Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1057/08.1TBALM-H.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: DIVÓRCIO
EX-CÔNJUGE
ARRENDAMENTO
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Sumário da responsabilidade do Relator:
Demonstrando-se que após o divórcio um dos ex-cônjuges, sem conhecimento ou consentimento do outro, decide arrendar um bem comum do casal recebendo e fazendo suas as respectivas rendas deve ser o respectivo valor relacionado como crédito entre ex-cônjuges e a ser contemplado na partilha.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
APELANTE/REQUERENTE do INVENTÁRIO: A …
APELANTE/REQUERIDO do INVENTÁRIO B …
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APELADOS: Cada um dos anteriores, no recurso do outro.
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Com os sinais dos autos.
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VALOR DO INCIDENTE: € 358.807, 95 (decisão recorrida)
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I.1. Inconformada com as decisão de 9/6/2023, proferida no apenso G, que, “...Com base nos fundamentos que ficaram expressos, julgo parcialmente procedente a reclamação dirigida contra a relação de bens, por provada apenas em parte, em consequência do que determino proceda a cabeça de casal, no prazo de 10 (dez) dias, após o trânsito em julgado desta decisão, à apresentação de nova relação de bens, excluindo a viatura automóvel e excluindo o valor das rendas da fração (verba 3 da relação de bens que apresentou) e aditando à mesma relação de bens como passivo uma nova verba a relacionar como «créditos ente cônjuges» referente às prestações bancárias, quotizações de condomínio e IMI que o aqui reclamante liquidou depois de ter sido decretado o divórcio, de acordo com os documentos que juntou, e aditando ainda as rendas auferidas pela cabeça-de-casal do anexo, conforme confissão da mesma no valor de €250,00. No mais, improcede a reclamação dirigida contra a relação de bens, a qual, se deverá manter nos seus precisos termos. Condeno o cabeça-de-casal e a interessada reclamante nas custas do incidente, na proporção de 5/6 para o interessado reclamante e de 1/6 para a cabeça de casal – art.ºs 527.º, n.º 1 e 1134.º, do Código de Processo Civil...” dela apelou a requerente em cujas alegações conclui:
A – O Tribunal a quo julgou e decidiu erradamente na parte que era desfavorável à Recorrente, nomeadamente quanto à verba nº 3 dos Activos inserta na Relação de Bens apresentada pela ora Recorrente e quanto à matéria do Reclamante a propósito dos créditos entre os ex cônjuges.
B – O Tribunal a quo mandou inserir uma nova rubrica que relaciona os créditos comuns entre os ex cônjuges no que tange às prestações dos mútuos pagos pelo Recorrido.
C – O Recorrido na Reclamação de impugnação de créditos que deduziu em 23/02/2022 teve 8 meses para juntar os documentos que protestou juntar a respeito desta matéria, não o tendo feito até à Audiência de partes em 28/10/2022.
D – Na audiência de partes conforme Ata junta aos autos foi concedido ao Recorrido um prazo de mais 10 dias para apresentar os documentos que protestou juntar.
E – Em 18/11/2022 junta um documento certificado pelo próprio mandatário no qual se traduz de uma mera folha de excel elaborada pelo próprio sem qualquer valor legal ou autenticidade e veracidade nos valores que nele insere.
F – Em 25/01/2022 junta documentos certificados pela entidade bancária com os valores que foram pagos a título dos empréstimos na sua totalidade, sem, contudo, fazer o Recorrido ou tais documentos prova do que efectivamente pagou sozinho e quais os créditos que detém sobre a Recorrente.
G – A Recorrente impugnou a extemporaneidade de tais documentos juntos, e impugnou a validade dos documentos juntos em 18/11/2022, o Tribunal a quo não só não se pronunciou sobre a extemporaneidade dos mesmos, como os aceitou, colocando uma das partes em superioridade na relação jurídica controversa, porquanto ao que parece o Recorrido dispõe de prazo diverso da Recorrente e até do que decorre da própria lei.
H – Quanto aos documentos apresentados em 25/01/2023, a Recorrente não os impugnou, contudo tais documentos não demonstram que a totalidade paga dos mútuos até à data neles referidos foram pagos pelo Recorrido, apenas refere o montante que foi pago até àquela data.
I – Compete ao Recorrido, já que Reclamou a Relação de Bens, o ónus de provar a parte que pagou sozinho desde a data do divórcio e tal só o poderia fazer com extractos bancários que nunca juntou.
J – O Recorrido não junta tais extractos, não faz prova documental nem testemunhal dos créditos que detém sobre a Recorrente e mesmo assim o Tribunal decide que tais créditos têm de ser incluídos na Relação de Bens, não fundamentando o Tribunal de onde resulta tal prova de que tais créditos existem e qual o valor desses mesmos créditos.
K – Não só não fundamenta, como nem sequer dá como Factos provados a existência de tal crédito entre cônjuges e também não dá como provado que os créditos foram pagos apenas pelo Recorrido e qual o seu valor.
L – O Tribunal a quo decidiu erradamente, julgou indevidamente esta matéria não só quanto à extemporaneidade dos actos praticados pelo Recorrido como no que concerne a mandar inserir créditos do Recorrido sem qualquer fundamentação, pelo que se requer ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que reaprecie tal questão, concluindo que tais créditos no que às prestações dos mútuos pagas pelo Recorrido digam respeito, não sejam incluídas na Relação de Bens.
M – Quanto às rendas inseridas pela Recorrente na Relação de Bens como verba nº 3, que dizem respeito às rendas recebidas pelo Recorrido, sobre um arrendamento que alegadamente este fez sem o consentimento da Recorrente, também decidiu mal o Tribunal a quo.
N – Antes de mais o Tribunal a quo dá como factos não provados que o Recorrido não recebeu tais rendas, quando é o próprio a admitir que as recebeu, contudo por um valor diferente, ou seja em vez de ter recebido € 32.585,00 apenas recebeu conforme declaração da inquilina que a Recorrente não impugnou o valor de € 28.975,00, logo e só quanto à questão do valor, o Tribunal a quo nunca deveria ter dado como não provado tal facto ou pelo menos parcialmente não provado, outrossim, como facto provado pois o Recorrido não impugnou que não o tivesse recebido, nem a Recorrente impugnou que aquele só tivesse recebido a quantia declarada pela inquilina.
