Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
219/23.6YHLSB.L1-PICRS
Relator: ALEXANDRE AU-YONG OLIVEIRA
Descritores: PROPRIEDADE INTELECTUAL
MARCA NOTÓRIA
AFINIDADE
MARCA DE PRESTIGIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (da responsabilidade do Relator)
1. A deliberação da AGECOP aqui controversa e que a Recorrente pretende ver anulada, é do seguinte teor “No Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica, da verba global distribuível 50% é atribuída aos organismos representativos dos Autores (desta verba a SPA fica com a totalidade - 100%)…”.
2. O Tribunal de Propriedade Intelectual não deve ser considerado incompetente em razão da matéria nos presentes autos.
3. A sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto respondeu inequivocamente à questão que lhe foi colocada.
4. O facto de a Recorrente ser um organismo representativo de editores não afasta, por si só, a qualidade de organismo representativo de autores, para efeitos do disposto nos artigos 3.º e 7.º da Lei da Cópia Privada (Lei n.º 62/98) e 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
5. Assim sendo, diferentemente do que entendeu o tribunal a quo, a referida deliberação deve ser anulada, por violação dos Estatutos da Recorrida (artigos 8.º, n.º 4 e 13.º, n.º 2, alínea c)), do seu Regulamento Interno de Distribuição (ponto 6, n.ºs 2 e 2.1) e respetivo Anexo C (ponto 5, n.º 1, alínea c)), nos termos conjugados do disposto nos artigos 177º e 287.º do Código Civil e artigos 58.º, n.º 1, alínea a) e 411.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais (estes aplicáveis analogicamente), tal como originalmente solicitado na petição inicial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
Recorrente/Autor: VISAPRESS – GESTÃO DE CONTEÚDOS DOS MEDIA, CRL (doravante, Visapress)
Recorrida/Ré: AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada (doravante, AGECOP)
1. A Autora intentou ação declarativa de condenação em processo comum contra a Ré, tendo formulado o seguinte pedido (transcrição):
Deve a presente ação ser julgada integralmente procedente, por provada, sendo anulada a deliberação tomada pela Direção da Ré na reunião realizada no dia 03 de Dezembro de 2020 no âmbito do Ponto 4 da respetiva ordem de trabalhos no que toca à distribuição de verbas no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica (na vertente Autores), com fundamento na violação direta dos Estatutos da Ré [artigos 8º, n.º 4 e 13º, n.º 2, alínea c)], do seu Regulamento Interno de Distribuição (artigo 6º, pontos 2 e 2.1) e respetivo Anexo C [artigo 5º, n.º 1, alínea c)], nos termos conjugados do disposto nos artigos 177º e 287º do CC e artigos 58º, n.º 1, alínea a) e 411º, n.º 3 do CSC (estes aplicáveis analogicamente).
2. Regularmente citada, a Ré AGECOP - ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO DA CÓPIA PRIVADA deduziu contestação em 19.09.2023, arguindo a exceção de caducidade e de inadmissibilidade de impugnação judicial direta da deliberação, e pugnando pela improcedência da ação.
3. Em 21-03-2024, foi proferido saneador-sentença, onde se decidiu julgar a ação improcedente e, em consequência, absolveu-se a Ré do pedido (doravante, sentença recorrida).
4. De tal decisão apelou agora a Recorrente, formulando as seguintes
CONCLUSÕES e pedido (transcrição):
1. O presente recurso foi interposto pela Autora Visapress – Gestão de Conteúdos dos Media, Crl, ora Apelante, da douta sentença, proferida em 21 de março de 2024, que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação da deliberação adotada pela Ré em 03.12.2020, absolvendo a Ré do peticionado.
2. O recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, pois que a decisão do Mmo. a quo, de julgar totalmente improcedente a pretensão da Autora, no que concerne ao pedido formulado, não foi, na perspetiva da mesma, e com o devido respeito, a mais acertada.
3. Desde logo, a decisão do Mmo. Juiz a quo, contida na douta sentença recorrida, teve (na ótica da Apelante) por base uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis em face dos factos alegados e assentes.
4. Considerando-se o Mmo. Juiz a quo, competente em razão da matéria, o mesmo circunscreve o objeto da ação à (simples) apreciação da validade da deliberação de 3 de dezembro de 2020 da Direção da Ré, na vertente procedimental/adjetiva (de observância do procedimento previsto nos Estatutos e no Regulamento), excluindo a apreciação de mérito (da deliberação in casu) do conflito existente entre a Autora e Sociedade Portuguesa de Autores.
5. Adotando assim, um entendimento divergente do sustentado pelo Acórdão do STJ [proferido nos autos anteriores aos presentes mas com aplicação nestes, que correram termos sob o número 28193/20.3T8LSB e junto aos autos, considerando-se o respetivo conteúdo assente] cuja decisão, tem relevância e aplicação in casu.
6. O qual considerou, tendo em conta a causa de pedir e pedido formulado nos presentes autos que, para apreciar da questão decidenda, o Tribunal a quo. teria de analisar e apreciar da qualidade e da existência da titularidade de direito de autor que a Autora se arroga e se tal qualidade lhe confere assim, ao abrigo da lei da Cópia Privada e do CDADC o direito a reclamar o recebimento de compensação equitativa destinada aos organismos representativos dos autores.
7. Ora, atentas as matérias da competência do Tribunal da Propriedade Intelectual, em face da posição assumida pela Mmo. a quo., nos presentes autos, com o devido respeito, a decisão sobre a questão (meramente) adjetiva não cabe na esfera de competências daquele.
8. Verificando-se assim a incompetência material do Tribunal a quo. para a apreciação da questão adjetiva, in casu, o que, expressamente, se invoca e argui para todos os devidos e legais efeitos.
9. Acresce que, caso assim não se entenda, perpassada toda a decisão final, verifica-se uma omissão / ininteligibilidade absoluta de pronúncia do Mmo. a quo. [ao considerar-se competente em razão da matéria, em consonância com a decisão proferida, a este propósito e com relevância/aplicação para os autos, pelo STJ] quanto à analise e apreciação da qualidade e da existência da titularidade de direito de autor na esfera jurídica da Autora, como esta se arroga, e se tal qualidade lhe conferia ou não assim, ao abrigo da lei da Cópia Privada e do CDADC o direito a reclamar o recebimento de compensação equitativa destinada aos organismos representativos dos autores.
10. O que constitui causa justificativa de nulidade da decisão proferida [cfr. artigo 615º.1 d) e 4 do CPC], que se invoca e expressamente se argui para todos os devidos e legais efeitos.
11. Efetivamente, o Mmo. a quo., na sentença ora proferida nada diz a este propósito, apenas referindo tratar-se de “uma questão interpretativa prévia que merece um tratamento autónomo”.
12. Constituindo a existência da titularidade de direito de autor sobre publicações periódicas na esfera jurídica da Autora e se tal qualidade lhe conferia assim, ao abrigo da lei da Cópia Privada e do CDADC, o direito a reclamar o recebimento de compensação equitativa destinada aos organismos representativos dos autores, de acordo com a decisão aludida e proferida pelo STJ, uma questão estruturante e indispensável para a decisão do Tribunal a quo..
13. Pois como aí se sustenta “…a causa de pedir apresentada nos presentes autos integra necessariamente uma componente de índole normativa (relacionada – direta ou indiretamente – com a discussão do direito – substantivo – ao recebimento das verbas a distribuir entre as associadas) que só pode ser ponderada e ajuizada tomando em consideração a aplicação das normas e princípios constantes daqueles enunciados diplomas…”.
14. Indo ao encontro do sustentado pela doutrina e demais jurisprudência nacional, no sentido de que quando o Tribunal deixe de conhecer “questões temáticas centrais”, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções, estamos perante uma situação de omissão de pronúncia.
15. Sem prejuízo de todo o exposto e caso não se entenda que estamos perante uma nulidade de sentença (assente numa omissão de pronúncia) mas sim, tão só, perante um erro de julgamento, importa assim apurar o que se deve entender por autor para os efeitos do regime jurídico da compensação equitativa devida pela cópia privada.
16. Desde logo, resulta da lei autoral portuguesa que os artigos/trabalhos jornalísticos incluídos em jornais e outros periódicos, publicados pelos cooperadores e beneficiários da Autora, são obras protegidas por direito de autor.
17. Sendo que tais cooperadores e/ou beneficiários da Autora, quanto aos jornais ou outras publicações periódicas que editam, são titulares de “diferentes ordens de direitos autorais”.
18. São assim titulares não apenas de um direito originário de autor sobre os jornais e demais publicações que editam, como também, de um direito derivado de autor sobre trabalhos neles publicados sem indicação de autoria.
19. Por outro lado, são ainda titulares de um direito patrimonial de autor, contratualmente transmitido pelos autores, sobre os trabalhos jornalísticos por si publicados, ao abrigo de contratos de prestação de serviços celebrados, assim como, de um direito exclusivo de publicação, decorrente de uma licença legal, quanto à publicação desses trabalhos, pelo prazo de 3 meses a contar da data em que hajam sido postas a circular as publicações onde os mesmos estejam inseridos.
20. Bem assim, de um direito exclusivo de utilização desses trabalhos para fins informativos, decorrente de uma licença legal, pelo período de 30 dias contados da primeira disponibilização ao público em cada um dos órgãos de comunicação social e respetivos websites, da empresa ou grupo jornalístico a que o jornalista desses trabalhos se encontre vinculado.
21. Pelo que, tanto basta para que a Autora [enquanto representante de titulares de direito de autor] tenha de ser qualificada, à luz da lei portuguesa, como organismo representativo de autores, nos termos e para os efeitos da Lei da Cópia Privada e bem assim não lhe possa ser recusada pela Ré a condição de organismo representativo dos autores.
22. Pois, como bem sustenta o Prof. Doutor Dário Moura Vicente, no Parecer ora junto, “…para os efeitos do regime legal da compensação equitativa pela cópia privada [assim como segundo o Direito da União Europeia], autor é todo o titular de direitos de autor, seja ele o criador intelectual da obra ou outro titular de direitos, que os haja adquirido originária ou derivadamente”.
