Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
373/11.0TBPDL-E.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: EXECUÇÃO
JUROS VINCENDOS
LIQUIDAÇÃO
DATA FINAL DA SUA CONTABILIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1Observando o princípio processual segundo o qual “a inevitável demora do processo não deve prejudicar a parte que tem razão”, devem ser contabilizados os juros até à data em que o produto do bem penhorado é posto à disposição da exequente.

2Resultando do art. 716º nº 2 do C.P.C. que, “quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução”, não pode este tribunal substituir-se ao agente de execução na liquidação dos juros vencidos após a propositura da ação executiva.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa


Na ação executiva que N… move contra Ve M…, foi proferido, a 1 de julho de 2021, o seguinte despacho:
B)– Da quantia exequenda e do montante pago/ recebido pelo exequente.
I.–Não foi possível do cotejo das posições apresentadas pelo Senhor Agente de Execução, Exequente e Executado e ainda informação solicitada ao processo de insolvência chegar à conclusão quanto ao montante exato que já foi pago e que falta pagar.
Assim, e com vista a facilitar a apreciação e decisão do presente incidente, determina-se que o mesmo seja processado por apenso.
*

Impõe-se, assim, determinar o montante em dívida nos presentes autos (questão prévia à dos honorários devidos ao Senhor Agente de Execução).
*

II.Nos termos do disposto no artigo 6.º, nº 1, do Código de Processo Civil (com vista a facilitar a decisão do presente incidente, condensando a matéria de facto relativa a estas questões e respetiva prova), esta matéria será decidida em sede de incidente tramitado por apenso à execução.

Instrua o apenso com:
-Requerimento do Sr. Agente de Execução de 19.01.2021, referência 3975472
-Requerimento do Sr. Agente de Execução de 23.04.2021, referência 4099374,
-Requerimento de 05.04.2021
-Requerimento de 07.04.2021
-Requerimento de 05.05.2021
-Certidão do processo de insolvência remetida ao processo principal pelo ofício 05.05.2021,
- O presente despacho.”

Neste incidente, a exequente interpôs recurso da decisão proferida a 10 de fevereiro de 2022, pela qual foi julgado “o presente incidente procedente e, em consequência,” determinado “que o Sr. A.E. proceda ao imediato levantamento da penhora de vencimentos do executado, e bem assim proceda à liquidação da presente execução e consequente extinção da mesma, nos termos do disposto no artigo 849.º, n.º 1, al. b) do C.P.C.”
Na alegação de recurso, a recorrente pediu que a decisão recorrida seja declarada nula por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia e, caso assim não se entenda, que seja revogada, determinando-se a necessidade da prévia realização das diligências essenciais ao apuramento do valor em dívida.

