Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12883/21.6T8SNT.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO
COMPROPRIEDADE
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A nulidade da sentença prevista na alínea c), do nº 1, do art. 615º, do CPCivil, ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier a ser expresso.
II – A qualquer dos comproprietários, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.
III – A privação de uso de um bem pode dar origem tanto a um dano patrimonial como a um dano não patrimonial; quando ocorra esta última espécie de dano, ele será indemnizável de harmonia com os critérios específicos de valoração e mensurabilidade desse tipo de dano.
IV – O dano da privação de uso é um dano autónomo, consistindo em o proprietário ficar temporária ou transitoriamente impedido de retirar do bem as utilidades, patrimoniais e não patrimoniais, que o bem lhe proporcionaria.
V – Muito embora reconhecendo a existência de divergência jurisprudencial e doutrinal a propósito dos pressupostos da indemnização pela privação do uso da coisa, afigura-se-nos como sendo mais ajustada a posição dominante na jurisprudência, ou seja, no sentido de não ser indemnizável a mera privação do uso da coisa, devendo o lesado alegar e provar (para além da privação do uso) a existência de uma concreta utilização relevante do bem.
VI – Para além de ser o entendimento jurisprudencial dominante do Supremo Tribunal de Justiça, também se trata do entendimento mais recente.
VII – O uso pressupõe uma utilização e a impossibilidade (concreta) desta analisa-se ou numa diminuição patrimonial ou numa frustração de aumento do património; é nesta diferença patrimonial concreta e efetiva, resultante quer da diminuição, quer do não aumento, em que consiste o dano da privação do uso.
VIII – Há abuso de direito se alguém exercer o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
MASSA FALIDA URBAPITA - CONSTRUÇÕES, LDA., intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra CS pedindo a condenação da ré:
a) A pagar-lhe a quantia de € 74 700,00 (setenta e quatro mil e setecentos euros), acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento;
b) A pagar-lhe a quantia de € 300,00 (trezentos euros) por cada mês de utilização do imóvel, desde a data da citação até à desocupação do mesmo;
c) A entregar-lhe uma cópia da chave do imóvel.
Foi proferida sentença que absolveu a ré dos pedidos contra a mesma formulados.
Inconformada, veio a autora apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[3]:
A - O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou a presente ação improcedente, e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.
B - A Ré regularmente citada, não contestou, e atendendo ao disposto no artigo 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que dispõe que se o Réu não contestar, tendo sido regularmente citado consideram-se confessados os factos articulados pelo A.
C - A douta sentença deu como provados a quase totalidade dos factos constantes da Petição Inicial, mas salvo o devido respeito, a sentença em apreço não fez uma devida apreciação da prova pois entendemos que também tem de ser dado como provados os pontos 9º a 11º e 13º, 14 e 19º da P.I., uma vez que a Ré, não contestou, e atendendo à cominação do artigo 567.º, n.º 1 do CPC, requer-se ao Tribunal Ad quem que considere tais factos como provados.
D - Da fundamentação supratranscrita da douta sentença da MMª juiz do Tribunal Ad quo, não foi no entendimento dos Recorrentes corretamente valorada a prova dada como provada e que entra claramente em contradição com a douta sentença proferida.
E - A Ré não só não procedeu à entrega das chaves do imóvel à A. como se recusa até à presente data a fazê-lo, privando de entrar num imóvel que é seu, e sem que a R. sequer se preocupe e proceda a qualquer compensação pelo facto de estar desde dezembro de 2000 a ocupar um imóvel que embora também seja seu, bem sabe que é igualmente da A. e que esta apesar de pagarem todas as despesas e contribuições relativas ao imóvel nada têm usufruído do mesmo.
F - A. R. com a sua conduta viola reiteradamente o artigo 1305º do Código Civil, privando a A. do seu direito de usar, fruir e dispor da sua parte do imóvel, ou seja, privou a A. do seu direito de propriedade sobre parte do imóvel, nos termos do aludido artigo encontrando-se a A impedida de vender o imóvel ( conforme facto provado 9 da douta sentença) e  consequentemente prejudicando os credores da A. que tem como credores o próprio Estado que reclama créditos através da Autoridade Tributária €221.390,65 e do Instituto da Segurança Social €141.999,02, e assim sendo procedentes os valores peticionados pela A. na presente Acão minoravam e de que maneira os créditos peticionados pelo Estado que são de quase quatrocentos mil euros.
G - A R. com a sua conduta, violou o direito de propriedade da A. (1305º, n.º 1 do C.C.) pelo que, desta forma, é responsável pelos prejuízos causados à A, pela privação do uso do imóvel, nos termos do disposto no artigo 483º do Código Civil, e todos os pressupostos deste artigo encontram-se preenchidos:
a) - o facto aqui em causa é a privação, pela R., do uso, fruição e disposição, por parte da A., da sua parte do imóvel;
b) - o facto é ilícito, na modalidade de violação de direito de outrem, neste caso, o direito, absoluto, de propriedade da A. sobre parte do imóvel em causa (art. 1305º do Código Civil);
c) - a R. agiu com culpa, entendida como “(...) o juízo de censura que recai sobre aquele cuja atuação é reprovada pelo Direito. É a noção de culpa em sentido amplo ou lato sensu.” (in Menezes Cordeiro, A., Tratado de Direito Civil Português II – Direito das Obrigações, Tomo III, Lisboa, Almedina, 2010, p. 471), uma vez que a R. usufrui exclusivamente do imóvel, não podendo a A. sequer entrar no imóvel ou ter uma chave do mesmo;
d) - A R. ao privar a A. da utilização do imóvel causou danos patrimoniais à A., comproprietária do imóvel, e uma vez que, desde a ocupação, pela R., do imóvel impediu a A. de dispor do mesmo, e auferir, assim, os seus frutos, nomeadamente através do arrendamento do imóvel ( renda de 600,00€ conforme consta do ponto 8 da matéria de facto dado como provada) e sendo a A. e a R., comproprietárias do referido imóvel poderia igualmente o MMº Juiz do Tribunal Ad Quo fixar segundo juízos de equidade um valor mensal a pagar por parte da R. à A. pelo facto de utilizar exclusivamente o imóvel e que tem privado a A. de o utilizar, com os prejuízos daí decorrentes para estes (danos causados que deveriam ser contabilizados desde a data de dezembro de 2000 (vide ponto 6. dos factos dados como provados) e que não o foram, continuando a R. a utilizar exclusivamente o imóvel, impossibilitando a sua venda e não compensando monetariamente A. por esta situação.
e) - está preenchido o pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano, nos termos do artigo 563º do Código Civil, ora, o facto de a R. ter privado A. do uso, fruição e disposição, da sua parte do imóvel, fazia prever, com elevado grau de probabilidade, e de acordo com a experiência comum, a existência de danos para o A, verificando-se, desta forma, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, pelo que a R. é responsável pelos danos causados à A. Por violação do seu direito de propriedade sobre o imóvel, nos termos do artigo 483º, nº 1 C.C.