O – Logo, tal matéria, logicamente, estaria mais do que assente e provada. Ao decidir quanto a esta matéria, da forma como decidiu o Tribunal a quo, fez um mau juízo julgando erradamente pelo que se requer quanto a esta questão a reapreciação do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
P – Ainda quanto a esta matéria o Tribunal a quo decidiu para além do que fora pedido, colocando em crise o Principio do Pedido, sobre questão que foi peticionada mas não foi contestada, não foi alvo de reclamação nem impugnação, não sendo matéria controversa, decide ainda assim sem que qualquer parte tenha pedido para dirimir tal questão, e decide prejudicando a Recorrente.
Q – Fundamenta tal decisão com o facto da Recorrente ocupar um dos imóveis, ocupação essa legitima e acordada em processo de divórcio, com o facto de que a existência de outro bem imóvel o colocaria na livre disposição do Recorrido sem que tenha havido entre as partes qualquer acordo nesse sentido.
R – O Recorrido utilizou o outro bem comum do casal sem o acordo da Recorrente, ou acordo homologado em processo de divórcio imputando um encargo do qual a Recorrente não foi tida nem achada.
S – Mais uma vez o Tribunal a quo coloca os direitos do Recorrido em situação de superioridade, pois confunde os direitos acordados judicialmente com o livre arbítrio do Recorrido.
T – Assim sendo, para que o Recorrido pudesse dispor do bem comum do casal a seu bel prazer, quer para a sua própria habitação quer para contratar com terceiros teria de ter o consentimento da Recorrente, o que não aconteceu, ao invés ainda criou um encargo, colocando em crise a própria partilha do bem, uma vez que a Recorrente neste momento está impedida de dispor de um bem que também é seu, como o Recorrido ainda permitiu a desvalorização e depreciação desse mesmo bem imóvel, quanto ao seu valor, ou aquilo que era expectável a Recorrente conseguir com a venda desse mesmo bem em processo de inventário.
U – O Recorrente celebrou um contrato verbal de arrendamento, omitindo as cláusulas que poderiam eventualmente prover a segurança de tal bem imóvel quanto à disposição por parte da Recorrente do mesmo, como obteve a sua desvalorização pois a desocupação do mesmo só poderá ser operada nos termos da lei geral que o equipara a um contrato sem prazo e a venda judicial do mesmo em processo de inventário a dar-se antes de decorrido tal prazo, será por um valor muito inferior, pois é do senso comum que um imóvel ocupado tem um valor significativamente mais baixo do que um imóvel desocupado, sem contar que nem para investimento serve porque o Recorrido arrendou tal imóvel a 1/3 do valor dos arrendamentos do mercado para a zona onde o imóvel se encontra.
V – Não obstante tais circunstâncias em que o arrendamento foi celebrado, não podia o Tribunal a quo confundir o direito de ocupação da Recorrente de um dos bens como casa de morada de família, devidamente acordado e homologado por sentença, com a livre disposição de um outro bem comum do casal, só porque existem dois imóveis, ou porque aquela referiu que o Recorrido também podia ter habitado o outro imóvel, óbvio que podia desde que tivesse havido acordo nesse sentido, o que nunca aconteceu, pelo que tem a Recorrente direito a receber metade do valor das rendas recebidas pelo Recorrido decorrente do contrato de arrendamento verbal que celebrou, pelo que tal Verba nº 3 do Activo da Relação de Bens deve manter-se, ao que se requer a esse respeito a reapreciação quanto a esta matéria do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, decidindo-se assim de forma diversa.
X – Também andou mal o Tribunal a quo quando decide que o Recorrido não tem de partilhar tais rendas com a Recorrente, mas, ao invés, a Recorrente tem de inserir na relação de bens o valor de € 250,00 por um anexo que arrendou temporariamente na casa de morada de família.
Z – Mais uma vez é evidente a posição imparcial do Tribunal a quo quanto às suas decisões, neste caso, ao fundamentar como fundamentou incorre numa contradição, contradição essa que tem de ser reparada ou reapreciada, pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, pois o fundamento para que a Recorrente elimine a verba nº 3 do Activo da Relação de Bens é exactamente o mesmo para que esta tenha de inserir uma nova verba, a da renda que recebeu na mesma circunstância do Recorrido.
Nestes termos e nos mais de Direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas. deverá o presente Recurso ser admitido e considerado procedente por provado, revogando-se a anterior decisão, substituindo-se por outra no que concerne à matéria recorrida e em consequência:
a) Não ser dado como provado os créditos do Recorrido sobre a Recorrente e como tal não ser inserida quanto às prestações bancárias dos mútuos pagas exclusivamente pelo Recorrido uma nova verba na Relação de Bens.
b) Não ser suprimido da Relação de Bens a verba nº 3 do Activo, mantendo-se tal verba, constituindo a mesma um crédito da Recorrente sobre o seu ex cônjuge ora Recorrido, na proporção de metade das rendas recebidas por este vencidas e vincendas
I.2 Igualmente inconformado com a decisão o requerido B … apelou e conclui a final:
1.ª – O Dinheiro foi levantado 9 anos antes de ser decretado o divórcio e subsequentemente distribuído por ambos, razão pela qual deverá essa verba ser eliminada da relação de bens,
2.ª - Os bens moveis (eletrodomésticos e mobílias) relacionados na reclamação existem na casa que foi de morada de família, devem fazer parte do acervo a partilhar, por terem sido adquiridos na constância do casamento;
3.ª - A decisão de excluir os créditos reclamados pelo requerido por pagamento de coimas por atraso nos pagamentos de IMIs, ao respectivo Serviço de Finanças, deve ser revogada por serem da responsabilidade de ambos e não apenas do recorrente;
4.ª - Também decidiu mal o douto tribunal ao considerar que as prestações e os encargos só foram pagos pelo recorrente a partir da data do divórcio, no mínimo deverá ser considerado o pagamento exclusivo a partir da data da entrada do divórcio,
5.ª – Ainda assim para se fazer justiça ao recorrente, que sempre pagou sozinho as prestações bancárias e restantes despesas associadas, seria ainda mais correto, justo e acretivo, que fosse decidido que o pagamento das prestações bancárias e outras a elas associadas deveria contar a partir da separação do casal ocorrida em 19/04/2006,
6.º - Ademais, o Recorrente veio a ter conhecimento no dia 18/04/2006 que uns anos, a cabeça-de-casal e a sua mãe pagou a um gang para aniquilar o recorrente, conforme consta do acórdão junto aos autos, as quais foram condenadas por essa realidade;
7.ª – Devendo também ser revogada a parte da decisão que excluiu da reclamação o pagamento pelo recorrente da obra executada, mencionada no orçamento junto aos autos, devendo ser considerado também na Relação de Bens a partilhar;
8.ª – Na verdade, ficou provado quer documentalmente quer através da inquirição das testemunhas arroladas que a reclamação apresentada pelo Recorrente tinha e tem total fundamento, pelo que deverá ser revogada a decisão que não admitiu parte da reclamação apresentada,
9.ª – E, finalmente a decisão de dividir o pagamento de custas do incidente em 5/6 para o recorrente e 1/6 para a cabeça - de - casal deve ser também revogada por ser muito injusta aquela distribuição;
Assim, neste termos e nos melhores em direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de Vossa Exa., deve ao presente recurso ser dado provimento, revogando-se a decisão recorrida no que diz respeito aos factos impugnados.
