Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2504/21.2T8SLX.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: ÁREA URBANA DE GÉNESE ILEGAL
AUGI
IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO
LEGITIMIDADE ACTIVA
PROPRIETÁRIO E COMPROPRIETÁRIO INTEGRADO NA AUGI
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 4.1. – As deliberações da assembleia de proprietários ou comproprietários de prédio ou prédios integrados na mesma AUGI podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação referida no n.º 6 do presente artigo, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião  - cfr. nº 8 do artº 12º da LAUGI ;
4.2.Aludindo é vero o nº 8 do artº 12º da LAUGI a “qualquer interessado”, certo é que o legislador não se fica pela referida referência, antes logo lhe acrescenta a expressão “que as não tenha aprovado”, diferenciando igualmente o prazo de impugnação consoante aquele ( interessado ) haja ou não estado presente na reunião.
4.3.Ora, porque apenas os proprietários ou comproprietários de prédio ou prédios integrados na mesma AUGI podem estar  presentes e aprovar deliberações, não vemos como admitir que a autora/demandante -  que não é proprietária ou comproprietária de prédio ou prédios integrados na mesma AUGI - possa arrogar-se titular do direito potestativo de impugnação de deliberações de uma assembleia na qual “não tem assento”, e para a qual de resto nem sequer é convocada ( “A assembleia é convocada por escrito, mediante registo postal enviado
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
                                  
1. - Relatório.
A [ ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA DO PRÉDIO RÚSTICO DENOMINADO PINHEIRO ….], instituída em 01/12/1996, intentou AÇÃO DECLARATIVA DE IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÃO, nos termos do disposto nos artigos 177º e 178º do Código Civil e do n.º 8 do artigo 12º da Lei n.º 91/95 de 2 de setembro,
Contra,
B [  ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA DA AUGI DO PINHEIRO ….], instituída na assembleia constitutiva da AUGI do Pinheiro … realizada em 18/09/2021, e Representada por,
1 - NELSON ………., residente no Seixal;
2 - ARMANDO …..., residente em Alhos Vedros; e
3- MANUEL ….….., residente em Corroios.
1.1.- Na acção referida, PETICIONA a autora, que ,Uma vez julgada a presente ação como procedente, por provada, seja, em consequência :
i) declarada ilícita a realização da “Assembleia Constitutiva” da Ré/AUGI do Pinheiro ……, realizada no dia 18 de Setembro de 2021;
ii)anuladas todas as deliberações tomadas na referida Assembleia Constitutiva” e realizada no dia 18 de Setembro de 2021, bem como todos os seus efeitos e actos praticados em resultado dessas mesmas deliberações.
1.2. - Para tanto, alegou a autora, em síntese que :
- Na sequência da entrada em vigor da Lei nº 91/95, de 2 de setembro e que veio estabelecer o regime excecional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), realizou-se em 01 de Dezembro de 1996, a Assembleia Geral constitutiva da “Administração Conjunta do Prédio Rústico denominado Pinheiro …..”, a aqui Autora/Requerente, tendo a partir de então ficado instituída a Administração Conjunta dos 10 prédios que constituem a AUGI do Pinheiro …….;
- Não obstante o referido, certo é que em 18/9/2021 veio a ter lugar uma “nova” Assembleia constitutiva da AUGI do Pinheiro ….., que teve lugar no Pavilhão Desportivo Municipal do Clube de Pessoal da Siderurgia Nacional e que foi convocada pelo comproprietário Nelson ……., constando da respectiva ordem de trabalhos, designadamente, “Deliberar instituir a Administração conjunta dos prédios e promover a reconversão urbanística da AUGI, nos termos da Lei n.º 91/95 de 2 de Setembro, alterado pelas Lei 165/99 de 14 de Setembro, Lei 64/2003 de 23 de Agosto, Lei 10/2008 de 20 de Fevereiro, Lei 79/2013 de 26 de Novembro, Lei 70/2015 de 15 de Julho”;
- Acontece que a convocação e realização em 18/9/2021 de uma Assembleia constitutiva da AUGI do Pinheiro ….. mostram-se  desprovidas de base legal [ porque a LAUGI, a coberto da qual foi convocada a dita Assembleia Geral, não ser aplicável para efeitos de instituição de uma Administração Conjunta ], razão porque inevitável é a inexistência e/ou nulidade das deliberações que nela possam ter sido tomadas;
- Acresce que os prédios que porventura a nova administração conjunta eleita pretende representar já se encontraram integrados numa administração conjunta, a aqui Requerente e, ainda que a LAUGI, dentro da sua excecionalidade, preveja alguns regimes especiais tendentes à reconversão urbanística dos prédios integrados em AUGI, esta não previa, nem prevê, a possibilidade de um mesmo prédio poder integrar mais que uma administração conjunta;
- Por último, e sem prejuízo da ilegalidade da convocatória e suas deliberações, de que não se abdica, tem a Requerente fundadas dúvidas quanto ao quórum indicado como presente ou representado na Assembleia Geral, a referida ata indica como estando presente 160 comproprietários, aos quais corresponderiam 315.552,00 avos indivisos e 38% de quórum.
