Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | HIGINA CASTELO | ||
Descritores: | DIREITO DE USO LOGRADOURO PARTE COMUM | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I.–A invocação, por via de exceção, da aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre uma parte originariamente comum de dado prédio apenas poderia ser bem-sucedida se: i. já se encontrasse previamente julgada a aquisição por usucapião; ou, ii. se verificassem in casu não apenas os pressupostos substantivos da usucapião, mas também os processuais determinados pela natureza de parte comum do direito que se pretendia ter adquirido. II.–Ainda que se possa adquirir por usucapião o direito de propriedade de uma parte originariamente comum, um direito de uso exclusivo de parte comum não é usucapível, por a tanto se opor o disposto no artigo 1293.º, al. b), do CC. III.–Exerce, sem qualquer abuso, o seu direito de uso exclusivo de parte de um logradouro (parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, afeta ao uso exclusivo da sua fração autónoma) quem, após décadas de permissão gratuita do uso dessa parte por terceiro, retira essa permissão; se assim é quando a permissão integra um contrato de comodato – artigo 1137.º, n.º 2 do CC –, assim será, por maioria de razão, quando existiu mera inércia perante o uso indevido por outrem. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acórdão Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório «AA», autora na ação que move a «BB» e «CC», notificada da sentença proferida em 30 de outubro de 2023, que julgou a ação improcedente, e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso. A autora intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra os réus, pedindo que sejam condenados a reconhecer o direito de utilização exclusiva da área de 94,87 m2 do logradouro localizado a tardoz do prédio sito na Rua «ZZ», …, em Lisboa, com início nas traseiras da fração B, propriedade da autora. Para tanto e em síntese, alegou que da escritura de constituição da propriedade horizontal e da caderneta predial da fração resulta que a mesma tem o uso exclusivo de um logradouro com 94,87m2, porém, tal espaço encontra-se a ser utilizado pelos réus, impedindo o seu uso pela autora. Os réus contestaram, pugnando pela improcedência da ação. Alegam para o efeito que compraram a fração D do referido em prédio em 1996, a qual lhes foi vendida com a utilização do logradouro. Que utilizam o logradouro desde então, o qual já assim era utilizado pelos anteriores proprietários, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição. Defendem que adquiriram o direito de utilização sobre o mesmo por usucapião e que a autora atua em abuso de direito, uma vez que durante anos nunca se opôs à utilização do logradouro pelos réus. A autora respondeu sustentando que o direito de uso invocado pelos réus não é suscetível de aquisição por usucapião e que nunca residiu no imóvel, sendo apenas senhoria, desconhecendo a utilização de facto que era dada ao logradouro. Na pendência da ação, verificou-se o óbito da autora, tendo sido deduzido incidente de habilitação de herdeiros e habilitado para prosseguir a ação no seu lugar «EE». Após audiência final, foi proferida a sentença ora objeto de recurso. Recorrendo, o autor concluiu as suas alegações da seguinte forma: «1. Nos presentes Autos, o Tribunal a quo, entendeu que, o autor ao exigir aos réus, passados mais de 20 anos, que reconheçam o direito a uma utilização diversa do logradouro, está a agir em abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” uma vez que está a exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, o que não se aceita nem pode aceitar. 2. Sme o Tribunal a quo confunde a modalidade de venire contra factum proprium com outras variantes que, ainda assim não seriam aplicáveis ao caso concreto. 3. Ora, os Réus sabiam e tinham obrigação de saber - quais as áreas dos logradouros afetas a cada fração, porquanto tal informação, para além de constar na Conservatória do Registo Predial, constava igualmente nas Cadernetas Prediais exibidas em todas as escrituras. 4. Por outro lado, e sem prejuízo do que de seguida se tratará no ponto III, assim que teve conhecimento da utilização indevida do seu logradouro, e “17. Por carta datada de 13 de Setembro de 2018, «AA», através do seu mandatário, solicitou comparência da ré para tratar de assunto relacionado com o logradouro existente no imóvel que habita”. 5. E, face à indisponibilidade da Ré para a desocupação do espaço do logradouro afeto à fração do Autor, é enviada nova comunicação 19. Por e-mail de 06 de Dezembro de 2018, o Il. Mandatário de «AA», insistiu no sentido de que: “a fracção da nossa constituinte tem efetivamente logradouro com a área de 94,8m2, não existindo qualquer lapso na PH. Assim, solicito a sua presença (…) a fim de definir calendário para levantamento de áreas e reposição de muretes”, à qual a Ré se opôs. 6. Ora, pese embora a conclusão vertida na, aliás douta, sentença a páginas 17 e 18, no sentido de que No caso, muito embora resulte do título constitutivo da propriedade horizontal uma diversa composição das parcelas do logradouro, há mais de 20 anos que a sua utilização é feita nos termos invocados pelos réus. Ou seja, a fração B tem apenas a utilização do pátio com cerca de 12 m2, a fração D tem a utilização do logradouro e anexos entre este murete e um segundo muro que divide o logradouro de forma longitudinal, e a fração A tem a utilização da parcela que vai desde este muro até ao limite do prédio. E esta utilização é feita pelos réus, como já era feita pelos anteriores proprietários das frações A e D e arrendatários da fração B. E é feita à vista de toda a gente, sem qualquer oposição e necessariamente com conhecimento da primitiva proprietária, «DD», da primitiva autora, «AA», sua filha, e do autor. Veja-se que foi «DD», anterior proprietária de todo o imóvel, que arrendou a fração B, apenas com a utilização do pátio e que vendeu a fração D aos proprietários que antecederam os réus, e incluiu em tal venda a utilização do logradouro nos exatos termos em que se encontra atualmente a ser utilizado. E que foi «AA», primitiva autora, quem, sucedendo à mãe, continuou a arrendar a fração B, sempre apenas com a utilização do pátio e não com a utilização de qualquer outra parcela do logradouro. Não se diga que, porque não residia no imóvel e se limitava a arrendá-lo não tinha qualquer conhecimento da situação, já que os contratos de arrendamento se foram sucedendo ao longo do tempo o que exigia a intervenção da proprietária. Assim, conclui-se que o autor (e anteriormente a autora «AA» e já a sua mãe) tinham conhecimento da utilização dada ao logradouro e até ao envio da carta de 13 de Setembro de 2018 (facto n.º 17) nunca se opuseram à mesma, criando nos réus não só a expetativa de que não exerceriam qualquer direito em oposição a tal utilização, como a confiança de que tal utilização era regular e correspondia ao acordado”. 7. Ora, não pode o Autor Recorrente concordar com tal conclusão porquanto a mesma não resulta da prova produzida não sendo acurada a afirmação de que Veja-se que «DD», anterior proprietária de todo o imóvel, que arrendou a fração B, apenas com a utilização do pátio e que vendeu a fração D aos proprietários que antecederam os réus, e incluiu em tal venda a utilização do logradouro nos exatos termos em que se encontra atualmente a ser utilizado. 