I.2. Não houve contra-alegações.
I.3. I.3. Recebida a apelação, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mesmo.
I.4 Questões a resolver:
Na Apelação da requerente A …l
a) Saber se o Tribunal a quo dá como factos não provados que o Recorrido não recebeu tais rendas, quando é o próprio a admitir que as recebeu, contudo por um valor diferente, ou seja em vez de ter recebido € 32.585,00 apenas recebeu conforme declaração da inquilina que a Recorrente não impugnou o valor de € 28.975,00, logo e só quanto à questão do valor, o Tribunal a quo nunca deveria ter dado como não provado tal facto ou pelo menos parcialmente não provado, outrossim, como facto provado pois o Recorrido não impugnou que não o tivesse recebido, nem a Recorrente impugnou que aquele só tivesse recebido a quantia declarada pela inquilina, tal matéria logicamente estaria mais do que assente e provada; saber se a Verba nº 3 do Activo da Relação de Bens deve manter-se, ao que se requer a esse respeito a reapreciação quanto a esta matéria do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, decidindo-se assim de forma diversa
b) Saber se o Tribunal a quo decidiu para além do que fora pedido, colocando em crise o Principio do Pedido, sobre questão que foi peticionada mas não foi contestada, não foi alvo de reclamação nem impugnação, não sendo matéria controversa, decide ainda assim sem que qualquer parte tenha pedido para dirimir tal questão, e decide prejudicando a Recorrente; saber se a Verba nº 3 do Activo da Relação de Bens deve manter-se, ao que se requer a esse respeito a reapreciação quanto a esta matéria do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, decidindo-se assim de forma diversa.
Na Apelação do requerido B …:
a) As prestações e os encargos só foram pagos pelo recorrente a partir da data do divórcio, no mínimo deverá ser considerado o pagamento exclusivo a partir da data da entrada do divórcio, o recorrente,  sempre pagou sozinho as prestações bancárias e restantes despesas associadas, deveria contar a partir da separação do casal ocorrida em 19/04/2006, devendo também ser revogada a parte da decisão que excluiu da reclamação o pagamento pelo recorrente da obra executada, mencionada no orçamento junto aos autos, devendo ser considerado também na Relação de Bens a partilhar, porque ficou provado quer documentalmente quer através da inquirição das testemunhas arroladas que a reclamação apresentada pelo Recorrente tinha e tem total fundamento, pelo que deverá ser revogada a decisão que não admitiu parte da reclamação apresentada.
b) Saber se a verba correspondente ao dinheiro que foi levantado 9 anos antes de ser decretado o divórcio e subsequentemente distribuído por ambos, deverá ser eliminada da relação de bens, a verba correspondente aos bens moveis (eletrodomésticos e mobílias) relacionados na reclamação existem na casa que foi de morada de família, devem fazer parte do acervo a partilhar, por terem sido adquiridos na constância do casamento; a  decisão de excluir os créditos reclamados pelo requerido por pagamento de coimas por atraso nos pagamentos de IMIs, ao respectivo Serviço de Finanças, deve ser revogada por serem da responsabilidade de ambos e não apenas do recorrente;
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II.1. O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos
1. Requerente e Requerido contraíram casamento sem convenção antenupcial em 09/06/1990 – cfr. respectivo Assento de casamento junto aos autos principais (processo n.º1057/08.1TBALM).
2. Por sentença proferida a 3 de Dezembro de 2014 no âmbito dos autos principais foi decretado o divórcio do Requerente e da Requerida e foram homologados os acordos que ali constam, e designadamente que “O direito ao uso da casa de morada de família, sita na Av.ª …, nº …, Botequim, Charneca da Caparica fica atribuído à Ré.”
3. A interessada ex-cônjuge e cabeça de casal apresentou a relação de bens que consta de fls. 14-15 destes autos, cujo teor se dá por reproduzido.
4. O Requerido fez um levantamento da conta conjunta do casal, transferindo para uma conta pessoal sua, a 27/12/2005, a quantia de € 174.000, 00.
5. A Requerente retirou da conta conjunta do casal a 17/01/2006 € 24.850,66.
6. As prestações e demais encargos dos mútuos contraídos pelo casal, foram pagos em exclusivo por aquele a partir da data do divórcio.
7. Teor das declarações da CGD juntas como docs. 1 a 4 com o requerimento do interessado ex-cônjuge marido a 25/01/2023.
8. Os créditos da CGD, actualizados à data de à data de 21/10/2022 ascendem aos montantes de €26.174,87, €26.167,09 e €12.101,00– cfr. doc. intitulado «posição da dívida» junto pelo credor hipotecário a 27/10/2022, cujo teor se dá por reproduzido.
9. A CGD informa «que não se oporá a um eventual acordo para a partilha de bens, não prescindindo, porém do regime de solidariedade da dívida nos termos inicialmente contratados.» - cfr. requerimento junto pelo credor hipotecário a 27/10/2022, cujo teor se dá por reproduzido.
10. O Requerido liquidou ao Serviço de Finanças os IMIs, que adiantou em nome da requerente, conforme documentos que junta, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado.