1.2. – Citada a Ré, veio a mesma deduzir oposição, contestando a acção por excepção [ invocando a Excepção Dilatória de Ilegitimidade Activa ] e por impugnação motivada [ aduzindo que a convocação e realização da assembleia que instituiu a Ré dispõe de pertinente fundamento legal ] , e impetrando que os representantes da autora ( Fernando ….., António ….. e Helena ….. ) sejam condenados por litigância de má-fé, em multa e indemnização a atribuir à R. no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), enquanto elementos da comissão de administração que representou a A.
1.3. – Após Resposta da autora à matéria da excepção [ impetrando a sua improcedência, pois que, diz a autora que a LAUGI prevê que a impugnação de uma deliberação pode ser deduzida por “qualquer interessado que as não tenha aprovado”, logo, de forma expressa, a LAUGI não se limitou a dar essa possibilidade apenas aos comproprietários, sendo que no conceito de “interessado” caberá, necessariamente, a aqui Requerente, pois esta efetua a administração conjunta de um “grupo” de prédios que, aparentemente, a Requerida pretende vir a administrar ], foi dispensada a realização da audiência prévia ( ao abrigo do disposto nos artigos 593.º, n.º1 e artigo 6.º, n.º1, ambos do Código de Processo Civil)  e, conhecendo-se da excepção dilatória pela Ré invocada, proferiu-se DESPACHO SANEADOR, nele se decidindo :
“(…)
Em face do exposto, julga-se procedente a excepção dilatória de ilegitimidade ativa e, em consequência, absolve-se a ré da instância, nos termos do disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea e), todos do Código de Processo Civil.
Custas pela autora, conforme artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Fixa-se o valor da causa em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), artigos 296.º, n.º 1, 303.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Sxl, 25.03.2022
A Juiz de Direito”.
1.4. – Notificada da DECISÃO identificada em 1.3., e da mesma discordando, veio então a autora ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA DO PRÉDIO RÚSTICO DENOMINADO PINHEIRO ……. interpor recurso de apelação, que admitido foi, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões :
1 - A Meritíssima Juiz “a quo” proferiu a sua decisão final, quanto à exceção de ilegitimidade ativa da Autora, tendo declarado esta como “parte ilegítima”, e, consequentemente, absolvendo a Ré da instância.
2 - Fundamentando, em síntese, a sua Douta Decisão no facto de ter verificado a “questão da legitimidade processual activa, no âmbito específico da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro (reconversão das áreas urbanas de génese ilegal)”.
3 - Mais referindo que “O artigo 12.º da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, sob a epígrafe «funcionamento da assembleia», estabelece no n.º 8 que «as deliberações da assembleia podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação referida no n.º 6 do presente artigo, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião.»”.
4 - Concluindo que “a administração conjunta não tem direito de voto na assembleia. Assim, não tendo direito de voto, não podia aprovar ou não aprovar a deliberação em causa nos presentes autos, não se encontrando, por isso, abrangida pelo círculo de interessados a que alude o artigo 12.º, n.º 8, da citada Lei.”.
5 - A Autora/Apelante, não se conformando com a Douta Sentença, vem interpor o presente Recurso, tendo o mesmo como objeto a matéria de direito, vertida na citada decisão.
6 - A referida sentença merece censura, quanto às decisões de Direito proferidas na Douta Sentença ora em crise, referente ao não reconhecimento do direito da Apelante em impugnar a deliberação da Apelada.
7 - O Tribunal “a quo” refere, na sua Douta Sentença, e bem, que “no caso em apreço, importa atentar na questão da legitimidade processual activa, no âmbito específico da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro(reconversão das áreas urbanas de génese ilegal).”
8 - Mais especificando que, “O artigo 12.º da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, sob a epígrafe « funcionamento da assembleia», estabelece no n.º 8 que «as deliberações da assembleia podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação referida no n.º 6 do presente artigo, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião.»”.
9 - Todavia, o Tribunal “a quo” veio a concluir que “a administração conjunta não tem direito de voto na assembleia. Assim, não tendo direito de voto, não podia aprovar ou não aprovar a deliberação em causa nos presentes autos, não se encontrando, por isso, abrangida pelo círculo de interessados a que alude o artigo 12.º, n.º 8, da citada Lei.”.