A recorrente formulou as seguintes conclusões:
«I)O objeto do litígio no presente apenso ficou definido no despacho saneador, notificado em 5-07-2021, nos seguintes termos: “Do montante pago pelo Executado no âmbito da presente execução; Do montante recebido pelo Exequente relativamente à quantia exequenda;” e bem assim, os temas de prova, que se resumem a “1. Além das quantias referidas em H) o executado procedeu ao pagamento do remanescente da dívida?”
II)Na douta sentença proferida no presente incidente a decisão, contrariamente ao que era expectável atento o tema da prova, consta de “Nestes termos, julgo o presente incidente procedente e, em consequência, determino que o Sr. A.E. proceda ao imediato levantamento da penhora de vencimentos do executado, e bem assim proceda a liquidação da presente execução e consequente extinção da mesma, nos termos do disposto no art. 849º, nº 1, al. b) do CPC” (…);
III)O Recorrente, conformar-se com tal decisão, desde logo porque não ficou provado estarem reunidos os pressupostos para que possa ser extinta a execução, pois em nenhuma parte da prova produzida ou da matéria dada como provada na decisão, se demonstra estar a quantia exequenda integralmente paga, em resposta ao tema de prova determinado para o presente incidente. Isto sem prejuízo de ter-se apurado que quantias foram já transferidas para o Exequente e que quantias o Sr. Agente de Execução já recebeu na presente execução;
IV)No que diz respeito às quantias entregues ao Exequente resultou provada a entrega de diversas quantias que não se contestam, mas que resultam de uma correcção feita nas informações prestadas pelo Sr. Agente de Execução aos dados que já tinha fornecido nos presentes autos.
V)Na fundamentação de Direito acaba o Tribunal por afirmar que “Daqui que, sendo a demora das transferências dos valores depositados para o exequente uma contingência não imputável ao executado, não se pode, portanto, contabilizar juros e imposto de selo, por se entender que estes nem sequer são devidos. O hiato temporal entre a disponibilidade dessas quantias e a disponibilização no património do credor deve ser vista uma vicissitude não imputável ao executado, assim como os honorários devidos ao Sr. A.E. por diligências que eventualmente se tenham prolongado no tempo em virtude dessas vicissitudes que não são imputáveis ao executado.” Ou seja, entendeu o Tribunal a quo que o lapso temporal decorrido entre a disponibilidade das quantias na conta do Sr. A.E. e a sua entrega ao Exequente são uma “vicissitude não imputável ao executado” e logo não lhe poderão ser cobrados juros. Contudo, não tratou a douta sentença de justificar em que medida é que tais lapsos temporais são imputáveis à Exequente para que esta fique privada do recebimento dos juros a que tem direito!
VI)Do mesmo modo que entende o Tribunal a quo não haver imputabilidade ao Executado que justifique a contabilização de juros entre 13.06.2017 e 19.01.2021 sobre a quantia de 36.999,11€, e também sobre as quantias entregues a título de penhora de salário, e que apenas mais tarde foram entregues ao Exequente, entende o Exequente não ser este também responsável por este período de tempo em que se viu privado de receber as quantias que lhe eram devidas, e isso também não resulta da decisão, nem resulta esta determinação de qualquer regra legal que cumpra aplicar.
VII)Verdade é que assumiu a sentença apenas a defesa dos interesses do Executado, esquecendo que, do outro lado, está também o Exequente a quem não podem ser imputados os atrasos, não tendo resultado provada qualquer circunstância que pudesse determinar essa imputabilidade.
VIII)Se atentarmos na factualidade que justifica o atraso na entrega da quantia de € 36.999,11, respeitante à venda do imóvel correspondente à verba 1, a mesma justificou-se pela necessidade alegada pelo Sr. AE de manter cativa aquela quantia, porquanto o B… era Credor com prioridade no recebimento do seu crédito sobre o Recorrente. Ainda assim entendeu-se na sentença que daí advieram para o Executado juros que totalizam € 5.331,93 e que não lhe poderão ser imputados. Mas neste contexto é forçoso questionar se terá de ser o Exequente a ser responsabilizado por o Sr. AE apenas ter procedido a essa transferência em 2021, e com que fundamento.
IX)Não se entende igualmente, nem isso está devidamente fundamentado na sentença, porque terá de ser o Recorrente a não ver integralmente realizados os seus créditos, capital e juros, entre 2017 e 2021 sobre aquela quantia de € 36.999,11, pois não recebeu a quantia por razões que escapam à sua esfera de responsabilidade.
X)Não se alcança, nem a sentença justifica, porque choca ao Tribunal a quo que com esta transferência tardia se imputem ao Recorrido juros no montante de 5.331,93€, e não choque, do mesmo modo, que o Recorrente fique privado de receber esses mesmos juros quando a quantia que lhe era devida, não lhe foi efetivamente entregue mais cedo, por existirem outros créditos que deveriam ter sido previamente pagos e não foram, sem qualquer responsabilidade do Recorrente quanto a esse não pagamento.