11. Teor do orçamento junto como doc. 21, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
12. A Requerente arrendou o anexo da moradia onde reside, bem comum do casal, por uma única vez durante 15 dias no verão de 2014 e 15 dias no verão de 2015, tendo recebido um total de € 250,00.
13. A viatura que ficou na posse do Requerido com a matrícula …-…-… ficou depois na posse da Requerente tendo entretanto por esta sido mandada abater.
II.2 Deu o Tribunal recorrido como não provado o seguinte:
- Que existam os seguintes bens móveis comuns: - Um frigorifico no valor de € 500,00; - Uma máquina de lavar roupa no valor de € 350,00; - Uma máquina de lavar louça no valor de € 350,00; - Uma máquina de café no valor de € 50,00; - Três mobílias de Quarto no valor de € 1.500,00; - Duas televisões no valor de € 500,00; - Uma mobília de sala no valor de € 500,00; - Um conjunto de sofás no valor de € 500,00; Um Serviço de Jantar no valor de € 600,00; - Um serviço de copos no valor de €400,00; Um computador de torre no valor de € 350,00; - Uma Impressora no valor de € 175,00; - Mobília do escritório no montante de € 750,00; - Seis Quadros de parede pintados a óleo no montante de € 1000,00; Um faqueiro no valor de € 500,00; - dois aquecedores no valor de €150,00;
- Que o Requerido liquidou em 25 de Agosto de 2010 pelas obras de reparação na conduta de distribuição de água da fração, sita na Rua … n.º …, ….º Esq. Costa da Caparica descrita na verba n.º 2 da relação de bens, o montante de € 2.270.00, conforme orçamento que juntou e que supra se deu por reproduzido e integrado;
- Que o Requerido recebeu de rendas de um contrato de arrendamento verbal do imóvel comum do casal sito na Rua …, n.º …, ….º Esq.º, na freguesia de Santo António da Caparica, desde a data do divórcio a quantia de € 32.585,00.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539).
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3. A procedência da impugnação da decisão de facto pode ser prejudicial em relação à questão de direito pelo que começaremos pela impugnação da decisão de facto, em ambas as apelações. Comecemos pela apelação da interessada A … a saber se o Tribunal a quo dá como factos não provados que o Recorrido não recebeu tais rendas, quando é o próprio a admitir que as recebeu, contudo por um valor diferente, ou seja em vez de ter recebido € 32.585,00 apenas recebeu conforme declaração da inquilina que a Recorrente não impugnou o valor de € 28.975,00, logo e só quanto à questão do valor, o Tribunal a quo nunca deveria ter dado como não provado tal facto ou pelo menos parcialmente não provado, outrossim, como facto provado pois o Recorrido não impugnou que não o tivesse recebido, nem a Recorrente impugnou que aquele só tivesse recebido a quantia declarada pela inquilina, tal matéria logicamente estaria mais do que assente e provada; saber se a Verba nº 3 do Activo da Relação de Bens deve manter-se, ao que se requer a esse respeito a reapreciação quanto a esta matéria do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, decidindo-se assim de forma diversa
III.3.1. Estatui o art.º 640 n.º 1: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considerar incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O n.º 2 do art.º, por seu turno estatui que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar, com exactidão as passagens de gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (alínea a); independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes(alínea b)”.
III.3.2. Era a seguinte a anterior redacção:
Dispunha o n.º 1 do art.º 685-B: “Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a)],e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b)]”
E o n.º 2: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à sua transcrição.”
III.3.3. Os ónus são basicamente os mesmos, vincou-se, na alínea c) do n.º 1 do art.º 640 (o que não estava suficientemente claro, mas a doutrina pressupunha), o ónus de especificar a decisão que no entender do recorrente deveria ser proferida sobre a matéria de facto, manteve-se, também, o ónus (com redacção ligeiramente diferente) de identificar com exactidão (nova redacção), ou identificar precisa e separadamente (anterior redacção) as passagens da gravação em que se funda (comum).
III.3.4. Pode dizer-se que continua válido o entendimento anterior da doutrina nessa matéria. A este propósito referia António Santos Abrantes Geraldes que o recorrente deve especificar sempre nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; para além disso, deve especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (documentos, relatórios periciais, registo escrito), deve indicar as passagens da gravação em que se funda quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos, deve igualmente apresentar a transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes de gravação quando esta tenha sido feita através de mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos, deve especificar os concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes da gravação, quando esta foi feita por equipamento que permitia a indicação precisa e separada e não tenha sido cumprida essa exigência pela secretaria e por último a apresentação de conclusões deficientes obscuras ou complexas a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência da especificação na conclusão dos concretos pontos de facto impugnados ou da localização imediata dos concretos meios probatórios. Tudo isto sob pena de rejeição imediata sem convite ao aperfeiçoamento[2]. Como se colhe do AUJ 12/2023 de 14/11, publicado no DR 220/2023 série I de 14/11/2023, o recorrente não está onerado com a indicação da decisão alternativa nas conclusões das alegações de recurso, mas está seguramente onerado com a indicação nas conclusões das alegações de recurso dos concretos pontos de facto da decisão recorrida que no seu entender estão incorrectamente julgados e terá de o fazer nas conclusões das alegações de recurso que não apenas no corpo das alegações sabido que é que nas conclusões de recuso o recorrente pode restringir o objecto do recurso indicado no corpo não sendo de atender a indicação feita no corpo das alegações sem reflexo nas conclusões, como é jurisprudência do Supremo, que se crê unânime. Por conseguinte, o recorrente deve indicar, nas conclusões das alegações, sem margem para dúvidas interpretativas o concreto ou concretos pontos de facto, no seu entender, incorrectamente julgados, não cabendo ao julgador interpretar a petição de recurso tentando adivinhar, à falta de outros elementos, a decisão de facto que está incorrectamente julgada. Por outro lado, o recorrente tem o ónus de especificação- ainda que no corpo das alegações- dos concretos meios probatórios que permitam uma decisão diversa daquela que foi proferida.
III.3.5. Defende a recorrente em suma que:
- desde já o presente Recurso tem apenas como mote a parte a que diz respeito à verba nº 3 dos Activos inserta na Relação de Bens, apresentada pela ora Recorrente, e quanto à matéria do Reclamante a propósito dos créditos entre os ex-cônjuges.