23. Sendo uma interpretação contrária ao supra exposto, uma interpretação restritiva ilegítima do regime de cópia privada e que viola não só a teleologia de tal regime (nomeadamente a Diretiva 2001/29/CE), como também a Lei da Cópia Privada (Lei n.º 62/98 de 1 de setembro) e ainda os próprios estatutos da Ré.
24. Uma vez que, tal traduziria situações em que titulares de direitos que teriam direito a auferir a compensação equitativa por cópia privada (sendo as respetivas obras objeto da mesma) não a recebessem.
25. Deste modo, a Autora, enquanto associada da Ré e representante de titulares de direito de autor sobre conteúdos jornalísticos publicados nas publicações periódicas de que os seus cooperadores são proprietários, tem inequivocamente direito a quinhoar nas receitas da compensação equitativa pela cópia privada devidas aos organismos representativos dos autores.
26. Direito este que não se confunde com o direito conexo do editor que a lei autoral portuguesa e a Diretiva (UE) 2019/790, consagram em benefício das empresas jornalísticas.
27. Podendo as mesmas ser, simultaneamente, titulares deste direito conexo e de direitos de autor sobre as obras publicadas nos respetivos periódicos, assistindo assim também à Autora [enquanto representante de editores e titulares de direito de autor], o direito de quinhoar daquelas receitas enquanto organismo representativo de editores – enquanto tais – sendo autonomamente contemplados pela Lei da Cópia Privada como beneficiários da compensação respetiva – não sendo todos, necessariamente titulares de direitos de autor.
28. Circunstância que já foi inclusive reconhecida no âmbito da AGECOP, pela Sociedade Portuguesa de Autores e pela própria Ré AGECOP.
29. Em ambos os casos pois qualquer um daqueles titulares [autores e editores] têm direito a ser ressarcidos de tais montantes, uma vez que, “o dano a ressarcir a esse título é também ele distinto: uma coisa é, na verdade, a perda de receita sofrida pelo editor em razão da redução de vendas de exemplares das obras por si publicadas, originada, designadamente, na disseminação da cópia privada; outra, bem diferente desta, a perda de remunerações sofridas pelo titular do direito patrimonial de autor sobre essa obras, decorrente deste fenómeno”.
30. Podendo tal dano, a ressarcir, ser sofrido pela mesma entidade/pessoa – que cumule as duas qualidades (titular de direito de autor e editor) ou, por pessoas/entidades diferentes, razão pela qual a lei diferenciou os editores e os autores no regime da compensação da cópia privada, atribuindo a cada um deles um direito autónomo à compensação dessas perdas.
31. Tratando-se de direitos diversos e que merecem uma tutela legal autónoma, nada na Lei ou nos regulamentos da Ré o impede.
32. Sendo que, como em Portugal o editor – enquanto tal – tinha já direito a quinhoar das receitas de compensação equitativa pela cópia privada, tal terá sido a razão pela qual que o legislador português entendeu que não se mostrava necessário prever, no ordenamento jurídico nacional, um regime de partilha de compensação equitativa pela cópia privada entre autores e editores como previsto no artigo 16º da Diretiva (UE) 2019/790 - não transposto - , pois esse regime já existia e vigorava (como vigora) em Portugal.
33. Assim, havendo no seio da AGECOP mais do que um associado que seja ou se arrogue representante da mesma categoria de direitos, a distribuição entre eles das receitas de compensação equitativa terá de operar-se nos termos previstos nos estatutos e regulamentos internos da Ré, tendo em conta a respetiva representatividade demonstrada.
34. Sendo que a Ré (in casu, a sua Direção) se encontra vinculada (e obrigada a fazê-los cumprir) à observância dos critérios e procedimentos definidos nesses regulamentos, nomeadamente no Regulamento de Distribuição e do respetivo anexo C.
35. Pelo que, estando, in casu, duas das suas associadas (Autora e a SPA) a reivindicar, simultaneamente, a representação de titulares de direito de autor sobre determinada(s) publicação(ões), ou seja, na mesma categoria de direitos, a saber: titulares de direito de direitos de autor sobre publicações periódicas, cabia à Ré (e não à Autora prima facie), ao contrário do sustentado pelo Mmo. a quo., em cumprimento dos regulamentos internos, tomar a iniciativa de as notificar para que ambas pudessem apresentar as respetivas provas de representação invocadas.
36. O que a Ré não fez, ao contrário, inclusive, do que já anteriormente (2018) havia feito, perante a mesma circunstância fatual.
37. Assim, independentemente da sua opinião, não caberia à mesma decidir (mesmo que secundada por pareceres da sua consultora jurídica) em exclusivo benefício de uma delas sem antes desencadear o procedimento previsto nos Estatutos, Regulamento de Distribuição e respetivo Anexo C.
38. Pelo contrário, impunha-se que a Ré, perante o conflito entre a Autora e outra sua associada - conforme reconhecido por todos, incluindo pela Ré - seja qual fosse a interpretação que fez e faz da Lei e dos seus Estatutos, desencadeasse o procedimento estatutário previsto nestes e não pelo contrário suprimi-los para resolver tal situação de conflito, em exclusivo benefício de uma delas [como se reconheceu expressamente no Acórdão do STJ proferido nos autos anteriores aos presentes, mas sobre os mesmos e com relevância e aplicação in casu].
39. Impondo-se, por isso, que a deliberação, in casu [tomada no dia 03 de dezembro de 2020, no que toca à distribuição de verbas no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica (na vertente Autores)], seja julgada inválida por violar, de forma direta os Estatutos [artigo 8º, 64/64 n.º 4 e 13º. 2 c)], o Regulamento de Distribuição [artigo 6º, pontos 2 e 2.1] e o Anexo C ao Regulamento de Distribuição [artigo 5º, n.º 1, alínea c)] da Ré e assim anulada, nos termos conjugados do disposto nos artigos 177º e 287º do CC e artigos 58º, n.º 1, alínea a) e 411º, n.º 3 do CSC.
40. Considerando tudo o exposto, e o mais que, doutamente, será suprido, a decisão recorrida violou, ainda, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente o disposto nos artigos 111º, n.º 1 da Lei 62/2013 de 26 de agosto, artigo 82º do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, artigo 7º.2 b) ii) da Lei n.º 62/98, de 01 de setembro, e o artigo 5º.2 b) da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de maio.
NESTES TERMOS, E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A DECISÃO RECORRIDA A QUAL DEVERÁ SER SUBSTITUÍDA POR DOUTO ACÓRDÃO, EM QUE, ACOLHENDO-SE AS RAZÕES SUPRA INVOCADAS PELA APELANTE, ANULE A DELIBERAÇÃO TOMADA PELA DIREÇÃO DA RÉ NA REUNIÃO REALIZADA NO DIA 03 DE DEZEMBRO DE 2020 NO ÂMBITO DO PONTO 4 DA RESPETIVA ORDEM DE TRABALHOS NO QUE TOCA À DISTRIBUIÇÃO DE VERBAS NO DEPARTAMENTO DE CÓPIA GRÁFICA E REPROGRÁFICA (NA VERTENTE AUTORES), COM TODAS AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
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5. Com o recurso foi junto um parecer jurídico, que foi admitido aos autos pelo Relator.
6. A Recorrida apresentou resposta ao recurso, pugnando pela improcedência.
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7. Em sede do presente recurso de apelação, foi cumprido o disposto nos artigos 657.º, n.º 2 e 659.º, do Código de Processo Civil.
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9. Questões que o presente tribunal cumpre resolver:
i. O TPI deve ser considerado incompetente em razão da matéria?
ii. A sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia?
iii. A deliberação tomada pela Direção da Ré na reunião realizada no dia 03-12-2020, no âmbito do ponto 4 da respetiva ordem de trabalho e no que toca à distribuição de verbas no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica (na vertente autores), deve ser anulada?
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II. Fundamentação
10. A sentença recorrida fixou a factualidade nos termos que se passa a expor.
Factos assentes
Estão assentes os seguintes factos por acordo das partes, ou junção de documento com força probatória suficiente:
1. A Autora é uma pessoa coletiva de utilidade pública e sem fins lucrativos constituída sob a forma de cooperativa, em setembro de 2009, ao abrigo da Lei n.º 83/2001, que regula a constituição, organização, funcionamento e atribuições das entidades de gestão coletiva do direito de autor e dos direitos conexos.
2. Estando registada desde 07/05/2010 na Inspeção Geral das Atividades Culturais com o n.º 27.
3. A Autora é a entidade de gestão coletiva que representa os direitos de autor e direitos conexos dos Editores dos principais jornais e revistas (publicações periódicas) do mercado nacional, conforme resulta dos respetivos Estatutos, juntos como doc. n.º 5 com a p.i., cujo teor se dá por reproduzido.
4. Por sua vez, a Ré é também uma pessoa coletiva de utilidade pública, sem fins lucrativos, constituída sob a forma de associação ao abrigo da Lei da Cópia Privada (artigo 6º da Lei n.º 62/98 de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 50/2004 de 24 de agosto e pela Lei n.º 49/2015 de 5 de junho).
5. E tem por objeto a cobrança, gestão e distribuição das quantias previstas no artigo 82º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
6. A Ré é constituída por todas as entidades de gestão coletiva que, em Portugal, representam os autores, os artistas, intérpretes ou executantes, os produtores de fonogramas, os produtores e os editores.
7. Tais entidades são atualmente: (i) a APEL, (ii) a AUDIOGEST; (iii) a GDA; (iv) a GEDIPE; (v) a SPA; e (vi) a VISAPRESS.
8. A Autora é associada da Ré desde 2010, integrando o respetivo Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica, conjuntamente com a APEL e a SPA.
9. A APEL e a SPA são, respetivamente, a entidade de gestão coletiva representativa dos  editores de livros e a entidade de gestão coletiva representativa dos autores.