XI)Por outro lado, mal andou o Tribunal ao considerar que “não podem continuar a contabilizar-se juros como se as quantias não estivessem à ordem dos presentes autos, prontas a ser entregues ao exequente.”, pois, contrariamente a este entendimento, a verdade é que aquela quantia não estava pronta a ser entregue ao Exequente, pelo menos de acordo com todas as informações prestadas pelo Sr. AE, que tinha de a manter cativa para pagamento ao 1º credor B…;
XII)No que à penhora de salários diz respeito argumenta-se na sentença que “Também não se entende nem se concebe, e muito menos se pode responsabilizar o executado por isso, como não pode ser responsabilizado pelos juros que continuamente são cobrados desde a disponibilidade do vencimento até à efetiva entrega à exequente.”, mas mais uma vez se recusa que possam ser cobrados juros ao executado omitindo qualquer pronúncia quanto à privação do Recorrente de se ver pago desses juros, porquanto as quantias não lhe foram efetivamente entregues. Note-se que nos termos do art. 779º, nº 3, al. b) é ao Agente de Execução que cabe fazer a adjudicação direta ao exequente, pelo que mais uma vez não justifica a sentença porque motivo não pode o Executado, Recorrido, ser penalizado, e deve o Exequente, Recorrente, ser penalizado.
XIII)A decisão de que aqui se recorre consta de: Cessação da penhora de vencimento; Liquidação da execução; Extinção da execução e isto porque “Em face de tudo o exposto, considerando a quantia exequenda em dívida, os montantes já pagos no âmbito da presente execução pelo executado e bem assim as quantias já recebidas pelo exequente N… por conta da quantia Exequenda, e ainda a quantia que o Sr. A.E. tem depositada por conta da quantia exequenda (…)” (…)
XIV)As contas do Tribunal a quo ser tão ligeiras, pois que não pode olhar-se para as quantias já pagas pelo Executado, aqui Recorrido, e com isso assumir que o valor é suficiente para pagamento da dívida, esquecendo que entretanto se mantinha em dívida de capital e que sobre esse se foram vencendo juros e na decisão aqui posta em crise não se evidencia nem o pagamento da dívida nem o seu valor atual, antes se assumindo, como que em jeito de presunção, que em face dos valores já pagos pelo Executado a dívida se encontra paga, sem qualquer critério ou cálculo!
XV)É manifesta a falta de fundamentação para a decisão da sentença objeto do presente recurso, pois não resultou demonstrado o pagamento integral da dívida, na medida em que previamente não se tratou nos presentes autos, nem isso resulta da sentença, de apurar qual o valor efetivamente em dívida, questão essencial para dar resposta ao tema de prova que norteou o desenrolar destes autos, pois o Tribunal limitou-se a “impressionar-se” com as quantias já entregues ao Exequente e a que ainda se encontra na posse do AE, para, com isto determinar, sem valor de dívida, a cessação da penhora e a extinção da execução.
XVI)O que importava dar resposta era ao tema de prova “Além das quantias referidas em H) o executado procedeu ao pagamento do remanescente da dívida?” e é manifesto que não procurou o Tribunal apurar a quantia que se encontra ainda em dívida, tendo-se contentado em saber e esclarecer as quantias que foram entregues ao A.E. e aquelas que ainda se encontram por entregar ao Exequente.
XVII)Era essencial apurar qual o efetivo valor em dívida na presente data, até pela manifesta falta de coerência das contas apresentadas pelo Sr. Agente de Execução, pelo que não está preenchido o pressuposto do art. 849/1/b) do Código do Processo Civil para que possa proceder-se à liquidação da execução.
XVIII)E a aceitar-se tal decisão, sem mais, está a aceitar-se que a dívida se encontra paga o que não é o caso! A operação de apuramento do valor em dívida terá de ser muito mais complexa do que as conclusões retiradas na sentença, e não fundamentadas claramente, de que a quantia de € 303.230,50 é suficiente para pagamento da dívida. Desde logo, a insuficiência salta à vista se considerarmos que está em causa uma execução intentada em Fevereiro de 2011, com uma quantia exequenda de € 281.227,56 e que, de acordo com as contas do Tribunal € 22 002,94 (vinte e dois mil e dois euros e noventa e quatro cêntimos) seria quanto baste para pagamento dos juros e despesas, num processo que dura há 11 anos!
XIX)Por outro lado, não pode olvidar-se que em cada entrega de quantia para pagamento da dívida a imputação é sempre primeiro feita nos juros e só depois no capital, o que implica a necessidade de ser feito o real apuramento de todas as imputações e, consequente, valor da dívida remanescente.
XX)Do exposto resulta que carece a douta sentença de especificação dos fundamentos de direito que a sustentam, sendo, consequentemente, nula nos termos e para os efeitos previstos no art. 615º, nº1, al. b) do Código do Processo Civil, pois a sentença deve apresentar não só a fundamentação factual, motivações e factos dados como provados e não provados, como também a fundamentação de direito que conduziu à decisão, isto é, de acordo com a previsão do art. 607º, nº 3 do Código do Processo Civil, o juiz deve na sentença “indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.” E na sentença de que se recorre foi manifesto que não foram invocadas quaisquer normas jurídicas que fundamentem a decisão de não imputação ao executado dos juros, e qual a legislação que justifica que o atraso nas entregas ao Exequente não possa ser imputado ao Executado mas deva prejudicar o Exequente, em especial quando estamos perante circunstâncias em que há credores graduados primeiramente e a quem há quantias a pagar primeiramente.