H - Ora, conforme alegado na Petição Inicial a R. deveria ser condenada a pagar à A. os valores constantes e peticionados nos artigos 9 a 11 da PI: “9. Ora, tendo a Ré, no período compreendido entre dezembro de 2000 até à presente data, utilizado em exclusivo e em proveito próprio a referida fração, esta deveria ter pago à Autora o valor correspondente a metade do valor da renda relativa a tal período. 10. Desde dezembro de 2000 até à presente data, venceram-se 249 (duzentas e quarenta a nove) rendas, no valor total de € 149.400,00 (cento e quarenta e nove mil e quatrocentos euros). 11. Tendo a Autora o direito a receber da Ré o correspondente a metade do valor das referidas rendas, ou seja, a quantia de € 74.700,00 (setenta e quatro mil e setecentos euros”.
I - No entanto, a R. foi absolvida, in tottum, do peticionado, motivo pelo qual a A. apresenta o presente recurso e neste sentido, argumentou o Acórdão do STJ de 05.07.2007 de 29.11.2005, de 28.09.2006, de 05.07.2007 (07B1849), de 04.10.2007 (07B3012), de 24.01.2008, de 12.03.2009 e de 08.10.2009, da Rel. do Porto de 07.07.2007, de 04.11.2008, de 29.01.2009, de 19.03.2009, de 20.04.2009, de 25.06.2009, de 13.10.2009 (3570/05), de 13.10.2009 (6020/07) e da Rel. de Lisboa de 27.11.2008, de 12.03.2009 e de 28.05.2009.
J - Igualmente no mesmo sentido seguiu o Tribunal da Relação de Guimarães - Ac. T R G, Proc. n.º 8860/06.5TBBRG.G1, de 11.11.2009. E conclui inclusivamente que: o proprietário de um veículo tem o direito de usar, fruir e dispor da coisa, pelo que a privação desses direitos constitui um dano que tem de ser reparado, já que, durante um determinado período de tempo, o proprietário do veículo fica impossibilitado de retirar deste os seus benefícios e K) utilidades, e assim neste circunstancialismo, o dano consiste exatamente na perda das utilidades que o veículo proporcionava ao seu proprietário. Para este tribunal, a quantificação do dano compreende o lapso de tempo entre a data em que se deu o acidente (e o proprietário ficou privado do uso da coisa) - e a data em que este voltou a usufruir das utilidades proporcionadas por um novo veículo. A equidade é o critério que preside à valoração dos prejuízos, isto é, uma ponderação de razoabilidade com recurso ao senso comum dos homens e justa medida das coisas.
L - Assim sendo, a Decisão poderia ter sido julgada no limite segundo Juízos de Equidade pelo MMº Juiz do Tribunal Ad Quo, mas que não o foi, situação que motivou igualmente a interposição do presente recurso, Com efeito, constatamos que a douta sentença do Tribunal Ad Quo refere a fl. 6 o seguinte (e que de seguida se transcreve): “Porém, como se salienta no Ac. R.L., de 12-4-2016, Relator: Pedro Brighton, acessível em http://www.dgsi.pt: “A privação da utilização pelos demais consortes tem de ser apreciada em concreto e não em abstrato pela mera consideração da natureza ou fins a que a coisa se destina. Cabe ao consorte não utilizador alegar e provar que o uso do bem pelo outro consorte o privou do uso concreto da coisa.”. Ora, no caso em apreço, a Autora alega que a Ré vem utilizando, com exclusividade, a fração dos autos; e que nada vem pagando à Autora, comproprietária, por essa utilização. Mas, a verdade é que, sendo a Ré comproprietária da fração (como se mostra indubitável) o regime legal aplicável não impede nem considera ilícita essa utilização exclusiva; além do que também não preconiza o pagamento, necessário, de quantia ao comproprietário que não use o bem.”
M - Todavia o recorrente também constatou, que no citado acórdão a fl.6 sentença (Ac. R.L., de 12-4-2016, Relator: Pedro Brighton,(acessível: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc 732316039802565 fa00497eec/12 5afedbe1d8dc7380257f9c004e0124?OpenDocument) os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa consideraram parcialmente procedente o recurso pois fixou uma indemnização ao recorrente (que tal como o ora recorrente estava privado do imóvel em copropriedade) e condenando a recorrida em 6.670 € (6 meses de 2012 = 870 € + 12 meses de 2013 = 1.740 € + 12 meses de 2014 = 1.740 € + 12 meses de 2015 = 1.740 € + 4 meses de 2016 = 580 €).
N - Tendo no referido acórdão, que a seguir se transcreve em parte, salientado o seguinte: “Ora, a melhor interpretação do artº 1406º nº 1 do Código Civil implica que a utilização exclusiva apenas esteja vedada quando, em concreto, o uso por um comproprietário prive o outro de usar a coisa numa concreta utilização pretendida. Caso contrário, a mera falta de estipulação consensual poderia privar todos os consortes do uso da coisa em benefício de nenhum deles, pois até o uso indireto poderia estar vedado. (…) k) Sendo devida uma indemnização e verificando-se que no caso não se pode averiguar o valor exato do prejuízo a ressarcir, haverá que lançar mão a juízos de equidade, como resulta do artº 566º nº 3 do Código Civil. Deste modo, afigura-se-nos equilibrado atribuir aos apelantes uma indemnização, a pagar pela apelada, que corresponderá a metade do valor da renda mensal que os recorrentes poderiam auferir (145 €, ou seja, 290/2), pelo período de tempo que abaixo determinaremos”.
O - Ora, sendo devida uma indemnização e verificando-se que no caso não se pode averiguar o valor exato do prejuízo a ressarcir, haverá que lançar mão a juízos de equidade, como resulta do art.º 566º nº 3 do Código Civil. Deste modo afigura-se-nos equilibrado atribuir à apelante uma indemnização, a pagar pela apelada, que corresponderá a metade do valor da renda mensal que a apelante poderia auferir desde dezembro de 2000.
Termos em que, no mui douto suprimento de V. Exªs, Venerando Desembargadores, deve o presente recurso ter total provimento, revogando-se a mui douta sentença recorrida e substituída por outra que condene a R. ao pagamento de uma indemnização pela privação de uso do imóvel, compropriedade da A. com as legais consequências para a R..
A ré não contra-alegou.
Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[5],[6]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por MASSA FALIDA URBAPITA - CONSTRUÇÕES, LDA., ora apelante, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:
1.) Saber se a sentença proferida pelo tribunal a quo é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão.       
2.) Saber se deve ser reapreciada a matéria de facto impugnada.
3.)  Saber se a autora/apelante deve ser indemnizada pela privação de uso da fração autónoma da qual é comproprietária.
4.) Saber se a apelada/ atuou em abuso de direito por ter excedido manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito de compropriedade.  
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1. A Autora foi declarada falida por sentença transitada em julgado, no âmbito do processo …/…….LSB, que correu termos no Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
2. Autora e Ré são comproprietárias, cada uma, na proporção de metade, da fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente à Subcave Esquerda do Prédio sito na Rua … … n.º …, 2720-163, Amadora, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o n.º …, da freguesia de Reboleira, inscrita na Matriz Predial Urbana sob o artigo …, freguesia de Venteira, concelho da Amadora, distrito de Lisboa.