10. O Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica é, tal como definido no n.º 1 da alínea b) dos Estatutos da Ré, o “Departamento para a cobrança e gestão das compensações percebidas pela cópia de obras escritas, incluindo livros e outras publicações periódicas e não periódicas, fotografia, pintura, gravura, desenho e obras afins (Cópia de obras escritas figurativas e imagens) editadas em suporte de papel e eletrónico, designado por “Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica”, do qual farão parte os associados que representem autores e editores deste tipo de obras.”
11. A Autora é ainda membro da Direção da Ré desde 20 de novembro de 2015.
12. No dia 26 de junho de 2020, pelas 11:00 horas, reuniu a Direção da Ré, através da plataforma ZOOM, para deliberar sobre os seguintes assuntos que constituíam ordem de trabalhos:
Ponto 1: Análise e votação da proposta da Associada SPA sobre a distribuição de Autores no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica;
Ponto 2: Análise e votação da proposta de distribuição AGECOP para junho 2020;
Ponto 3: outros assuntos.
13. Presidiu a esta reunião a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), representada por (…), na qualidade de Presidente da Direção da Ré AGECOP.
14. Estando também presentes os representantes dos demais membros da Direção da Ré, a saber: (a) (…), representante da APEL - Associação Portuguesa de Editores e Livreiros; (b) (…), representante da AUDIOGEST – Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos; (c) (…), representante da GDA - Gestão dos Direitos dos Artistas; e (d) (…), representante da Autora VISAPRESS.
15. Estavam também presentes duas colaboradoras da Ré.
16. Entrando na apreciação do Ponto 1 da Ordem de Trabalhos, foi analisada a seguinte proposta apresentada pela associada SPA, remetida à Ré em 22 de Junho de 2020:
“No transato ano de 2019, a Sociedade Portuguesa de Autores acordou com a Visapress as percentagens do valor cobrado pela AGECOP na área do Departamento da Cópia Gráfica e Reprográfica que a cada uma delas seriam distribuídas.
Aquando da celebração desse acordo, ficou, igualmente, expresso que este entendimento teria efeitos apenas para as distribuições habituais da AGECOP durante o ano de 2019 (Junho e Dezembro).
Foi, pois, um entendimento transitório e pontual.
Em face do exposto, o acordo acima referenciado deixou de produzir qualquer efeito, pelo que não terá aplicação para o ano de 2020 e seguintes.
Como tal, na distribuição que ocorrerá em junho de 2020 (bem como nas posteriores), deverá seguir-se o sentido do parecer jurídico que a AGECOP solicitou à jurista que lhe presta assessoria.
Resulta claro desse parecer que a totalidade dos valores referentes à cópia gráfica e reprográfica, cobrados pela AGECOP e devidos aos autores, deverão ser distribuídos integralmente à Sociedade Portuguesa de Autores.
É isso que a SPA reclama e solicita que a Direção da AGECOP possa decidir em conformidade.
Naturalmente, dado que a cópia privada está sujeita ao regime da gestão colectiva obrigatória, qualquer titular de direitos da Visapress, ou de outras entidades, poderá requerer à Sociedade Portuguesa de Autores o pagamento das compensações equitativas que lhe forem devidas, desde que cumpram os termos da Lei.”
17. Após alguma discussão, esta proposta foi apresentada a votação, tendo merecido os votos favoráveis da SPA, APEL, AUDIOGEST e GDA e o voto contra da VISAPRESS, aqui Autora, sendo, assim, aprovada por maioria.
18. Depois desta votação, a Autora proferiu a seguinte declaração de voto:
«Tendo presente a convocatória para a reunião de Direção da AGECOP, agendada para o presente dia 26 de Junho, pelas 11h, com a seguinte proposta de ordem de trabalhos, a saber: 1. Análise e votação da proposta da Associada SPA sobre a distribuição de Autores no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica; 2. Análise e votação da Proposta de distribuição AGECOP para Junho/2020; 3. Outros assuntos.
Tendo em conta a mesma, a VISAPRESS, como ponto prévio, não pode desde logo, deixar de manifestar a sua perplexidade com o email recebido no passado dia 23 de Junho de 2020 com o envio de uma atualização do Parecer que a Sra. Dra. (…) produziu a pedido da AGECOP, em 2018, o qual terá sido, de acordo com o email recebido, levado a cabo a pedido do Senhor Presidente da Direção da AGECOP. Pois bem, não se entende como tal ocorreu sem que fosse, no mínimo, sequer dado conhecimento de tal pretensão aos demais elementos da Direção da AGECOP. Na verdade, a VISAPRESS simplesmente foi agora confrontada com tal circunstância, nada lhe tendo sido transmitido em momento anterior. Ora, sendo a Direção da AGECOP um órgão colegial, no qual cada membro tem um voto e as deliberações tomadas por maioria (conforme disposto expressamente nos estatutos da AGECOP), não se entende, de todo em todo, tal atuação sem que tal assunto fosse previamente levado a reunião de Direção constando de uma ordem de trabalhos para o efeito e sobre o qual fosse regular e estatutariamente deliberado. Efetivamente, as deliberações da Direção da AGECOP só poderão ser executadas após aprovação formal, por todos os membros que participaram na decisão, e consequente emissão e assinatura da respetiva ata. É exatamente por esse motivo que estas são elaboradas, assinadas e arquivadas na respetiva entidade. O que, diga-se, ocorreu aquando da decisão da direção da AGECOP para a primeira solicitação à Sra. Dra. (…) para a elaboração do Parecer, em causa. Pois bem, tal pedido ora formulado por parte do Sr. Presidente não se encontra respaldada por qualquer documento.
Tal consubstancia-se, no mínimo, num comportamento de completo desprezo e desconsideração pelos demais membros desta Direção e pelo seu regular funcionamento nos termos em que dispõe os estatutos da AGECOP, pelo que, não se dispensará a VISAPRESS de o analisar e ponderar a tomada de uma posição nos termos e pelos meios legais que tem à sua disposição.
Por outro lado, e tendo em consideração os primeiros dois pontos da ordem de trabalhos da presente convocatória de reunião de Direção, no que toca à “proposta da Associada SPA sobre a distribuição de Autores no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica”, e referindo-se, a mesma, ao email remetido pelo Sr. Diretor da Sociedade Portuguesa de Autores (doravante SPA), datado de 22 de junho de 2020, Dr. (…), fica, desde logo, a dúvida sobre qual o Parecer a que a SPA faz alusão e a se tratar deste último, ora recebido, como e a que propósito a SPA do mesmo já teria conhecimento previamente às demais associadas.
Não sendo esse o caso e sem prejuízo de a VISAPRESS ter efetuado uma breve análise (atendendo ao curto espaço temporal decorrido desdea receção do mesmo até à presente reunião que mais não permitiu) ao teor da atualização do Parecer que a Sra. Dra. (…) produziu e reservando-se o direito de emitir uma posição, mais fundamentada, caso assim o entenda, relativamente ao seu teor, numa futura reunião de Direção que tenha por objeto e ponto na ordem de trabalhos a análise do mesmo (à semelhança do ocorrido na reunião de Direção datada de 13 de Setembro de 2018), não deixa contudo de notar que, basicamente, aquele não parece deixar de ser uma mera reiteração do teor do Parecer inicial.
Ora quanto a este e respetivas conclusões já a VISAPRESS teve oportunidade de se pronunciar, de forma detalhada, na supra aludida reunião de Direção e cuja posição, ora reitera e dá por reproduzido.
Tudo isto sem prejuízo de quer o primeiro parecer, quer a sua segunda versão do mesmo, não terem, em momento algum, sido aprovados em sede de reunião da Direção da AGECOP, não podendo assim constituir a base (muito menos no sentido das propostas e posição aí expressas) para fundamentar qualquer deliberação que a Direção da AGECOP decida vir a tomar a este propósito.
Nesses termos e em face do acordo anteriormente atingido não pode a VISAPRESS, neste momento, deixar de manifestar o seu lamento pelo email e posição ora assumida pela SPA, a qual não se dignou sequer a procurar saber junto da VISAPRESS da viabilidade ou não da manutenção do entendimento anteriormente alcançado (ou outro qualquer). Deste modo, entende assim a VISAPRESS que, ao contrário do ora pretendido pela SPA, no sentido da AGECOP seguir no sentido do parecer solicitado à Sra. Dra. (…), com o qual, não concorda minimamente e considera enfermo de inconsistências e erradas premissas, bem assim, contrário, inclusive, ao anteriormente já expressamente aceite pela própria SPA, no reconhecimento do direito da VISAPRESS no seio do Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica da AGECOP, tal não poderá ocorrer.
Reitera-se assim o lamento na posição ora assumida pela SPA, uma vez que a VISAPRESS sempre esteve ao longo de todo este processo e está, disponível para trabalhar com vista a encontrar uma solução que permita ultrapassar o impasse, uma vez mais, verificado.
Deste modo e em face de todo o supra exposto e o que em seguida se exporá, não poderá a VISAPRESS concordar e aceitar com o ora proposto pela SPA quanto à distribuição integral à mesma, da totalidade dos valores referentes à cópia gráfica e reprográfica na componente Autores, cobrados pela AGECOP, bem assim, a verificar-se tal, essa circunstância e decisão constituirá uma violação grosseira da lei, dos estatutos e do regulamento de distribuição da AGECOP e respetivos anexos (nomeadamente o C) que a presente Direção por força dos aludidos estatutos [artigo 13º.2 c] lhe cabe “fazer cumprir”.