XXI)Não foi igualmente revelado o contexto legal que justifica que fique o Exequente penalizado por o Sr. AE ter por seu livre arbítrio ter feito as transferências dos valores respeitantes às penhoras de vencimento em tranches, e que justifica o entendimento do tribunal de que não devem ser imputados juros ao executado.
XXII)Deste modo, não restam dúvidas de que enferma a sentença de nulidade, nos termos do art. 607º, nº 3, in fine, por falta de fundamentação de direito que justifique a decisão, pois estando os Tribunais sujeitos à lei, nos termos previstos nos artigos 203º e 204º da Constituição, não pode o Tribunal a quo decidir a não sujeição do Recorrido ao pagamento dos juros devido a atrasos do Sr. Agente de Execução, quando tal determinação não resulta de nenhum preceito legal.
XXIII)Na sentença foram dados como provados os valores que foram já pagos pelo Recorrido e as quantias que já foram entregues ao Recorrente, contudo, para resposta ao tema da prova era imperioso que fosse apurado qual o real valor em dívida, atendendo às respostas às duas questões formuladas, sendo que quanto a isso havia também nos articulados e alegações das Partes, e bem assim nas informações do Sr. Agente de Execução informações contraditórias entre si que careciam de diligências complementares para apuramento do valor em causa, as quais não foram determinadas, pelo que estamos perante uma omissão de pronúncia, que determina igualmente a nulidade da sentença, de acordo com o previsto com o art. 615º, nº 1, al. d), 1ª parte do Código do Processo Civil.
XXIV)Sem prejuízo da já alegada falta de fundamentação e a inerente nulidade da sentença, não pode aceitar-se o conteúdo daquela decisão por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos legais para que pudesse determinar-se a extinção da penhora, liquidação e extinção da execução, pois, ao contrário do determinado na sentença, não se encontram preenchidos os pressupostos do art. 849º, nº1, al. b) do CCP de acordo com o qual “A execução extingue-se nas seguintes situações: b) Depois de efetuada a liquidação e os pagamentos, pelo agente de execução, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, tanto no caso do artigo anterior como quando se mostre satisfeita pelo pagamento coercivo a obrigação exequenda; (…)”
XXV)Assim, a cessação da penhora de vencimento e bem assim a liquidação e extinção da execução foram determinadas sem que tenha ficado demonstrado nem neste incidente, nem na execução, que a dívida exequenda já se encontra totalmente paga, pressuposto essencial dessa extinção.
XXVI)Em primeiro lugar, não foi apurado o valor em dívida, tendo em conta os factos dados como provados no presente incidente, tanto em valor, como em datas), em segundo lugar, com estes dados agora dados por assentes, impunha-se ao Tribunal, para cabal resposta do tema de prova, ter determinado as diligências necessárias ao apuramento do valor em dívida. Apenas desta forma, seria possível a acertada decisão no presente incidente, dando-se resposta à questão mor que é a de saber se já se encontra paga, ou não, a dívida exequenda.
XXVII)Contudo, a resposta a esta questão apenas poderá ser dada se for conhecido o valor da dívida. Não se concebe poder decidir sobre se uma dívida se encontra paga sem que, previamente, se apure o valor da mesma, pelo que mal andou o tribunal a quo ao determinar a extinção da penhora e da execução, sem que estivesse demonstrado o pagamento, salientando-se a este propósito que o Recorrente identificou um valor em dívida de € 74.530,53 no seu requerimento datado de Abril de 2021 (elaborado em conformidade com as informações do Sr. AE), o Sr. A.E. em Janeiro de 2022 referiu na sua informação que ainda estava em dívida a quantia de € 9.551,51 e o Recorrido disse nada mais ter a pagar.
XXVIII)Além disso, sempre terão de ser imputadas nas contas da execução os honorários e despesas do Sr. AE, pois, conforme previsto no art. 541º, aplicável por remissão do art. 721º, nº 1 ambos do Código do Processo Civil “As custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva acção declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados”. Pelo que também por esta via mal andou a sentença ao antecipar uma decisão de extinção da penhora e também da execução.
XXIX)Em face do exposto, e contrariamente ao definido na sentença, entende-se não ter ficado demonstrado que se encontram reunidos os pressupostos para que o Tribunal pudesse ter determinado por um lado a cessação da penhora de vencimento do executado e, por outro, a liquidação e extinção da execução.”
O executado não respondeu à alegação da recorrente.

