alcançado por outra via [ [13] ].
No caso, o facto juridicamente relevante que emerge do aludido processo é a condenação dos aí réus – incluindo a sociedade C..., S.A. , ora insolvente –, na devolução do terreno onde se situa o viveiro à respetiva proprietária, autora nessa ação, condenação proferida por sentença de 02-03-2022 e transitada em 16-02-2023, a par da improcedência do pedido reconvencional aí formulado. Considerando a conduta imputada aos réus nos presentes autos e, consequentemente, a delimitação temporal feita relativamente ao pedido de indemnização, tendo em vista o apuramento dos lucros que a sociedade deixou de auferir, por causa da atuação culposa dos réus, “pelo menos” nos “vinte anos” subsequentes em que exerceria a sua atividade, não fora essa conduta, também se perceciona que nunca essa condenação teria a virtualidade de influenciar o sentido da decisão a proferir nestes autos pelo menos com referência ao período que decorreu a partir de 2019 e a data de execução do comando vertido na aludida sentença.
Lê-se na sentença recorrida:
“4) Autoridade de caso julgado quanto à peticionada indemnização pelo valor dos viveiros
Em articulado superveniente, peticionaram os Réus a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento, em síntese, que, no dia 2202-2023, transitou em julgado a sentença de 02-03-2022 que julgou procedente o pedido formulado na acção (proc. …/18.3T8LRS) e improcedente o pedido reconvencional, condenando as Rés C..., S.A. e outros a entregar à Autora MF o imóvel situado na Lourinhã, onde estavam instalados os viveiros, sem direito da C... a qualquer compensação ou indemnização, “uma vez que, nos termos dos contratos celebrados e vigentes com a dona deles, a entrega do imóvel não dependia de qualquer compensação ou indemnização, uma vez que a permanência era a título gratuito” e que os direitos que poderiam existir sobre a construção dos viveiros pertenciam à FS Mariscos./ O Autor respondeu, em síntese, que a referida sentença confirma que os Réus destruíram o viveiro, viveiro que constituía o centro de actividade da C... e era o activo que lhe permitia exercer a sua actividade, de modo que as alterações e os equipamentos nele integrantes determinavam que a C... tivesse registado no seu imobilizado um valor total de € 820 690, 02./ Enquadrou-se a questão suscitada em eventual autoridade de caso julgado, cuja decisão foi relegada para sentença./ E, de facto, não se verifica autoridade de caso julgado ou outra excepção paralisadora do direito de indemnização acima reconhecido. Com efeito, a sentença faz referência “aos direitos que poderiam existir sobre a construção dos viveiros” pertencerem à FS Mariscos. E por exclusão de partes, não pertencerem à C.... Contudo, nesta equação não foi considerada a prática de factos ilícitos e culposos, nomeadamente, de destruição das instalações onde se concentrava a actividade da C.... E, nessa medida, não se vê como o decidido na sentença proferido no proc. …/18.3 T8LRS se possa repercutir no objecto da presente acção./ Termos em que se decide inexistir autoridade do caso julgado”.
Não pode aceitar-se o raciocínio feito pelo tribunal recorrido, pelo menos com a amplitude assinalada.
Recorde-se que aqui foi proferido um juízo de condenação dos réus “a pagarem à Autora Massa Insolvente de C... , S.A., a indemnização correspondente aos danos causados no viveiro do ..., da Lourinhã, descritos sob lll), mmm) e nnn) dos factos provados, bem como a indemnização correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a C... , S.A. geraria ainda, em, pelo menos, durante vinte anos de actividade, ambas a liquidar posteriormente, em sede incidental” (sublinhado nosso) – na petição o termo inicial é reportado a partir de 2019.
Estando em causa nos autos, como decorre do que se expôs, aferir da medida da indemnização devida à insolvente também na vertente dos lucros cessantes (art. 564.º do Cód. Civil), não se pode considerar juridicamente irrelevante o juízo condenatório proferido na referida ação e que se impõe à insolvente, aí demandada e que igualmente apresentou pedido reconvencional que viu improcreder: a vinculação da sociedade à entrega do prédio em que se localizava o viveiro sempre se refletiria, ipso facto, na prossecução da atividade da empresa insolvente nos moldes em que esta a vinha desenvolvendo – cfr. a factualidade dada por assente em ddd) a kkk), qqq) e rrr) – pelo que, no âmbito do incidente de liquidação, não poderá o tribunal deixar de ter em consideração o decidido no referido processo, sendo que para além do segmento dispositivo releva igualmente o enquadramento fático e a fundamentação de direito que antecedem aquele juízo, pressuposto que é constituir o mesmo um corolário lógico daqueles.
Aceita-se, pois, a argumentação dos apelantes quando referem que essa condenação da sociedade ora insolvente “tinha forçosamente de se repercutir, pelo menos em parte, no direito à indemnização peticionado pelo primitivo A. na presente acção” (conclusão XXVII).
Impõe-se, pois, a alteração da decisão recorrida nessa parte, concluindo-se que a sentença proferida no aludido processo (processo n.º …/18.3T8LRS do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte- Juízo Central Cível - Juiz 4), seja tida em consideração nos presentes autos, para efeitos de fixação da medida da indemnização por lucros cessantes a favor da insolvente e a cargo dos réus, em incidente posterior.
6. Do exercício abusivo do direito por parte do autor
Sustentam os apelantes que a instauração da presente ação configura um exercício abusivo do direito por parte do primitivo autor, alegando que o referido processo foi instaurado pela tia do FC (cfr. a alínea ttt) dos factos provados) “de conluio” com este, que tem “claro interesse no desfecho da referida ação”, não podendo ignorar que tal significava “a impossibilidade da continuação da laboração da empresa naquele lugar, sem direito a qualquer indemnização”, não se coibindo, ainda assim, de instaurar o presente processo” “sob o manto aparentemente diáfano do interesse social, quando o interesse era essencialmente dele (vibrar um golpe mortal na actividade da empresa e ao mesmo tempo escapar à responsabilidade pela impossibilidade de continuação da laboração da empresa” (conclusões XXV e XXVI).
O art. 334.º do Cód. Civil considera ilegítimo o exercício de um direito, “quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé”. O abuso de direito é uma das figuras sintomáticas concretizadoras da cláusula geral da boa fé, entendendo-se esta, em sentido objetivo, como significando que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros [ [14] ].