10 - Pois, nos termos do n.º 1 do artigo 8º da Lei n.º 91/95 de 2 de Setembro (LAUGI), “ O prédio ou prédios integrados na mesma AUGI ficam sujeitos a administração conjunta, assegurada pelos respetivos proprietários ou comproprietários.”
11 - E, de acordo com o disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 15º da LAUGI, compete à Comissão de Administração da Administração Conjunta, “Representar a administração conjunta em juízo”, ou seja, representar em juízo a totalidade dos comproprietários que compõem a Administração Conjunta.
12 - Assim, perante uma deliberação que afeta a totalidade dos comproprietários da AUGI (Área Urbana de Génese Ilegal), a Comissão de Administração procedeu ao pedido de impugnação da mesma, em representação dos comproprietários que compõem a Administração Conjunta, nos termos dos artigos da LAUGI atrás identificados.
13 - O legislador, ao aprovar a citada LAUGI, quis especificamente identificar quais os interessados que poderiam requerer a declaração da AUGI, circunscrevendo-os (apenas) aos comproprietários da Administração Conjunta (vide n.º 1 do artigo 35º conjugado com o artigo 9º da LAUGI.
14 - No entanto, já quanto à possibilidade de impugnação das deliberações da Assembleia Geral, a LAUGI veio a conceder esse poder a qualquer interessados que as não tenha aprovado (n.º 8 do artigo 12º), sem qualquer tipo de delimitação ou restrição. Esta disposição legal é bastante clara ao possibilitar a referida impugnação a “qualquer interessado” e não a “qualquer comproprietário”.
15 - Deste modo, qualquer sujeito processual com interesse direto na impugnação das deliberações, terá a faculdade de as impugnar, sem que tenha (obrigatoriamente) que ser comproprietário.
16 - A Comissão de Administração, enquanto órgão representativo da totalidade dos comproprietários, tem um interesse e faculdade legal de impugnar as deliberações da Assembleia Geral.
17 - Pelo que, dúvidas não restarão que a Apelante tem interesse na impugnação das deliberações da Assembleia Geral e, como tal, terá legitimidade ativa para o fazer.
18 - Já quanto à aplicabilidade subsidiária da legislação referente às deliberações das assembleias de condóminos, se dirá que o n.º 1 do artigo 12º da LAUGI, “apenas” se remete para esta legislação quanto à questão da convocatória e deliberação em primeira ou segunda convocatória da assembleia de comproprietários.
19 - Quanto ao demais, o legislador quis criar um regime especial, com regras próprias e especiais, perante a restante legislação, o qual tem definido um regime próprio para impugnação das deliberações das assembleias gerais (n.º 8 do artigo 12º).
20 - Assim, a legislação “geral” quanto às assembleias de condóminos não poderá ser aplicável à impugnação de uma deliberação da assembleia de comproprietários, a qual tem um regime “especial” para esse efeito.
21 - Consequentemente, por muito respeito que mereça, e merece, o vertido na Douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, não pode a Apelante, de modo algum, concordar com o conteúdo da mesma.
22 - E assim, esteve mal o Tribunal “a quo” ao considerar como demonstrada a ilegitimidade ativa da Apelante, quando, efetivamente, do regime legal em vigor (LAUGI), deveria considerar a Apelante como detentora de legitimidade ativa para impugnar as deliberações da Assembleia de Comproprietários.
23 - A prova produzida nos autos impunha ao Tribunal uma decisão diversa daquela que foi tomada, pois, ao decidir da forma que o fez, o Tribunal “a quo” cometeu um erro na apreciação da prova.
24 - A Douta Decisão “a quo”, no que refere aos mencionados factos, não contém o necessário exame crítico das provas que conheceu, violando assim o principio explanado no n.º 4 do artigo 607º do C. P. C..
25 - Pois do seu exame crítico necessariamente resultará uma interpretação contrária, implicando a verificação da legitimidade ativa da Apelante.
26 - Assim, a falta de exame crítico da prova conhecida levará à mediocridade da motivação, o que deverá agora, em sede de recurso, ser corrigido.
27 - Pelo exposto e fundamentado, deverá este Venerando Tribunal conceder provimento ao Recurso ora apresentado, revogando a Douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, reconhecendo a legitimidade ativa da Apelante, de onde decorrerá a legitimidade para a impugnação das deliberações da Apelada, conforme por esta peticionado.
Sendo assim, farão V. Exas. a objetiva justiça!
1.5 – Tendo a Ré ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA DA AUGI DO PINHEIRO …… apresentado contra-alegações recursórias, na respectiva peça veio impetrar que a apelação da Autora seja julgada improcedente, para tando deduzindo as seguintes conclusões :
1- Não há nada apontar à sentença sindicada.