São as seguintes as questões a decidir:
- da nulidade da decisão recorrida;
- da contagem dos juros;
- do levantamento da penhora do vencimento e da extinção da execução.
*

Na decisão recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
«1.Em 28.02.2011, o exequente intentou a presente ação executiva, com o valor de 281.227,56 € contra V…, M… e F…
2.Constituem título executivo na presente ação executiva duas livranças nº 500............715 e 500............497, respetivamente, no valor de 262.171,22 € e de 17.655,58 €, subscritas pela executada "F… " e avalizada pelos executados V… e M… .
3.A executada "F…" foi declarada insolvente no âmbito do processo nº 626/11.7TBPDL, do extinto 5º Juízo de Ponta Delgada.
4.No âmbito do processo de insolvência referido em 3) a Exequente reclamou créditos no montante de 283.655,221 €.
5.Em 30.04.2014 foi elaborado rateio final, nos termos do disposto no artigo 182.º do CIRE, de onde resulta que a Exequente recebeu um total de 142.905,85 €, sendo 124.640,80 € correspondentes a 80% da adjudicação do valor do imóvel vendido nesse processo, cujo valor global da adjudicação foi de 155 801,00 €, e 18.265,05 € entregue à exequente em resultado do rateio efectuado (num total de 31.160,20 € e depois de deduzido o valor para as custas no valor de 12.895,15).
6.No âmbito dos presentes autos foram penhorados, em 27.02.2012, os seguintes:
Verba 1PRÉDIO URBANO - casa de moradia, constituída por rés-do-chão, 1º andar e falsa, com quintal; com a Área Coberta de 126 M2 e Área Descoberta de 434 M2; sito…; inscrito na matriz predial sob o art. …; descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº … e com o Valor Patrimonial de 13.608,84 Euros.
Verba 2FRACÇÃO CI do PREDIO URBANO - 4º Andar Direito (Bloco C) - destinada a habitação, com entrada e saída para a via pública pela porta com o nº 7 do Arruamento B, com um lugar para estacionamento de viatura com o nº 57 e um arrumo com o nº 56, localizados no piso (-1); sito…; inscrito na matriz predial sob o art. …; descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº … e com o Valor Patrimonial de 95.221,75 Euros.
Verba 3FRACÇÃO AJ do PRÉDIO URBANO - 1º Andar Nascente (Bloco B3- Piso 1), destinado a habitação, com arrecadação com o nº 75 (A75) e dois lugares de estacionamento com os nºs 168 (E168) e 169 (E169) na cave e entrada pelo nº 30 da Avenida …; sito…; inscrito na matriz predial sob o art. …; descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº … e com o Valor Patrimonial de 113.990,13 Euros.
7.No âmbito dos presentes autos foi penhorado, em 04.05.2012, 1/3 do vencimento do executado V…, com início em Setembro de 2012.
8.A verba 1 identificada em 6) foi vendida na presente execução por proposta em carta fechada, em abertura realizada em 06.06.2016, pelo valor de 145.275,90 €.
9.A verba 2 identificada em 6) foi vendida em negociação particular pelo valor de 108.000,00 €, em Outubro de 2016.
10.A verba 3 identificada em 6) foi vendida em negociação particular pelo valor de 131.000,00 €, em Outubro de 2016.
11.Foi proferida sentença de reclamação e graduação de créditos (apenso A) em 09.10.2013, que determinou o seguinte:
I-Pelo produto da venda do imóvel penhorado e melhor descrito supra na alínea A (prédio sito…, inscrito na matriz sob o artigo …, descrito na competente CRP sob o nº …): 1)- Em primeiro lugar, o crédito de capital reclamado pelo B…, e respectivos juros (no limite máximo de três anos) e despesas até ao montante máximo constante do registo; 2)- Em segundo lugar, o crédito exequendo; 3)- Em terceiro lugar, o crédito reclamado por J…
II-Pelo produto da venda do imóvel penhorado e melhor descritos supra na alínea B (fracção autónoma designada pelas letras CI, inscrita na matriz sob o artigo …; descrito na competente CRP sob o nº …): 1)- Em primeiro lugar, o crédito de capital reclamado pelo BE…, e respectivos juros (no limite máximo de três anos) e despesas até ao montante máximo constante do registo; 2)- Em segundo lugar, o crédito exequendo; 3)- Em terceiro lugar, o crédito reclamado por J…
III-Pelo produto da venda do imóvel penhorado e melhor descrito supra na alínea C (fracção autónoma designada pelas letras AJ, inscrita na matriz sob o artigo …; descrito na competente CRP sob o nº …): 1)- Em primeiro lugar, o crédito de capital reclamado pela C… e respectivos juros (no limite máximo de três anos) e despesas até ao montante máximo constante do registo; 2)- Em segundo lugar, o crédito exequendo; 3)- Em terceiro lugar, o crédito reclamado por J…
12.Da verba 1 o Sr. A.E. reteve a quantia de 44.137,88 € para pagamento do crédito reclamado pelo B…, incluindo ainda honorários de A.E., despesas da execução, IRS e IVA de 2017.
13.Do remanescente da verba 1 foram feitas entregas ao exequente, por conta da quantia exequente:
- Em 13.06.2017, a quantia de 64.136,21 €;
- Em 19.01.2021, a quantia de 36.999,11 €.
14.Da verba 2, vendida por 108.000,00 €, os honorários fixaram-se no montante de 4.831,53 €, pagamento à imobiliária… no montante 5.097,50 €, ficando a quantia remanescente no valor de 98.070,97 entregue à exequente enquanto Credora Reclamante, entregue em 13.06.2017.
15.A venda relativa à verba 3, no montante de 131.000,00 €, os honorários fixaram-se em 4.776,23 €, ficando a quantia remanescente no montante de 126.223,77 €, entregue ao credor reclamante C…
16.Nos presentes autos, já foi recepcionada a quantia de 59.195,14 €, até à data de 10.12.2021, a título de penhora de vencimentos.
17.O Sr. Agente de Execução efetuou as seguintes transferências por conta da penhora do vencimento para a Exequente:
- Em 31.05.2014, transferiu a quantia de 12.000,00€;
- Em 04.02.2016, transferiu a quantia de 13.994,84€;
- Em 19.01.2021, transferiu a quantia de 13.000,89€
18.Em 07.01.2022, existe uma verba disponível correspondente a vencimentos do executado para entrega à exequente no total 20.193,60 €.
19.O Sr. A.E. imputou despesas de 5,81 €, face às transferências/recebimentos de dinheiro das penhoras de vencimento.
*