8. Na verdade, a anterior proprietária e primitiva autora nos presentes Autos sempre deu de arrendamento a totalidade da fração B, constituída pela área coberta e logradouro de 94.87 m2. 9. Naturalmente que não se será de exigir ao Senhorio que force os inquilinos a proceder à utilização da totalidade do arrendado, ainda mais quando nas situações como sub judice se trata de arrendamentos comerciais e cuja utilização de logradouro em parte em terra não tem relevância para a atividade desenvolvida. 10. Por outro lado, e tal como igualmente resultou da prova produzida em sede de discussão e julgamento, nem a Primitiva Autora nem a sua Mãe era visitas do prédio sito na Rua «ZZ», nº …, bem que apenas utilizavam para recolher rendimentos das rendas, o que resultou do depoimento da testemunha «FF», a 27 de Junho de 2023, nem a primitiva Autora, nem a sua Mãe se deslocavam ao edifício, sendo a gestão do locado feita por si. 11. Por outro lado, não resulta de qualquer prova produzida que a Autora alguma vez tivesse restringido ou limitado o arrendamento da fração B relativamente à zona do logradouro, antes resultado da prova que por se tratar de arrendamentos comerciais, a referida zona não tivesse interesse para os inquilinos. 12. Consequentemente não se poderá tirar a conclusão de que a fração B apenas era arrendada com a utilização de pátio, pelo que a mesma deverá ser suprimida. 13. Até porque na verdade - até à propositura dos presentes Autos, o acesso à zona de areia do logradouro da Autora não se encontrava vedado, apenas o tendo sido nessa data após a interpelação da Autora para a restituição do espaço assim documentos 15 e 16 juntos com a PI. 14- Por outro lado, a conclusão de que o autor (e anteriormente a autora «AA» e já a sua mãe) tinham conhecimento da utilização dada ao logradouro e até ao envio da carta de 13 de Setembro de 2018 (facto n.º 17) nunca se opuseram à mesma, criando nos réus não só a expetativa de que não exerceriam qualquer direito em oposição a tal utilização, como a confiança de que tal utilização era regular e correspondia ao acordado, é errada, porquanto parte de premissas inconsistentes e contrárias à prova produzida – neste sentido, veja-se o referido depoimento, no sentido de que era a depoente «FF» que tratava dos arrendamentos da Autora. 15- Por outro lado, e tal como resulta da prova documental carreada para os Autos, a referida fração B tinha sido dada de arrendamento consecutivamente 16- Em momento algum, até à resolução do arrendamento com a Sociedade «HH» Unip. Lda., a Autora soube da ocupação indevida resultando da inquirição da referida testemunha que é apenas em 2017 que a primitiva Autora tem conhecimento da ocupação. 17- Mais, ainda que por hipótese académica se aceitasse tal conhecimento o que não se aceita sempre se diria que o facto de se permitir ou tolerar a utilização de logradouro por um ou mais vizinhos durante determinado período, não significa que não possa o seu proprietário vir a pedir a restituição do mesmo ao seu ocupante / comodatário. 18- De outra forma, ao aceitar-se a aplicação do instituto do venire contra factum proprium à situação sub judice,estar-se-ia a declarar a impossibilidade de resolução de contratos de comodato, escritos ou verbais sob pena de inversão da posse o que naturalmente não se aceitará por pôr em causa todas as regras da posse e propriedade previstas no Código Civil e na Constituição da República. 19- Efetivamente, e tal como resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-02-2008 no Processo 3008/07-3 em que foi Relator o Senhor Desembargador Dr. Silva Rato, I – A “boa fé” a que se refere o artigo 334.º do Código Civil, reveste características de “boa fé objetiva”, isto é deve-se atuar como pessoas de bem, num quadro de honestidade, correção, probidade e lealdade por forma a não defraudar as legítimas expetativas e a confiança gerada nos outros e ainda na proibição de venire contra factum proprium. II – Há venire contra factum proprium quando uma pessoa manifesta a intenção de não praticar determinado ato e depois o pratica, ou quando uma pessoa declara avançar com certa atuação e depois se nega. É o assumir de comportamentos contraditórios que violam as regras da boa fé. III Por bons costumes haverá que entender os usos valorados como bons pelo conjunto das regras morais aceites pela consciência social. Embora não tenham consagração expressa, são considerados em vigor. IV O fim social ou económico do direito são os juízos de valor positivamente consagrados na lei. 20- Ora, in casu, nunca ocorreu qualquer manifestação de intenção de não praticar determinado ato mas apenas uma utilização abusiva do espaço afeto à fração B pela proprietária da fração D. 21- E fê-lo, desde o início já que resulta da prova produzida em sede de discussão e julgamento que aquando da aquisição o muro que separava o logradouro pertencente à fração B do logradouro da fração D ainda existia nesse sentido o depoimento de «II», filha dos anteriores proprietários da fração D e igualmente ex-arrendatários da fração B. 22- Pelo que foi sempre após 1996 e a aquisição da fração D pela Ré que o referido muro foi destruído permitindo aos Réus a utilização de todo o logradouro. 23- Por outro lado, o facto de tal como ficou provado ter a Autora Primitiva e a sua Mãe dado de arrendamento, sucessivamente, o imóvel e logradouro, sem exclusão de qualquer parte, permite abalar o referido pela Mma Juiz a quo quando refere que o autor (e anteriormente a autora «AA» e já a sua mãe) tinham conhecimento da utilização dada ao logradouro e até ao envio da carta de 13 de Setembro de 2018 (facto n.º 17) nunca se opuseram à mesma ( ) . 24- Ora, o abuso de direito no figurino do venire contra factum proprium só existe em casos excecionais, não bastando que o titular do direito, ao exercê-lo, manifeste um comportamento contrário ao anterior, sendo ainda necessário que o comportamento posterior se apresente clamorosamente oposto aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica e nas relações entre os contraentes o que não pode confundir-se com o desconhecimento da utilização abusiva de um logradouro de imóvel arrendado a empresa ou, mesmo, com (inexistente no caso) eventual permissão para utilização. 25- Tal como refere Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., p. 658) «o direito deve ser exercido sem frustrar expetativas criadas pelo seu titular. No exercício do direito o seu titular deve respeitar a fé (fides servare), deve evitar frustrar a confiança que tenha suscitado em outrem. Se por qualquer razão o titular do direito tiver agido ativa ou passivamente de modo a criar em outrem uma confiança legítima relativamente ao exercício do direito, não poderá frustrar essa confiança que tenha criado ou contribuído para criar. A frustração de expetativas criadas corresponde ao tipo doutrinário da má-fé tradicionalmente designado como venire contra factum proprium. Este tipo de má-fé assenta na inadmissibilidade de comportamentos contraditórios. Quem, através de um comportamento ativo ou omissivo, cria em outrem uma confiança fundada em certo modo de exercício do direito - uma boa-fé - não pode, depois, mudar bruscamente de comportamento e exercê-lo de um modo contraditório». 