2- Verifica-se que quem propõe a acção de impugnação das deliberações da assembleia geral é a Administração Conjunta da AUGI do Pinheiro ……..
3- Nos termos da lei especial, Lei 91/95 de 2 de Setembro, tem legitimidade para provocar a anulação da deliberação o proprietário/comproprietário da AUGI, ao abrigo do nº 8 do artº 12º da Lei das AUGI.
4- Efectivamente são estes porquanto são estes que têm assento na assembleia geral, nos termos do artº 9º e são estes que dispõem de direito de voto na assembleia ao abrigo do artº 13º da Lei das AUGI.
5- A Administração Conjunta não dispõe de assento na assembleia geral e não vota as deliberações logo não tem legitimidade para impugnar as deliberações da assembleia geral.
6- Do mesmo modo estabelece o artº 1433º, nº 1 do C. Civ. que “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis, a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”.
7- O artº 30º do CPC não atribui legitimidade substantiva à Recorrente para discutir um direito potestativo pertencente aos proprietários e comproprietários da AUGI.
8- A ilegitimidade, conforme o disposto pelo artigo 577º, al. e), é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância (cfr. artigos 576º, 577º, al. e), 578º e 278º, nº 1, al. d) todos do CPC), tal como reconhecida pelo Tribunal a quo.
9- Conclui-se que nenhum reparo há a fazer à sentença proferida, na medida em que a Recorrente é parte ilegítima para a presente acção.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, muito doutamente suprirão, deverá o presente recurso apresentado pela apelante ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, deve ser mantida a decisão recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!!
*
Thema decidendum
1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir  resume-se à seguinte :
I - Se a decisão recorrida, em face da factualidade alegada na petição inicial , e , bem assim, da “qualidade” da autora e pedido deduzido,  deve ser revogada, sendo substituída por outra que reconhecendo a legitimidade da autora, determine o prosseguimento dos autos, para apreciação e subsequente decisão.
*
2.- Motivação de Facto
A factualidade a atender em sede de julgamento do mérito da  apelação pela Autora interposta é a que se mostra indicada no Relatório do presente Acórdão, e para o qual se remete.
*
3.- Se a decisão recorrida deve ser revogada , devendo a acção  prosseguir para apreciação e julgamento.
Como decorre da decisão apelada, é entendimento da primeira instância que a Autora, tendo presente o disposto no artº 12º,nº8, da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro [ Lei de RECONVERSÃO DAS ÁREAS URBANAS DE GÉNESE ILEGAL] , não dispõe de legitimidade activa no âmbito da presente acção de anulação de deliberação aprovada em sede de assembleia de proprietários ou comproprietários de prédios ou prédios integrados na mesma AUGI.
Para tanto, discorreu o Primeiro Grau, em síntese, nos seguintes termos :
“(…)
No caso em apreço, importa atentar na questão da legitimidade processual activa, no âmbito específico da Lei n.º 91/95, de 02 de setembro (reconversão das áreas urbanas de génese ilegal).
O artigo 12.º da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, sob a epígrafe «funcionamento da assembleia», estabelece no n.º 8 que «as deliberações da assembleia podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação referida no n.º6 do presente artigo, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião.»
Citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-10-2021, proferido no processo n.º 9132/17.5T8STB-A.E1, disponível em www.dgsi.pt, «a impugnação da deliberação constitui o meio processual adequado à manifestação, por parte do titular de prédio abrangidos pela AUGI (…)»
Ora, de acordo com o entendimento plasmado no citado Acórdão, tem legitimidade para impugnar as deliberações da assembleia os proprietários dos prédios abrangidos pela AUGI, posição à qual aderimos.
O artigo 12.º, n.º 8, da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, atribui legitimidade a qualquer interessado que não tenha aprovado as deliberações.
Assim, antes de mais, cumpre apurar a quem é que a lei atribui o direito de voto na assembleia.
O artigo 13.º, da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, dispõe o seguinte:
«1- Cada interessado dispõe de um número de votos proporcional à área de que é detentor na AUGI.
2- As áreas referidas no n.º 2 do artigo 45.º não conferem direito de voto.
3- Os membros da assembleia referidos no n.º 2 do artigo 9.º dispõem do mesmo número de votos de que disporia o titular do direito sobre a parte concreta do solo por si ocupada, não podendo votar a deliberação prevista na alínea h) do n.º 2 do artigo 10.º
4- Não têm direito de voto os proprietários ou comproprietários referidos no artigo 45.º ».