Compulsados os autos principais e respetivos apensos, constatou-se o seguinte:

1-No apenso C, a 26 de junho de 2019, foi proferido o seguinte despacho:
“Após a produção da prova testemunhal, verifica-se necessária a liquidação da responsabilidade dos executados a efetuar pelo Agente de Execução nos autos principais.
Assim, notifique-se o mesmo, para em 10 dias, efetuar tal liquidação e chegada a mesma aos autos, notifique-a às partes.”
2-Nos autos principais, no dia 9 de setembro de 2019, o agente de execução juntou peça que denominou de “nota justificativa provisória”, constando da mesma a menção ao art. 25º do R.C.P.
3-Dessa peça consta, como quantia exequenda, € 281.227,5; como juros, € 95.971,79; como valor a pagar ao agente de execução, € 11.725,36; como valor pago à exequente, € 318.008,18; e, como valor a receber pela exequente, € 70.967,53.
4-No dia 27 de setembro de 2019, o executado pronunciou-se nos seguintes termos:
“Na qualidade de executado e pós ter recebido a nota justificativa provisória da importância em dívida para com o N…, venho comunicar a V.Exª que as mesmas não estão corretas.
1Muito embora não conste o valor inicial da dívida, antes da acção executiva, os juros apresentados no valor de 95.971,79€ são calculados até hoje, Setembro de 2019, sobre o valor de 281.227.56€
2No dia 18 de Dezembro de 2012 o … / N… recebeu da massa falida a quantia de 155.801,00€ (consta na nota justificativa) referente à venda de um prédio urbano, assim como a quantia de 18.265,05€ que também recebeu em rateio, num total de 174,066,05€
3Desde Dezembro de 2012, a dívida à exequente situa-se em 107.161,51€, devendo ser sobre esta quantia o cálculo de juros dos últimos 7 anos e não sobre a quantia inicial de 281.227.56€ como está feito.
4Aos valores apresentados na nota justificativa falta ainda considerar a importância dos descontos efetuados através da penhora do meu vencimento, superiores a 40.000€
Assim, facilmente se confirmará de que a minha responsabilidade para com a exequente está terminada há muito tempo, e que a mesma executou em paralelo e em simultâneo a massa falida e os avalistas do empréstimo, tendo lapidado desnecessariamente todo o meu património pessoal.”

5No despacho que fixou o objeto do litígio, pode ler-se:
A decisão da presente ação passa pela análise e decisão das seguintes temáticas:
Do montante pago pelo Executado no âmbito da presente execução
Do montante recebido pelo Exequente relativamente à quantia exequenda.”
6Do despacho que enunciou os temas da prova consta o seguinte:
“Além das quantias referidas em H), o executado procedeu ao pagamento do remanescente em dívida?”
*

A recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida com fundamento no disposto no art. 615º nº 1 als. b) e d) do C.P.C., nos termos do qual “é nula a sentença quando o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” e “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
“Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 140).
No despacho recorrido, não há falta absoluta de fundamentação.
A causa de nulidade da sentença prevista na alínea d) está diretamente relacionada com o art. 608º nº 2 do C.P.C., segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Na fundamentação da decisão recorrida, pode ler-se:
“Importa decidir se apurado o montante pago no âmbito da presente execução e o montante recebido pelo Exequente relativamente à quantia exequenda, é ainda devida alguma quantia pelo executado.”

Mais adiante, o tribunal recorrido conclui da seguinte forma:
“Em face de tudo o exposto, considerando a quantia exequenda em dívida, os montantes já pagos no âmbito da presente execução pelo executado e bem assim as quantias já recebidas pelo exequente N… por conta da quantia exequenda, e ainda a quantia que o Sr. A.E. tem depositada por conta da quantia exequenda, impõe-se que o Sr. A.E. cesse imediatamente com a penhora de vencimentos do executado, e bem assim proceda à liquidação da presente execução e consequente extinção da mesma, nos termos do disposto no artigo 849.º, n.º 1, al. b) do C.P.C.”
Implicitamente, o tribunal recorrido considerou que a quantia que o agente de execução tem depositada é suficiente para satisfazer o remanescente da quantia exequenda.
Se o tribunal recorrido não atendeu aos juros vencidos na pendência da ação, haverá erro de julgamento, mas não omissão de pronúncia.
Improcede, pois, a arguição da nulidade da decisão recorrida.
*

Nos termos do art. 719º nº 1 do C.P.C., “cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, …, liquidações e pagamentos”.
O agente de execução, notificado para proceder à liquidação da responsabilidade dos executados, juntou peça que denominou de “nota justificativa provisória”, constando da mesma a menção ao art. 25º do R.C.P.

O art. 25º do R.C.P. dispõe o seguinte:
1-Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas.