Na realidade, resulta, desde logo, inequívoco quer dos estatutos da AGECOP como do regulamento de distribuição e respetivos anexos (em especial o C, supra aludido) que existindo mais do que uma associada que reclame representar a mesma categoria de direitos (como é o caso entre a SPA e a VISAPRESS), então, ambas deverão ser notificadas para apresentar perante a AGECOP as provas de representação invocadas. Só assim se irá ao encontro e se cumprirá o disposto no Regulamento de Distribuição [artigo 5º.1 (c) do anexo C] onde se refere de forma expressa que quando “duas ou mais associadas reivindicam, simultaneamente, a representação dos titulares de direito de autor […] sobre a publicação em causa, hipótese em que deverão as várias associadas que invocaram a representação ser notificadas para […] apresentarem provas da representação invocada…”. Pois, na hipótese de existirem duas ou mais associadas da AGECOP que representem titulares da mesma categoria de direitos (a saber, titulares de direitos de autor sobre publicações periódicas), a divisão dos valores de cópia privada respetiva “será efetuada por acordo entre as entidades envolvidas, ou na falta deste, na proporção do número de obras […] edições e publicações que cada uma demonstrar representar de entre listagens de amostras, dados ou monotorizações de utilizações reais” (conforme artigo 6º.2 do regulamento de distribuição da AGECP, regulamentada nos termos do anexo C do mesmo).
Circunstância idêntica, diga-se aliás, ao que já ocorreu na sequência da reunião de Direção da AGECOP realizada no passado dia 18 de Outubro de 2018, conforme ata devidamente assinada pelos membros daquela, na qualse “deliberou” que a VISAPRESS e a SPA deveriam, nos termos estatutários e do estabelecido no Regulamento de Distribuição da AGECOP, apresentar perante a mesma, a prova de representatividade dos titulares de direitos de autor sobre publicações periódicas ou não que alegavam representar.
Pois bem, nessa sequência e como expressamente aludido no Regulamento de Distribuição da AGECOP, caso resulte da documentação a apresentar não existirem motivos “evidentes” para atribuir a representatividade apenas a uma delas, o valor em causa deverá ficar retido na AGECOP e apenas ser entregue a uma das entidades caso seja apresentado um acordo entre ambas ou na sequência da comunicação à AGECOP de uma decisão judicial ou arbitral que determine a titularidade do direito e/ou do valor em causa [cfr. artigos 5º.1 c), 2 e 3, 6º.1, todos do anexo C do Regulamento de Distribuição da AGECOP].
Isto claro está sem prejuízo da distribuição e entrega das demais quantias às associadas que a elas tiverem direito e sobre as quais não se levantem tais discussões.
Deste modo, qualquer outra atuação e decisão por parte da Direção da AGECOP contrária ao supra aludido (nomeadamente a hipotética e renovada emissão de cheque(s) a favor da SPA, com as verbas relativas ao direito de autor, ora em discussão, provenientes das compensações relativas ao Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica da AGECOP), não só se consubstanciará na violação da lei, como também dos estatutos da AGECOP e respetivos regulamentos.
A VISAPRESS não podendo aceitar uma decisão da Direção da AGECOP nesse sentido, desde já se reserva no direito de agir em conformidade em face do teor final que resultar da ata da reunião de Direção da AGECOP, ora em questão.»
19. Relativamente ao ponto dois da ordem de trabalhos, e conforme consta da ata da reunião:
«Submetida a votação e já aplicando o princípio aprovado no ponto anterior, a proposta para a distribuição em Junho (dos valores recebidos entre 01/03/2020 e 31/05/2020), mereceu os votos favoráveis da SPA, APEL, AUDIOGEST e GDA e o voto contra da VISAPRESS, tendo sido aprovada por maioria. A distribuiçãono DepartamentodeCópia Sonora e Audiovisual será feita de acordo com os documentos produzidos pelos serviços da Contabilidade, em anexo. No Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica, da verba global distribuível 50% é atribuída aos organismos representativos dos Autores (desta verba a SPA fica com a totalidade - 100%), e os restantes 50% é atribuído aos organismos representativos dos Editores (destes 60% cabem à APEL e 40% à VISAPRESS). Assim, os valores de compensações equitativas a distribuir são os seguintes: 417.439,49€ à SPA; 250.463,70€ à APEL e 166.975,80€ à VISAPRESS. Em relação aos montantes do Fundo Cultural, os valores para alocação às associadas são: 104.359,98€ para a SPA; 62.615,98€ para a APEL e 41.743,99€ para a VISAPRESS.»
20. No dia 27 de julho de 2020, a Autora instaurou uma ação declarativa sob a forma de processo comum, que correu termos com o n.º 15850/20.3T8LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 18 (e corre agora termos com o n.º 73/23.8YHLSB do Juízo da Propriedade Intelectual - Juiz 1), pedindo a anulação destas deliberações sociais da Direção da Ré.
21. Sucede que, não obstante a pendência daquela ação, a Direção da Ré voltou posteriormente a aprovar uma nova deliberação de distribuição de compensações relativas ao Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica idêntica àquela que havia já sido impugnada pela Autora.
22. No dia 03 de dezembro de 2020, pelas 10:30 horas, reuniu a Direção da Ré, através da plataforma ZOOM, para deliberar sobre os seguintes assuntos que constituíam ordem de trabalhos:
Ponto 1: Apreciação das atas das reuniões de Direção de 07 e 16 de Outubro de 2020;
Ponto 2: Plano de Atividade e Orçamento para o ano de 2021;
Ponto 3: Estudo Marktest - questionário e data de realização;
Ponto 4: Distribuição de Dezembro de 2020;
Ponto 5: Balanço da reunião de 22 de Outubro da Comissão de Acompanhamento da Lei da Cópia Privada na IGAC;
Ponto 6: outros assuntos.
23. Presidiu a esta reunião a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), representada por (…) na qualidade de Presidente da Direção da Ré AGECOP.
24. Estando também presentes os representantes dos demais membros da Direção da Ré: (…), representante da APEL - Associação Portuguesa de Editores e Livreiros; (…), representante a AUDIOGEST -Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos; (…), representante da GDA - Gestão dos Direitos dos Artistas; e (…), representante da Autora VISAPRESS.
25. Estavam também presentes o Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ré AGECOP, Dr. (…), e duas colaboradoras da Ré.
26. Após apreciação dos Pontos 1, 2 e 3, entrou-se na apreciação do Ponto 4 da Ordem de Trabalhos, tendo, neste âmbito, sido deliberado o seguinte:
“No âmbito do ponto quatro, a distribuição ordinária a efetuar em Dezembro de 2020, relativa à totalidade das quantias recebidas entre 1 de Junho de 2020 e 30 de Novembro de 2020, manterá os critérios da última distribuição efetuada: das verbas atribuídas ao Departamento de Cópia Sonora e Audiovisual, 40% são para os organismos representativos dos autores- SPA; 30% são para os organismos representativos dos artistas, intérpretes ou executantes - GDA e os restantes 30% são para os organismos representativos dos produtores de fonogramas ou de videogramas-GEDIPE E AUDIOGEST, nos termos do acordo atualmente em vigor.
No Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica, da verba global distribuível 50% é atribuída aos organismos representativos dos Autores (desta verba a SPA fica com a totalidade - 100%), sendo que os restantes 50% são atribuídos aos organismos representativos dos Editores (destes 60% cabem à APEL e 40% à VISAPRESS).
27. Submetida a votação, “a proposta para a distribuição em dezembro de 2020, mereceu os votos favoráveis da SPA, APEL, AUDIOGEST e GDA e o voto contra da VISAPRESS (nos termos já constantes na ata de 26 de Junho de 2020), tendo sido aprovada por maioria.”
28. De seguida, “Os representantes da VISAPRESS, a AUDIOGEST e a GDA declararam dar por integralmente reproduzidas, para todos os efeitos, as declarações de voto proferidas na reunião de Direção ocorrida em 26 de Junho último, e que se encontram integralmente transcritas na respetiva ata.” (VD. DOC. N.º 9)
29. Tendo tido conhecimento de divergências interpretativas do regime jurídico da cópia privada nesta vertente, a Direção da Ré solicitou, em 25.06.2018, à consultora jurídica da Ré desde 2010, (…), que se pronunciasse sobre algumas questões respeitantes à distribuição no DCGR na área dos titulares de direitos de autor sobre publicações periódicas, nomeadamente, em concreto, de qual o sentido da afetação de 50% para os organismos representantivos dos autores, previstos na LCP.
30. Em resposta a tal pedido, a Senhora Dra. (…) elaborou e enviou à Ré o Parecer datado de 05.09.2018, que a Ré fez circular pelas suas associadas, junto como doc. n.º 2 com a contestação, no qual responde às questões que lhe foram colocadas da seguinte forma:
1. Quando se utiliza a expressão “organismos representativos dos autores” no âmbito da Afetação (Artº 7º da Lei da Cópia P), qual deverá ser a interpretação?
R: Somos da opinião que a expressão se destina a incluir entidades que representem diretamente autores enquanto criadores intelectuais de obras protegidas.
2. Em Portugal, a VISAPRESS, que representa Editores de Publicações Periódicas (Publishers), enquanto titular de direitos de autor, pode partilhar receitas das compensações equitativas destinadas aos “organismos representativos de autores” como a SPA? Em caso afirmativo, em que termos?
R: Somos da opinião que não.
3. Qual o enquadramento legal (nacional e comunitário) no que se refere ao instituto da cópia privada, no âmbito dos titulares de direitos de autor, e formas de distribuição das compensações equitativas para “organismos representativos de autores”?
R: Em Portugal, a matéria está regulada no CDADC e na Lei 62/98. A nível comunitário, é crucial a Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. Sobre os restantes países da União Europeia, a matéria pode ser recolhida junto da WIPO, nomeadamente nos seus International Survey Private Copying. Da análise feita resulta a prática comum da divisão da compensação equitativa apenas pelos Departamentos de Cópia Gráfica e Reprográfica.
4. Quais as práticas comuns nos países da U.E. nesta matéria?
R: Não temos conhecimento de qualquer situação em que exista uma entidade que seja enquadrável em organismos representativos de autores e organismos representativos de editores.
5. Qual a forma e procedimentos a adotar para se proceder à “afetação” para os “organismos representativos dos autores”, na distribuição a realizar no âmbito do Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica da AGECOP? E por quem?
R: A exemplo do que sucedeu em outros Departamentos, e noutros países, a celebração de acordos de entendimento entre vários eventuais organismos representativos dos autores, seria na nossa opinião – a solução ideal. Uma nota apenas para referir que nada impede que o valor resultante da cobrança da compensação equitativa possa ser distribuído por diferentes beneficiários.