Atenta a remissão constante do artigo 13.º, n.º 2, importa ainda considerar o disposto no artigo 9.º, n.º2, da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, nos termos do qual «têm assento na assembleia, com preterição dos respetivos titulares inscritos, os donos das construções erigidas na área da AUGI, devidamente participadas na respetiva matriz, bem como os promitentes-compradores de parcelas, desde que tenha havido tradição. »
Nas palavras de António José Rodrigues (in Loteamentos ilegais: áreas urbanas de génese ilegal- AUGI. 4.ed. Coimbra: Almedina, 2010, pág. 64), «(…) o legislador estabelece como totalidade de votos da assembleia a soma da área (em lotes destacados ou em avos) pertencente aos titulares da AUGI, pois só estes têm legitimidade para votar
Em face da posição defendida por António José Rodrigues, bem como da análise conjugada dos citados preceitos resulta, sem margem de dúvida, que a administração conjunta não tem direito de voto na assembleia. Assim, não tendo direito de voto, não podia aprovar ou não aprovar a deliberação em causa nos presentes autos, não se encontrando, por isso, abrangida pelo círculo de interessados a que alude o artigo 12.º, n.º 8, da citada Lei.
O mesmo resulta do lugar paralelo das invalidades das deliberações das assembleias de condóminos (artigo 1433.º do Código Civil, regime que serve de modelo parcial para as deliberações das AUGI, como se vê no artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 91/95), na medida em que as deliberações são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que não as tenha aprovado (cfr. artigo 1433.º, n.º1, do Código Civil).
Assim, a presente acção apenas podia ser intentada por quem fosse proprietário/comproprietário dos prédios integrados na AUGI – Área Urbana de Génese Ilegal- do Pinheiro ….., pelo que a autora é parte ilegítima.
Em face do exposto, julga-se procedente a excepção dilatória de ilegitimidade ativa e, em consequência, absolve-se a ré da instância, nos termos do disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea e), todos do Código de Processo Civil.
Dissentindo do entendimento pelo Primeiro Grau subscrito, aduz porém a apelante que , tendo presente o disposto na Lei n.º 91/95, de 2 de setembro ( v.g. no respectivo artº 12º) , máxime ao atribuir legitimidade aos interessados que não aprovaram as deliberações para as impugnar, não faz sentido limitar a referida legitimidade impugnativa apenas aos comproprietários, cabendo também a autora naquele conceito de interessados, uma vez que é ela quem efectua a administração conjunta de grupo de prédios que, aparentemente, a ré pretende vir a administrar ( substituindo-se à autora ).
Quid júris ?
Sabemos que a autora , ao abrigo da Lei nº 91/95, de 2 de setembro e que veio estabelecer o regime excecional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), veio a ser constituída por deliberação de Assembleia Geral constitutiva realizada em 01 de Dezembro de 1996.
Por sua vez, a Ré, e agora por deliberação de Assembleia Geral constitutiva e convocada pelo comproprietário Nelson ….. , veio a ser constituída no âmbito de Assembleia realizada em 18/9/2021 .
Com a propositura da presente acção, tem assim a Autora por desiderato impugnar as deliberações aprovadas nesta última Assembleia, considerando-a desde logo “ilegal”, máxime e sobretudo a deliberação de instituição da Ré na Administração Conjunta dos prédios integrantes da AUGI do Pinheiro …… .
Tendo presente o referido OBJECTO do processo, pacífico é que a acção pela autora intentada tem por desiderato conseguir que as deliberações aprovadas em Assembleia de 18/9/2021 não possam produzir efeitos, porque inválidas ( nulas ou anuláveis ) , não obstante aprovadas em em Assembleia Constitutiva designada por iniciativa de proprietário ao abrigo do disposto no nº 3, do artº 8º, da Lei nº 91/95, de 2 de setembro [ doravante designada apenas por LAUGI ].
Isto dito, diz-nos o artº 1º da LAUGI, nos respectivos nºs 1 e 2, que “A presente lei estabelece o regime excecional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI)”, e que “ Consideram-se AUGI os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objeto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, e que, nos respetivos planos territoriais, estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º ”.
Já o artº 3º da LAUGI , nos seus nºs 1 e 2, reza respectivamente que “ A reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI constituem dever dos respetivos proprietários ou comproprietários” e que “O dever de reconversão inclui o dever de conformar os prédios que integram a AUGI com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão, nos termos e prazos a estabelecer pela câmara municipal “.
Mais adiante, a mesma LEI, vem dispor no artº 8º, e sob a epígrafe de “ Administração Conjunta ”, que :
1- O prédio ou prédios integrados na mesma AUGI ficam sujeitos a administração conjunta, assegurada pelos respetivos proprietários ou comproprietários.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do presente artigo, os órgãos da administração conjunta são os seguintes:
a) A assembleia de proprietários ou comproprietários;
b) A comissão de administração;
c) A comissão de fiscalização.