No caso, como salientou a 1ª instância [ [15]  ], inexistem elementos de facto que permitam concluir que o processo aludido foi instaurado pela familiar do FC em conluio com este, sendo insuficientes para suportar tal conclusão os factos enunciados nas alíneas ttt) a vvv); por outro lado, a ponderação do facto alusivo à escritura de compra e venda do prédio respetivo, em que o primitivo autor teve intervenção como representante da sociedade compradora e a referida tia como vendedora, a que se reporta o documento junto com as alegações de recurso, também não tem a virtualidade de alterar aquele juízo valorativo.
Por último, importa salientar que compete ao administrador da insolvência, na defesa dos interesses da massa, instaurar ações indemnizatórias contra todos os que culposamente agiram causando prejuízos à sociedade contribuindo, com culpa, para a situação de insolvência e/ou o seu agravamento, pouco importando para esse efeito a identidade do responsável (o aludido FC e/ou os réus). Aliás, a conduta dos administradores, de facto e/ou de direito, sempre deve ser apreciada em sede de incidente de qualificação da insolvência, tendo o administrador da insolvência, o Ministério Público e os credores legitimidade para deduzir o incidente respetivo, salvaguardados que se mostrem determinados pressupostos.
Assim, não tem justificação o recurso à figura do abuso de direito com vista a paralisar os efeitos da presente ação de cariz indemnizatório a favor da sociedade.
Improcedem as conclusões de recurso.
7. Da verificação dos pressupostos do direito de indemnização a favor da sociedade declarada insolvente
Está em causa apreciar da responsabilidade dos réus na qualidade de administradores para com a sociedade, não estando em discussão a base conceptual de que partiu a primeira instância, tendo em conta o disposto nos arts. 72.º e 64.º do Cód. das Sociedades Comerciais (CSC) [ [16] ] e verificados que se mostrem os pressupostos gerais da responsabilidade civil – facto ilícito, culpa do agente, prejuízos, nexo de causalidade entre o facto e o dano (art. 483.º do Cód. Civil) –, à luz do enquadramento doutrinário bem explanado na decisão recorrida [ [17] ].
Estabilizada que se mostra a factualidade dada por assente, claramente se perceciona o acerto da decisão recorrida quando se entendeu verificarem-se todos os pressupostos da responsabilidade civil indemnizatória, considerando o vínculo que liga os réus à sociedade e que na decisão recorrida se sintetizou assim: “[n]o exercício da administração da C..., temos, a partir de Agosto de 2014, o Réu SS como administrador de direito e de facto, a Ré NS como administradora de direito e de facto, e os Réus VS e TS, como administradores de facto (factos sob f) e y)”, vínculo que os apelantes igualmente não questionam, salientando-se que não foi impugnada a matéria enunciada na alínea f) e, mesmo relativamente à matéria enunciada em y),  os réus não questionaram a segunda parte dessa alínea a saber, que a partir de agosto/setembro de 2014, relativamente à sociedade, são os réus “que mantêm na sua posse todos os documentos contabilísticos, que recebem correspondência, que tomam as decisões a ela respeitantes e que recebem pagamentos”.
Considerando a alegação vertida nas conclusões LV a LXII, constata-se que a argumentação dos apelantes parte de pressupostos de facto que não se mostram adquiridos para o processo e/ou constitui uma leitura que não é conforme à factualidade dada por assente.
Vejamos a dinâmica da sociedade e os atos praticados pelos réus (SS/ NS/ VS/TS):
- A C... , S.A. teve o seu início de atividade em janeiro de 1989 tendo como objeto social a “exportação e importação de marisco e peixe grosso” e em 30-07-2009 alterou-se a estrutura acionista, passando de uma sociedade por quotas para uma sociedade anónima, registando a sociedade, no verão de 2014, um lucro tributável no montante de € 448 264, 85, sendo o lucro líquido de € 358 674, 01 (cfr. as alíneas b), c), d), e) f) e g) dos factos provados);
- Em agosto de 2014, as relações entre os acionistas – pese embora a apontada estrutura societária, é inequívoco que estamos perante uma sociedade que manteve o seu cariz familiar –, deterioraram-se, sendo evidentes os conflitos que opunham, de um lado, FC e, do outro, os réus (cfr. a factualidade dada por assente nas alíneas n), o), p), q), r), s), t), u), v) w), x), xx), yy) e zz) e a partir dessa data (agosto/setembro de 2014) os réus passaram a gerir a sociedade (cfr. a factualidade dada por assente nas alíneas y), z), aa), bb) e cc);
- “Como forma de operar o negócio sem a assinatura do Autor” os réus VS e TS constituíram, em 13-10-2014, uma outra sociedade, a F..., Lda., sendo o capital social detido por ambos e exercendo ambos a gerência, com o objeto social “Comércio, importação e exportação de peixe e mariscos vivos e congelados”, isto é, um objeto social perfeitamente similar ao da sociedade insolvente (cfr. a factualidade dada por assente em dd);
- A nova sociedade assim constituída passou a exercer a sua atividade em substituição da sociedade insolvente e utilizando os recursos desta, fazendo-o com a anuência e acordo entre todos os réus, com transferência, nomeadamente, de fornecedores e clientela  (cfr. as alíneas ee), ff), gg), ii) e jj), provando-se, em suma, que “[p]retendiam os Réus, através da constituição da F... Lda, esvaziar por completo o património e terminar com a sociedade C... , SA, desenvolvendo a actividade desta através da mesma, com afastamento definitivo do Autor” (alínea kk) dos factos provados), de tal forma que, em julho de 2019, a sociedade insolvente não exercia qualquer atividade, nem tinha qualquer património (cfr. as alíneas zz), aaa), bbb), ccc), ddd), eee), fff), ggg) hhh), jjj), kkk), lll) e mmm) e deixou de ter, pelo menos a partir do ano de 2019, “por força da actuação dos Réus”, “quaisquer receitas e lucros” (alínea qqq); ou seja, é manifesto que a constituição da F... teve um impacto negativo na prossecução da atividade da insolvente.
Novamente, concorda-se com a análise do caso feita pela 1ª instância, quer relativamente aos prejuízos ocorridos emergentes da “destruição dos viveiros [ [18] ] quer aos “prejuízos invocados pela constituição e actividade da F...” [ [19] ].
Como sumariado no acórdão do STJ de 28-02-2013, em caso com alguma similitude ao presente:
“I - No exercício das suas funções os gerentes e/ou administradores são responsáveis pelos danos que, com preterição dos deveres legais ou contratuais (contrato de administração) causem, responsabilidade que se desenvolve numa tríplice vertente: (i) responsabilidade para com a sociedade, (ii) responsabilidade com os sócios e terceiros e (iii) responsabilidade para com os credores sociais.