3. A propriedade de ½ da supra identificada fração mostra-se inscrita no registo predial em nome da Ré como tendo sido adquirida por doação, conforme Ap. 2061 de 2012/11/21.
4. No âmbito do mencionado processo, na sobredita sentença, foi decretada a imediata apreensão de todos os bens da falida.
5. Conforme Ap. … de 2021/04/09, mostra-se registada na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o n.º …, da freguesia de Reboleira, a apreensão do aí descrito imóvel, ocorrida em 28/11/2000.
6. Pelo menos desde dezembro de 2000 que a mencionada fração tem vindo a ser ocupada e utilizada exclusivamente pela Ré.
7. Desde essa data e até à presente data, a Ré nunca pagou qualquer contrapartida à Autora em resultado da utilização do imóvel.
8. A fração autónoma objeto dos presentes autos, segundo as suas características e localização, tem, no mercado de arrendamento, uma renda mensal média correspondente a € 600,00 (seiscentos euros).
9. O Sr. Administrador de Insolvência encontra-se impossibilitado de aceder à fração,
desconhecendo o atual estado da mesma, o que o impede de avançar com a venda da parte apreendida.
10. A Autora enviou à Ré carta registada datada de 05/11/2019.
11. Na mencionada missiva, foi solicitado à Ré que procedesse à entrega da chave do
imóvel “(…) que se encontrava a ocupar indevidamente e para usufruto próprio, sem o pagamento de qualquer contrapartida.”.
12. Nessa missiva, foi ainda pedido o pagamento da quantia de €30 000,00 (trinta mil
euros), a título de indemnização pela privação do uso do espaço comercial por parte da Ré, desde a data da insolvência (dezembro de 2000) até à data do envio da missiva.
13. A referida missiva remetida à Ré foi devolvida pelos CTT à Autora com a menção
“desconhecida”.
2.2. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[7] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER SE A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO É NULA POR OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO.
A apelante alegou que “não foi corretamente valorada a prova dada como provada e que entra claramente em contradição com a douta sentença proferida”.
Assim, concluiu que “os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão, mostrando-se, deste modo violado o disposto na al. c) do n°1 do art° 615° do CPC)”.
Vejamos a questão.
É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível art. 615º, nº 1, al. c), do CPCivil.
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença[8].
Porém, esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se[9].
Apenas ocorre a nulidade da sentença prevista na alínea c), do nº 1, do art. 615º, do CPCivil, quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na sentença.
Por isso, a inexatidão dos fundamentos de uma decisão configura um erro de julgamento e não uma contradição entre os fundamentos e a decisão[10].
Se a decisão em referência está certa ou não, é questão de mérito, que não de nulidade da mesma[11].
In casu, o tribunal a quo considerou, que “a realidade de facto alegada pela Autora e provada pela confissão é simplesmente que a Ré vem usando em exclusivo a fração autónoma dos autos; o que, à luz do regime da compropriedade não merece censura, dado que a Ré utiliza um bem que também é seu, ou seja, um bem de que é proprietária na proporção de metade; não existindo, nesta conduta, violação do direito de propriedade (art. 1305º, do Código Civil) como é invocado pela Autora”.
A decisão do tribunal a quo constitui, portanto, o corolário lógico da fundamentação jurídica aduzida, isto é, que o “não se vislumbra possibilidade de concluir que, com esta sua conduta, a Ré incorre em abuso de direito ou em responsabilidade civil por factos ilícitos”.
Como assim, a sentença objeto do presente recurso de apelação não enferma, obviamente, da nulidade que a apelante, erroneamente, lhe imputa, isto é, os fundamentos estarem em oposição com a decisão.
Destarte, é manifesto que a decisão proferida pelo tribunal a quo não padece da nulidade prevista na al. c), 1ª parte, do n.º 1, do art. 615°, do CPCivil (oposição entre os fundamentos e a decisão), improcedendo, consequentemente, nesta parte, a conclusão D), do recurso de apelação.
2.) SABER SE DEVE SER REAPRECIADA A MATÉRIA DE FACTO IMPUGNADA.
A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – art. 662º, nº 1, do CPCivil.
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – art. 640º, nº 1, als. a), b) e c), do CPCivil.
A não satisfação destes ónus por parte do recorrente implica a rejeição imediata do recurso[12].
Ele (recorrente) tem de especificar obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adotada pela decisão recorrida[13].
Nas conclusões das suas alegações, basta que o recorrente refira, de forma sintética, os pontos de facto que considera incorretamente julgados e a resposta alternativa que, em sua opinião, se impõe, não cabendo ao recorrente voltar a cumprir nessas conclusões o ónus de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem uma diversa decisão sobre aqueles pontos[14].
A apelante nas suas alegações ao impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, cumpriu os ónus de especificação/ identificação a que se referem os nºs 1 e 2, do art. 640º, do CPCivil.
Artigos 9º a 11º, 13º e 19 da petição inicial
A apelante alegou que “artigos 9 a 11, 13, e 19 da PI. também contem factos e por isso também deveriam ser dados como provados”.
Vejamos a questão.
Os factos provados só devem conter matéria de facto, devendo estar rigorosamente expurgados de tudo quanto sejam questões de direito: de tudo quanto envolva noções jurídicas. Os factos materiais que possam interessar a estas noções é que devem ser respondidos.
Por vezes o mesmo termo é usado na linguagem jurídica e na linguagem comum. Nas respostas à matéria de facto deve arredar-se o emprego desses termos. Quando tal lá figure algum deles, deve entender-se que foi tomado no seu sentido vulgar, pelo menos quando este seja bem claro e preciso[15].
É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças apuradas no mundo exterior, e é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.
A matéria de direito respeita à aplicação das normas jurídicas aos factos, à valoração feita pelo tribunal, de acordo com a interpretação ou a aplicação da lei e a qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica; o resultado dessa atividade é avaliado segundo um critério de correção ou de justificação[16].
É admissível a utilização, na descrição dos factos provados de conceitos jurídicos simples e inequívocos, correntemente utilizados na linguagem vulgar, desde que não incidam sobre o ponto dúbio do litígio[17].
Por um lado, alguns dos factos que a apelante pretende ver aditados como provados (nº 9 (“esta deveria ter pago à Autora o valor correspondente a metade do valor da renda relativa a tal período”); nº 11 (“Tendo a Autora o direito a receber da Ré o correspondente a metade do valor das referidas rendas”) e, nº 14 (“enormes prejuízos à massa falida e aos respetivos credores, impedindo a liquidação do ativo e
consequentemente o encerramento do processo”), integram matéria de direito e, não matéria de facto, pelo que, não podem constar da mesma.
Por outro lado, factos há que a apelante pretende ver aditados (nº 10 (“Desde dezembro de 2000 até à presente data, venceram-se 249 (duzentas e quarenta a nove) rendas”); nº 13 (“Autora está, portanto, privada do uso do locado”) e, nº 19 (“encetadas diversas diligências e tentativas”), que são conclusões a retirar de outros factos, pelo que, tratando-se de matéria conclusiva, não podem constar da matéria de facto.