4-Na acção executiva, a liquidação da responsabilidade do executado compreende as quantias indicadas na nota discriminativa, nos termos do número anterior.”
Nos termos do art. 721º nºs 1 e 4 do C.P.C, “os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 541º”, sendo que “o agente de execução informa o exequente e o executado sobre as operações contabilísticas por si realizadas com a finalidade de assegurar o cumprimento do disposto no nº 1, devendo tal informação encontrar-se espelhada na conta-corrente relativa ao processo”.
Apesar de o agente de execução ter qualificado de nota justificativa provisória, a peça apresentada a 9 de setembro de 2019 é a liquidação da responsabilidade dos executados.

Dispõe o art. 723º nº 1 do C.P.C. o seguinte:
“Sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz:

c)-julgar, …, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias;
d)-decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.”

No relatório da decisão recorrida, pode ler-se:
“O executado V… veio colocar em causa a quantia exequenda em dívida tendo em conta os montantes já pagos no âmbito da presente execução e bem assim as quantias já recebidas pelo exequente N… por conta da quantia exequenda.
Nos termos do disposto no artigo 6.º, nº 1, do Código de Processo Civil, com vista a facilitar a decisão desta matéria, condensando a matéria de facto relativa a estas questões e respetiva prova, ordenou-se a tramitação de um incidente apenso à execução para o efeito.
Alega, em suma, o executado, que a quantia exequenda já se encontra paga, nada sendo devido, antes pelo contrário, uma vez que não foram correctamente computados os valores entregues/ adjudicados no âmbito dos presentes autos por conta desta dívida.
Por sua vez, alega o exequente que à data de 05.04.2021 o valor da quantia exequenda computa-se em 74.530,53 €, incluindo capital e juros, valor a que deve ser acrescida a nota de honorários e despesas do Sr. Agente de Execução.”
O tribunal recorrido parece ter enquadrado a sua intervenção não como julgamento de reclamação da liquidação da responsabilidade dos executados, mas como decisão de questão suscitada pelas partes.