26- O abuso de direito só existe em casos verdadeiramente excecionais, não bastando que o titular do direito, ao exercê-lo, manifeste uma vontade contrária à anterior, pois que é ainda necessário que a segunda atitude se apresente como um comportamento de todo em todo ofensivo do sentido ético-jurídico, clamorosamente oposto aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica e nas relações entre os contraentes. 27- O exercício de um direito só poderá ser havido como ilegítimo quando houver manifesto abuso, isto é, quando o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, traduzindo uma grosseira ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante. 28- A utilização do abuso do direito não deve constituir panaceia fácil de toda e qualquer situação de exercício excessivo de um direito, em que o respetivo excesso não se já manifesto ou que só aparentemente se apresente como manifestamente excessivo. E não deve servir, ao cabo e ao resto, para dar cobertura a situações de facto ilícitas 29- O que estará em causa é a proibição de comportamentos contraditórios não pode ser generalizada. 30- Pelo contrário, essa proibição só é de aceitar quando o venire atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzido em aberrante e chocante contradição com o comportamento anteriormente adotado pelo titular do direito, o que não é o caso da situação sub judice. 31- Com efeito, a relevância da chamada conduta contraditória exige, segundo o melhor entendimento, a “conjugação dos vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança”. Assim, a invocação do venire contra factum proprium pressupõe necessariamente “a situação objetiva de confiança, o investimento da confiança e a boa fé subjetiva de quem confiou. A confiança só se mostra digna de proteção jurídica, desde logo, se o destinatário se encontrar de boa fé em sentido subjetivo, ou seja, se houver agido na suposição de que o autor do factum proprium estava vinculado a adotar a conduta prevista e se, ao formar tal convicção, tiver tomado todos os cuidados e precauções usuais no tráfico jurídico». 32- Ora, da matéria de facto que vem provada não se poderá retirar salvo o sempre devido respeito por melhor opinião, que a conduta do Autor (no confronto dos Réus) é contraditória com conduta anterior, nem, de resto, se pode retirar que a conduta dos Réus se determinou ou foi minimamente influenciada a partir de uma confiança adquirida precisamente de atitudes anteriores do Autor (ou na verdade, das ante proprietárias da fração B). 33- Na verdade, durante toda a discussão factual da presente causa passou ao lado da existência de qualquer contradição comportamental do Autor (primitiva Autora e da sua Mãe) relativamente a eventuais expetativas criadas aos Réus. E muito menos foram alegados factos significantes de uma qualquer aberrante e chocante contradição com comportamentos anteriormente adotados pois que ninguém referiu sequer que as mesmas visitavam o locado. 34- Pela tese adotada pelo Tribunal a quo, todo e qualquer o litígio emergente do não cumprimento de entrega de um bem imóvel no âmbito de um qualquer contrato de arrendamento ou de comodato por banda do arrendatário ou comodatário, frustrando-se assim as expetativas negociais da outra parte em reaver o imóvel, teria sempre subjacente um abuso de direito no figurino do venire, o que não se aceita nem pode aceitar, e motivo pelo qual deveria o argumento do abuso do direito ter sido rejeitado o que não foi. 35- Ora, salvo o sempre devido respeito por melhor opinião, considera o ora Recorrente que diversos factos dados como provados ou não provados foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo, alguns deles até em contradição com outros factos igualmente julgados como provados e motivo pelo qual importará atentar aos elementos de prova disponíveis. 36- Analisada a prova produzida e gravada em sede de audiência de julgamento, resultam evidenciados erro de julgamento que levarão, necessariamente a uma alteração da matéria de facto assente. 37- Relativamente à análise concreta de cada um dos factos indicando para o efeito as concretas passagens da prova produzida e gravada que impõem uma decisão diversa, atentar-se-á a que os factos da matéria provada indicados sob os artigos 15, 22, 23, 25, 30 e da Matéria dada como não provada identificados sob os números 1 a 4 foram incorretamente julgados. 38- Da prova produzida impor-se-ia decisão diversa como se demonstrará. 39- Relativamente ao facto 15. Até data não concretamente apurada, mas anterior a 1996, existiam 3 muros a dividir o logradouro: um murete que dividia o pátio subsequente à fração B do restante espaço do logradouro, e que ainda se encontra edificado; um muro que dividia o logradouro numa zona central, que, em data não concretamente apurada, mas anterior a 1996, foi destruído; um muro que delimita o logradouro que é utilizado pela fração A. não pode o Autor Recorrente concordar com a colocação da expressão mas anterior a 1996 porquanto resulta da prova produzida (quer carreada para os Autos, quer testemunhal) que à data da aquisição pelos Réus da referida fração D, o murete que delimitava o logradouro da fração B existia, porquanto a testemunha «II» prestou o seu depoimento a 12 de Setembro de 2023, tendo o mesmo sido registado no sistema Habilus MediaStudio com o nome de ficheiro Diligencia_...mp3. 40- Do referido depoimento resulta que à data da celebração do contrato de compra e venda da primeira fração adquirida pelos Réus, o referido murete ainda existia, tal como resulta igualmente do fotograma junto na referida data e ao qual foi atribuída a referência …. 41- Consequentemente, o referido facto 15. deveria ter sido dado como provado com alteração da referida expressão “mas anterior a 1996” para “mas posterior à aquisição da Fração D pelos Réus em 1996” O referido facto deverá, pois passar a constar como: “15. Até data não concretamente apurada, mas posterior à aquisição da Fração D pelos Réus em 1996, existiam 3 muros a dividir o logradouro: um murete que dividia o pátio subsequente à fração B do restante espaço do logradouro, e que ainda se encontra edificado; um muro que dividia o logradouro numa zona central, que, em data não concretamente apurada, mas posterior a 1996, foi destruído; um muro que delimita o logradouro que é utilizado pela fração A”. 42- Relativamente aos factos 22. À data de aquisição do imóvel pelos réus existiam e continuam a existir dois muretes, que dividem as áreas do logradouro. e 23. Anteriormente havia um terceiro murete, que se situava na zona central o logradouro, e que foi destruído antes da aquisição pelos réus. e na sequência do referido a propósito do facto 15, necessariamente que andou mal o Tribunal a quo ao julgar como provado que à data da aquisição do referido imóvel apenas existiam dois muretes, porquanto a referida testemunha, «II» que quanto aos referidos factos prestou o seu depoimento de forma convincente e credível não teve quaisquer dúvidas ao assegurar que o terceiro murete existia quando a venda foi feita: 43- Consequentemente, ter-se-á de proceder à alteração dos referidos factos dados como provados, passando dos mesmos a constar que à data da aquisição existiam, efetivamente, três muretes, sendo que o terceiro murete viria a ser destruído pelos Réus em data posterior à sua aquisição. 