Acresce ainda dizer que há factos que a apelante pretende ver aditados (nº 14 (“O que causa enormes prejuízos à massa falida e aos respetivos credores, impedindo a liquidação do ativo e consequentemente o encerramento do processo” e, nº 19 (“Até à presente data, foram encetadas diversas diligências e tentativas, por parte da Autora, de resolução da questão junto da Ré, sendo que todas se malograram”), que são irrelevantes para decisão da causa, “segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”.
Deste modo, não importa, pois, alterar a decisão de facto e que ficou consagrada na decisão proferida em 1ª instância, por não se mostrar verificado o condicionalismo previsto no n.º 1, do art. 662º, do CPCivil.
Destarte, nesta parte, improcede a conclusão C), do recurso de apelação
3.)  SABER SE A APELANTE/AUTORA DEVE SER INDEMNIZADA PELA PRIVAÇÃO DE USO DA FRAÇÃO AUTÓNOMA DA QUAL É COMPROPRIETÁRIA.
A apelante alegou que “a ré não só não procedeu à entrega das chaves do imóvel, como se recusa até à presente data a fazê-lo, privando-a de entrar num imóvel que é seu, e sem que sequer se preocupe e proceda a qualquer compensação pelo facto de estar desde dezembro de 2000 a ocupar um imóvel que embora também seja seu, bem sabe que é igualmente da A. e que esta apesar de pagarem todas as despesas e contribuições relativas ao imóvel nada têm usufruído do mesmo”.
Mais alegou que “com a sua conduta, a ré privou-a do seu direito de usar, fruir e dispor da sua parte do imóvel, ou seja, privou-a do seu direito de propriedade sobre parte do imóvel”.
Assim, concluiu que “a ré com a sua conduta, violou o seu direito de propriedade (1305º, n.º 1 do C.C.) pelo que, desta forma, é responsável pelos prejuízos causados pela privação do uso do imóvel, nos termos do disposto no artigo 483º do Código Civil”.
Vejamos, antes de mais, a ressarcibilidade do dano da privação do uso.
O problema da ressarcibilidade do dano da privação do uso está longe de merecer uma resposta jurisprudencial unânime. Desde logo quanto à exata natureza desse dano: enquanto algumas decisões sustentam que se trata de um dano não patrimonial outras concluem pela sua patrimonialidade[18].
A distinção entre o dano patrimonial e não patrimonial assenta na natureza do interesse afetado, sendo, por isso, possível que da violação de direitos patrimoniais resultem danos não patrimoniais, da mesma maneira que da violação de direitos ou bens de personalidade podem derivar danos patrimoniais.
A privação de uso de um bem pode, portanto, dar origem tanto a um dano patrimonial como a um dano não patrimonial; quando ocorra esta última espécie de dano, ele será indemnizável de harmonia com os critérios específicos de valoração e mensurabilidade desse tipo de dano[19].
O dano da privação de uso é um dano autónomo, consistindo em o proprietário ficar temporária ou transitoriamente impedido de retirar do bem as utilidades, patrimoniais e não patrimoniais, que o bem lhe proporcionaria[20],[21].
O conceito de dano decorrente da chamada teoria da diferença não deve aplicar-se ao dano da privação de uso, por não atender, como deveria, à privação temporária ou transitória de um bem[22],[23],[24].
Em consequência, o lesado não tem o ónus de alegar e de provar a concreta diferença entre a situação patrimonial hipotética e a situação patrimonial real[25].
A simples falta de prova de danos concretos não deve conduzir à necessária recusa da indemnização pela privação do uso, verificados que estejam todos os restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual[26].
O único ponto controvertido consiste em averiguar se será necessário que o lesado prove que ficou privado da possibilidade abstrata, ou, de uma possibilidade concreta, específica, de uso do bem[27]:
I. — no sentido de que o lesado terá de provar, tão-só, que ficou privado da possibilidade abstrata de uso do bem[28];
II. — no sentido de que o lesado terá de provar que ficou privado de uma possibilidade concreta de uso e que, em consequência, ficou onerado com uma concreta e real desvantagem[29].
Em conformidade com qualquer uma das duas teses, o lesado terá direito a indemnização desde que alegue e que prove que “a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real — concreto e efetivo — de proceder à sua utilização” [30].
O dano, “traduzido na privação do uso de um bem, estará demonstrado desde que o lesado concretize e fundamente, em termos factuais, qual a concreta utilidade que pretendia extrair do bem, especificando o concreto dano sofrido com a impossibilidade de utilização”[31].
Muito embora reconhecendo a existência de divergência jurisprudencial e doutrinal a propósito dos pressupostos da indemnização pela privação do uso da coisa, afigura-se-nos como sendo mais ajustada a posição dominante na jurisprudência, ou seja, no sentido de não ser indemnizável a mera privação do uso da coisa, devendo o lesado alegar e provar (para além da privação do uso) a existência de uma concreta utilização relevante do bem[32],[33],[34].
Para além de ser o entendimento jurisprudencial dominante do Supremo Tribunal de Justiça, também se trata do entendimento mais recente[35].
Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – art. 8º, nº 3, do CCivil.
Não constituindo a mera possibilidade de uso (que não deve ser confundida com a privação do uso…), um dano patrimonial só por si indemnizável, desacompanhado da demonstração das concretas e efetivas utilizações que a coisa proporcionava ou era suscetível de proporcionar e que a ocupação fez frustrar, forçoso é concluir que falece um dos pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, o dano.
Dano que, como se sabe, na sua vertente patrimonial – porque só esta está neste momento em causa – exprime uma diferença entre o valor real e efetivo do património do lesado e o valor que esse mesmo património teria sem o evento lesivo (valor hipotético, portanto) - (art. 564º nº2 CCivil).
Ora, tal diferença só pode ser encontrada se o uso ou gozo tiver um valor material concreto, não um valor abstrato; ou seja, quando a sua privação se traduza num dano emergente (prejuízo causado) ou num lucro cessante (benefícios frustrados).
O problema que, no entanto, coloca este tipo de danos diz respeito à dificuldade de aplicação do critério patrimonial resultante da teoria da diferença, expressa no art. 566º, nº 2, no caso em que o lesado não suportou despesas em virtude da privação[36].
O uso pressupõe uma utilização e a impossibilidade (concreta) desta analisa-se ou numa diminuição patrimonial ou numa frustração de aumento do património; é nesta diferença patrimonial concreta e efetiva, resultante quer da diminuição, quer do não aumento, em que consiste o dano da privação do uso.
Logo, não havendo uso, isto é, aproveitamento das vantagens económicas proporcionadas pela coisa, inexistirá obviamente dano da respetiva privação.
E por isso é que o tribunal carece de conhecer, quando está em causa a privação de uso e dando por assente tratar-se de um dano patrimonial, se aquela privação redundou concretamente num dano emergente ou num lucro cessante, para apurar o valor dos mesmos, pois a indemnização visa precisamente reconstituir - por equivalente pecuniário, na impossibilidade óbvia de reconstituição natural - a situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o facto ilícito e o dano (art. 562º e 563º CCivil).