- relativamente aos créditos entre os ex-cônjuges a Requerente concorda parcialmente com os mesmos no que concerne à liquidação dos IMIs e bem assim da quotização do condomínio do imóvel elencado na Verba nº 6 da Relação de Bens já junta, porquanto os mesmos são facilmente provados através de documentação mesmo que para tal o Recorrido não a tenha junto sua totalidade.
  • o Recorrido embora notificado por diversas vezes para apresentar os extractos bancários por forma a fazer prova de tais pagamentos das prestações, nunca os juntou, não se sabendo em que medida os mesmos foram pagos e quais os montante, limitou-se a juntar aos autos primeiro elaborado por este e depois pelo seu mandatário, uma folha de Excel com valores que arbitrariamente colocou a seu bel prazer os documentos não têm qualquer validade formal ou constituíssem meio de prova autentica, não eram extractos bancários, não eram documentos certificados pela entidade bancária, eram tão somente folhas de rascunho com valores do qual não se consegue extrair a sua veracidade, foram pela Recorrente impugnados e mandados desentranhar, o Tribunal a quo aceitou documentos extemporâneos, não obstante ter indeferido a prorrogação de prazo, colocando em causa a paridade das partes, requer-se ao Venerando Tribunal da Relação que reaprecie não só a autenticidade dos documentos juntos pelo Recorrido quanto às prestações por si pagas, que foram impugnados pela Recorrente sem que o Tribunal a quo sobre essa matéria se tenha pronunciado, bem como a probabilidade de se extrair o valor nominal da nova verba a relacionar na Relação de Bens quanto a esses créditos e ainda quanto ao prazo que foi dado ao Recorrido para juntar esses documentos, não o tendo feito até à presente data, o Tribunal a quo arbitrariamente fez um erro de julgamento ao considerar os créditos pagos pelo Recorrido sem qualquer prova documental e muito menos testemunha, não fundamenta o Tribunal a quo como dá como provado este facto, inexistindo portanto qualquer fundamento legal, mesmo assim, julga e manda inserir tal verba na Relação de Bens, pelo que se torna imperativo a reapreciação do venerando Tribunal da Relação quanto a esta matéria que determinou a Sentença/Despacho Saneador que agora se recorre.
    - a outra questão do qual se requer a reapreciação do Venerando Tribunal da Relação prende-se com a Verba nº 3 da Relação de bens à revelia da Recorrente, sem a sua autorização, sem qualquer contrato de arrendamento, pois não o podia fazer sem o consentimento desta sob pena de nulidade, o Recorrido arrendou o imóvel que se encontrava disponível. Por esse imóvel recebeu rendas, rendas essas que a Recorrente relacionou como sendo um crédito do casal, tendo peticionado para o efeito o valor de € 32.585,00, juntando para o efeito um documento da inquilina, documento esse que não foi impugnado pelo Recorrido quanto à sua autenticidade, apenas e tão somente o Recorrido impugnou o valor das rendas recebidas, o Recorrido não reclamou tal verba incluída na Relação de Bens, o Recorrido apenas impugnou no seu ponto 5º da Reclamação, o valor das rendas que a Recorrente indicou e assim o fez, para o efeito, em requerimento, juntou aos autos a declaração da inquilina do qual demonstra que a mesma só pagou € 28.975,00, a Recorrente não impugnou tal documento, a Recorrente pelo facto de ter acordado com o Recorrido que permaneceria na casa de morada de família, procedendo nesses termos à sua utilização, no âmbito do Processo de divórcio, não pressupõe que o Recorrido possa dispor do outro bem a seu bel prazer deve ser mantido como crédito comum do casal as rendas recebidas pelo Recorrido , até porque o Tribunal a quo também manda incluir na Relação de Bens o montante de € 250,00 recebido pela Recorrente a título de renda de um anexo da casa que habita, com tal inclusão o Tribunal a quo entra em contradição desrespeita o Principio de Pedido e julga sobre matérias que não são controvertidas e que não foram peticionadas nem reclamadas.
    III.3.6. Quanto às prestações bancárias terem sido pagas exclusivamente com o dinheiro do requerido o ponto em questão é o ponto 6.
    Quanto ao facto não provado relativo a rendas e que é o seguinte: “Que o Requerido recebeu de rendas de um contrato de arrendamento verbal do imóvel comum do casal sito na Rua ..., n.º …, ….º Esq.º, na freguesia de Santo António da Caparica, desde a data do divórcio a quantia de € 32.585,00. Quanto a esse facto, o Tribunal recorrido motivou do seguinte modo: “Temos pois que os factos que resultaram não provados advêm da circunstância de nenhuma prova sobre eles ter incidido que se tivesse revelado apropriada e suficientemente consistente para sustentar a sua realidade, pelo que outra alternativa se não impõe que não seja a de considerar o apontado quadro factual supra como não demonstrado, tal como se decidiu.” Trata-se da verba n.º 3 do activo na relação de bens inicial apresentada pelo cabeça de casal com o seguinte teor-rendas recebidas pelo requerido e sem contrato desde a data do divórcio referente ao arrendamento do imóvel bem comum do casal sito na Rua ... n.º …-… esquerdo, Costa da Caparica conforme documento 5. Na sua impugnação o requerido sobre esta matéria diz que “impugna o valor indicado ( 32.585,00) porquanto há rendas que não foram pagas pela inquilina cuja declaração e respectivo montante em falta, se protesta juntar”. Ou seja, o requerido aceita que tenha recebido rendas pelo mencionado arrendamento verbal sobre o imóvel, mas que não foi esse valor, protestando juntar documento comprovativo do montante certo. Na sua resposta à reclamação do requerido, a cabeça-de casal sustenta que, independentemente de terem sido pagas ou não, tendo o Requerido, sem consentimento da Requerente, arrendado o imóvel e tomando para ele a gestão de tal arrendamento, recebendo nomeadamente todas as rendas, a sua benevolência para com a respectiva inquilina não comove a Requerente, se não pagou deveria ter pago, deveria ter o Requerido cobrado coercivamente tais rendas, não o tendo feito está a lesar a Requerente, devendo esta ser ressarcida de tal prejuízo, a ter em conta na presente partilha. Do regime estabelecido no art. 1104.º CPC decorre obviamente um princípio de concentração no momento da oposição de todas as impugnações, reclamações e meios de defesa que os citados entendam dever deduzir perante a abertura da sucessão e os elementos adquiridos na fase inicial do processo, em consequência do conteúdo da petição de inventário, eventualmente complementada pelas declarações de cabeça de casal; e isto quer tais impugnações respeitem à tradicional oposição ao inventário e à impugnação da legitimidade dos citados ou da competência do cabeça de casal, quer quanto às reclamações contra a relação de bens e à impugnação dos créditos e dívidas da herança (instituindo-se aqui explicitamente um efeito cominatório, conduzindo a revelia ao reconhecimento das dívidas não impugnadas, salvo se se verificarem as circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 574.