44- Os referidos factos deverão, pois, passar a constar como: 22. À data de aquisição do imóvel pelos réus existiam três muretes, que dividiam as áreas do logradouro. 23. Posteriormente foi destruído o murete, que se situava na zona central o logradouro, e que dividia a zona da fração D da zona de terra batida da fração B. 45- Relativamente ao facto 25. Desde pelo menos 1996, a área do logradouro utilizado pela fração B corresponde a cerca de 12 m2 (excluindo os muros), a área do logradouro utilizado pela fração A corresponde a cerca de 49 m2 (incluindo os anexos), a área do logradouro utilizado pela fração D corresponde a cerca de 283,18 m2 (incluindo os anexos), encontrando-se as diferentes áreas delimitadas por muretes. Andou igualmente mal o Tribunal a quo, porquanto omite que foram os Réus quem passou a impedir o acesso à zona de terra batida do logradouro da fração B, por parte dos arrendatários. 46- A testemunha «FF» prestou o seu depoimento a 27 de Junho de 2023, tendo o mesmo sido registado no sistema Habilus MediaStudio com o nome de ficheiro Diligencia...mp3. 47- Pelo que, consequentemente, a redação do referido facto teria de ser revisto e substituído por outra que desse como provado que em data posterior a 1996, o acesso à parte de terra batida do logradouro de B foi vedado pelos Réus. 48- O referido facto deverá, pois passar a constar como: 25. Em data posterior a 1996, a área do logradouro utilizado pela fração B corresponde a cerca de 12 m2 (excluindo os muros), por ter sido vedado o acesso à zona de terra batida primeiro através da colocação de balde com terra e depois com vedação, a área do logradouro utilizado pela fração A corresponde a cerca de 49 m2 (incluindo os anexos), a área do logradouro utilizado pela fração D corresponde a cerca de 283,18 m2 (incluindo os anexos), encontrando-se as diferentes áreas delimitadas por muretes. 49- Relativamente ao facto 30. A utilização dos logradouros era do conhecimento de «AA», bem como dos demais condóminos. A sua redação não é feliz porquanto o conhecimento da utilização dos logradouros apenas passou a ser do conhecimento da Autora (Primitiva), em 2017, conforme depôs a testemunha «FF». 50- O referido facto deverá, pois passar a constar como: “30. A utilização dos logradouros apenas passou a ser do conhecimento de «AA» em 2017.” 51- Relativamente à Matéria de Facto Não Provada, consequentemente, a mesma teria de passar a ser dada como provada com base dos supra referidos depoimentos, em concreto, 1. A área de utilização exclusiva da fração B, inicialmente dividida entre pátio e horta com portão, viria a ser reduzida ao pátio através do encerramento do referido portão pelo lado da horta. Resulta como provado considerando a prova produzida pela testemunha «FF». 52- De igual modo o ponto 2. Quando refere que E, após interpelação da Autora para que os Réus restituíssem a utilização, foi por estes vedado definitivamente o acesso. Resulta como provado considerando a prova produzida pela testemunha «FF» e da testemunha «LL». 53- A testemunha «LL» prestou o seu depoimento a 27 de Junho de 2023, tendo o mesmo sido registado no sistema Habilus MediaStudio com o nome de ficheiro Diligencia...mp3, o que imporia decisão diversa. 54- Neste sentido, também o supra referido depoimento de «FF», prestado a 27 de Junho de 2023, e registado no sistema Habilus MediaStudio com o nome de ficheiro Diligencia…mp3, sendo que tal depoimento igualmente imporia decisão diversa. 55- Relativamente ao ponto 3. Uma vez que a autora não residia no imóvel, não lhe foi possível controlar a real utilização do espaço por parte dos vários condóminos. - Resulta como provado considerando a prova produzida pela testemunha «FF». ([00:02:36] «FF»: Cheguei e fui a primeira vez em 2017 com a D. «AA» e uma das funcionárias. [00:02:46] JGS: Recorda-se do nome da funcionária? / [00:02:48]«FF»: «MN». Quer dizer. «NM». Peço desculpa. / 56- De igual modo, também o ponto 4. Foi na visita que realizou ao imóvel no momento da saída do anterior inquilino que a Autora se apercebeu da utilização que estava a ser feita da sua área de uso exclusivo - Resulta como provado considerando a prova produzida pela testemunha «FF». ([00:02:36] «FF»: Cheguei e fui a primeira vez em 2017 com a D. «AA» e uma das funcionárias. [00:02:46] JGS: Recorda-se do nome da funcionária? [00:02:48] «FF»: «MN». Quer dizer. «NM». Peço desculpa. [00:02:51] JGS: Olhe. Diga-me uma coisa. Qual foi a perceção que teve do espaço? Qual era o conhecimento que tinha? [00:02:58] «FF»: No espaço, na altura, estava lá um senhor italiano, com uma empresa de distribuição, venda e próprio também. Para o material que tinha. Material ortodôntico. Que era uma lixeira. Com ratinhos. Com baratinhas. [00:03:17] JGS: Olhe. Recorda-se do nome deste cavalheiro? [00:03:22] «FF»: Sr. «GG». 57- Pelo que, da referida prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento resultarão como provados os referidos factos que o Tribunal a quo, sme, considerou erradamente deverem ser dados como não provados. 58- Ao decidir como decidiu a Mma Juiz do Tribunal a quo fez uma errónea aplicação do direito, aplicando o instituto do venire contra factum proprium a uma situação em que nunca a Autora agiu de forma a criar nos Réus qualquer sensação de que não lhes solicitaria a restituição do espaço que lhe pertencia. Nestes termos, E nos mais do Direito que V. Exa doutamente suprirá, deverá a douta sentença proferida ser revogada e substituída por outra que considere como provados os factos supra referidos, condenando-se os Réus do pedido contra si formulado, Assim se fazendo a costumada J U S T I Ç A» Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida. Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito. OBJETO DO RECURSO Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões: a. A matéria de facto deve ser alterada nalguns pontos? b. O direito subjacente ao pedido formulado nesta ação está a ser atuado de modo abusivo? II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: 1. Pela Ap. … de 1991.03.06, encontra-se inscrita a aquisição da propriedade a favor de «AA», por herança, da fração B, correspondente ao rés-do-chão direito, do imóvel sito na Rua «ZZ», n.º …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana de Lisboa, freguesia do Areeiro, sob o artigo … e registado na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …. 2. Pela Ap. … de 1996.01.30 encontra-se inscrita a aquisição da propriedade a favor dos Réus da fração D, correspondente ao 1º andar esquerdo do referido imóvel. 3. Os antecessores haviam adquirido a respetiva fração D em 1992. 4. Pela Ap. … de 2001.02.12 encontra-se inscrita a aquisição da propriedade a favor dos Réus da fração F, correspondente ao 2.º andar esquerdo do referido imóvel. 5. Pela Ap. … de 2011.07.29 encontra-se inscrita a aquisição da propriedade a favor dos Réus da fração A, correspondente ao rés-do-chão esquerdo. 6. Os antecessores haviam adquirido a respetiva fração A no dia 16 de Junho de 1995. 