Mesmo quando se aceita a sua patrimonialidade, posição que é a mais comum, e que por nós é sufragada, nota-se uma nítida fratura entre as decisões para as quais basta, para que seja reparável em termos indemnizatórios, a demonstração do não uso do bem atingido, existindo o propósito ou a intenção de dele se aproveitarem as respetivas utilidades[37], e aquelas que julgam insuficiente aquela demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial[38].
Na verdade, uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso.
Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo ressarcível, se realmente a pretender usar e utilizar caso não fosse a impossibilidade de dela dispor.
Não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável[39].
Bastará, no entanto, que a realidade processual mostre que o lesado pretendia usar a coisa ou que normalmente a usaria, para que o dano decorrente da sua privação ocorra e, por via disso, a respetiva indemnização pela privação do uso seja devida.
Por isso se tem entendido que não basta a simples privação, em si mesma, sendo necessário ainda que se alegue e prove a frustração de um propósito de proceder à utilização da coisa, demonstrando o lesado que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela atuação ilícita de outrem, o lesante.
*
Vejamos o caso dos autos, isto é, saber se a apelante/ autora deve ser indemnizada por privação de uso da fração autónoma da qual é comproprietária.
O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas art. 1305º, do CCivil.
Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa art. 1403º, nº 1, do CCivil.
Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo art. 1403º, nº 2, do CCivil.
Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito art. 1406º, nº 1, do CCivil.
Está provado que:
– Autora e Ré são comproprietárias, cada uma, na proporção de metade, da fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente à Subcave Esquerda do Prédio sito na Rua … … n.º …, 2720-163, Amadora – facto provado 2.
– A propriedade de ½ da supra identificada fração mostra-se inscrita no registo predial em nome da Ré como tendo sido adquirida por doação, conforme Ap. 2061 de 2012/11/21 – facto provado 3.
– Pelo menos desde dezembro de 2000 que a mencionada fração tem vindo a ser ocupada e utilizada exclusivamente pela Ré – facto provado 6.
– Desde essa data e até à presente data, a Ré nunca pagou qualquer contrapartida à Autora em resultado da utilização do imóvel – facto provado 7.
–  A fração autónoma objeto dos presentes autos, segundo as suas características e localização, tem, no mercado de arrendamento, uma renda mensal média correspondente a € 600,00 (seiscentos euros) – facto provado 8.
O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente - um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana[40].
Assim, facto gerador de eventual responsabilidade civil extracontratual será a ocupação e utilização que a apelada/ré tem vindo a fazer da fração da qual é comproprietária conjuntamente com a apelante/autora.
Em segundo lugar, há ilicitude sempre que alguém pratique um ato que seja proibido pelo direito ou não seja, por ele, permitido[41].
A ilicitude pode assim traduzir-se na violação de um direito de outrem, na violação da lei que protege interesses alheios.
A ilicitude circunscreve-se mais diretamente à ausência de uma causa de justificação.
O ato tem que ser ilícito. A ilicitude tanto pode consubstanciar a violação de um direito subjetivo alheio como a de uma norma que, não atribuindo um direito, proteja também interesses privados[42].
Há assim que averiguar se a ocupação e utilização que a apelada/ré tem vindo a fazer da fração assume carácter ilícito, ou seja, se viola, por ação ou por omissão, os direitos de outrem, no caso, o direito do uso, fruição e disposição, por parte da apelante, da sua contitularidade na propriedade do imóvel.
Apelante/autora e apelada/ré são comproprietárias, cada uma, na proporção de metade, da fração autónoma designada pela letra “E”, sendo que desde dezembro de 2000 a fração tem vindo a ser ocupada e utilizada exclusivamente pela apelada.
A compropriedade existe, quando uma coisa pertence a duas ou mais pessoas direito e, o direito de cada proprietário incide não sobre uma parte específica, mas sim sobre uma quota ideal da coisa comum, podendo cada comproprietário dela servir-se, desde que não a empregue para fim diferente daquela a que ela se destina nem prive os restantes do uso a que também têm direito.
A possibilidade de uso integral da coisa, como se, nesse aspeto, o contitular da propriedade fosse titular único da coisa, vale apenas como princípio supletivo. Em primeiro lugar, há que respeitar o que houver sido acordado entre os interessados[43].
Relativamente ao uso da coisa, quando os comproprietários não regulem, por acordo, o exercício do respetivo direito, o nº 1, do art. 1406º permite a cada um servir-se dela, observados certos limites. Impõem, um, o respeito pelo fim a que a coisa se destina e, o outro, a salvaguarda da posição dos demais comproprietários[44],[45],[46],[47].
Assim, no uso da coisa, o comproprietário não a pode afetar a fim diferente daquele a que ela se destina. Por outro lado, o exercício da faculdade do uso por cada um dos comproprietários não pode impedir os demais de fazer da coisa o uso a que também tenham direito[48].
Na falta de acordo, as alternativas são as de não permitir o uso de qualquer dos comproprietários e a de encontrar uma solução sucedânea da prevista na lei. Poderia ela ser a de o comproprietário, que venha a ter o uso exclusivo, compensar os demais pelo valor do uso que exceda a sua quota[49],[50].
Assim, temos que a utilização que a apelada/ré faz da fração se inscreve no exercício do seu direito de comproprietária da mesma. 
Temos, pois, que não estando alegado ou provado que tivesse sido estabelecido qualquer acordo quanto à utilização da fração por parte dos interessados, a sua utilização por qualquer um dos comproprietários será lícita.
A primeira conclusão, será que é lícita a utilização que a apelada/ré faz da fração, porquanto nada em contrário quanto a essa utilização foi acordado pelos respetivos interessados.
A questão que se pode colocar, no entanto, é a de saber se a licitude de utilização se deve considerar apenas na medida da quota ou pode ser exercida quanto à totalidade da coisa.
Ora, deve entender-se a faculdade de uso da coisa por cada consorte como referindo-se à coisa em si mesma, na sua totalidade, independentemente da dimensão quantitativa que a quota traduz[51].
Como segunda conclusão, temos que além de ser lícita a utilização que a apelada/ré faz da fração, a mesma poderá ser em relação à totalidade da coisa e, não apenas na medida da sua quota.
Porém, apesar de a apelada/ré poder utilizar a fração na sua totalidade, tal direito, tem a limitação legal de não privação do uso pelo outro consorte.
A ilicitude pode assim traduzir-se na violação de um direito de outrem, na violação da lei que protege interesses alheios.
No caso, a licitude da utilização da fração pela apelada/ré apenas poderia cessar pela pretensão da apelante/autora utilizar a fração, quer diretamente, nela habitando, quer indiretamente, locando-a, por exemplo, ou de outro modo usufruindo dela[52].
E, a apelada/ré privou a apelante/autora da possibilidade de usar a fração autónoma da qual é comproprietária, quer diretamente, quer indiretamente?
Ora, por um lado, não está alegado ou provado que estivesse sido estabelecido qualquer acordo quanto à utilização da fração por parte dos interessados e, por outro, embora nada estivesse acordado quanto à respetiva utilização, também não resultou provado que a apelada/ré privasse a apelante/autora de usar a fração autónoma.