II - Tal responsabilidade, prevista no art. 72.º, n.º 1, do CSC, é uma responsabilidade contratual e subjectiva, que pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil: facto, ilícito, culpa, dano (danos emergentes e lucros cessantes) e nexo de causalidade.
III - De entre os deveres a que estão adstritos, os gerentes estão vinculados à observância dos deveres de diligência (definido em função de um padrão objectivo, de um gestor criterioso e ordenado), e de cuidado e lealdade, impondo-lhes que, no exercício das suas funções, não só se mostrem diligentes e zelosos, mas que também sejam informados e competentes.
IV - Ao dever de lealdade costuma ser associado a obrigação de não concorrência, de não se aproveitar em benefício próprio eventuais oportunidades de negócio, de não actuação em conflito de interesses com a sociedade protegida.
V - A culpa presume-se, bastando ao autor a prova da violação dos deveres por parte do gerente, ao qual, para afastar tal pressuposto, incumbe provar que actuou tal como, naquelas circunstâncias, faria um gestor criterioso.
VI - Viola os deveres de cuidado e de lealdade o gerente que, exercendo idênticas funções numa sociedade concorrente da autora, procede à integral dissipação do património social desta, vendendo parte à primeira, venda que teve por consequência a cessação de toda a actividade da última.
VII - Tal conduta é duplamente censurável, ainda que a sociedade concorrente tivesse sobre a autora um crédito – que o preço se destinasse a liquidar –, já que a realização do interesse social da autora impunha, por um lado, a satisfação de todos os seus débitos (e não a sua escolha pelo gerente), com a manutenção da sua laboração e, por outro, caso se verificassem os respectivos pressupostos, o dever de apresentação à insolvência, que igualmente recaía sobre o réu.
VIII - Não sendo possível fixar o valor exacto dos danos a indemnizar, tal facto não exclui a efectivação do direito à indemnização, sendo de deixar para liquidação, através da dedução do incidente a que alude o artigo 378º do CPC, o apuramento do seu montante [ [20] ]         
Conclui-se, pois, que ao contrário do que os apelantes invocam (conclusões LV e LXI), está suficientemente demonstrado que os réus, com a sua conduta, de forma consertada, violaram os mais elementares deveres de lealdade que sobre si impendem, atuando em concorrência com a sociedade insolvente e descaminhando o património desta, agindo em proveito próprio e prejudicando a sociedade, que viu o seu património delapidado, bem como, acrescente-se, os credores sociais, porquanto é esse património que constitui a garantia de pagamento dos créditos (art. 601.º do Cód. Civil), pelo que se mostram preenchidos os pressupostos de responsabilidade civil indemnizatória previstos no art. 483.º do Cód. Civil.
Os apelantes questionam ainda a indemnização em que foram condenados a título de ressarcimento pelos lucros cessantes que a sociedade insolvente deixou de auferir em resultado das suas condutas, “quando fica demonstrado à saciedade no processo que a empresa antes de 2019, só continuaria a laborar se se fizessem avultados investimentos no seu aparelho produtivo (dada a vetustez e obsolescência dos respectivos equipamentos industriais), um esforço patrimonial que não era legítimo exigir dos RR, investimento esse que o próprio Autor originário, ainda administrador da C... nessa data, também não levou a cabo na empresa” (conclusão LVI), alegação inconsequente porque perfeitamente à margem da matéria dada por provada, salientando-se que foi dada como não provada a factualidade indicada sob os números 20, 32, 33 e 34.   
E, “sobretudo”, invocam que a condenação proferida no referido processo n.º …/18.3T8LRS “significou em definitivo a impossibilidade de continuação em laboração da empresa”, “ficando definitivamente inviabilizada a continuação em funcionamento da C... naquele local”, inexistindo “qualquer expectativa legítima de obtenção de benefícios futuros emergentes da actividade da empresa” (conclusões LVII a LX).
Quanto a este ponto, já atrás se aludiu a esta matéria, alterando-se, em parte, o juízo valorativo feito pela 1ª instância, impondo-se retomar esse raciocínio, perspetivado no domínio da extensão do dano a indemnizar [ [21] ].
Vejamos.
Está provado que a sociedade insolvente utilizava o viveiro de marisco sito no ..., Lourinhã, aí centrando a sua atividade e o seu negócio, estando implantado no prédio misto descrito na CRP da Lourinhã sob o n.º 2917 (alíneas ii), eee), fff) e kkk) dos factos provados). Ora, foi esse prédio que a sociedade insolvente foi condenada a entregar, “devoluto de pessoas e bens”, à respetiva proprietária, entidade terceira relativamente aos presentes autos, sendo que o pedido reconvencional formulado, tendo em vista o reconhecimento do direito de aquisição do prédio por acessão industrial imobiliária foi julgado improcedente, tudo por decisão transitada em julgado e que, portanto, vincula a insolvente, aí ré e aqui autora (cfr. as alíneas sss), www) e xxx) dos factos provados).
Como já se referiu, “relativamente aos prejuízos invocados pela constituição e actividade da F...”, a 1ª instância fixou como termo inicial para fixação do cômputo da indemnização a título de lucros cessantes o ano de 2019, nos termos indicados na petição, considerando que foi nessa data que a insolvente viu cessar a sua atividade e esvaziado o seu património – cfr. o que supra se indicou, em nota, quanto à fundamentação expressa pela 1ª instância.
Donde, atento o período temporal fixado na sentença para a aferição dos danos – condenou-se os réus a pagar à sociedade “a indemnização correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a C... , S.A. geraria ainda, em, pelo menos, durante vinte anos de actividade”, a liquidar posteriormente, em sede incidental, sendo, pois, esse o termo final para cômputo dos prejuízos –, conclui-se que a 1ª instância se abstraiu do reflexo que aquela decisão tem na avaliação dos danos aqui em causa na perspetiva, insiste-se, da extensão do dano a indemnizar: trata-se de um evento imputável exclusivamente à própria sociedade insolvente a favor de quem ora está a ser fixada a indemnização e a entrega do prédio sempre implicaria a diminuição/cessação da atividade respetiva, pelo menos nos moldes em que vinha sendo exercida, sendo que se impunha o cumprimento dessa decisão aquando do seu trânsito, que ocorreu em 16-02-2023; efetivamente, não tendo sido fixado nessa sentença qualquer prazo para o cumprimento da obrigação de entrega da coisa imóvel, a mesma deve ocorrer imediatamente após o trânsito em julgado de tal decisão.