6. A Lei protege todos os interessados em receber compensações equitativas a que, comprovadamente, tenham direito. Em que termos?
R: Somos da opinião que sim porquanto é vasta a listagem prevista no artigo 2º da Lei 62/98, que, relembremos, não necessitará de qualquer aditamento mesmo após a eventual aprovação da Directiva ora em discussão e do seu artigo 12º que sempre seria uma faculdade.
31. Tendo tal Parecer concluído no sentido de que a Autora, na sua qualidade de entidade de gestão coletiva de direitos de autor e conexos dos editores de publicações periódicas, não teria direito a receber a compensação equitativa destinada aos organismos representativos dos autores, e sabedora que a Autora não concordava com tal conclusão, a Direção da Ré deliberou sugerir à SPA e à Autora que tentassem chegar a um acordo sobre as questões que as opunham.
32. A SPA e a Autora chegaram a acordo quanto às percentagens do valor cobrado pela Ré no DCGR que caberia a cada uma, acordo esse válido para as distribuições pendentes e para as distribuições a efetuar no ano de 2019.
33. Todas as distribuições posteriores no âmbito do DCGR, na vertente de Autores, foram, assim, efetuadas pela Ré nos exatos termos do acordado entre estas suas duas associadas, SPA e a aqui Autora.
34. Entretanto, aproximando-se a data da habitual distribuição das verbas cobradas e recebidas pela Ré, a Direção - antecipando uma necessária tomada de decisão caso as suas associadas SPA e Autora não estendessem os efeitos do seu acordo para as quantias a distribuir em 2020 ou não chegassem a um outro acordo - solicitou à Senhora Dra. (…) uma atualização do Parecer por si elaborado  em 05.09.2018, que tivesse já em conta a entretanto publicada Diretiva n.º 2019/790, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Abril, relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital.
35. Em resposta a tal pedido, a Senhora Dra. (…) elaborou e enviou à Ré o Parecer datado de 22.06.2020, que a Ré também fez circular pelas suas associadas, cuja cópia foi junta como documento nº 3 com a contestação, e dá por integralmente reproduzido.
36. Desse Parecer resulta que, no geral, a Senhora Dra. (…) mantém a posição já anteriormente expressa, - a de que a Autora, enquanto representante de editores de publicações periódicas, não tem direito às receitas das compensações equitativas destinadas aos organismos representativos dos autores, respondendo às questões que lhe foram colocadas nos seguintes termos:
“ 1 - Quando se utiliza a expressão “organismos representativos dos autores” no âmbito da Afetação (Artº 7º da Lei da Cópia Privada), qual deverá ser a interpretação?
R: Somos da opinião que a expressão se destina a incluir entidades que representem diretamente autores enquanto criados intelectuais de obras protegidas. Este entendimento tem por base a dicotomia entre a previsão da categoria de titulares de direitos “organismos representativos dos editores”.
2 - Em Portugal, a VISAPRESS, que representa Editores de Publicações Periódicas (Publishers), enquanto titular de direitos de autor, pode partilhar receitas das compensações equitativas destinadas aos “organismos representativos de autores” como a SPA? Em caso afirmativo, em que termos?
R: Somos da opinião que não.
Trata-se de categorias distintas de titulares de direitos, que a própria Lei, os Estatutos da AEGOP e os Regulamentos de Distribuição prevêm como são remunerados, não sendo possível que uma categoria de titulares de direitos perceba verbas destinadas a outra categoria.
3 - Qual o enquadramento legal (nacional e comunitário) no que se refere ao instituto da cópia privada, no âmbito dos titulares de direito de autor, e formas de distribuição das compensações equitativas para “organismos representativos dos autores”?
R: Em Portugal, a matéria está regulada no CDADC e na Lei 62/98. A nível comunitário, é crucial a Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. Sobre os restantes países da União Europeia, a matéria pode ser recolhida junto da WIPO, nomeadamente nos seus International Survey Private Copying.
Da análise feita resulta a prática comum da divisão da compensação equitativa por autores e editores no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica. Neste sentido também os Estatutos da AGECOP e os Regulamentos de Distribuição consideram esta divisão.
4 - Quais as práticas comuns nos países da U.E. nesta matéria?
R: Não temos conhecimento de qualquer situação em que exista uma entidade que seja enquadrável em organismos representativos de autores e organismos representativos de editores.
5 - Qual a forma e procedimentos a adotar para se proceder à “afetação” para os “organismos representativos dos autores”, na distribuição a realizar no âmbito do Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica da AGECOP? E por quem?
R: Existindo apenas uma entidade que preenche a categoria de “organismo representativo dos autores”, como se defende neste documento, a distribuição deverá realizar-se pela entrega da totalidade da remuneração relativa a essa categoria.
6 - A Lei protege todos os interessados em receber compensações equitativas a que, comprovadamente, tenham direito. Em que termos?
R: Somos da opinião que sim, até porque a alínea e) do n.º 2 do artigo 6 da Lei da Cópia Privada refere que os estatutos devem regular os critérios de repartição das compensações equitativas entre os seus membros associados, incluindo os modos de distribuição e pagamento aos beneficiários mesmo aos que não estejam inscritos nos respectivos organismos (entenda-se, entidades de gestão colectiva de direitos), mas que se presume serem por estes representados. Perante os titulares, o dever de pagamento e a presunção de representação está nas entidades de gestão colectiva que integram a AGECOP, e não na AGECOP.
37. Na posse daquele Parecer, a Direção da Ré reuniu, no dia 26.06.2020, para deliberar sobre a ordem de trabalhos constante da ata dessa reunião junta pela Autora à Petição Inicial como Doc. n.º 7.
38. Como resulta do teor de tal Ata, depois de analisar e discutir a proposta da associada SPA sobre a distribuição da compensação equitativa a entregar aos Autores no âmbito do DCGR e confirmando a inexistência de entendimento entre a SPA e a Autora sobre tal distribuição, a Direção decidiu, por maioria de votos (com os votos a favor da APEL, AUDIOGEST, GDA e SPA e o voto contra da Autora), e no seguimento do já aludido Parecer, distribuir à SPA a totalidade das verbas referentes à cópia gráfica e reprográfica por si cobradas no âmbito do DCGR e devidas aos Autores.
39. A razão de ser de tal decisão está expressa na declaração de voto conjunta da AUDIOGEST e da GDA, proferida naquela reunião da Direção da Ré, que consta de tal Ata (cfr. Doc. n.º 7 junto à Petição Inicial), com o seguinte teor:
Terminada a discussão, foi a proposta apresentada pela SPA submetida a votação tendo merecido os votos favoráveis da SPA, APEL, AUDIOGEST e GDA e o voto contra da VISAPRESS, pelo que foi aprovada por maioria.
De imediato, a AUDIOGEST e a GDA apresentaram a seguinte declaração de voto conjunta: “A AUDIOGEST e a GDA, antes de mais, prefeririam – como provavelmente todos os restantes membros da Direção – que a questão não tivesse que ser decidida por este órgão e fosse objeto de um acordo entre as entidades que reivindicam a mesma parcela de remuneração compensatória.
Tal efetivamente não ocorreu e a SPA, terminado que foi o período previsto no anterior acordo, colocou a questão perante a Direção, o que impõe o dever da AUDIOGEST e da GDA, enquanto membros deste órgão tomarem posição sobre matéria na qual não têm qualquer interesse direto, mas sobre a qual não podem, por dever que resulta do exercício dos cargos que ocupam, deixar de se pronunciarem.
O sentido de voto que acabámos de tomar assenta no pressuposto de facto que, a propósito das publicações periódicas, a SPA reivindica a representação de jornalistas e pessoas que escrevem em tais publicações (eles próprios) e a VISAPRESS a representação de empresas jornalísticas (editores de imprensa) e, por assim ser, o procedimento de verificação concreta de mandatos desta categoria de autores e demais procedimentos previstos no Anexo C ao Regulamento de Distribuição da AGECOP, não é aplicável. Importa referir que, o voto que estas entidades acabaram de expressar, não se fundamenta em qualquer juízo de justiça material, oportunidade ou mérito das posições controvertidas assumidas pelas associadas em causa, nem em nenhuma posição de princípio sobre quais deveriam ser as normas e regras aplicáveis e, muito menos, em qualquer juízo ético sobre a SPA ou a VISAPRESS.
O voto destas entidades traduz, apenas e tão só, a interpretação jurídica que estas entidades fazem do direito vigente, fundada na natureza de remuneração compensatória do instituto da cópia privada (que não é um verdadeiro “direito” no sentido tradicional do termo), na indisponibilidade desta remuneração e numa interpretação das normas legais, estatutárias e regulamentares em causa, à luz do Direito da União Europeia e, em especial, do artigo 16.º da denominada Diretiva do Direito de Autor no Mercado Único Digital. E, nesse sentido, é nossa convicção que o legislador, quando na alínea a) e na subalínea ii) da alínea b) do artigo 7.º da denominada Lei da Cópia Privada atribuiu aos editores 50% da parcela de compensação equitativa sobre as quantias cobradas em relação a equipamentos, aparelhos ou suportes que permitem a “reprodução de obras escritas, livros, incluindo livros outras publicações periódicas e não periódicas" aos “organismos representativos dos editores" determinou toda a compensação equitativa que estes deveriam receber, levando já em consideração a titularidade originária ou derivada do direito de autor sobre tais obras e as presunções legais e outras normas atributivas do direito de autor em que tal titularidade se funda.
É nestes termos que a AUDIOGEST e a GDA fundamentam o seu voto.”
40. A proposta para a distribuição de dezembro de 2020 “mereceu os votos favoráveis da SPA, APEL, AUDIOGEST e GDA, e o voto contra da VISAPRESS (...), tendo sido aprovada por maioria”.
41. E assim a Direção da Ré decidiu de novo entregar à associada SPA - na sua qualidade de entidade de gestão colectiva dos Autores - a totalidade das quantias cobradas e recebidas no DCGR, entre 01.06.2020 e 30.11.2020, distribuíveis aos organismos representativos dos Autores.