Não estando provado que estivesse sido estabelecido qualquer acordo quanto à utilização da fração autónoma, além de ser lícita a sua utilização em exclusivo pela apelada/ré, também não privou a apelante/autora do seu uso, quer diretamente, quer indiretamente.
Acresce ainda dizer, que também nada está alegado ou provado que a apelante/autora se tivesse oposto alguma vez a que a apelada/ré usasse em exclusivo a fração autónoma, que esta a tenha impedido de aí entrar, de conhecer a fração, ou, que se recuse a dar-lhe uma chave.
Assim sendo, é lícita a atuação da apelada/ré ao estar a utilizar em exclusivo a fração, pois, não está a violar qualquer direito da apelante/autora, v.g., a privação de uso da fração autónoma da qual é comproprietária, não praticando assim, um ato ilícito passível de gerar indemnização por responsabilidade civil extracontratual.
Por outro lado, a apelante/autora também não provou que pretendendo utilizar a coisa, quais seriam as utilidades que a mesma lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela atuação ilícita de outrem, o lesante.
Também, nada estando acordado quanto à utilização da fração, quer diretamente, nela habitando algum dos interessados, quer indiretamente, locando-a, também não há qualquer responsabilidade da apelada/ré em indemnizar a apelante/autora pela sua utilização (aliás, como pode a apelante peticionar uma compensação pelo não uso da fração desde 2000, quando só desde 2012, é comproprietária da mesma).
Ora, conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “verifica-se que a realidade de facto alegada pela Autora e provada pela
confissão é simplesmente que a Ré vem usando em exclusivo a fração autónoma dos
autos; o que, à luz do regime da compropriedade não merece censura, dado que a Ré
utiliza um bem que também é seu, ou seja, um bem de que é proprietária na proporção
de metade; não existindo, nesta conduta, violação do direito de propriedade (art. 1305º,
do Código Civil) como é invocado pela Autora”.
Concluindo, sendo lícita a utilização em exclusivo da fração, pelo que, não privando o outro consorte do uso da mesma fração, não praticou assim, a apelada/ré um ato ilícito passível de gerar indemnização por responsabilidade civil.
Destarte, nesta parte, improcedem, as conclusões E) a O), do recurso de apelação.
4.) SABER SE A APELADA/RÉ ATUOU EM ABUSO DE DIREITO POR TER EXCEDIDO MANIFESTAMENTE OS LIMITES IMPOSTOS PELA BOA-FÉ, PELOS BONS COSTUMES OU PELO FIM SOCIAL OU ECONÓMICO DO DIREITO DE COMPROPRIEDADE.
A apelante alegou que “embora a Ré seja comproprietária do imóvel, o artigo 334.º do Código Civil, dispõe que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular aceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Mais alegou que “Há abuso de direito quando, embora exercendo um direito, o titular exorbita o exercício do mesmo, quando o excesso cometido seja manifesto, quando haja uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico-socialmente
dominante”.
Está provado que:
– Autora e Ré são comproprietárias, cada uma, na proporção de metade, da fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente à Subcave Esquerda do Prédio sito na Rua … … n.º …, 2720-163, Amadora – facto provado 2.
– Pelo menos desde dezembro de 2000 que a mencionada fração tem vindo a ser ocupada e utilizada exclusivamente pela Ré – facto provado 6.
Vejamos a questão.
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – art. 334º, do CCivil.
De acordo com o disposto no art. 334.º do CC, a existência ou não de abuso do direito afere-se a partir de três conceitos: (i) a boa fé[53]; (ii) os bons costumes[54]; e (iii) o fim social ou económico do direito[55]; porém, o exercício do direito só é abusivo quando o excesso cometido for manifesto[56].
É um critério de reciprocidade - comportamento devido e esperado - que deve ser observado nas relações jurídicas entre sujeitos do mesmo grau, que têm a mesma identidade moral.
abuso de direito se alguém exercer o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado[57],[58],[59],[60],[61],[62],[63].
A ilegitimidade do abuso de direito tem as consequências de todo o ato ilegítimo: pode dar lugar à obrigação de indemnizar; à nulidade, nos termos gerais do art. 294°; à legitimidade de oposição; ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade[64].
O excesso cometido tem de ser manifesto, para poder desencadear a aplicabilidade do art. 334º, do CCivil[65].
O excesso tem de ser manifesto, havendo que atender, de modo especial, às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade, para determinar quais são os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes.
Por isso, os tribunais só podem fiscalizar a moralidade dos atos praticados no exercício dos direitos ou a sua conformidade com as razões sociais e económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso.
O que significa que a existência do abuso de direito tem de ser facilmente apreensível sem que seja preciso o recurso a extensas congeminações.
O abuso de direito dá origem a responsabilidade civil. O exercício abusivo é ilícito e, como tal, se se verificarem os demais pressupostos, levará à condenação do seu autor a indemnizar os danos que com ele houver causado[66].
Está provado que pelo menos desde dezembro de 2000 que a fração tem vindo a ser ocupada e utilizada exclusivamente pela ré.
No uso da coisa, o comproprietário não a pode afetar a fim diferente daquele a que ela se destina. Por outro lado, o exercício da faculdade do uso por cada um dos comproprietários não pode impedir os demais de fazer da coisa o uso a que também tenham direito[67].
Ora, não resultou provado que “estivesse sido estabelecido qualquer acordo quanto à utilização da fração por parte dos interessados e, por outro, embora nada estivesse acordado quanto à respetiva utilização, também a apelada/ré não privou a apelante/autora de usar a fração autónoma”.
Mais, nada se provou que a apelada/ré tenha criado na apelante/autora uma situação objetiva de confiança de que lhe iria entregar uma chave da fração, ou, compensá-la pela sua utilização exclusiva.
Só dessa forma seria possível aferir se a conduta da apelada/ré criou na apelante/autora uma situação objetiva de confiança de que iria ter uma chave da fração, ou, receber alguma compensação pela utilização por aquela da fração de
que são comproprietárias.
Assim, no caso dos autos, não cremos que estejam verificados os pressupostos do abuso de direito.
Não nos parece que a utilização que a apelada/ré faz da fração seja de tal modo intolerável que ofenda o sentimento jurídico dominante.
Concluindo, verificados não se mostram os pressupostos previstos no artigo 334º, do CCivil para o abuso de direito, pois, a apelada/ré, ao utilizar a fração autónoma no exercício do seu direito de compropriedade, não excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar-se a decisão recorrida.       
3.2. REGIME DE CUSTAS
As custas não são devidas, por a apelante beneficiar do regime de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo[68].

Lisboa, 2022-05-26[69],[70]
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins
_______________________________________________________
[1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[2] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.
[3] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[4] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[5] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.
[6] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[7] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º, nº 3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.
[8] LEBRE DE FREITAS, A Ação declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., p. 381.
[9] LEBRE DE FREITAS, A Ação declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., pp. 381/2.
[10] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/1/1978, BMJ 281/241.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/5/1987, BMJ 387/456.
[12] AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Revista e Atualizada, Almedina, p. 157, nota (333).
[13] LEBRE DE FREITAS – ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, Artigos 676º a 943º, volume 3º, Coimbra Editora, 2003, p. 53.