º CPC) . Ou seja, adopta-se, na fase de oposição, um princípio de concentração na invocação de todos os meios de defesa idêntico ao que vigora no art. 573.º do CPC: toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, ativo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as excepções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo atuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respetiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal. Se o requerido após o divórcio recebeu rendas pelo arrendamento de bem comum do casal, tais rendas integram naturalmente o património comum do casal; da declaração da arrendatária … datada de 11/12/2022, junta pelo reclamante em Janeiro de 2023 como doc 6  e não impugnada resulta que a mesma declara ter pago de rendas do mencionado imóvel entre Janeiro de 2008 e Novembro de 2022 a quantia de 28.975,00 euros, por outro lado com base também nos factos dados como provados em relação às rendas recebidas pelo cabeça-de-casal o Tribunal mandou aditar  as rendas auferidas pela cabeça-de-casal do anexo, conforme confissão da mesma no valor de €250,00; assim como base nos mesmos critérios da confissão do próprio reclamante e declaração da arrendatária deve passar a constar dos factos provados que o Requerido recebeu de rendas de um contrato de arrendamento verbal do imóvel comum do casal sito na Rua ..., n.º …, ….º Esq.º, na freguesia de Santo António da Caparica, entre Janeiro de 2008 e Novembro de 2022 a quantia de 28.975,00 euros”. No que toca às prestações pagas pelo requerido pelo empréstimo bancário à CGD (Caixa Geral de Depósitos) entende a recorrente que tal não resulta provado pelas razões mencionadas. O passivo, os mútuos e o capital ainda em dívida em relação aos mesmos constam das verbas do passivo 1 e 2 que não vêm impugnadas. No ponto 6 dos factos dados como provados dá-se como provado que as prestações dos empréstimos foram pagas exclusivamente pelo requerido ex-cônjuge a partir da data do divórcio. Na motivação da decisão a este propósito pode ler-se “ ...Demonstrou-se a matéria factual vertida supra com base na análise e valoração dos documentos juntos aos autos, cuja exatidão não foi impugnada (que constitui meio de prova apto e bastante para sustentar a demonstração desse preciso factualismo) e bem assim os documentos dos autos principais de divórcio, com base na confissão dos próprios interessados e tendo-se em conta a prova testemunhal ouvida, pese embora a mesma prova tenha sido insuficiente para dar como provados os factos que constam dos factos não provados.” Há inúmeros documentos relativos às dívidas bancárias entre eles o empréstimo bancário contraído junto da CGD. A cabeça-de-casal e recorrente sustenta nas próprias alegações de recurso que o Recorrido bem sabe não ter a Recorrente meios de sustento uma vez que está desempregada, que esta nunca poderá licitar bens, ao contrário poderá sempre o Recorrido, porque tem meios económicos. Ora se a recorrente e cabeça-de- casal, que litiga com apoio judiciário, está desempregada e não tem meios económicos, percebe-se mal como é que poderia pagar as prestações do empréstimo bancário e, se as mesmas foram pagas, naturalmente que o pagamento foi feito pelo reclamante ex-cônjuge, a menos que se demonstrasse que a recorrente o tivesse feito (isto depois do divórcio) ou outra pessoa como interesse nesse pagamento, o que não ocorre. Na reclamação nos pontos 11 e 12 o requerido alega que “Falta relacionar também os pagamentos mensais, feitos em exclusivo pelo requerido a contar da data da entrada divórcio, (14/02/2008) e até à presenta data, para amortização dos empréstimos concedidos ao casal , na compra dos imóveis identificados nos autos, os quais se discriminam: A) - Pagamentos efetuados pelo requerido para amortização da divida relativa ao mútuo com hipoteca mencionada na verba n.º 1 e contratos de seguro obrigatórios, pagou até á presente data 169 mensalidades para ( amortização de divida e seguros) no montante de € 70,742,41 B) - Pagamentos efetuados pelo requerido para amortização da divida relativa ao muto designado por Multi-opções, utilizado também para a compra do imóvel identificado na verba n.º 1 e contratos de seguro obrigatórios, pagou até a presente data 169 mensalidades no montante global de € 70.580,14 C) - Pagamentos efetuados pelo requerido para amortização da divida relativa ao mutuo com hipoteca mencionada na verba n.º 2 e contratos de seguro obrigatórios, pagou até à presente data 169 mensalidades no montante de € 48.227,77 D) - Pagamentos efetuados pelo requerido para amortização da divida relativa ao mutuo designado por Multi-opções, utilizado para a compra do imóvel identificado na verba n.º 2 já totalmente liquidado, no montante de  € 5.432,83, acerca destes pagamentos o requerido deve ser reembolsado de 50% do capital pago e dos respectivos juros pelo que adiantou em nome da requerente, conforme doc. 4 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.” Na resposta à reclamação a posição do cabeça-de casal e ora recorrente é dúbia: por um lado afirma categoricamente que é falso o alegado no art.º 11 da reclamação porque “por um lado, porque até à data do divórcio a Requerente pagou parte desses empréstimos com o valor que lhe pertencia das rendas do imóvel identificado na verba nº 6 do activo da Relação de bens junta, porquanto a verba nº 6, só reflecte os valores das rendas recebidas pelo Requerido desde a data do divórcio, ou seja desde 03/12/2014, todas as rendas recebidas pelo Requerido anteriormente foram para pagar a parte da Requerente nos mencionados mútuos...”; por outro lado, vem o Requerido elencar no seu artº 11º da Oposição nas alíneas a), b) c) e d) e artº 12º valores de mensalidades pagas por si, “tais valores são completamente falsos, o que se impugna, junta para o efeito o documento nº 4, ora tal documento não tem qualquer validade, tratando-se de um documento elaborado por si, não fazendo prova de tais pagamentos e muito menos que foram os mesmos feitos em exclusivo pelo Requerido, pelo que que também aqui se impugna tal documento”. A cabeça-de casal em resposta refere peremptoriamente que até ao divórcio pagou parte dos empréstimos com o valor que lhe pertencia das rendas do imóvel indicado como verba n.º 6, o que permite concluir que depois do divórcio o não fez, até porque as rendas passaram a ser recebidas pelo requerido, mas só por essa razão, ou seja, o pagamento na parte que lhe cabia, era efectuado com a parte das rendas do imóvel da Caparica, como deixou de as receber entendeu não ter de as pagar. Tal conjugado com o que acima se disse apenas permite uma conclusão e que é a de que o pagamento foi feito pelo requerido.