3 - A administração conjunta é instituída por iniciativa de qualquer proprietário ou comproprietário ou da câmara municipal, mediante convocatória da assembleia constitutiva.
(…)
7 - A administração conjunta detém capacidade judiciária, dispondo de legitimidade activa e passiva nas questões emergentes das relações jurídicas em que seja parte.
De seguida, e tendo por objecto a composição do órgão da administração conjunta e que é a assembleia de proprietários ou comproprietários, dispõe o artº 9º da LAUGI que :
1 - Têm assento na assembleia os proprietários ou comproprietários cujo direito esteja devidamente inscrito na conservatória do registo predial competente, exceto nos casos previstos no número seguinte.
2 - Têm assento na assembleia, com preterição dos respetivos titulares inscritos, os donos das construções erigidas na área da AUGI, devidamente participadas na respetiva matriz, bem como os promitentes compradores de parcelas, desde que tenha havido tradição.
3 - A requerimento de qualquer proprietário, comproprietário ou da câmara municipal, deve a conservatória do registo predial emitir, gratuitamente e no prazo de 30 dias, uma certidão da descrição e de todos os registos em vigor sobre o prédio ou prédios da AUGI, a qual não pode servir para outro fim que não seja o de comprovar a legitimidade de participação na assembleia.
4 - A câmara municipal pode participar na assembleia mediante representante devidamente credenciado.
5 - O representante da câmara municipal deve, durante o funcionamento da administração conjunta, procurar fornecer os esclarecimentos necessários e úteis de acordo com o previsto na presente lei.
6 - Devem estar presentes nas assembleias de proprietários ou comproprietários os membros da comissão de fiscalização, sempre que sejam apreciadas matérias incluídas no âmbito das suas competências.
7 - Os interessados que, por transmissão entre vivos do seu direito, deixem de ter assento na assembleia devem, no prazo de 15 dias, comunicar por escrito esse facto à comissão de administração, indicando igualmente o nome e a morada do novo titular, sob pena de responderem pelos danos a que a sua omissão der causa.
Por último, e no que ao Funcionamento da assembleia concerne, reza o artº 12º, da LAUGI que :
1 - A assembleia delibera em primeira ou em segunda convocatória nos termos previstos no Código Civil para a assembleia de condóminos dos prédios em propriedade horizontal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - As deliberações sobre as matérias previstas nas alíneas h) e j) do n.º 2 do artigo 10.º são tomadas por um número de proprietários ou comproprietários representativos da maioria absoluta do total de votos da assembleia, calculada nos termos do artigo 13.º
(…)
8 - As deliberações da assembleia podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação referida no n.º 6 do presente artigo, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião.
9 - É organizado um livro de presenças nas assembleias, para efeitos de verificação da legitimidade e contagem do prazo de impugnação das respetivas deliberações.
Conhecido o conteúdo das disposições legais da LAUGI pertinentes para a resolução do Thema decidenduum, e ,tendo presente que a legitimidade e, designadamente, a legitimidade processual activa, é a posição pessoal do sujeito que tem interesse em demandar, numa relação jurídica controvertida, relativamente ao outro que é demandado, sendo aferida pelo interesse directo em demandar ( artº 30º,nº1, do CPC), tudo aponta para o acerto da decisão apelada.
Desde logo, pacífico é que a demandante não pode invocar a respectiva qualidade de Administração Conjunta de prédios integrados na mesma AUGI para, ao abrigo do disposto no artº 8º, nº7, da LAUGI, arrogar-se como parte legítima na acção ora em sindicância, pois que, claramente, não se relaciona o OBJECTO do presente processo com qualquer questão emergente de relação jurídica em que seja parte.
Depois, analisadas conjugadamente todas as disposições legais acima parcialmente transcritas, pacífico nos parece outrossim que a condição de proprietários ou comproprietários de prédio ou prédios integrados na mesma AUGI é que permite o assento na assembleia pela demandante visada e, consequentemente, a referida condição consubstancia igualmente requisito essencial  para propor uma acção de anulação.
Acresce que, ao dispor o nº 8, do artº 12º da LAUGI que “ As deliberações da assembleia podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação referida no n.º 6 do presente artigo, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião “, desde logo importa afastar a possibilidade de a impugnação supra visada ter por objecto irregularidades afectadas de vício de NULIDADE ( caso em que, nos termos do artº 286º, do CC, é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, podendo ser oficiosamente declarada pelo tribunal ) , antes terá aquela ( impugnação ) apenas por objecto uma deliberação anulável , vício este cuja legitimidade para o arguir apenas é conferida às pessoas em cujo interesse a lei a estabelece ( artº 287º,nº1, do CC ), in casu e manifestamente os proprietários ou comproprietários de prédio ou prédios integrados na mesma AUGI.