[14] TEIXEIRA DE SOUSA, Blogue do IPPC, “Recurso de apelação; alegações de recurso; conclusões das alegações”.
[15] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, p. 187.
[16] REMÉDIO MARQUES, Acão Declarativa à Luz do Código Revisto (Pelo DL n.º 303/2007, de 24/08), p. 35.
[17] LEBRE DE FREITAS, A Acão Declarativa Comum, À Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, p. 170.
[18] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2016, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[19] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2016, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[20] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2019, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[21] A privação do uso de um veículo automóvel, em resultado de danos sofridos na sequência de um acidente de viação, constitui um dano autónomo, indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor, inerente à propriedade que o art. 1305.º do CC lhe confere – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 09-07-2015, Relatora: FERNANDA ISBAEL PEREIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[22] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2019, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[23] Para efeito de atribuição de indemnização pela privação do uso não será de exigir a prova de danos efetivos e concretos (situação vantajosa frustrada/teoria da diferença) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 09-03-2010, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi. pt/jstj.
[24] A regra geral do art. 566º, nº 2, do Código Civil – teoria da diferença – não pode ser aplicável ao dano de privação de uso, na medida em que a comparação entre a situação patrimonial real e a situação patrimonial hipotética do lesado, na data mais recente que puder ser atendida se adequa a privações definitivas e não a privações limitadas no tempo – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2017, Relatora: MARIA GRAÇA TRIGO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[25] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2019, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[26] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 22-01-2013, Relator: NUNO CAMEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[27] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2019, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[28] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2003 – processo 02B4161; de 29 de Novembro de 2005 – processo 05B 3122 (tendencialmente); de 5 de Fevereiro de 2009 – processo 08B3994; de 28 de Maio de 2009 – processo 160/09.5 YFLSB; de 8 de Outubro de 2010 – processo 1362/06.1TBVCD.S1; de 29 de Abril de 2010 – processo 344/04.2GTSTR.S1; de 5 de Julho de 2018 – processo 176/13.7T2AVR.P1.S1; de 27 de Novembro de 2018 – processo 78/13.7PVPRT.P2.S1 e, de 6 de Dezembro de 2018 – processo 9773/09.4TBCSC.L2.S1;
[29] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2010 – processo 1247/07.4TJVNF.P1.S1; de 15 de Novembro de 2011 – processo 6472/06.2TBSTB.E1.S1; de 23 de Novembro de 2011 – processo 397-B/1998.L1.S1; de 10 de Janeiro de 2012 – processo 1875/06.5TBVNO.C1.S1; de 11 de Dezembro de 2012 – processo 549/05.9TBCBR-A.C1.S1; de 3 de Outubro de 2013 – processo 1261/07.0TBOLHE.E1.S1; de 20 de Abril de 2015 – processo 353/08.2TBVPA.P1.S1; de 13 de Julho de 2017 – processo 188/14.3 T8PBL.C1.S1; de 7 de Novembro de 2017 – processo 4262/08.7TCLRS.L1.S1; de 23 de Novembro de 2017 – processo n.º 2884/11.8 TBBCL.G1; de 12 de Julho de 2018 – processo 2875/10.6TBPVZ.P1.S1; de 18 de Setembro de 2018 – processo n.º 108/13.2 TBPNH. C1.S1; de 25 de setembro de 2018 – processo 2172/14.8TBBRG. G1.S1 e, de 30 de abril de 2019 – processo 1226/15.8 T8ALM.L1. S2.
[30] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2019, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[31] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2016, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[32] PAULO MOTA PINTO, Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo, I, pp. 594 e ss. e, MARIA DA GRAÇA TRIGO, Responsabilidade Civil, Temas Especiais, p. 64 apud Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2018.
[33] Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efetivo – de proceder à sua utilização – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 22-01-2013, Relator: NUNO CAMEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[34] Competindo ao lesado provar o dano da privação do uso, não é suficiente, para tanto, a prova da privação da coisa, pura e simples, mas também não é de exigir a prova efetiva do dano concreto, bastando, antes, que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria  se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-2021, Relatora: ROSA TCHING, http://www.dgsi.pt/jstj.
[35] A mera privação do uso da coisa não é indemnizável, devendo o lesado alegar e provar a privação do uso da coisa por ato ilícito de terceiro e a existência de uma concreta utilização relevante da coisa, o que constitui entendimento jurisprudencial dominante do STJ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2018, Relator: ACÁCIO DAS NEVES, http://www.dgsi.pt/jstj.
[36] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, volume I, 15º edição, p. 333
[37] Vide, neste sentido, Ac. STJ de 05-07-2007, Relator: SANTOS BERNARDINO; Ac. STJ de 12-01-2010, Relator: PAULO SÁ; Ac. STJ de 16-03-2011, Relator: MOREIRA ALVES; Ac. STJ de 08-05-2013, Relator: MARIA PRAZERES BELEZA e, Ac. STJ de 09-0-2015, Relatora: FERNANDA ISABEL PEREIRA, todos in www.dgsi.pt/jstj.
[38] Vide, neste sentido, Ac. STJ de 12-01-2006, Relator: SALVADOR da COSTA; Ac. STJ de 10-01-2012, Relator: FERNANDO BENTO e, Ac. STJ de 14-07-2016, Relator: LOPES DO REGO, todos in http://www.dgsi.pt/jstj.
[39] É que bem pode acontecer que alguém seja titular de um bem, móvel ou imóvel, e apesar de privado da possibilidade de o usar durante certo tempo, não sofra com isso qualquer lesão por não se propor aproveitar das respetivas vantagens ou utilidades.
[40] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. 1º, 6ª ed., p. 496.
[41] MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 2º vol., p. 303.
[42] ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Atualizada, volume I, p. 663.
[43] PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume III, 2.ª edição, p. 357.
[44] CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 3ª edição, p. 338.
[45] Caso a coisa não esteja a ser usada, pode um dos consortes passar a usá-la sozinho na totalidade, p. ex., na compropriedade de uma casa devoluta, pode um dos consortes ir habitá-la, enquanto nenhum outro manifestar a intenção de também o fazer – ELSA SEQUEIRA SANTOS in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume II, 2ª Edição, p. 218.
[46] Pertencendo o imóvel (casa de habitação) a várias pessoas, é lícito a qualquer destas usá-lo em seu benefício, mas apenas, e designadamente, quando tal não prive os demais donos do uso a que também têm direito – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2006-06-12, Relator: MANSO RAÍNHO, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[47] Na ausência de qualquer acordo, qualquer consorte pode utilizar a coisa, dentro dos fins a que se destina e sem privar os demais dessa utilização. Tal utilização pode ser exercida quanto à totalidade da coisa, independentemente da dimensão que a quota traduz – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2016-04-16, Relator: PEDRO BRIGHTON, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[48] CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 3ª edição, p. 338.
[49] CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 3ª edição, p. 338.
[50] A nenhum comproprietário pode ser imposto o dever de coabitar com os demais, de sorte que o comproprietário afetado pode opor-se à coabitação com o fundamento de que o uso pretendido ou exercido pelos outros o priva do direito que ele tem a usar também da coisa. Nestes casos, mais adiantam os citados autores, o único recurso a adotar, na falta de acordo, será o do gozo indireto, que consistirá em regra na locação da coisa (nada obstando que o locatário seja um dos comproprietários), com a consequente repartição dos proventos dela entre os consortes – PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume III, 2.ª edição, p. 357.