Daqui não segue que se justifique, como os apelantes pretendem, excluir a indemnização devida a título de ressarcimento pelos lucros cessantes, que os apelantes alegam inexistir, nem sequer em termos de mera expetativa (cfr. as conclusões LIX e LX) justificando-se apenas a alteração da decisão quanto ao enquadramento temporal feito na decisão recorrida pois, no contexto apontado, não tem cabimento reportar a medida da indemnização ao momento/período pretendido e indicado na petição inicial (20 anos), como fez a 1ª instância, mas sim a 16-02-2023, data em que a sentença transitou.
Procedem, pois, em parte, as conclusões de recurso.
8. Ampliação do objeto do recurso
A apelada deduz pedido de ampliação do objeto de recurso, pretendendo que, relativamente ao facto dado como provado em cc), se dê ainda como assente que “a conta bancária dos autos era também da titularidade da Ré Recorrente VS, acrescentando-se tal contitularidade no facto cc) – cfr. o corpo das alegações de recurso, sob o ponto (vi) “Ainda quanto ao facto cc). A ampliação do objecto do recurso)” e conclusão 27, invocando, basicamente, a confissão da depoente VS.
Sendo de admitir essa pretensão, atento o disposto no art. 636.º, n.º 2 do CPC e o cumprimento das exigências a que alude o art. 640.º do mesmo diploma, cumpre apreciar.
Está em causa precisar a identidade do titular de determinada conta bancária, inexistindo nos autos, como a própria apelada refere, qualquer documento comprovativo do facto cujo aditamento se pretende, mormente documento emitido pela respetiva entidade bancária dando nota da identificação da conta em causa e identidade do(s) seu(s) titular(es) [ [22] ].
No entanto, independentemente desse juízo valorativo, e admitindo-se que não estamos perante hipótese de prova tabelada, importa salientar que a factualidade vertida em cc) tem por base a matéria invocada no art. 57.º da petição inicial, com o seguinte teor, sendo que o “4,º Réu” é o réu TS:
“57º
Assim e para contornarem esse problema, foi aberta uma nova conta bancária em nome do 4.º Réu, sediada no Banco "Millennium BCP" com o NIB …805 para onde passaram a pedir aos clientes da sociedade ora em causa que passassem a ser feito os pagamentos ( Documento n.º 12 que se junta e dá por reproduzido)”.
Donde, a apelada pretende que se adite um facto que não foi sequer invocado por si na petição inicial, sendo que só em sede de recurso deduz essa questão/pretensão, o que temos por inadmissível.
Improcede a requerida ampliação.
9. Responsabilidade dos intervenientes processuais a título de custas
Nos termos do artigo 607.º, nº6 do CPC “[n]o final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade”, regra que se aplica ao acórdão proferido em sede de recurso de apelação, por força do disposto no art.663.º, nº2 do mesmo diploma.
O processo de insolvência está sujeito a custas [ [23] ] [ [24] ], regendo-se, quanto a esta matéria, pelas disposições específicas dos arts. 301.º a 304.º e pelas disposições gerais vertidas na lei processual civil e no Regulamento das Custas Processuais (RCP), ex vi do disposto no art. 17.º, nº1 do CIRE; a regra geral em matéria de custas, quanto à delimitação da entidade responsável pelo seu pagamento, continua a ser aquela que se mostra vertida no art. 527.º do CPC que dispõe que a “decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito” – nº1; nos termos do nº 2 do mesmo preceito, “[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”.
Consagra-se, pois, em matéria de custas, o princípio da causalidade e a responsabilidade pelas custas radica num facto objetivo, a sucumbência. Havendo um vencedor, mas não se identificando qualquer parte vencida, não vale o critério da causalidade, mas o do proveito.
No caso, como resulta do que se expôs procede em parte o recurso de apelação interposto pelos réus, desconhecendo-se, no entanto, o valor da sucumbência relativamente à parte ilíquida da condenação. Assim, justifica-se que, provisoriamente, nessa parte, sejam as custas suportadas, em partes iguais, pelos apelantes e pela apelada, solução propugnada, em situação que nos parece similar, pelo acórdão do STJ de 10-09-2020 [ [25] ].
*
Pelo exposto, julgando parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos réus, decide-se:
1. Julgar que a sentença proferida em 02-03-2022 no processo n.º …/18.3T8LRS), transitada em julgado e melhor identificada supra é juridicamente relevante, impondo-se no presente processo atender à mesma, por força da autoridade do caso julgado;
2. Condenar os réus a pagarem à autora Massa Insolvente de C... , S.A., a indemnização correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a C... , S.A. geraria ponderando o período que decorreu a partir de 2019 e até 16-02-2023, data em que transitou em julgado a referida sentença proferida no aludido processo, a liquidar posteriormente, em sede incidental.
3. No mais, mantém-se a sentença recorrida.
4. Custas, na 1ª instância e nesta Relação, pelos réus apelantes quanto ao montante líquido em cujo pagamento foram condenados e, provisoriamente, na proporção de ½ para os apelantes e ½ para a apelada quanto à quantia cuja liquidação foi relegada para liquidação posterior.
Notifique.

Lisboa, 15-10-2024
Isabel Fonseca
Pedro Brigthon
Paula Cardoso.
_______________________________________________________
[1] Por sentença de 14-09-2023, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade Conchamar – Exportações, Importações, S.A. (processo principal).
[2] Por despacho de 19-09-2023, foi determinada a intervenção, nesta ação, que passou a constituir apenso do processo de insolvência, da Massa Insolvente da referida sociedade, em substituição do primitivo autor – ref.ª 158104824 – conforme despacho com o seguinte teor:
“Ref.ª 14217333 e 14220110
 A presente acção - acção social uti singuli (art. 77.º do CSC) - foi instaurada por um dos seus administradores, o Autor FC, a favor da sociedade C…, S.A., contra os restantes administradores de direito e de facto, como alegado, os Réus SS, NS, VS e TS.
 A sociedade C…, S.A. foi declarada insolvente no processo n.º 3771/22.0T8VFX, que corre termos neste J2, por sentença de 14-09-2023./  Nos termos do art. 82.º, n.º 3, al. a), do CIRE: “Durante a pendência do processo de insolvência, o administrador da insolvência tem exclusiva legitimidade para propor e fazer seguir: a) As acções de responsabilidade que legalmente couberem, em favor do próprio devedor, contra (…) os administradores de direito e de facto (…)” (sublinhado nosso)./ Estamos perante uma legitimidade exclusiva e extraordinária do Administrador da Insolvência, como tem sido comummente tratado na doutrina e na jurisprudência, onde se destaca o recente Ac. da Relação de Lisboa, de 04-072023, proferido no processo 1936/15.0T8VFX-N.L1-1, disponível nas bases da DGSI./ De modo que ocorre ilegimitidade singular activa superveniente do Autor FC, sendo suprível, no caso, excepcionalmente, face à legitimidade atribuída ao administrador da insolvência para “fazer seguir” a acção anteriormente instaurada./ Termos em que se determina a intervenção da Massa Insolvente da sociedade C…, S.A., representada pelo Sr. Administrador da Insolvência nomeado JV, em substituição, no lado activo, do Autor FC.