Ademais, aludindo é vero o nº 8 do artº 12º da LAUGI aqualquer interessado”, certo é que o legislador não se fica pela referida referência, antes logo lhe acrescenta a expressão “que as não tenha aprovado”, diferenciando igualmente o prazo de impugnação consoante aquele ( interessado ) haja ou não estado presente na reunião.
Ora, porque apenas os proprietários ou comproprietários de prédio ou prédios integrados na mesma AUGI podem estar  presentes e aprovar deliberações, não vemos como admitir que a autora/demandante possa arrogar-se titular do direito potestativo de impugnação de deliberações de uma assembleia na qual “não tem assento”, e para a qual de resto nem sequer é convocada ( “A assembleia é convocada por escrito, mediante registo postal enviado para a morada dos membros que nela podem ter assento, presumindo-se, na falta de outra indicação, que a morada é a constante da inscrição registral do respetivo direito- artº 11º,nº2, da LAUGI ) .
Por outra banda, pertencendo como vimos a legitimidade para invocar uma eventual anulabilidade da deliberação aos proprietários ou comproprietários de prédio ou prédios integrados na mesma AUGI , sendo pois um direito potestativo atribuído apenas àqueles em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade (art. 287º,nº 1, do CC), ele não se transmite sequer em caso de cessão de créditos ou da posição contratual, a não ser que exista um especial acordo nesse sentido (1).
Destarte, tudo aponta para que a decisão recorrida não seja merecedora de qual      quer censura, não se descortinando existir fundamento legal que permita que quaisquer irregularidades ocorridas com a convocação e funcionamento da Assembleia ocorrida em 18 de Setembro de 2021 pudessem pela apelante ser arguidas, porque terceira, que não interessada.
Em última análise, dir-se-á que, se o direito de impugnação de deliberações sociais se baseia na relação de socialidade ( artºs 59º, do CSC e 380º, nº1, do CPC ), já o direito de impugnação de deliberações de órgão ( assembleia de proprietários ou comproprietários) de administração de prédios de uma  AUGI exige e assenta no pressuposto de o impugnante ser titular de direito real sobre prédio/s ( relação entre uma pessoa e uma coisa ) naquela integrados.
Uma última nota.
Não se olvida que, dispondo o artº 286º, do CC que “ a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal”  e que, de acordo com alguma doutrina (2) , as deliberações revestem-se da natureza de um negócio jurídico , sendo-lhes portanto aplicável - quando enfermem de vício de nulidade - a regra de direito comum plasmada no referido art. 286º do Código civil, certo é que, como com total pertinência se chama à atenção no Acórdão de 24/1/2018 do Tribunal da Relação do Porto (3) , “o interesse que se atribui a uma pessoa legitimidade para invocar o vício é um interesse de direito substantivo, que pressupõe a oponibilidade do negócio jurídico ao seu titular, porque o negócio nulo prejudica a consistência jurídica, ou a consistência prática ou económica, de um direito seu”.
Ou seja, o sujeito/interessado impugnante deve, assim, ter um interesse direto na nulidade e não apenas um interesse reflexo, vago e indirecto, razão porque, transpondo o referido entendimento  para o domínio da impugnação das deliberações sociais, não é de admirar que em Acórdão do Tribunal da Relação de Évora e de 7/7/2005 (4) , se tenha já decidido que em acção de impugnação de deliberação social, e ainda que seja requerida a declaração de nulidade de concreta deliberação – caso em que, segundo alguns autores, tem legitimidade um quisquis de populo , desde que tenha interesse directo em demandar - , não tem o demandante legitimidade activa se não detém a qualidade de sócio, não lhe podendo consequentemente  “  ser reconhecido interesse directo em demandar a Sociedade por esta não o ter convocado naquela qualidade “.
Ora, transpondo para o caso dos autos a aludida doutrina e jurisprudência, então pertinente é também concluir que, não dispondo a autora/apelante a qualidade de proprietária ou comproprietária de prédio/s de uma  AUGI, não tem interesse directo para impugnar uma deliberação aprovada em Assembleia de proprietários ou comproprietários de uma AUGI.
Em suma, a apelação improcede.
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4 - Concluindo  ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC):
4.1. – As deliberações da assembleia de proprietários ou comproprietários de prédio ou prédios integrados na mesma AUGI podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação referida no n.º 6 do presente artigo, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião  - cfr. nº 8 do artº 12º da LAUGI ;
4.2.Aludindo é vero o nº 8 do artº 12º da LAUGI a “qualquer interessado”, certo é que o legislador não se fica pela referida referência, antes logo lhe acrescenta a expressão “que as não tenha aprovado”, diferenciando igualmente o prazo de impugnação consoante aquele ( interessado ) haja ou não estado presente na reunião.