42. Estabelece o Ponto 8 dos Estatutos da Ré que:
“1. A AGECOP procede à distribuição, pelas entidades que representam os titulares de direitos, das compensações equitativas efetivamente cobradas que sejam distribuíveis.
2. Os valores distribuídos destinam-se a compensar: a) os titulares de direitos que sejam membros, associados, cooperadores ou mandantes, diretos ou indiretos, das entidades de gestão coletiva associadas da AGECOP; b) os titulares de direitos que, nos termos da Lei, se presumem ser por estas representados.
3. A distribuição das compensações equitativas efetivamente cobradas que sejam distribuíveis realiza-se do seguinte modo:
a) Do valor resultante da utilização habitual e para servir o público mediante a prática de actos de comércio, cuja compensação se consubstancia em 3% do valor do preço de venda ao público antes da aplicação do IVA das fotocópias de obras, electrocópias e demais suportes:
(i) 50% para os organismos representativos dos autores;
(ii) 50% para os organismos representativos dos editores;
b) Do valor compensatório incluído no preço da primeira venda ou disponibilização em território nacional e antes da aplicação do IVA de cada um dos aparelhos, dispositivos e suportes analógicos e digitais, que permitem a reprodução e armazenagem de obras, fixado na Tabela anexa à Lei da Cópia Privada:
(i) na parcela de compensação equitativa que corresponde à proporção da utilização típica do suporte para a reprodução de obras áudio e audiovisuais: 40% para os organismos representativos dos autores, 30% para os organismos representativos dos artistas, intérpretes ou executantes e 30% para os organismos representativos dos produtores de fonogramas ou de videogramas;
(ii) na parcela de compensação equitativa que corresponde à proporção da utilização típica do suporte para a reprodução de obras escritas, incluindo livros e outras publicações periódicas ou não periódicas: 50% para os organismos representativos dos autores e 50% para os organismos representativos dos editores.
4. Havendo mais do que uma Associada que represente a mesma categoria de titulares de direitos, a forma de apuramento dos montantes da compensação equitativa que se destinam a ser distribuídos, assim como os critérios, regras e procedimentos aplicáveis à sua repartição entre estas são regulados nos termos da Lei, dos presentes Estatutos e do Regulamento de Distribuição que respeitará os seguintes critérios e princípios:
a) Sendo impossível determinar em concreto as cópias privadas realizadas, dever-se-á ter em conta a representatividade de cada uma das entidades de gestão associadas da AGECOP em função dos titulares de direitos que sejam membros, cooperadores ou mandantes, diretos ou indiretos, por forma a determinar a proporção da referida representatividade;
b) A representatividade de cada Associada deverá ser aferida face a dados de mercado e de utilizações reais possíveis de obter resultantes de estudos e análises de mercado realizados pela AGECOP ou por conta da AGECOP;
c) Os critérios referidos nas alíneas anteriores serão ainda aplicados para distribuição e pagamento aos beneficiários que não estejam inscritos nas entidades de gestão associadas da AGECOP, mas que, nos termos da Lei se presume serem por estas representados.”.
43. Nos termos do Ponto 6 do Regulamento de Distribuição, sob a epígrafe “Divisão dos valores compensatórios entre entidades que representem a mesma categoria de titulares”: “1. Na hipótese de existirem duas ou mais associadas da AGECOP que representem titulares de direitos da mesma das seguintes categorias de titulares de direitos:
a. Autores de obras musicais e literário-musicais
b. Autores de obras audiovisuais;
c. Artistas, intérpretes e executantes musicais;
d. Atores e bailarinos;
e. Produtores musicais;
f. Produtores audiovisuais;
g. Titulares de direitos de autor sobre obras literários, fotografia, pintura, gravura, desenho e obras afins;
h. Titulares de direitos de autor sobre obras científicas, técnicas e manuais escolares,
i. Titulares de direitos de autor sobre publicações periódicas;
j. Editores de obras literárias;
k. Editores de obras científicas, técnicas e manuais escolares; e
l. Editores de publicações periódicas;
2. A divisão dos valores compensatórios entre estas será efetuada por acordo entre as entidades envolvidas ou, na falta deste, na proporção do número de obras, prestações artísticas, fonogramas, videogramas, edições e publicações que cada uma demonstrar representar de entre listagens de amostras, dados ou monitorizações de utilizações reais;
2.1 Os anexos ao presente regulamento regulamentam o disposto no número anterior, em relação às categorias de titulares que constituem o seu objeto. (…)”.
44. Nos termos previstos no Ponto 5 do Anexo C ao Regulamento de Distribuição, sob a epigrafe “Imputação das quantias a cada uma das associadas”:
“1. Na sequência da operação referida na alínea (b) do número 3 do artigo anterior, em relação a cada uma das publicações periódicas ou “websites” de publicações periódicas, constantes das listagens será possível obter um de três resultados:
a) Nenhuma das associadas que representam titulares de direitos de autor ou editores de publicações periódicas reivindicam a representação do titular de direitos sobre as publicações em causa, hipótese em que essa publicação será ignorada e removida da listagem, não sendo considerada para efeitos de atribuição proporcional a uma das associadas na distribuição em causa, em prejuízo das obrigações que decorrem dos estatutos e do regulamento para as associadas, em virtude da sua presunção legal de representação;
b) Apenas uma das associadas que representa titulares de direitos de autor e/ou editores de publicações periódicas reivindica a representação do titular de direitos sobre a publicação em causa, hipótese em que a parcela proporcional do valor a ser distribuído correspondente a tal publicação é imputado a essa associada;
c) Duas ou mais associadas reivindicam, simultaneamente, a representação dos titulares de direito de autor e/ou editor sobre a publicação em causa, hipótese em que deverão as várias associadas que invocaram a representação ser notificadas para, em prazo não superior a 20 dias, apresentarem provas da representação invocada, designadamente, sem limitar, apresentando um ou mais dos seguintes elementos: mandatos; declarações de mandato; contratos de gestão; contratos de representação ou demonstração da qualidade de associado ou cooperador.
2. Na hipótese prevista na alínea (c) do número anterior, caso mais do que uma das associadas em causa apresentem elementos tendentes a demonstrar a representação da publicação em causa, e não existam motivos evidentes para atribuir liminar e claramente a representação a uma delas, a Direção deverá determinar que o valor proporcional correspondente à parcela objeto de litígio fique retido na AGECOP, numa conta bancária criada para este efeito, sem prejuízo da distribuição e entrega das restantes quantias às associadas que a elas tiverem direito. 3. O valor retido nos termos do número anterior apenas poderá ser entregue a uma das associadas que o reclamam por acordo entre estas ou na sequência da comunicação à AGECOP de uma decisão arbitral ou judicial que determine a titularidade do direito e/ou do valor em causa. (…)”
*
III. Do mérito do recurso
11. Antes de respondermos às questões supra enunciadas, haverá que recordar que, segundo jurisprudência constante, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de questão que delas não conste.
12. É também consensual na jurisprudência dos tribunais portugueses que importa não confundir questões, cuja omissão de pronúncia desencadeia nulidade da decisão nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil, com argumentos, razões ou motivos que são aduzidos pelas partes em defesa ou reforço das suas posições, aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada.
13. Feitos estes esclarecimentos prévios, vejamos as questões suscitadas no recurso.
i. O TPI deve ser considerado incompetente em razão da matéria?
14. Resulta, no essencial, das conclusões supra citadas e que aqui escusamos de repetir, que o argumento da Recorrente nesta sede reconduz-se, ao que julgamos, à seguinte linha de raciocínio:
a) No âmbito de uma outra ação declarativa para anulação da mesma deliberação em questão nestes autos e que precedeu o presente processo, foi proferido o Ac. STJ de 11-05-2023, processo n.º 28193/20.3T8LSB-A.L1.S1 (junto a estes autos e também acessível em www.dgsi.pt), segundo o qual, “a pretensa invalidade da deliberação de 3 de dezembro de 2020 resultará da alegada violação dos procedimentos estabelecidos pela Ré em concretização do regime jurídico da cópia privada, em articulação com as próprias regras do CDADC, importando, necessariamente, e desde logo, um juízo quanto à qualidade da demandante para efeitos de aplicação do próprio regime jurídico da cópia privada, no que à distribuição da compensação equitativa (na vertente autores) respeita, prevista no art.º 3º da Lei da Cópia Privada, e que está em causa nos presentes autos, donde, coloca-se em causa, inequivocamente, questões de interpretação da Lei da Cópia Privada e questões de Direitos de Autor e de Direitos Conexos” (sublinhados nossos).
b) Por seu turno, segundo o tribunal a quo, “A divergência entre os Associados prende-se, pois, com a questão de saber se a VISAPRESS, na sua qualidade de entidade de gestão coletiva que representa Editores, pode reclamar uma quota parte da compensação equitativa que compete aos Autores, na medida em que aqueles, fruto de acordos contratuais entre editores de publicações periódicas e autores das obras, podem ter adquirido o direito de exploração destas, ou possam ser titulares originários dos direitos de autor sobre trabalhos jornalísticos não assinados (cf. nº 4 do art. 175.º do CDADC). Esta questão, porém, é uma questão interpretativa prévia que merece um tratamento autónomo, à margem dos fins do procedimento previsto no Ponto 6 do Regulamento da Distribuição e do respetivo Anexo C.” (sublinhados nossos).
c) A sentença recorrida adotou, portanto, um entendimento divergente do sustentado pelo Acórdão do STJ o qual considerou, tendo em conta a causa de pedir e pedido formulado nos presentes autos que, para apreciar da questão decidenda, o Tribunal a quo teria de analisar e apreciar da qualidade e da existência da titularidade de direito de autor que a Autora se arroga e se tal qualidade lhe confere assim, ao abrigo da lei da Cópia Privada e do CDADC o direito a reclamar o recebimento de compensação equitativa destinada aos organismos representativos dos autores.