7. Os Réus celebraram escritura de compra e venda da fração D, a 22 de Março de 1996, ali constando que foi exibida fotocópia em substituição da caderneta predial urbana, emitida a 23 de Novembro de 1995 pela Repartição de Finanças do 5º Bairro Fiscal. 8. Os Réus celebraram escritura de compra e venda da fração F, a 3 de Abril de 2001, ali constando que foi apresentada a Caderneta Predial emitida a 4 de Dezembro de 2000 pelo quinto serviço de Finanças. 9. Em 29 de Julho de 2011, em sede de processo de insolvência, os Réus adquiriram a fração A do referido prédio, a «PP» - Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, SA, constando do título de transmissão a referência à apresentação da Caderneta Predial. 10. Da Caderneta predial de todas as frações consta, na descrição do prédio, a existência de logradouro dividido em 3 zonas, sendo uma de uso exclusivo da fração A com 21 m2, outra de uso exclusivo da fração B, com 94,87 m2 e a terceira de uso exclusivo da fração D, com área de 183,13 m2. 11. A propriedade horizontal do prédio sito na Rua «ZZ», nº … foi constituída por escritura de 2 de Outubro de 1980, não tendo sofrido qualquer alteração até à presente data. 12. Da escritura de constituição da propriedade horizontal consta, no número Segundo, que “À tardoz do edifício existe o logradouro dividido em três zonas por muretes, sendo uma do exclusivo uso da fração “A”, outra do uso exclusivo da fração “B”, a terceira do uso exclusivo da fração D e a quarta do uso exclusivo da fração “F”, digo fração “D”. 13. E do número Quarto que “As zonas do logradouro têm a seguinte área por ordem que estão mencionadas no número dois: vinte e um metros quadrados, noventa e quatro metros e oitenta sete decímetros quadrados e cento e oitenta e três metros e treze decímetros quadrados”. 14. De acordo com a escritura de constituição da propriedade horizontal, o logradouro é de uso exclusivo das frações “A”, “B” e “D” e dividido da seguinte forma: - Fração “A”, com 21 m2, - Fração B, com 94.87 m2, - Fração D, com 183,13 m2. 15. Até data não concretamente apurada, mas anterior a 1996, existiam 3 muros a dividir o logradouro: um murete que dividia o pátio subsequente à fração B do restante espaço do logradouro, e que ainda se encontra edificado; um muro que dividia o logradouro numa zona central, que, em data não concretamente apurada, mas anterior a 1996, foi destruído; um muro que delimita o logradouro que é utilizado pela fração A. 16. No final do logradouro e em data anterior à aquisição das frações pelos réus foram construídos diversos anexos que ocupam toda a sua largura. 17. Por carta datada de 13 de Setembro de 2018, «AA», através do seu mandatário, solicitou comparência da ré para tratar de assunto relacionado com o logradouro existente no imóvel que habita. 18. Por carta datada de 01 de Outubro de 2018, a ré respondeu invocando: “(…) gostaria de deixar indicação de que as áreas e os muretes existentes no local são as corretas e conhecidas da Sra. D. «AA» há longuíssimo tempo. Aproveito para renovar a informação que transmiti anteriormente da existência de erros nalguns documentos no que se refere às diferentes áreas do logradouro, que poderei confirmar a partir de documentos mais antigos nos próximos dias. Parece-me, assim, esta a via mais adequada (… e não tanto a da realização da construção que sugere para o dia 04 de Outubro, com a qual naturalmente não posso concordar”. 19. Por e-mail de 06 de Dezembro de 2018, o Il. Mandatário de «AA», insistiu no sentido de que: “a fração da nossa constituinte tem efetivamente logradouro com a área de 94,8m2, não existindo qualquer lapso na PH. Assim, solicito a sua presença (…) a fim de definir o calendário para levantamento de áreas e reposição de muretes”. 20. Tendo a ré respondido, por e-mail da mesma data, mantendo que: “A situação por mim descrita é a correta e mantém-se estabilizada há longos anos, razão pela qual entendo não haver lugar à reposição de quaisquer muretes ou a qualquer atuação que a ponha em causa”. 21. Pelo menos desde 1996, ano em que os réus adquiriram a fração D, as áreas dos logradouros não se encontram distribuídas e delimitadas no terreno nos mesmos termos que constam da escritura de propriedade horizontal, mas sim de acordo com a planta junta como Doc. n.º 1 da contestação. 22. À data de aquisição do imóvel pelos réus existiam e continuam a existir dois muretes, que dividem as áreas do logradouro. 23. Anteriormente havia um terceiro murete, que se situava na zona central o logradouro, e que foi destruído antes da aquisição pelos réus. 24. As áreas do logradouro tal como atualmente se encontram delineadas e são utilizadas foram decisivas para a formação da vontade dos Réus em adquirir, atentas as suas necessidades familiares. 25. Desde pelo menos 1996, a área do logradouro utilizado pela fração B corresponde a cerca de 12 m2 (excluindo os muros), a área do logradouro utilizado pela fração A corresponde a cerca de 49 m2 (incluindo os anexos), a área do logradouro utilizado pela fração D corresponde a cerca de 283,18 m2 (incluindo os anexos), encontrando-se as diferentes áreas delimitadas por muretes. 26. O logradouro de uso exclusivo da fração D confina com A e B, impedindo que estes confinem entre si. 27. «AA», por virtude da morte da sua mãe «DD», anterior proprietária de todo o prédio, aquando ainda em propriedade vertical, e responsável pela constituição da propriedade horizontal, herdou várias frações do imóvel, que posteriormente veio a vender. 28. Tendo ficado com apenas uma das frações, a Fração B, utilizada como loja e que atualmente se encontra ocupada pelo seu mandatário. 29. «AA» não residia no imóvel objeto do presente litígio, sempre o tendo tido arrendado. 30. A utilização dos logradouros era do conhecimento de «AA», bem como dos demais condóminos. Na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos: i. A área de utilização exclusiva da fração “B”, inicialmente dividida entre pátio e horta com portão, viria a ser reduzida ao pátio através do encerramento do referido portão pelo lado da horta. ii. E, após interpelação da Autora para que os Réus restituíssem a utilização, foi por estes vedado definitivamente o acesso. iii. Uma vez que a autora não residia no imóvel, não lhe foi possível controlar a real utilização do espaço por parte dos vários condóminos. iv. Foi na visita que realizou ao imóvel no momento da saída do anterior inquilino que a Autora se apercebeu da utilização que estava a ser feita da sua área de uso exclusivo. III. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO O recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, concretizando os pontos que pretende ver alterados, descrevendo a redação que, em seu entender, devem passar a ter, e explicitando os meios de prova em abono da sua pretensão. Estão, portanto, cumpridos todos os requisitos necessários a uma impugnação eficaz e que se encontram no artigo 640.º do CPC. Sucede, porém, que todos os factos que o recorrente pretende ver alterados são irrelevantes para o sucesso da sua pretensão final: a procedência da ação. Vejamos os factos em causa: matéria provada sob os n.