Da fundamentação da decisão recorrida consta o seguinte quanto a juros:
“Cumpre agora apreciar se as razões de os valores correspondentes às verbas 1 e bem assim os valores de penhoras de vencimento não terem sido entregues à exequente aquando da respectiva disponibilidade que sobre eles tem o Sr. A.E. pode ser imputável ao executado, no sentido de continuarem a ser contabilizados juros como se essas quantias não estivessem à ordem dos presentes autos, prontas a ser entregues ao exequente.
No nosso entendimento, não se pode responsabilizar o executado pelo facto de só em 19.01.2021 ter sido transferido o valor de 36.999,11 € respeitante à verba 1, quando esse valor já está na disponibilidade do Sr. A.E. desde 2016, tendo a primeira tranche sido entregue ao exequente em 13.06.2017, no valor de 64.136,21 €. É certo que o credor com prioridade na venda dessa verba é o B…, mas não se pode responsabilizar o executado pela não entrega/ não cativação do valor a entregar a esse credor logo em 2017. E, com essa actuação imputam-se juros ao executado, que vão pelo menos de 14.06.2017 até 19.01.2021, sobre o capital de 36.999,11 €, que totalizam 5.331,93 €, ao que acresce ainda o valor do Imposto de Selo.
Também não se pode responsabilizar o executado pela não entrega imediata do valor da penhora do vencimento. Na verdade, constata-se que estão a ser feitas entregas em tranches, como foram de 12.000,00 €, 13.994,84 € e 13.000,89 €, encontrando-se o Sr. A.E. com um valor retido a título de penhora de vencimento à data de 07.01.2022, no valor de 20.193,60 €. Mas questiona-se: porque razão estas quantias não são transferidas directamente para o exequente?
Também não se entende nem se concebe, e muito menos se pode responsabilizar o executado por isso, como não pode ser responsabilizado pelos juros que continuamente são cobrados desde a disponibilidade do vencimento até à efectiva entrega à exequente.
Daqui que, sendo a demora das transferências dos valores depositados para o exequente uma contingência não imputável ao executado, não se pode, portanto, contabilizar juros e imposto de selo, por se entender que estes nem sequer são devidos. O hiato temporal entre a disponibilidade dessas quantias e a disponibilização do mesmo no património do credor deve ser vista uma vicissitude não imputável ao executado, assim como os honorários devidos ao Sr. A.E. por diligências que eventualmente se tenham prolongado no tempo em virtude dessas vicissitudes que não são imputáveis ao executado.”
O Código das Custas Judiciais, revogado pelo DL 34/2008, de 26 de fevereiro, no seu art. 53º nº 5 - na redação original, dispunha o seguinte: “na contagem das execuções, o valor dos interesses vencidos é considerado, conforme os casos, até ao depósito, à adjudicação de bens ou à consignação de rendimentos”.
«A realização coactiva dos direitos através dos tribunais, a realização da prestação a que o credor tem direito ou que nisso se resolve através do processo executivo, implica a adopção de um procedimento que, devendo tender para identidade de efeitos práticos, por natureza se não identifica com a realização voluntária da prestação. Designadamente, havendo a transferência da coisa ou quantia do património do devedor (ou responsável) para o do credor de fazer-se mediante recurso ao tribunal, haverá necessariamente um desfasamento temporal entre o momento em que o objecto da prestação (ou equivalente) sai de uma esfera patrimonial (do responsável) para entrar na outra (do credor). Na repartição dos correspondentes “custos de transacção” deverá ser observado o princípio processual segundo o qual “a inevitável demora do processo não deve prejudicar a parte que tem razão”. Mas, em muitas situações, há custos inelimináveis do recurso a juízo a que não pode poupar-se a "parte inocente", seja pela natureza da intervenção dos tribunais, seja pela praticabilidade e racionalidade do processo.
Centrando-nos no que interessa ao caso – suposto o acerto da interpretação do direito ordinário em que não cabe entrar – a opção normativa em causa não constitui sacrifício arbitrário de uma das posições jurídicas substantivas em conflito. Por um lado, a maximização dos interesses do credor, que se viu forçado a recorrer ao processo executivo e que é, nesta fase e processualmente, “a parte que tem razão”, tenderia a fazer aproximar o terminus da contagem de juros do momento em que se verificam as condições processuais para que a quantia exequenda seja posta à disposição do exequente. Portanto, na data da liquidação e não do depósito preliminar. Mas, por outro lado, a localização da cessação da mora na data do depósito preliminar da quantia exequenda já liquidada, levando em consideração que “ao fazer o depósito a executada está a cumprir a obrigação”, sendo o mais que se lhe segue demora que, em princípio, lhe não pode ser imputável – não curando o Tribunal do caso concreto, a imputação das vicissitudes que levaram ao arrastamento da disponibilização das quantias depositadas ao credor não está aqui em apreciação – não se afigura inteiramente destituída de razoabilidade. Consequentemente, a solução adoptada, que equivale a colocar a cargo do credor o não recebimento de juros pelo tempo de privação do capital que, como diz o acórdão recorrido, corresponde às “contingências do processo executivo”, cabe na discricionariedade legislativa não sendo susceptível da censura de constitucionalidade que o recorrente lhe dirige ou que, a partir desses termos, é razoável que oficiosamente se desenvolva» (www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal Constitucional 160/2011, processo 698/10).
No Regulamento das Custas Processuais, não há norma equivalente ao art. 53º nº 5 do C.C.J.
Assim, observando o princípio processual segundo o qual “a inevitável demora do processo não deve prejudicar a parte que tem razão”, devem ser contabilizados os juros até à data em que o produto do bem penhorado é posto à disposição da exequente.
Conforme resulta do art. 716º nº 2 do C.P.C., “quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis”.
Este tribunal não pode substituir-se ao agente de execução na liquidação dos juros vencidos após a propositura da ação executiva.
No entanto, porque o executado V… discordou da liquidação apresentada a 9 de julho de 2019 pelo agente de execução, importa esclarecer quais as regras que devem presidir à nova liquidação da responsabilidade dos executados.

Na nova liquidação, o agente de execução deverá ter em consideração o seguinte:
1devem ser calculados os juros sobre o capital (cf. ponto 2 da matéria de facto provada) e respetivo imposto de selo, desde a propositura da ação executiva (cf. ponto 1 da matéria de facto provada) até ao dia 30 de abril de 2014;
2ao abrigo do disposto no art. 785º do C.C., a quantia de € 142.905,85 (cf. ponto 5 da matéria de facto provada) deve ser imputada nos juros e imposto de selo e, em último lugar, no capital;
3devem ser calculados os juros e respetivo imposto de selo sobre o capital remanescente desde o dia 1 de maio de 2014 até à data da subsequente entrega à exequente (cf. ponto 17 da matéria de facto provada);
4as imputações e cálculo de juros devem ser feitos sucessivamente nos moldes referidos nos pontos 2 e 3, tendo em conta as demais quantias entregues à exequente e respetivas datas (cf. pontos 13 e 17);
5devem ser calculados os juros sobre o capital remanescente e respetivo imposto de selo desde a data da última imputação feita até à data da nova liquidação, devendo na liquidação ser levada em consideração a verba então disponível correspondente a vencimentos do executado.
Só após a nova liquidação é possível saber se a obrigação exequenda já se mostra satisfeita ou não.
Determinar, antes da nova liquidação, que o agente de execução proceda ao levantamento da penhora de vencimento do executado e à extinção da execução é prematuro.
*

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido e ordenando, em sua substituição, que o agente de execução proceda, nos autos principais, a nova liquidação da responsabilidade dos executados de harmonia com as regras acima enunciadas.
Sem custas.



Lisboa, 23 de junho de 2022



Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães
Octávio Diogo