 Notifique, sendo o Sr. Administrador da Insolvência, ainda, para, no prazo de 20 (vinte) dias constituir mandatário, sendo esta uma causa em que é obrigatória a constituição de avogado (cfr. arts. 40.º, n.º 1, al. a), e 41.º do CPCivil).
[3] Tendo como referência última o terminus da produção de prova na audiência de julgamento.
[4] Objetiva, ponderando a data de subscrição/emissão do documento; subjetiva, ponderando a data em que o apresentante teve conhecimento do documento. 
[5] Acórdão do STJ de 30-04-2019, processo: 22946/11.0T2SNT-A. L1.S2 (Relator: Catarina Serra), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais a que aqui nos reportarmos.
[6] Acórdão do STJ de 15-05-2008, processo n.º 08B153 (Relator: Santos Bernardino), assim sumariado:
“1–A transmissão das acções tituladas e escriturais, fora do mercado bolsista, só fica perfeita com a entrega (acções tituladas ao portador), a declaração de transmissão escrita no título (acções tituladas nominativas), ou o registo em conta (acções escriturais); mas estes actos – que integram e traduzem o modo – não bastam, só por si, para operar a transmissão, que exige que eles se apoiem num título válido, num negócio jurídico, o negócio causal subjacente.
2–Tal significa que a transmissão não se opera por mero efeito do contrato, nem apenas e só por efeito do modo, só se efectuando por força do contrato e do modo.
3–A compra e venda de acções não é um contrato real quoad effectum – é um contrato com efeitos imediatos meramente obrigacionais, como os contratos do mesmo tipo tendo por objecto títulos de crédito em papel, para cuja transmissão se exige a tradição, o endosso ou acto equivalente.
4–Os actos exigidos por lei, e que integram o modo, não se referem ao contrato, mas sim à transmissão da propriedade das acções: são actos essenciais para a transmissão destas, mas não contendem com a validade formal do contrato.
5–Assim, um contrato de compra e venda de acções ao portador não deixa de ser válido pelo facto de o transmitente não ter feito entrega, ao adquirente, dos títulos representativos das acções; e este pode requerer judicialmente o cumprimento do contrato, a entrega das acções”.
[7] Acórdãos do STJ de 05-02-2019, processo: 95/14.0T8BGC.G1.S1 (Relator: Paulo Sá) e do TRL de 16-01-2018, processo: 14649/17.9T8SNT-A.L1-1 (Relator: Isabel Fonseca).
[8] Convocando o acórdão do TRL de 04-07-2023, processo: 1936/15.0T8VFX-N.L1-1 (Relator: Renata Linhares de Castro), em que se concluiu que “[é] o administrador da insolvência, em representação da massa insolvente, quem, na pendência do processo, tem exclusiva legitimidade para instaurar acções de responsabilidade contra os sócios e gerentes da sociedade devedora – artigo 82.º, n.º 3, al. a), do CIRE”.
[9] Lê-se na sentença recorrida:
“Factos sob rrr) – resultaram provados em função do teor do mapa de depreciações e amortizações de 2013, junto com a resposta do Autor ao articulado superveniente (refª 13476188)”.
[10] Assim:
“D. A constituição pelos Réus de nova sociedade
59º No mais, e como forma de operar e continuar a trabalhar sem que fosse necessária qualquer assinatura por parte do Autor, vieram os Réus, constituir uma nova  sociedade, denominada "F…, Lda" com sede na Rua … n o 37, ... Lourinhã, e com o NIPC …, com o capital social de Euros 5.000,00, capital que é detido na totalidade pelos Réus
 60º Importa realçar que o objecto social da "F…, Lda" é exactamente igual àquele que tem a sociedade ora em causa (Documento n.º 13 que se junta e dá por reproduzido).
61º Na realidade, a única diferença que as separa fundamenta-se no facto de naquela não ser necessária qualquer assinatura do Autor — que não é dela sócio nem administrador - viabilizando assim a total operação do negócio com os meios que pertencem ao acervo da "C…, S.A." e de  uma outra sociedade que se encontra na mesma situação, a "C… Transportes, S.A."
62º Com a constituição da referida sociedade "F…, Lda" os referidos Réus, passaram a adoptar o seguinte procedimento:
 Adquirem "stocks" de marisco através da "C…., S.A.", utilizando os meios desta e colocando-o nas instalações desta, para que utilizam os veículos de transporte dela ou da "C… Transportes, S.A";
 Ou adquirem "stocks" de marisco através da "F…, Lda" que de imediato vendem à "C…, S.A" 
 Vendem-no, através, da "F…, Lda" aos clientes finais que antes o adquiriam à da "C…, S.A." , utilizando nas operações inerentes a essa venda os equipamentos e meios da "C…, S.A." e da "C…Transportes, S.A.";
Contabilisticamente, emitem uma factura de compra dos "stocks" da  "C…, S.A."e uma factura de venda desses "stocks" desta à "F… Lda" que, por sua vez, os factura aos clientes finais.
63º A "F… Lda", porém, não paga à "C…, S.A." os "stocks" de maricos correspondentes às facturas que esta emite e que supostamente lhe forneceu, sendo, obviamente os valores pagos pelos clientes finais recebidos por ela,
64º Os referidos Réus, lograram também transferir diversos contratos de fornecimento que a "C…, S.A." havia celebrado com clientes finais para a "F…Lda" , que passou a ter nesses contratos a posição de fornecedora.
65º Tendo, inclusive, vindo a utilizar com vista a viabilizar a actividade da  "F…, Lda", o número de operador/receptor, número de controlo veterinário, PME Lider, HACCP e programa informático da a "C… S.A." (Documento n. 0 14 que se junta e dá por  reproduzido).
 66º Mais, mudaram o contabilista da "C…, S.A." sem a autorização do Autor.