ºs 15, 22, 23, 25, 30 e toda a considerada não provada, que o recorrente entende ter sido incorretamente julgada. Relembramos estes pontos tal como consignados na sentença: 15. Até data não concretamente apurada, mas anterior a 1996, existiam 3 muros a dividir o logradouro: um murete que dividia o pátio subsequente à fração B do restante espaço do logradouro, e que ainda se encontra edificado; um muro que dividia o logradouro numa zona central, que, em data não concretamente apurada, mas anterior a 1996, foi destruído; um muro que delimita o logradouro que é utilizado pela fração A. 22. À data de aquisição do imóvel pelos réus existiam e continuam a existir dois muretes, que dividem as áreas do logradouro. 23. Anteriormente havia um terceiro murete, que se situava na zona central o logradouro, e que foi destruído antes da aquisição pelos réus. 25. Desde pelo menos 1996, a área do logradouro utilizado pela fração B corresponde a cerca de 12 m2 (excluindo os muros), a área do logradouro utilizado pela fração A corresponde a cerca de 49 m2 (incluindo os anexos), a área do logradouro utilizado pela fração D corresponde a cerca de 283,18 m2 (incluindo os anexos), encontrando-se as diferentes áreas delimitadas por muretes. 30. A utilização dos logradouros era do conhecimento de «AA», bem como dos demais condóminos. Não provados os seguintes factos: i. A área de utilização exclusiva da fração “B”, inicialmente dividida entre pátio e horta com portão, viria a ser reduzida ao pátio através do encerramento do referido portão pelo lado da horta. ii. E, após interpelação da Autora para que os Réus restituíssem a utilização, foi por estes vedado definitivamente o acesso. iii. Uma vez que a autora não residia no imóvel, não lhe foi possível controlar a real utilização do espaço por parte dos vários condóminos. iv. Foi na visita que realizou ao imóvel no momento da saída do anterior inquilino que a Autora se apercebeu da utilização que estava a ser feita da sua área de uso exclusivo. Requer o recorrente que, na vez dos listados factos, passe a considerar-se provado: 15. Até data não concretamente apurada, mas posterior à aquisição da Fração D pelos Réus em 1996, existiam 3 muros a dividir o logradouro: um murete que dividia o pátio subsequente à fração B do restante espaço do logradouro, e que ainda se encontra edificado; um muro que dividia o logradouro numa zona central, que, em data não concretamente apurada, mas posterior a 1996, foi destruído; um muro que delimita o logradouro que é utilizado pela fração A. 22. À data de aquisição do imóvel pelos réus existiam três muretes, que dividiam as áreas do logradouro. 23. Posteriormente foi destruído o murete, que se situava na zona central o logradouro, e que dividia a zona da fração D da zona de terra batida da fração B. 25. Em data posterior a 1996, a área do logradouro utilizado pela fração B corresponde a cerca de 12 m2 (excluindo os muros), por ter sido vedado o acesso à zona de terra batida primeiro através da colocação de balde com terra e depois com vedação, a área do logradouro utilizado pela fração A corresponde a cerca de 49 m2 (incluindo os anexos), a área do logradouro utilizado pela fração D corresponde a cerca de 283,18 m2 (incluindo os anexos), encontrando-se as diferentes áreas delimitadas por muretes. 30. A utilização dos logradouros apenas passou a ser do conhecimento de «AA» em 2017. 31. A área de utilização exclusiva da fração “B”, inicialmente dividida entre pátio e horta com portão, viria a ser reduzida ao pátio através do encerramento do referido portão pelo lado da horta. 32. E, após interpelação da Autora para que os Réus restituíssem a utilização, foi por estes vedado definitivamente o acesso. 33. Uma vez que a autora não residia no imóvel, não lhe foi possível controlar a real utilização do espaço por parte dos vários condóminos. 34. Foi na visita que realizou ao imóvel no momento da saída do anterior inquilino que a Autora se apercebeu da utilização que estava a ser feita da sua área de uso exclusivo. O que dizemos é que a circunstância de os factos em questão estarem consignados com a redação dada na sentença não conduz à improcedência da ação, e, consequentemente, o facto de serem alterados para a redação pretendida pelo recorrente não influirá na situação deste. Passamos a explicar, avançando que as razões que nos levam a afirmar a irrelevância dos factos que o autor pretende ver alterados são as mesmas que conduzem à procedência do recurso e da ação. Além dos factos em causa, está provado pelos competentes documentos autênticos que o prédio do n.º … da Rua «ZZ», freguesia de São Sebastião da Pedreira, Lisboa, descrito na CRP de Lisboa com o n.º … da mesma freguesia, foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública celebrada em 02/10/1980 no … Cartório Notarial de Lisboa (registada na citada descrição predial pela Ap. … de 14/11/1980), e é constituído por oito frações, “A” a “H” e partes comuns. Entre as partes comuns conta-se um logradouro a tardoz, dividido em três partes, sendo cada uma de uso exclusivo das frações “A”, “B” e “D”: uma do uso exclusivo da fração “A”, com 21 m2; outra do uso exclusivo da fração “B”, com 94,87 m2, e a terceira do uso exclusivo da fração “D”, com área de 183,13 m2. Consta do ponto «Segundo» da escritura de constituição da propriedade horizontal, manuscrita (como era uso à data), ipsis verbis: «A tardoz do edifício existe o logradouro dividido em três zonas por muretes, sendo uma do exclusivo uso da fracção “A”, outra do uso exclusivo da fracção “B”, a terceira do uso exclusivo da fracção D e a quarta do uso exclusivo da fracção “F”, digo, fracção “D”.» Os sublinhados são originais, o «digo, fracção “D”» significa que a frase termina em «fracção D», não contando o que se escreveu a partir daí. No número «Quarto» da mesma escritura lê-se ipsis verbis: «As zonas do logradouro têm a seguinte área pela ordem que estão mencionadas no número dois: vinte e um metros quadrados, noventa e quatro metros e oitenta sete decímetros quadrados e cento e oitenta e três metros e treze decímetros quadrados». Como se afirma no facto 14, de acordo com a escritura de constituição da propriedade horizontal, o logradouro é de uso exclusivo das frações “A”, “B” e “D” e dividido da seguinte forma: - Fração “A”, com 21 m2, - Fração B, com 94.87 m2, - Fração D, com 183,13 m2. Como se afirma no facto 10, «Da Caderneta predial de todas as frações consta, na descrição do prédio, a existência de logradouro dividido em 3 zonas, sendo uma de uso exclusivo da fração A com 21 m2, outra de uso exclusivo da fração B, com 94,87 m2 e a terceira de uso exclusivo da fração D, com área de 183,13 m2». A escritura pública de constituição do prédio em propriedade horizontal, a certidão predial do prédio no seu todo e das frações A, B, D e F, as cadernetas prediais das frações A, B, D e F, e, ainda, as escrituras públicas de compra e venda celebrada em 22/03/1996, 03/04/2001, e 29/07/2011, pelas quais os réus compraram as frações “D”, “F” e “A”, foram juntas aos autos com a petição inicial e a sua autenticidade não foi posta em causa. Em todas as escrituras públicas de compra e venda, pelas quais os réus adquiriram as frações “D”, “F” e “A”, as respetivas frações estavam descritas e identificadas com os números das respetivas cadernetas prediais e do registo predial na Conservatória.: a) A escritura pública de compra e venda celebrada em 22/03/1996, pela qual «JJ» e «KK» vendem a «CC» e a «BB» «a fracção autónoma individualizada pela letra “D”, destinada exclusivamente a habitação, que constitui o primeiro andar esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na Rua «ZZ», nºs …, em Lisboa, freguesia de S. Sebastião da Pedreira, descrito sob o número … do Livro B-vinte, da Oitava Conservatória do Registo Predial de Lisboa, nela registadas a constituição do regime de propriedade horizontal nos termos da inscrição número … do livro F-onze e a aquisição da aludida fracção autónoma em comum e sem determinação de parte ou direito favor dos vendedores conforme inscrição número … do livro G-noventa e sete. Que o referido prédio acha-se inscrito na respetiva matriz da freguesia de S. João de Deus sob o artº. … (…)»; b) A escritura pública de compra e venda celebrada em 03/04/2001, pela qual «AA» vende a «CC» e a «BB» «a fracção autónoma designada pela letra “F”, a que corresponde o segundo andar esquerdo, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua «ZZ», números …, freguesia de S. Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, inscrito na matriz da freguesia de São João de Deus sob o artigo … com o valor patrimonial de 196.072$00, descrito na Oitava Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … do Livro B-vinte, onde consta o registo da propriedade horizontal pela inscrição número … do livro F-onze e a aquisição da fracção registada a favor da vendedora pela inscrição número … do livro G-noventa e dois.»; c) A escritura pública de compra e venda celebrada em 29/07/2011, pela qual a liquidatária judicial no processo de falência da sociedade «PP», S.A. vende a «CC» e a «BB» «a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão, destinado a loja / habitação, com entrada pelos números …, com uso exclusivo de uma das três zonas do logradouro a tardoz, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua «ZZ», números …, freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … da indicada freguesia nele registada a constituição da propriedade horizontal nos termos da apresentação … de catorze de Novembro de mil novecentos e oitenta, a aquisição da fracção a favor da sua representada nos termos da apresentação … de (…) inscrito na matriz predial urbana da freguesia de São João de Deus, sob o artigo … com o valor patrimonial tributário correspondente à fracção de € 132.812,75». De notar que a fração “D” que os réus compraram em 1996, nem sequer lhes foi vendida pelo autor, nem pela sua mãe ou avó, mas sim por pessoas que tinha adquirido à sua mãe. Essa fração foi vendida aos réus pelos pais da testemunha «II». Sendo assim, mesmo considerando os factos tal como assentes na sentença (incluindo que, pelo menos desde 1996, ano em que os réus adquiriram a fração D, as áreas dos logradouros não se encontram distribuídas e delimitadas no terreno nos mesmos termos que constam da escritura de propriedade horizontal, mas sim de acordo com a planta junta como Doc. n.º 1 da contestação, que à data de aquisição do imóvel pelos réus existiam e continuam a existir dois muretes, que dividem as áreas do logradouro, e que, anteriormente havia um terceiro murete, que se situava na zona central o logradouro, e que foi destruído antes da aquisição pelos réus), não resultam provados factos que permitam imputar à primitiva autora os factos colocados entre parênteses. Ainda que existissem, tanto não seria suficiente para a conclusão de abuso de direito extraída em primeira instância. Não existindo, não há qualquer indício de abuso de direito, assunto a que voltaremos. Da citada escritura de venda da fração “D” aos réus não consta sequer o direito de uso de parte do logradouro (mas isso é irrelevante na medida em que, conforme escritura de constituição de propriedade horizontal, devidamente registada, a dita fração D inclui o direito de uso de uma parte do logradouro com 183,13 m2, nada mais). Disto os réus tinham conhecimento, é assim que consta da escritura de constituição de propriedade horizontal, do registo predial ao fazer-lhe referência e das cadernetas prediais. Os réus não adquiriram direito de uso a mais área do logradouro por nenhuma forma. Se os réus, quando compraram aos pais da testemunha acima identificada, acharam que podiam usar logradouro para além da área que consta documentada e registada, sibi imputet; essa sua eventual convicção subjetiva não lhes atribui direitos. A fração do autor, por seu turno, inclui o direito de uso de 94,87 m2 do logradouro a tardoz. É assim que consta da escritura de constituição de propriedade horizontal e assim está registado. Mesmo que a delimitação no terreno de há muito fosse diferente da inicial, mesmo que o uso de facto dado pelos vários proprietários das frações com direito de uso do logradouro não correspondesse exatamente às áreas a que têm direito, isso, por si, em nada altera a constituição das frações e os direitos de cada uma sobre partes comuns. Muitas circunstâncias podem ter contribuído para que o uso que os donos ou inquilinos das frações com direito de uso do logradouro tenha ficado aquém ou além das áreas a que efetivamente tinham direito. Desde logo, o abuso de quem usou área maior do que a que lhe estava destinada e/ou a indiferença ou a permissão dos demais. Nada disto conduz a que uma fração passe a ter direito de uso sobre uma área maior daquela que consta da escritura de constituição de propriedade horizontal. O título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos (sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1422.º-A e do disposto em lei especial, situações que não se colocam no caso) – n.º 1 do artigo 1419.º do CC. A falta de acordo para alteração do título constitutivo quanto a partes comuns pode ser suprida judicialmente, sempre que os votos representativos dos condóminos que nela não consintam sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não modifique as condições de uso, o valor relativo ou o fim a que as suas frações se destinam (n.º 2 do mesmo artigo e diploma). Estas normas evidenciam intenção da lei de manter o mais elevado grau de certeza sobre a constituição deste tipo de propriedade plural e de respeitar a vontade dos seus titulares. Não se desconhece a possibilidade de alteração da propriedade horizontal por usucapião, sinalizada em várias decisões jurisprudenciais – em parte delas não logrando o caso concreto reunir os estritos requisitos necessários à verificação da constituição ou alteração da propriedade horizontal por usucapião –, e pela doutrina (Rui Pinto Duarte, A Propriedade Horizontal, Almedina, 2019, 77-78). Nos presentes autos, não foi deduzido pedido reconvencional, tendo a aquisição por usucapião sido invocada a título de exceção, com vista a impedir o direito que o autor pretende fazer valer. Tem sido admitida a defesa do réu sustentada na usucapião, tanto por via de reconvenção, como por via de exceção perentória (assim, os Acs. do STJ de 06/12/2018, proc. 8250/15.9T8VNF.G1.S1, Abrantes Geraldes, e de 18/04/2024, proc. 864/15.3T8ABF.E1.S1, Fernando Baptista, bem como doutrina neste citada: Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, III, 1959, p. 41 e Comentário ao Código de Processo Civil, III, 1946, p. 101, ambos da Coimbra Editora, Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 322 e 323; Remédio Marques, A Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, pp. 294 e 295). O tribunal a quo pronunciou-se sobre o tema nas pp. 12 a 15 da sentença, concluindo que os réus não adquiriram o direito de utilização exclusiva (de mais área do que aquela que está registada como adstrita à fração) por usucapião. De dizer que a invocação por via de exceção apenas poderia ser bem-sucedida numa das seguintes situações: i. Já se encontrar julgada a aquisição por usucapião; ou, ii. Verificarem-se in casu não apenas os pressupostos substantivos da usucapião, mas também os processuais determinados pela natureza de parte comum do direito que se pretendia ter adquirido. Sendo o direito discutido um direito de uso de uma área comum, a sua alteração diria respeito a todos os condóminos. Por outro lado, tratando-se de um direito de uso, poderia esbarrar na insuscetibilidade de aquisição por usucapião estatuída no artigo 1293.