    III.3.6. Vejamos agora a impugnação da decisão de facto na apelação do interessado B …. Da conjugação das conclusões com o corpo das alegações e recurso descortina-se o seguinte:
  • ponto 4: foi dado como provado que o Requerido fez um levantamento da conta conjunta do casal, transferindo para uma conta pessoal sua, a 27/12/2005, a quantia de € 174.000, 00. É verdade que o recorrente fez essa transferência naquela data, contudo como sempre foi afirmado pelo recorrente que o dinheiro foi distribuído e gasto por ambos os interessados, na constância do matrimónio que durou até ao ano de 2014, embora não conste dos autos, parte dele foi gasto para sinalizar um negócio (compra de um imóvel no monte da Caparica) que se veio a não concretizar, por o casal se ter desentendido no ano de 2006, tendo a recorrida recebido metade desse dinheiro foram 9 anos antes de ser decretado o divórcio, pelo que deverá essa verba ser eliminada da relação de bens, sob pena de a cabeça-de-casal receber em duplicado, de igual modo o fez no que diz respeito a verba onde menciona a viatura automóvel da marca Honda, que o mandou abater e relacionou também com o argumento de que estava na posse do recorrente. Tal a verba deve ser anulada da relação de bens, já assim foi decidido pelo STJ (no Acórdão do STJ de 1994/11/17 in CJSTJ T3 pág. 148, porquanto o valor de € 174.000,00 reclamados pela cabeça de casal, já não existiam à data da propositura da Acão de Divórcio, nas contas bancárias dos cônjuges, não devem integrar, a esta luz, o ativo a partilhar.
  • ponto 6: foi dado com o provado que, as prestações e demais encargos dos mútuos contraídos pelo casal, foram pagos em exclusivo por aquele a partir da data do divórcio, esta factualidade foi erradamente julgada, pois foi sempre o recorrente que pagou as prestações e os demais encargos com os empréstimos, a cabeça-de- casal não trabalhava o recorrente saiu de casa em 19 de Abril de 2006, por temer vir a ser morto pela cabeça-de-casal, face ao que já tinha acontecido anteriormente no mínimo deveria ter sido considerado essa pagamento a partir da data da entrada do divórcio, mas para ser mais correto e justo deveria contar a partir da separação do casal ocorrida em 19/04/2006;
  • ponto 10: O Requerido liquidou ao Serviço de Finanças os IMIs, que adiantou em nome da requerente, conforme documentos que junta, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado. esta factualidade foi parcialmente julgada de forma incorrecta, uma vez que o recorrente não só pagou as prestações do IMI, em seu nome e em nome da requerida, como pagou também as multas que lhe foram aplicadas pelos atrasos nos pagamentos e cuja decisão posta em crise julgou, dando como não provada esta factualidade,
  • à luz da experiencia comum e, tendo em mente o critério do homem médio, ou do bem pai de família, todos temos conhecimento direto que qualquer        casa de morada de família possui equipamentos, nomeadamente (eletrodomésticos diversos e mobílias em casa, a casa onde ficou a viver a cabeça-de-casal (Vivenda unifamiliar com piscina) possui todos os equipamentos e mobílias descritas supra, as quais são naturalmente bens comuns do dissolvido casal decidiu mal o douto tribunal “a quo” ao não considerar estes bens comuns do casal, fazem parte do acervo a partilhar, os quais continuam a existir na casa de foi de morada de família
  • encontra-se mal julgado o seguinte ponto “Que o Requerido liquidou em 25 de Agosto de 2010 pelas obras de reparação na conduta de distribuição de água da fração, sita na Rua …, … n.º …, ….º Esq. Costa da Caparica descrita na verba n.º 2 da relação de bens, o montante de € 2.270.00, conforme orçamento que juntou e que supra se deu por reproduzido e integrado”. A obra foi efectivamente realizada e paga pelo requerente de acordo com o orçamento que foi junto aos autos, a qual se pode ainda constatar “in loco” pelo que devia ter sido considerada esta despesa;
    III.3.7. O recorrente indica, nas conclusões, os pontos de facto incorrectamente julgados do seu ponto de vista. Na verificação do cumprimento do seu ónus primário de especificação dos meios de prova previstos no citado artigo 640º, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, como salienta a jurisprudência do Supremo. E que meios de prova indica o recorrente? Em relação ao ponto 4 diz que o dinheiro foi distribuído e gasto por ambos os interessados, na constância do matrimónio que durou até ao ano de 2014, em relação ao ponto 6 diz deveria ter sido considerado essa pagamento a partir da data da entrada do divórcio, mas para ser mais correcto e justo deveria contar a partir da separação do casal ocorrida em 19/04/2006, em relação ao ponto 10 diz o recorrente não só pagou as prestações do IMI, em seu nome e em nome da requerida, como pagou também as multas que lhe foram aplicadas pelos atrasos nos pagamentos, em relação aos factos dados como não provados diz que à luz da experiencia comum e tendo em mente o critério do homem médio, ou do bem pai de família, todos temos conhecimento direto que qualquer casa de morada de família possuí equipamentos, nomeadamente (eletrodomésticos diversos e mobílias em casa, a casa onde ficou a viver a cabeça-de-casal (vivenda unifamiliar com piscina) possui todos os equipamentos e mobílias descritas e que o Requerido liquidou em 25 de Agosto de 2010 pelas obras de reparação na conduta de distribuição de água da fração, sita na Rua … n.º …, ….º Esq. Costa da Caparica descrita na verba n.º 2 da relação de bens, o montante de € 2.270.00, conforme orçamento que juntou e que supra se deu por reproduzido e integrado. Começando por este último diremos que o orçamento não prova o pagamento dos serviços dele constantes como bem sabe o ilustre causídico, o orçamento não é uma factura ou factura-recibo, é uma estimativa de despesa. Em relação aos outros pontos o recorrente não indica um único concreto meio de prova que permita concluir que a decisão desses pontos foi incorrecta pelo que se mantem.