67º Foram enviadas autorizações SEPA para pagamento a fornecedores só com uma assinatura, do 1.º Réu pois segundo informação disponibilizada pelo banco, este não consegue controlar quem assina as autorizações SEPA (Allianz, Eurotunel)
68º Ora, pretendiam os referidos Réus, através da constituição da "F…, Lda" esvaziar por completo o património e terminar com a actividade da "C…, SA" realizando exactamente a actividade desta através de uma nova sociedade por si constituída, afastando definitivamente o Autor da actividade comercial em questão.
69º Apenas pelas razões antes descritas, o Autor passou a recusar-se a assinar quaisquer documentos que autorizassem pagamentos a serem feitos pela "C…, S.A." (sublinhado nosso).
[11] Acórdão do TRL de 10-10-2017, processo: 15446/15.1T8LSB.L1-1 (Relator: Isabel Fonseca).
[12] Assim:
“110º
Com efeito e, de um modo mais concreto:
. A área do viveiro completamente inutilizada, pois, foi retirada toda a tubulação de circulação de água salgada, os tanques com as paredes e o piso todo danificado;
 Foram retirados todos os motores eléctricos de circulação de água salgada, todos os para arrefecimento de água salgada, compressores, grupo gerador, escumadores e outros, ou seja, todo, mas todo o equipamento que é necessário para um viveiro foi retirado;
 . Da área das câmaras frigorificas e o túnel de congelação, só ficaram as paredes e o tecto, tendo sido retiradas todas as máquinas (compressores e evaporadores);
 . A área de lavagem dos veículos(oficina), está completamente inutilizada e foi também retirado todo o equipamento de lavagem, lubrificação e reparação;
. A área da loja de venda ao publico, é a única que mantêm todo o equipamento e que continua a funcionar, mas está previsto que seja desmantelada brevemente, com a abertura da loja do viveiro da "F…" na Lourinhã;
. Todo o exterior dos viveiros, excepto o pavimento dos parques de estacionamento, que ainda estão a ser utilizados para parquear os veículos da "F…", está completamente degradado e cheio de lixo;
. Nas casas de banho e vestiários dos funcionários, toda a louça sanitária foi retirada e os azulejos foram danificados;
. O viveiro exterior está também inutilizado e parcialmente destruído, pois, toda a maquinaria foi retirada;
 . No armazém que fazia de arrecadação para guardar caixas, foi retirado o telhado e o portão;
 . A área de carga/descarga e os escritórios estão completamente vazios de equipamento (Documento n. 0 22 que se junta e que corresponde a um conjunto de fotografias)”.
[13]  “A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, 2018, Volume 1.º, p. 561, nota 3).
[14] Jorge Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, 1983, Coimbra, Almedina, p. 55.
[15] Consta da fundamentação expressa na decisão recorrida:
“Invocaram os Réus que o Autor age com abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, quando pretende que a C… seja indemnizada pelo valor dos viveiros, e numa outra acção instaurada pela tia, em concertação com o mesmo, se sustenta que a C… deve devolver os viveiros sem contrapartida. /O primitivo Autor impugnou a alegada actuação concertada com a tia e a contradição imputada, dado que o que se pede na acção é a devolução do terreno onde foi implantado no viveiro. /Nesta matéria, ficou demonstrado que o Autor pagou a taxa de justiça pela propositura da acção que a sua tia MF instaurou contra a C…, S.A. e outros que visou a reivindicação do terreno onde se encontrava instalado o viveiro, julgada procedente (factos sob sss), uuu) e xxx)). /Portanto, na referida acção não foi peticionada a devolução dos viveiros, sem qualquer contrapartida, mas sim o terreno onde aqueles se encontravam instalados, pelo que não se vislumbra abuso do direito, em nenhuma das suas modalidades (cfr. art. 334.º do CCivil), que paralise o direito de indemnização acima reconhecido. / Acresce que o primitivo Autor F, nesta acção, não pede para si a indemnização pela destruição dos viveiros, esta é uma acção social, instaurada por aquele é certo, porém, no interesse da sociedade. Portanto, o direito que resultar reconhecido destes autos insere-se na esfera jurídica da sociedade e não do primitivo Autor, não se vislumbrando em que medida o pagamento de taxa de justiça por este último, releva sequer para imputar abuso do direito, instituto que, a ter eficácia, teria de emergir de um comportamento da própria sociedade C.. e não do Autor, que a representa”.
[16] Para além do campo da responsabilidade de membros da administração para com a sociedade, a que alude o referido art. 72.º, o CSC contém específicas disposições quanto à responsabilidade para com os credores sociais (art. 78º) e à responsabilidade para com os sócios e terceiros (art. 79º).
[17] Assim:
“Nos termos do art. 72.º, n.º 1, do CSCom., os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticadas com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.
A referida norma dá origem às designadas acções pro societate: aquelas em que o efeito reconstitutivo ou compensatório tem por sujeito beneficiário a própria sociedade (e não os seus sócios). 
Estas acções visam (i) a imputação de um dano sofrido na esfera jurídica da sociedade; (ii) causado por membros do seu órgão de administração; (iii) no exercício das suas funções; (iv) mediante a criação, a favor da sociedade, de um direito de crédito contra os seus administradores (Manuel Carneiro da Frada/Diogo Costa Gonçalves, A acção ut singuli (de responsabilidade civil) e a relação do Direito Cooperativo com o Direito das Sociedades Comerciais, RDS I (2009), 4, 885-922, pág. 904).
A par das acções ut universi, previstas no art.75.º do CSCom. que são as propostas pela própria sociedade contra os seus administradores, pedindo o ressarcimento dos danos por eles causados, o legislador veio permitir que os próprios sócios – sem a mediação da assembleia geral – pudessem propor essa mesma acção pro societate, é o caso da presente, a acção ut singuli, prevista no art. 77.º do CSCom..
Responsabiliza-se os administradores pela preterição de deveres legais ou contratuais, com base nos pressupostos da responsabilidade civil, de natureza obrigacional e subjectiva (facto ilícito e culposo, dano, nexo de causalidade entre o facto e dano). 
Nos “administradores”, sujeitos passivos desta responsabilidade, incluem-se os administradores e gerentes (administrador ou gerente único, gerência, conselho de administração, conselho de administração executivo), designados de acordo com as formas previstas na lei, isto é, os administradores ou gerentes de direito, mas também os administradores ou gerentes de facto, ou seja, aqueles que, sem título bastante, exercem, direta ou indiretamente e de modo autónomo (não subordinadamente), funções próprias de administrador de direito da sociedade” (J. M. Coutinho de Abreu/Elisabete Ramos, “Responsabilidade Civil de Administradores e de Sócios Controladores (Notas sobre o art. 379º do Código do Trabalho)” Miscelâneas nº 3, IDET, Almedina, Coimbra, 2004, p. 41.)