º, al. b), do CC. Usucapião não se verificou, conforme julgado, e bem. Tão-pouco os recorridos pediram a ampliação do objeto do recurso. A improcedência da ação em primeira instância fundamentou-se em abuso de direito. Nos termos do artigo 334.º do CC, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. A todos se impõe uma conduta honesta e leal e quando o exercício de um direito é atuado em manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, o exercício torna-se ilegítimo. Integrar os conceitos indeterminados contidos no citado artigo do CC não constitui tarefa fácil. O que genericamente a doutrina e a jurisprudência têm entendido é que se exige que o excesso seja manifesto. «Os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos atos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, 4.ª ed., pp. 298-9). Tem se ser um exercício em termos clamorosamente ofensivos da justiça, que, no caso concreto, ofenda intoleravelmente o nosso sentido ético-jurídico (neste sentido, Manuel de Andrade e Vaz Serra citados por Pires de Lima e Antunes Varela na ob. e loc. cit.). Entre os tipos de atos abusivos, a doutrina enquadra o venire contra factum proprium e a supressio (sobre estes tipos de atos abusivo v. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo IV, Almedina, 2005, pp. 275-297 e 313-326). O primeiro consiste no exercício de uma posição jurídica que contradiz a conduta antes assumida ou defendida pelo agente. Tal contradição só será abusiva se defraudar danosamente a confiança legitimamente depositada por terceiro na continuidade ou na coerência da atuação do agente. A segunda designa a posição jurídica que, não sendo exercida em determinadas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por contrariar a boa fé. Em qualquer dos casos, verificado o venire… ou a supressio, o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos do sentimento jurídico socialmente dominante ou dos juízos de valor positivados na lei. Para justificar a improcedência da ação por abuso de direito do autor, o tribunal a quo desenvolveu uma narrativa que, em parte, não tem correspondência nos factos provados e, noutra parte faz errada aplicação da lei, quer a respeito de distribuição do ónus da prova, quer sobre a função da escritura de constituição de propriedade horizontal e o regime desta, quer, ainda, sobre a função do registo predial. Afirma-se na fundamentação de direito da sentença: «Veja-se que foi «DD», anterior proprietária de todo o imóvel, que arrendou a fracção B, apenas com a utilização do pátio e que vendeu a fracção D aos proprietários que antecederam os réus, e incluiu em tal venda a utilização do logradouro nos exatos termos em que se encontra atualmente a ser utilizado». Não consta em ponto algum da matéria assente que qualquer das anteriores proprietárias tenha arrendado a fração B, apenas com a utilização do pátio e não com a utilização de qualquer outra parcela do logradouro, nem que tenha vendido a fração D aos proprietários que antecederam os réus, incluindo em tal venda a utilização do logradouro nos exatos termos em que se encontra atualmente a ser utilizado. Isto não são factos provados, basta ler o respetivo elenco. No entanto, é essencialmente neles que o tribunal a quo fundamenta a afirmação de que é abusivo o direito que se pretende fazer valer na ação. Afirma o tribunal a quo, ainda na parte da fundamentação de direito sobre a existência de abuso de direito, que «não foi feita qualquer prova de que os réus tivessem efetivamente consultado as cadernetas prediais aquando da aquisição das frações ou tivesse relevado tal informação delas constante». Confessamos a nossa dificuldade em perceber o que o tribunal a quo terá querido dizer. Os réus compraram várias frações de um prédio, constam das respetivas escrituras públicas os artigos matriciais correspondentes. Não acreditamos que os réus tenham comprado os imóveis sem terem «efetivamente consultado» as cadernetas prediais. Mas se não consultaram, é irrelevante, sibi imputet. Afirma, ainda o tribunal a quo que «a informação constante das cadernetas baseia-se numa participação da parte interessada, normalmente nem sequer sujeita a controlo da respetiva Repartição de Finanças. E, as certidões das matrizes prediais emitidas pelas Repartições de Finanças, apenas constituem presunção para efeitos fiscais, pelo que o facto da descrição do logradouro constar das cadernetas não só não permite presumir o seu conhecimento pelos réus; como não permite presumir a valorização de tal informação pelos réus e, consequentemente, infirmar a sua boa-fé na utilização do logradouro». Ainda que estas afirmações, até à expressão «para efeitos fiscais», possam ser, em geral corretas, nas cadernetas dos autos consta a identificação da «Escritura de P.H. de 02/10/1980 do … C.N. de Lisboa (Lº 16-I, Fls 46 vrs e fls 48)», e consta que as áreas de logradouro de uso de cada uma das três frações com direito de uso provêm daquela escritura. Também do registo predial do prédio e de cada fração consta averbada «Ap. … de 1980/11/14 – Constituição de Propriedade Horizontal». Portanto, os réus sabiam e não podiam deixar de saber aquilo a que tinham direito, a exata área de logradouro de que podiam fruir ao adquirirem cada uma das frações. E bem o sabendo, usaram mais do que aquilo a que tinham direito… E, não se satisfazendo com o facto de durante muitos anos terem beneficiado de uma utilização a que não tinham direito, por inércia de quem tinha o direito de uso da parte não pertencente às frações dos réus, teimam em manter esse uso agora contra a expressa vontade do dono da fração cujo direito de uso estão a prejudicar. Em suma, percorridos os factos assentes, não se alcança que o exercício do direito do autor exceda, por qualquer forma, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. IV. DECISÃO Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, condenando os réus a reconhecer o direito de utilização exclusiva da área de 94,87 m2 do logradouro localizado a tardoz do prédio sito na Rua «ZZ», …, em Lisboa, com início a tardoz da fração B do autor. Custas pelos recorridos. Lisboa, 11/07/2024 Higina Castelo (relatora) - António Moreira - Arlindo Crua |