15. Nesta sede, a Recorrida, para além de discordar em substância da posição da Recorrente, alega que o recurso, neste ponto, é intempestivo, por aplicação do prazo de 15 dias (e não de 30).
16. Quanto a este último ponto, não julgamos que o recurso seja intempestivo, porquanto o recurso enquadra-se na previsão do artigo 644.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, aplicando-se o prazo de 30 dias previsto no artigo 638.º, n.º 1, do mesmo diploma. Não se subsume, portanto, diferentemente do que sustenta a Recorrida, na previsão do artigo 644.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
17. Quanto à substância da questão, não julgamos que a posição adotada pelo tribunal a quo lhe fizesse incorrer no vício de incompetência em razão da matéria.
18. Tal como foi decidido no referido Acórdão do STJ o TPI é competente para decidir a matéria em discussão nestes autos.
19. Nestes termos, é manifesto que inexiste a apontada violação das regras da competência em razão da matéria, pelo que se julga o recurso improcedente neste ponto.
ii. A sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia?
20. A questão aqui suscitada pela Recorrente também se reconduz, em certa medida, ao decidido no citado Acórdão do STJ de 11-05-2023, processo n.º 28193/20.3T8LSB-A.L1.S1, pois a Recorrente entende que o tribunal a quo deveria ter feito uma “analise e apreciação da qualidade e da existência da titularidade de direito de autor na esfera jurídica da Autora, como esta se arroga, e se tal qualidade lhe conferia ou não assim, ao abrigo da lei da Cópia Privada e do CDADC o direito a reclamar o recebimento de compensação equitativa destinada aos organismos representativos dos autores” (cf. conclusão 9).
21. Recorde-se, por sua vez, que o já citado Acórdão do STJ tinha afirmado que “a pretensa invalidade da deliberação de 3 de dezembro de 2020 resultará da alegada violação dos procedimentos estabelecidos pela Ré em concretização do regime jurídico da cópia privada, em articulação com as próprias regras do CDADC, importando, necessariamente, e desde logo, um juízo quanto à qualidade da demandante para efeitos de aplicação do próprio regime jurídico da cópia privada, no que à distribuição da compensação equitativa (na vertente autores) respeita, prevista no art.º 3º da Lei da Cópia Privada, e que está em causa nos presentes autos, donde, coloca-se em causa, inequivocamente, questões de interpretação da Lei da Cópia Privada e questões de Direitos de Autor e de Direitos Conexos” (sublinhados nossos).
22. Neste âmbito, resulta desde logo salientado na sentença recorrida que “De acordo com a causa de pedir e o pedido formulado, objeto da presente ação cinge-se, assim, apenas à apreciação da validade da deliberação de 03 de dezembro de 2020 da Direção da AGECOP (ponto 4 da ordem de trabalhos) na vertente procedimental (de observância do procedimento previsto nos Estatutos e no Regulamento), excluindo a apreciação de mérito do conflito existente entre a Autora e Sociedade Portuguesa de Autores (isto é, excluindo a questão do mérito da deliberação posta em crise – saber se ao decidir a divergência a favor da SPA a Ré o fez de acordo com o regime jurídico e legislação aplicável).”.
23. E efetivamente resulta do artigo 16.º da petição inicial o seguinte:
Ou seja, a questão que a Autora pretende ver decidida nesta ação não se relaciona com o mérito da deliberação posta em crise (saber se ao decidir a divergência a favor da SPA a Ré o fez de acordo com o regime jurídico e legislação aplicável ao assunto), mas relaciona-se exclusivamente com a questão de saber se a Ré podia ter decidido do mérito por via da deliberação que tomou ou se os Estatutos e o Regulamento Interno lhe impunham um outro procedimento (validade da deliberação social independentemente da matéria que a mesma apreciou).” (sublinhados nossos).
24. E logo a seguinte, consta do artigo 17.º da petição inicial que “Qualquer decisão a proferir nesta ação está, pois, limitada a este pedido em concreto e não pode apreciar e decidir do mérito da discussão entre associadas, sob pena de violação ao disposto no artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”.
25. Como parece saltar à vista, os limites que se viram, assim, impostos pela própria Autora, foram algo estreitos.
26. Recorde-se, aqui, que segundo a deliberação controversa “No Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica, da verba global distribuível 50% é atribuída aos organismos representativos dos Autores (desta verba a SPA fica com a totalidade - 100%), sendo que os restantes 50% são atribuídos aos organismos representativos dos Editores (destes 60% cabem à APEL e 40% à VISAPRESS).”.
27. E resulta do facto assente n.º 27 que “Submetida a votação, “a proposta para a distribuição em dezembro de 2020, mereceu os votos favoráveis da SPA, APEL, AUDIOGEST e GDA e o voto contra da VISAPRESS (nos termos já constantes na ata de 26 de Junho de 2020), tendo sido aprovada por maioria.”.
28. Por seu turno, resulta do ponto 5 do Anexo C ao Regulamento de Distribuição (facto n.º 44), além do mais, o seguinte:
c) [Quando] [d]uas ou mais associadas reivindicam, simultaneamente, a representação dos titulares de direito de autor e/ou editor sobre a publicação em causa, hipótese em que deverão as várias associadas que invocaram a representação ser notificadas para, em prazo não superior a 20 dias, apresentarem provas da representação invocada, designadamente, sem limitar, apresentando um ou mais dos seguintes elementos: mandatos; declarações de mandato; contratos de gestão; contratos de representação ou demonstração da qualidade de associado ou cooperador.
29. Neste contexto, e para responder negativamente ao que lhe era solicitado pela Autora, o tribunal a quo fundamentou a sua decisão, discordando daquela no que tocava à aplicação do procedimento alegado, dizendo explícitamente que “salvo o devido respeito pela posição assumida pela Autora, não nos parece que se verifica uma divergência de representação que justifique o recurso ao mecanismo do Ponto 6 do Regulamento, mas antes uma divergência de interpretação que cai fora do âmbito deste.”.
30. Pode-se, obviamente, discordar da apreciação da questão feita pelo tribunal a quo.
31. O que não se pode sustentar é que a sentença recorrida padece de omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil), pois inequívocamente respondeu à questão que lhe competia responder.
32. Julga-se, por isso, improcedente a nulidade alegada.
iii. A deliberação tomada pela Direção da Ré na reunião realizada no dia 03-12-2020, no âmbito do ponto 4 da respetiva ordem de trabalho e no que toca à distribuição de verbas no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica (na vertente autores), deve ser anulada?
33. Nesta sede, e já na petição inicial, a Autora alegou nos artigos 44 e 45 que:
44.
Verifica-se no seio da Ré uma divergência entre duas associadas - a Autora e a SPA, Sociedade Portuguesa de Autores - quanto à representatividade do mesmo titular de direito: ambas se arrogam, no âmbito do Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica da Ré, representantes da mesma categoria de titulares de direito de autor (ou seja, como organismos representativos dos Autores) e ambas reclamam o direito ao recebimento da correspondente compensação equitativa,
45.
Sendo que a SPA reclama esse direito por ser a entidade representante dos direitos dos autores e a Autora reclama esse direito por ser a entidade representante dos direitos dos editores de publicações periódicas, a quem, quer por via contratual, quer por força da lei (o artigo 19º, n.º 1 do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos), é atribuído e cabe a titularidade do direito de autor sobre tais obras (publicações periódicas).”.
34. A argumentação da Recorrente nesta sede consiste assim, em essência, no seguinte entendimento: “estando, in casu, duas das suas associadas (Autora e a SPA) a reivindicar, simultaneamente, a representação de titulares de direito de autor sobre determinada(s) publicação(ões), ou seja, na mesma categoria de direitos, a saber: titulares de direito de direitos de autor sobre publicações periódicas, cabia à Ré (e não à Autora prima facie), ao contrário do sustentado pelo Mmo. a quo., em cumprimento dos regulamentos internos, tomar a iniciativa de as notificar para que ambas pudessem apresentar as respetivas provas de representação invocadas.” (conclusão 35).
35. Recorde-se, por sua vez, que segundo os artigos 16 e 17 da petição inicial:
“16.
Ou seja, a questão que a Autora pretende ver decidida nesta ação não se relaciona com o mérito da deliberação posta em crise (saber se ao decidir a divergência a favor da SPA a Ré o fez de acordo com o regime jurídico e legislação aplicável ao assunto), mas relaciona-se exclusivamente com a questão de saber se a Ré podia ter decidido do mérito por via da deliberação que tomou ou se os Estatutos e o Regulamento Interno lhe impunham um outro procedimento (validade da deliberação social independentemente da matéria que a mesma  apreciou).”.
17.
Qualquer decisão a proferir nesta ação está, pois, limitada a este pedido em concreto e não pode apreciar e decidir do mérito da discussão entre associadas, sob pena de violação ao disposto no artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”.
36. Segundo o facto n.º 43, o ponto 6 do Regulamento de Distribuição, sob a epígrafe “Divisão dos valores compensatórios entre entidades que representem a mesma categoria de titulares”, é estabelecido, no que aqui é particularmente relevante, o seguinte:
“1. Na hipótese de existirem duas ou mais associadas da AGECOP que representem titulares de direitos da mesma das seguintes categorias de titulares de direitos:

i. Titulares de direitos de autor sobre publicações periódicas;
2. A divisão dos valores compensatórios entre estas será efetuada por acordo entre as entidades envolvidas ou, na falta deste, na proporção do número de obras, prestações artísticas, fonogramas, videogramas, edições e publicações que cada uma demonstrar representar de entre listagens de amostras, dados ou monitorizações de utilizações reais;
2.1 Os anexos ao presente regulamento regulamentam o disposto no número anterior, em relação às categorias de titulares que constituem o seu objeto. (…).”.