A lei prevê deveres legais gerais e deveres legais específicos, assinalando que a discricionariedade e a liberdade de que o administrador, em princípio, goza no exercício das suas funções, é, afinal, uma “liberdade vinculada” (Manuel Carneiro da Frada, “Deveres Fundamentais dos Administradores”, Colóquios do STJ, Comércio, Sociedade e Insolvências, 3.ª edição, 26-01-2023, pág. 10 (livro digital)).
No art. 64.º do CSCom. elencam-se dois deveres fundamentais: a) o dever de cuidado, ou diligência em sentido estrito, “revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado”; e b) o dever de lealdade, “no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.
Representam padrões abstractos de comportamento, que conformam caso a caso, como normação da conduta devida, a atuação dos administradores e gerentes no exercício das suas funções (Ricardo Costa, Comentário ao art. 64.º do CSCom, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, Dezembro de 2021, pág. 767/768).
A par, destacam-se os deveres legais específicos, aqueles que resultam de forma específica e imediata da lei (não só societária), redundando em espaço de administração onde não existe discricionariedade na ação administrativa. Por exemplo, não destruir, danificar, inutilizar, sonegar ou fazer desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património social (cfr. arts. 186.º, n.º 2, al. a), do CIRE, 227.º, n.º 1, al. a), e 227.º- A, n.º 1, do C Penal); não criar ou agravar artificialmente passivos ou prejuízos ou reduzir lucros (arts. 186.º, n.º 2, al. b), 1.ª parte, do CIRE, 227.º, n.º 1, al. c), do C Penal); ou deveres legais específicos que constituem manifestações do dever de lealdade, como não exercer por conta própria ou alheia, sem consentimento da sociedade, actividade concorrente com a dela (arts. 254.º, n.º 1, 398.º, n.º 3, e 5, e 428.º do CSCom.); não dispor dos bens sociais em proveito pessoal ou de terceiros (art. 186.º, n.º 2, al. d), do CIRE); não exercer, a coberto da personalidade jurídica da sociedade, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da sociedade, maxime da sua empresa (art. 186.º, n.º 2, al. e), do CIRE); não fazer do crédito ou dos bens da sociedade uso contrário ao interesse social, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra sociedade na qual tenham interesse directo ou indirecto (art. 186.º, n.º 2, al. f), do CIRE); não prosseguir uma exploração deficitária da sociedade, no seu interesse pessoal ou de terceiro, com conhecimento ou cognoscibilidade da grande probabilidade de conduzirem a sociedade a uma situação de insolvência (art. 186.º, n.º 2, al. g), do CIRE) (Ricardo Costa, Comentário ao art. 64.º do CSCom, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, Dezembro de 2021, pág. 789).
Nos deveres contratuais, encontramos, v.g., os deveres estatutários ou os constantes dos “contratos de administração ou de gerência”, se os houver.
A violação de dever legal ou estatutário exprime a ilicitude da actuação em causa do(s) administrador (es) visado (s), presumindo-se culposa (cfr. art. 72.º, n.º 1, parte final, do CSC) (à semelhança do disposto no art. 799.º do CCivil, para a responsabilidade obrigacional).
É uma presunção de culpa que implica a inversão do ónus da prova, dispensando a sociedade-autora (ou outro que tenha legimitidade para intentar a acção social de responsabilidade) de provar a culpa (art. 344.º, n.º 1, do CCivil).
De modo que, ao autor/autora cabe demonstrar o facto ilícito, o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano (art. 342.º, n.º 1, do CCivil); ao(s) réu(s) cabe demonstrar que actuou(aram) sem culpa, com a diligência de um gestor criterioso e ordenado (art. 64.º, al. a), do CSCom) ou, quando estamos fora dos casos de violação dos deveres de lealdade ou de deveres legais específicos sem margem de discricionariedade, que actuou (actuaram) em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial  (business judgement rule – art. 72.º, n.º 2, do CSCom.).
O dano é aquele que o lesado não sofreria se não fosse a lesão (art. 563.º do CCivil), isto é, não fora a conduta, por acção ou omissão, ilícita do administrador e a sociedade não sofreria danos na sua esfera jurídica, danos que podem consistir em danos emergentes, traduzidos nos prejuízos directamente causados à sociedade, e em lucros cessantes, consubstanciados no benefício que a sociedade deixou de obter em consequência da referida conduta (cfr. art. 564.º do C Civil)” (sublinhados do texto).
[18] Lê-se na fundamentação respetiva:
Relativamente ao dano emergente da “destruição” dos viveiros:
Ficou demonstrado que, a partir de Novembro de 2019 e até, pelo menos, Abril de 2021, os Réus retiraram todos os equipamentos dos viveiros, nestes restando os tanques de betão, e ainda, nomeadamente, retiraram loiças sanitárias de uma das casas de banho existentes, bem como o telhado de um armazém que servia de arrecadação, existem azulejos e pisos danificados (factos sob fff) a nnn)). / No exercício da administração da C…, temos, a partir de Agosto de 2014, o Réu SS como administrador de direito e de facto, a Ré NS como administradora de direito e de facto, e os Réus VS e TS, como administradores de facto (factos sob f) e y)). / A descrita actuação vem imputada objectiva e subjectivamente aos Réus, administradores da C…, por virtude da violação do dever de não destruir, danificar, inutilizar, sonegar ou fazer desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património social (cfr. arts. 186.º, n.º 2, al. a), do CIRE, 227.º, n.º 1, al. a), e 227.º- A, n.º 1, do CPenal), contendora do direito de propriedade da sociedade.
Não resultou demonstrada nenhuma causa de exclusão de ilicitude (factos sob 50, 51 e 52). / A conduta presume-se culposa, não tendo os Réus logrado ilidir a presunção (art. 72.º, n.º 1, do CSC). / O dano emergente consiste na destruição do viveiro de marisco que funcionava no ..., Lourinhã, nos termos que constam nos factos sob fff) a nnn)” (sublinhado do texto).
[19]Relativamente aos prejuízos invocados pela constituição e actividade da F…
Ficou demonstrado que os Réus, em Agosto de 2014, afastaram o primitivo Autor dos assuntos e instalações da sociedade C…, S.A. e constituíram, em Outubro de 2014, uma sociedade, a F…, com objecto social idêntico ao da C…, sociedade que, no desenvolvimento da sua actividade e até à sua autonomia, em 2019/2020, utilizou as instalações, os meios (incluindo veículos), os trabalhadores, a clientela e os fornecedores da C…, transferindo-os para a primeira, vindo esta última a cessar a actividade, esvaziada de património, justamente, em 2019 (factos sob n) a kk)). / No exercício da administração da C…, temos, a partir de Agosto de 2014, o Réu SS como administrador de direito e de facto, a Ré NS como administradora de direito e de facto, e os Réus VS e TS, como administradores de facto (factos sob f) e y)). / Mais se provou que os Réus TS e VS são accionistas da C… e sócios e gerentes da F… (factos sob d) e dd)).