    III.4. Questão de direito suscitada no recurso da apelante cabeça-de casal: saber se o Tribunal a quo decidiu para além do que fora pedido, colocando em crise o Principio do Pedido, sobre questão que foi peticionada mas não foi contestada, não foi alvo de reclamação nem impugnação, não sendo matéria controversa, decide ainda assim sem que qualquer parte tenha pedido para dirimir tal questão, e decide prejudicando a Recorrente; saber se a Verba nº 3 do Activo da Relação de Bens deve manter-se, ao que se requer a esse respeito a reapreciação quanto a esta matéria do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, decidindo-se assim de forma diversa.
    III.4.1. Refere a recorrente a contradição no que toca à matéria das rendas. Mais diz que a sentença desrespeita o Principio de Pedido e julga sobre matérias que não são controvertidas e que não foram peticionadas nem reclamadas, sobre as questões das rendas. É o seguinte o segmento da decisão que der acordo com a recorrente desrespeita o pedido “...o mesmo valendo quanto ao valor das rendas percebidas pelo Requerido depois do divórcio já que tal como alega a própria cabeça-de-casal sendo certo que «Requerido e Requerente eram e são proprietários de outro imóvel indicado na verba nº 6 da PI, podendo aquele ter ali permanecido até à partilha mas optou por arrendar tal imóvel, tendo ido habitar num imóvel de família do qual nunca pagou qualquer renda e do qual veio a ser proprietário», logo também não deve o mesmo ser obrigado a partilhar o valor que auferiu pelo arrendamento de tal fração.Mais à frente, no dispositivo, ordena-se o cabeça-de casal que apresente nova relação e bens “...excluindo a viatura automóvel e excluindo o valor das rendas da fração (verba 3 da relação de bens que apresentou) e aditando à mesma relação de bens como passivo uma nova verba a relacionar como «créditos ente cônjuges» referente às prestações bancárias, quotizações de condomínio e IMI que o aqui reclamante liquidou depois de ter sido decretado o divórcio, de acordo com os documentos que juntou, e aditando ainda as rendas auferidas pela cabeça-de-casal do anexo, conforme confissão da mesma no valor de €250,00.” E, na fundamentação quanto a estas rendas de 250,00 euros a aditar enquanto créditos entre cônjuges, a seguinte e sumária fundamentação “...tal como deve ser aditado à relação de bens as rendas dos bens comuns que se provaram terem sido recebidas de parte a parte e bem assim os montantes levantados respectivamente da conta conjunta do casal por ambos”. Existe aqui no mínimo alguma ambiguidade. A questão mostra-se ultrapassada pela prova razão pela qual se ordenará o aditamento como crédito entre os cônjuges das rendas recebidas pelo requerido relativa à Casa do Monte da Caparica à semelhança das rendas do anexo. A verba n.º 3 relativas às rendas recebidas pelo interessado B … à semelhança das rendas recebidas pela interessada A … quanto ao anexo deixar de integrar o activo sob 3 para passar a integrar a rubrica de créditos entre cônjuges pelo valor provado.
    III.5. Questão de direito no recurso do interessado B …: Saber se a verba correspondente ao dinheiro que foi levantado 9 anos antes de ser decretado o divórcio e subsequentemente distribuído por ambos, deverá ser eliminada da relação de bens, a verba correspondente aos bens moveis (eletrodomésticos e mobílias) relacionados na reclamação existem na casa que foi de morada de família, devem fazer parte do acervo a partilhar, por terem sido adquiridos na constância do casamento; a  decisão de excluir os créditos reclamados pelo requerido por pagamento de coimas por atraso nos pagamentos de IMIs, ao respectivo Serviço de Finanças, deve ser revogada por serem da responsabilidade de ambos e não apenas do recorrente. Como acima se disse o recorrido não apresentou qualquer prova em relação aos factos alegadamente julgados de forma incorrecta pelo Tribunal recorrido e por essa razão soçobram as questões de direito suscitadas.
    IV- DECISÃO
    Tudo visto, atento o que de III resulta, acordam os juízes em julgar parcialmente procedente a apelação da interessada A …, consequentemente revoga-se a decisão recorrida quanto ao segmento “excluindo o valor das rendas da fracção (verba 3 da relação de bens que apresentou)” ordena-se o aditamento de uma nova rubrica de créditos entre ex-cônjuges relativa às rendas recebidas pelo interessado B … de um contrato de arrendamento verbal do imóvel comum do casal sito na Rua …, n.º …, ….º Esq.º, na freguesia de Santo António da Caparica, entre Janeiro de 2008 e Novembro de 2022 no montante de 28.975,00 euros, e improcedente a apelação do interessado B …, mantendo-se, no mais, o decidido na primeira instância.
    Regime da Responsabilidade por Custas: as custas da apelação da interessada A … face ao parcial provimento são suportadas ma proporção e ½ para a interessada A … e ½ para o interessado B … as da apelação do interessado B … são suportadas inteiramente pelo mesmo atento o decaimento (art.º 527/1 e 2), sem prejuízo do apoio judiciário que se mostrar concedido.

    Lxa., 10-10-2024,
    Vaz Gomes
    Arlindo Crua
    Higina Castelo
    _______________________________________________________
    [1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pelo DL 303/2007 de 24/08, entrado em vigor a 1/1/08, com as alterações introduzidas pelo Lei 41/2013, atenta a circunstância de o processo ter tido o seu início em 2001 a decisão final nos incidentes do inventário de que ora se recorre ter sido proferida em 22/07/2014; em matéria de recursos, no art.º 7/1 da Lei 41/2013 de 26/7 que contem uma disposição transitória referente a recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor, em acções instauradas antes de 1/1/08 (que é a situação dos autos quanto à decisão final pois o processo especial de inventário começou em 1996; ao Código referido, na redacção dada pelo DL 303/07, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
    [2] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2008, págs.