37. Mais resulta do facto n.º 44, com especial relevância para a questão ora em análise, que nos termos previstos no ponto 5 do Anexo C ao Regulamento de Distribuição, sob a epigrafe “Imputação das quantias a cada uma das associadas”, estabelece-se o seguinte:
1. Na sequência da operação referida na alínea (b) do número 3 do artigo anterior, em relação a cada uma das publicações periódicas ou “websites” de publicações periódicas, constantes das listagens será possível obter um de três resultados:

c) Duas ou mais associadas reivindicam, simultaneamente, a representação dos titulares de direito de autor e/ou editor sobre a publicação em causa, hipótese em que deverão as várias associadas que invocaram a representação ser notificadas para, em prazo não superior a 20 dias, apresentarem provas da representação invocada, designadamente, sem limitar, apresentando um ou mais dos seguintes elementos: mandatos; declarações de mandato; contratos de gestão; contratos de representação ou demonstração da qualidade de associado ou cooperador.
2. Na hipótese prevista na alínea (c) do número anterior, caso mais do que uma das associadas em causa apresentem elementos tendentes a demonstrar a representação da publicação em causa, e não existam motivos evidentes para atribuir liminar e claramente a representação a uma delas, a Direção deverá determinar que o valor proporcional correspondente à parcela objeto de litígio fique retido na AGECOP, numa conta bancária criada para este efeito, sem prejuízo da distribuição e entrega das restantes quantias às associadas que a elas tiverem direito.
3. O valor retido nos termos do número anterior apenas poderá ser entregue a uma das associadas que o reclamam por acordo entre estas ou na sequência da comunicação à AGECOP de uma decisão arbitral ou judicial que determine a titularidade do direito e/ou do valor em causa. (…)”.
38. Ou seja, de acordo com o entendimento da Recorrente, porque ela e a SPA reivindicavam, em simultâneo, a representação de titulares de direito de autor sobre determinada(s) publicação(ões) (veja-se, em especial, artigos 63 e 64 do petitório), deviam ter sido, desde logo, notificadas para, em prazo não superior a 20 dias, apresentarem provas da representação invocada (Ponto 5 do Anexo C ao Regulamento de Distribuição, n.º 1, al. c) e n.º 2).
39. E isto no contexto da deliberação controversa descrita no facto n.º 26 No Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica, da verba global distribuível 50% é atribuída aos organismos representativos dos Autores (desta verba a SPA fica com a totalidade - 100%), sendo que os restantes 50% são atribuídos aos organismos representativos dos Editores (destes 60% cabem à APEL e 40% à VISAPRESS).”.
40. Resulta, pois, da deliberação que esta decidiu dividir a verba global em duas metades (50% + 50%), atribuindo a totalidade da primeira metade à SPA, apesar dos protestos da Visapress, ora Recorrente. Será, portanto, contra esta decisão específica que a Recorrente se insurge.
41. Tal verba global, como é consensual, dizia respeito a receitas a serem distribuídas à luz do regime da cópia privada, em especial, entre os organismos representativos dos autores e os organismos representativos dos editores (cf. artigos 3.º e 7.º da Lei n.º 62/98, de 01 de setembro e artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos).
42. Mais foi alegado em sede de petitório, o seguinte:
65.
Por outro lado, deixa-se ainda referido, a título de contextualização e comentário lateral, que o Artigo 19º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos estabelece que o direito de autor sobre obra coletiva é atribuído à entidade singular ou coletiva que tiver organizado e dirigido a sua criação e em nome de quem tiver sido divulgada ou publicada, estabelecendo a presunção, ope legis, de que os jornais e outras publicações periódicas são obras coletivas, pertencendo às respetivas empresas o direito de autor sobre as mesmas.”.
43. As considerações de natureza substantiva (titularidade de direitos de autor no âmbito de publicações periódicas), são agora bastante mais desenvolvidas em sede de Recurso e no, aliás, douto parecer jurídico junto nesta fase, da autoria do Senhor Professor Dário Moura Vicente.
44. Ora, mesmo mantendo-nos dentro dos limites delineados na petição inicial e supra descritos em 35, devidamente contextualizados conforme descrito em 42 (e supra em 33), isto é, mesmo sem atender aos desenvolvimentos de direito substantivo agora apresentados no Recurso e dito parecer jurídico, cremos que há que concluir que à Autora assistia razão.
45. Efetivamente, recorde-se que, segundo o facto assente n.º 3 “A Autora é a entidade de gestão coletiva que representa os direitos de autor e direitos conexos dos Editores dos principais jornais e revistas (publicações periódicas) do mercado nacional, conforme resulta dos respetivos Estatutos, juntos como doc. n.º 5 com a p.i., cujo teor se dá por reproduzido.” (sublinhados nossos).
46. Por seu turno, tal como alegado pela Autora na petição, resulta do artigo 19.º, n.º 3, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, que as publicações periódicas constituem obras coletivas e que as empresas, entenda-se as proprietárias das publicações (editoras) são, desde logo, originariamente titulares de direitos de autor sobre tais obras (ou seja, sobre a publicação, por exemplo um jornal, visto como um todo).
47. É, portanto, neste contexto que se compreende que a Autora reivindicasse junto da Ré o direito de quinhoar nas receitas em causa, desde logo, porque representa titulares originários de direitos de autor sobre publicações periódicas.
48. Ora, conforme resulta dos preceitos do Regulamento e respetivo Anexo C já supra citados (vejam-se, ainda, os artigos 8.º, n.º 4 e 13.º, n.º 2, alínea c) dos estatutos da Ré, juntos aos autos e também disponibilizados online[1]), em casos onde mais do que um Associado da Ré se arrogue representar, no que é aqui relevante, titulares de direitos de autor sobre publicações periódicas (ponto 6, n.º 1, al. i), do Regulamento), deve-se, num primeiro momento, notificar os Associados em causa (neste caso a SPA e a Visapress), para, em prazo não superior a 20 dias, apresentarem provas da representação invocada (ponto 5, n.º 1, al. c), do Anexo C).
49. Contudo, tal como já resulta do exposto, não foi esse o procedimento adotado, tendo-se antes decidido, no que aqui é relevante, que “No Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica, da verba global distribuível 50% é atribuída aos organismos representativos dos Autores (desta verba a SPA fica com a totalidade - 100%)…”.
50. É certo que tal deliberação se baseou num parecer e respetiva atualização descritos nos factos assentes n.ºs 30, 34 a 36.
51. Contudo, tal parecer, inclusivamente atualizado, não logrou convencer a Autora, como resulta manifesto dos factos assentes. Assim sendo, e por não haver acordo entre os Associados respetivos, cremos que não havia senão como proceder como o descrito.
52. E contra este entendimento, ao que cremos, não se pode sustentar, como faz a Recorrida na sua resposta, que a Recorrente não é um organismo representativo de autores, para os efeitos do artigo 7.º da Lei da Cópia Privada.
53. Com efeito, o facto de ser um organismo representativo de editores, até pelos motivos já supra enunciados em 45-46, não afasta, por si só, a qualidade de organismo representativo de autores.
54. É certo que aqui se poderia defender, tal como parece defender o dito parecer descrito nos factos provados, que o termo “autores” restringe-se aos criadores de obras intelectuais, neste caso de trabalhos jornalísticos ou outros conteúdos de publicações periódicas, e que as duas qualidades não são, assim, cumuláveis.
55. Como é sabido, o termo “autor” é ambíguo, podendo ser usado, tal como já ensinava o saudoso Professor José de Oliveira Ascensão, para se referir ao criador intelectual da obra, o titular originário desta ou o titular atual.[2]
56. Infelizmente, o nosso Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos não evita esta ambiguidade, desde logo no artigo 82.º quando, além do mais, refere que a compensação equitativa aqui em causa, destina-se a beneficiar “os autores, os artistas… os editores”, parecendo, portanto, distinguir o autor criador intelectual de trabalhos ou conteúdos jornalísticos, da figura do editor titular originário da publicação periódica.
57. Se atentarmos, contudo, à ratio da distribuição dos benefícios do regime da cópia privada, não se vê qualquer razão para excluir os editores dos mesmos, desde logo, porque também as publicações periódicas são suscetíveis de serem integralmente fotocopiados, electrocopiados ou armazenados em suportes digitais, numa palavra, reproduzidos. Obviamente que tais atos afetarão, com elevada probabilidade, o volume de vendas dos próprios jornais, razão de ser da compensação equitativa.
58. Por outro lado, se atentarmos na redação do artigo 3.º, n.º 1 da Lei da Cópia Privada, são expressamente referidos os “titulares de direitos dos danos patrimoniais sofridos com a prática da cópia privada”, e não apenas os autores.
59. Não colhem, assim, as objeções da Recorrida.
60. Julga-se, pois, que os procedimentos descritos nos referidos Estatutos, no Regulamento e respetivo Anexo C (e nos Estatutos da Ré), eram aqui aplicáveis. Não se concorda, assim, com o tribunal a quo nem tampouco com a Recorrida.
61. Assim sendo, a deliberação controversa deve efetivamente ser anulada, por violação dos Estatutos da Recorrida (artigos 8.º, n.º 4 e 13.º, n.º 2, alínea c)), do seu Regulamento Interno de Distribuição (ponto 6, n.ºs 2 e 2.1) e respetivo Anexo C (ponto 5, n.º 1, alínea c)), nos termos conjugados do disposto nos artigos 177º e 287.º do Código Civil e artigos 58.º, n.º 1, alínea a) e 411.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais (estes aplicáveis analogicamente), tal como originalmente solicitado na petição inicial.
62. Nestes termos, o recurso deve ser julgado procedente.
*
IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar o presente recurso procedente, e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e anula-se a deliberação tomada pela Direção da Recorrida na reunião realizada no dia 03-12-2020, no âmbito do ponto 4 da respetiva ordem de trabalho no que toca à distribuição de verbas no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica (na vertente autores).
Custas pela Recorrida (art. 527.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 16-10-2024
Alexandre Au-Yong Oliveira
Eleonora Viegas
José Paulo Abrantes Registo
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[1] Acesso por: https://www.agecop.pt/pdf/Estatutos.pdf (acedido em 25-09-2024).
[2] José de Oliveira Ascensão, Direito civil: direito de autor e direitos conexos (Coimbra: Coimbra Editora, 1992), 105.