A imputação objectiva e subjectiva – da violação de deveres - , para efeitos do art. 72.º, n.º 1, do CSCom., conforme referido anteriormente, supõe que o sujeito passivo tenha a qualidade de administrador, de direito ou de facto. /A factualidade provada, acima descrita, reflecte violação dos deveres legais específicos que constituem manifestações do dever de lealdade, como não exercer por conta própria ou alheia, sem consentimento da sociedade, actividade concorrente com a dela (arts. 254.º, n.º 1, 398.º, n.º 3, e 5, e 428.º do CSCom.); não dispor dos bens sociais em proveito pessoal ou de terceiros (art. 186.º, n.º 2, al. d), do CIRE); não exercer, a coberto da personalidade jurídica da sociedade, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da sociedade, maxime da sua empresa (art. 186.º, n.º 2, al. e), do CIRE); não fazer do crédito ou dos bens da sociedade uso contrário ao interesse social, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra sociedade na qual tenham interesse directo ou indirecto (art. 186.º, n.º 2, al. f), do CIRE); não prosseguir uma exploração deficitária da sociedade, no seu interesse pessoal ou de terceiro, com conhecimento ou cognoscibilidade da grande probabilidade de conduzirem a sociedade a uma situação de insolvência (art. 186.º, n.º 2, al. g), do CIRE). / Agiram os Réus de modo que comprometeu a actividade da C…, apto a prejudicar o interesse da sociedade. /Certo que os Réus SS e NS não são sócios ou gerentes da F…. No entanto, ficou demonstrado que a constituição e a actividade desta empresa serviu os seus interesses pessoais, em detrimento do interesse social da C…, que conduziram a actividade desta em favor daquela. Ademais, a circunstância de as participações sociais serem da titularidade dos filhos, na totalidade ou na maior parte, constitui procedimento normal na composição do capital social das sociedades constituídas pelo Réu SS (e pelo primitivo Autor FC), de que é exemplo a própria C….
Não resultou demonstrada nenhuma causa de exclusão de ilicitude (factos sob 20, 32 e 33). / Concluindo-se que ocorreu violação dos deveres legais acima enunciados, a conduta presume-se culposa (art. 72.º, n.º 1, do CSC), presunção que os Réus não lograram ilidir (factos 20, 32 e 33). / Em consequência da violação culposa dos deveres de lealdade, por parte dos Réus - com efeito, não ficou demonstrado que a constituição da MB... pelo primitivo Autor tivesse impacto na actividade e sobrevivência da C… (facto 39) -, a sociedade C... deixou de ter quaisquer receitas e lucros, pelo menos, a partir de 2019 (facto sob qqq)), que constituem lucros cessantes.  / A respeito da facturação da sociedade, os elementos respeitantes aos anos de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014 – quanto ao volume de facturação e custos de matérias-primas (factos sob ooo) e ppp)) – permitem concluir que existia, nos referidos anos, uma expressiva margem de lucro, que, em 2014, se situava em € 358 674, 01 (facto sob j))” (sublinhado do texto).
[20] Processo: 189/11.3TBCBR.C1.S1 (Relator: Granja da Fonseca, acessível in www.dgsi.pt
[21] O raciocínio é similar àquele que se impõe em algumas situações a propósito da relevância jurídica da chamada causa virtual do dano, perspetivada no domínio da extensão do dano a indemnizar e não tanto do nexo causal, discutindo a doutrina a relevância, positiva/negativa, da imputação virtual, mormente nos casos de concurso objetivo cumulativo, isto é, na situação em que “dois ou mais eventos provocam um dano, sendo que bastaria a ocorrência de qualquer um deles para o mesmo dano se verificar” (Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, 2010, II, Direito das Obrigações, Tomo III, p. 739).
Cfr., ainda, Antunes Varela, Das obrigações em Geral, 1982, vol. I, pp.830, concordando-se com o autor quando refere que “a sede própria do problema da relevância negativa da causa virtual se situa, não no domínio do nexo causal, mas no capítulo da extensão do dano a indemnizar (p. 834), concluindo, depois de enunciar as soluções propostas pela doutrina quanto ao problema fundamental, como segue:
“Das considerações expostas resulta que a causa virtual não exonera o lesante da obrigação de indemnizar, salvo disposição legal em contrário. Isso não impede, porém, que a causa virtual do dano seja tomada na devida conta, quer no cálculo do lucro cessante, quer na adaptação da indemnização fixada sob a forma de renda às circunstâncias que vão sendo conhecidas pelos interessados” (pp. 843-844).            
[22] Lê-se na sentença recorrida, em sede de motivação:
“Factos sob cc) – resultaram provados em função do teor do documento 12, junto com a petição inicial, novamente junto e digitalizado sob ref.ª 13923933, como doc. 2, bem como o teor do documento 7, junto com a petição inicial, corroborados pelas declarações prestadas pelos Réus, pelo primitivo Autor e pelas testemunhas inquiridas a esta matéria, as testemunhas PS e JS. De referir que, pese embora, os Réus hajam mencionado que a conta foi aberta em nome da Ré VS e do Réu TS, não foi junto documento que o comprovasse, pelo contrário o indicado documento 12 apenas faz menção a um titular e o exemplar de uma carta endereçada aos clientes, pela “Administração” da C…, junto como documento 7, com a petição inicial, faz expressa referência à abertura de conta “em nome do sócio maioritário da empresa”, a que acresce a circunstância de a testemunha Jéssica Santos (que tinha como funções tratar da facturação e despesas da empresa) ter feito expressa menção a “uma nova conta”, aberta em nome do Réu TS; por todo o exposto, ficou demonstrada apenas a titularidade do Réu TS da conta bancária aberta em nome pessoal”.
[23] Que abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, nos termos do art. 529.º do CPC e art. 3.º do RCP.
[24] A ação, o recurso e os incidentes respetivos assumem autonomia entre si no que concerne ao juízo sobre custas (art. 527.º, nº1 do CPC e art. 1.º, nº2 do RCP).
[25] Proferido no processo 1934/16.6T8VCT.G1. S1 (Relator: Ilídio Sacarrão Martins).