[51] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2016-04-16, Relator: PEDRO BRIGHTON, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[52] No caso de compropriedade de uma casa de habitação, não podendo aos comproprietários ser imposto o dever de coabitarem uns com os outros, ou é materialmente possível dividir o uso, habitando cada um uma parte determinada da casa, ou a única alternativa será o gozo indireto, que se traduzirá, em regra, na locação do imóvel, a terceiro ou a um dos consortes, conforme decidir a maioria, no exercício dos poderes de administração que o artº 1407º lhe confere – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2014-07-03, Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[53] A boa fé comporta dois sentidos principais: no primeiro, é essencialmente um estado ou situação de espírito que se traduz no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude; no segundo, apresenta-se como princípio de atuação, significando que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto e leal, nomeadamente no exercício de direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros.
[54] Os bons costumes constituem o conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e corretas aceitam comummente.
[55] O fim social e económico do direito é a função instrumental própria do direito, a justificação da respetiva atribuição pela lei ao seu titular.
[56] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-05-17, Relator: NUNES RIBEIRO, http:// www.dgsi.pt/jstj.
[57] VAZ SERRA, RLJ, ano 111°, p. 296.
[58] Para que se possa dar por criada uma situação objetiva de confiança - nos termos e para os efeitos do instituto do abuso do direito contemplado no art. 334 do CCivil - torna-se necessário que alguém pratique um ato - o factum proprium - que, em abstrato, é apto a determinar em outrem a expectativa da adoção, no futuro, de um comportamento coerente ou consequente com o primeiro e que, em concreto gere efetivamente uma tal convicção – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-10-29, Relator: RIBEIRO COELHO, http:// www.dgsi.pt/jstj.
[59] A proibição do venire contra factum proprium cai no âmbito do abuso de direito através da fórmula legal que considera ilegítimo o exercício de um direito «quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa‑fé» – ANTUNES VARELA, Direito das Obrigações, vol. 1º, 6ª edição, p. 517.
[60] A locução venire contra factum proprium nulli concidetur tem origem canónica: a ninguém é permitido agir contra o seu próprio ato. À partida, ela exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assuma comportamentos contraditórios – ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, p. 200.
[61] O abuso de direito pode manifestar-se num venire contra factum proprium, ou seja, numa conduta anterior do seu titular, que, objetivamente interpretada face à lei, bons costumes e boa-fé, legitima a convicção de que tal direito não será exercido – Acórdão da Relação de Coimbra de 1977-07-01, CJ, 4° vol., p. 800.
[62] A doutrina hoje dominante reconduz o venire contra factum proprium a uma manifestação de tutela da confiança. A base legal residirá no art. 334. ° e na boa fé objetiva; a sua aplicação passa, porém, pela confiança – ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo IV, 2005, p. 290.
[63] São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente suscetível de basear uma situação objetiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e atual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma atividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objetiva de confiança e o “investimento” que nela assentou – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-11-12, Relator: NUNO CAMEIRA, http://www. dgsi.pt/ jstj.
[64] PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4.a ed., Vol. 1, Coimbra Editora, pp. 299/300.
[65] Porém, para que haja o citado abuso tem no uso do direito de haver sempre um excesso manifesto – PINTO FURTADO, Código Comercial Anotado, vol. II, tomo 2º, p. 540.
[66] PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 250.
[67] CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 3ª edição, p. 338.
[68] A base do regime geral da responsabilidade pelo pagamento das custas relativas aos recursos consta no artigo 527.º do Código de Processo Civil, estruturada na envolvência do princípio da causalidade e, subsidiariamente, no princípio do proveito. Dele resulta que dá causa às custas a parte vencida, na respetiva proporção, em termos de presunção iuris et de iure, ou seja, em termos absolutos. O conceito de custas a que se reporta cinge-se ao seu sentido estrito, ou seja, o abrangente dos encargos e das custas de parte, previstos nos n.ºs 3 e 4, do artigo 529.º do mencionado Código. Não abrange a taxa de justiça, porque a responsabilidade pelo respetivo pagamento pelas partes em geral deriva do impulso processual, nos termos do n.º 2 daquele artigo 529.º e do disposto no n.º 1 do artigo 530.º do mesmo Código. Sendo a apelada responsável pelo pagamento das custas atinentes ao recurso, não pode, no entanto, ser condenada no pagamento de encargos, cujo âmbito consta no artigo 532.º do aludido Código, porque não os houve no recurso.
Nesse caso só devia ser condenada no pagamento de custas de parte, nos termos dos artigos 533.º. n.º 1 a 3, do aludido Código e 26.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais. Mas como o apelante beneficia do apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária – dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo – nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 34/2004, importa equacionar sobre se isso exclui ou não a sua responsabilização pelo pagamento das custas do recurso. O conceito de encargos a que o referido normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 34/2004 está utilizado em sentido amplo, abrangendo, por um lado, os encargos tal como são definidos no artigo 529.º, n.º 3 e, por outro, as custas de parte, previstas no artigo 533.º, n.ºs 1 e 2, ambos do supramencionado Código. Isso mesmo, no que concerne às custas de parte, decorre implicitamente do disposto no n.º 6 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, segundo o qual, se a parte vencida gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária, a parte vencedora só pode exigir ao Instituto de Gestão Financeira e dos Equipamentos da Justiça, I.P. o reembolso das taxas de justiça que ela tenha pagado. Em suma, decorre das referidas normas que a parte vencida que goze do benefício de apoio judiciário na aludida modalidade não está sujeita à obrigação de pagamento de encargos ou de custas de parte à parte vencedora. Vejamos, pois, a responsabilidade pelo pagamento das custas relativas a este recurso de apelação em que a apelante ficou vencida. A dispensa de pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo decorrente da concessão do apoio judiciário sem qualquer condição ou limite a que a alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 34/2004, já aponta no sentido de que a parte beneficiária daquele apoio, enquanto o for, está dispensada do pagamento das custas, seja as das ações, seja as dos recursos. Concedido o referido apoio judiciário em qualquer das suas espécies, se não for cancelado no decurso do processo em função do qual tenha sido concedido, pelos fundamentos previstos no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 34/2004, mantém-se eficaz até ao trânsito em julgado da decisão final. Decorre, pois, implicitamente, das referidas normas que as partes beneficiárias do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo à data das sentenças e dos acórdãos, vencidas nas ações ou nos recursos, não estão sujeitas ao pagamento de custas lato sensu.  Esta solução legal é, aliás, confirmada pelo disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 29.º do Regulamento das Custas Processuais, segundo o qual, é dispensado ato de contagem sempre que o responsável pelas custas beneficie do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo
– SALVADOR DA COSTA, Condenação do recorrente no pagamento das custas do recurso no caso de beneficiar de apoio judiciário, Blogue do IPPC, publicado em 2020-10-20.
[69] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.
[70] Acórdão assinado digitalmente.