4.3.Ora, porque apenas os proprietários ou comproprietários de prédio ou prédios integrados na mesma AUGI podem estar  presentes e aprovar deliberações, não vemos como admitir que a autora/demandante -  que não é proprietária ou comproprietária de prédio ou prédios integrados na mesma AUGI - possa arrogar-se titular do direito potestativo de impugnação de deliberações de uma assembleia na qual “não tem assento”, e para a qual de resto nem sequer é convocada ( “A assembleia é convocada por escrito, mediante registo postal enviado para a morada dos membros que nela podem ter assento, presumindo-se, na falta de outra indicação, que a morada é a constante da inscrição registral do respetivo direito “- artº 11º,nº2, da LAUGI ) ;
4.4. – Ainda que o demandante ( que não proprietário ou comproprietário de prédio ou prédios integrados na mesma AUGI), invoque a respectiva legitimidade para impugnar uma deliberação de uma assembleia na qual “não tem assento” com fundamento no artº 286º, do CC deve ainda assim dispor de um interesse direto na nulidade e não apenas um interesse reflexo e indirecto.
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5.- Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa , em , não concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado por ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA DO PRÉDIO RÚSTICO DENOMINADO PINHEIRO …….. :
5.1. – Manter/confirmar a sentença recorrida.
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As custas devidas na apelação são da responsabilidade da apelante.
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(1) Cfr. Mota Pinto, em Cessão da Posição contratual, Coimbra Editora, 1982, págs. 243 a 256,  e citado no acórdão deste tribunal da Relação de Lisboa, de 11/7/2019 ( proferido no Processo nº 4906/18.2T8LSB-A.L1-2, e em www.dgsi.pt ), e que neste particular temos vindo a seguir de perto.
(2) Cfr. designadamente MENEZES CORDEIRO, em Manual de Direito das Sociedades – Das sociedades em geral, vol. I, 2004, págs. 613-616.
(3) Proferido no Processo nº 874/10.7TYVNG.P1 e em www.dgsi.pt, e socorrendo-se de LEBRE DE FREITAS, O conceito de interessado no artigo 286º do Código Civil e sua legitimidade processual, in Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, 2007, pág. 384 ; de OLAVO CUNHA, In Impugnação de deliberações sociais, 2015, pág.216 ; PINTO FURTADO, Curso de Direito das Sociedades, 5ª ed., pág. 758 e TAVEIRA DA FONSECA, in Deliberações sociais: suspensão e anulação, 1994, pág. 56..
(4) Proferido no Processo nº 1231/05-2 , e em www.dgsi.pt.
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LISBOA, 23/6/2022
António Manuel Fernandes dos Santos
(#) Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva

(#) Vencida pelo que segue.
Daria provimento ao recurso por entender que a Autora tem legitimidade activa para a acção nos termos das disposições conjugadas dos artigos 286.º, do Código Civil, e 30.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, normas essas aplicáveis no caso, ao invés da do artigo 12.º, da Lei 91/95, de 2 de Setembro.
O pedido de declaração de ilicitude da assembleia constitutiva de 18 de Setembro de 2021 e de invalidade de constituição de nova Administração conjunta da mesma AUGI encontra enquadramento na declaração de nulidade desse acto de constituição, pelo que deve delimitar-se o conceito de interessado face ao disposto no artigo 286.º do Código Civil  ( como a tese que fez vencimento admite).
Nos termos dessa norma, o sujeito legitimado deve ter um interesse directo na nulidade e não apenas um interesse vago e indirecto, sendo esse um interesse de direito substantivo, que pressupõe a oponibilidade do negócio jurídico ao seu titular, porque o negócio nulo prejudica a consistência jurídica, ou a consistência prática ou económica, de um direito seu (cf. Maria Clara Sottomayor in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 708-709, no mesmo sentido de Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, p. 263: a nulidade pode ser invocada, diz a lei, por qualquer interessado, isto é, pelo titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afectada pelo negócio).
No caso, o “negócio” de constituição de nova administração conjunta que duplica a já constituída (a Autora) prejudica de forma directa o exercício de funções que é a razão de ser da Autora, uma vez que passarão a coexistir no universo jurídico duas entidades idênticas quanto às funções que lhes são assinaladas e que são a razão de ser da sua existência jurídica. O mesmo é dizer que a constituição da nova administração mediante a convocação de assembleia constitutiva afecta a consistência prática do exercício de funções que é a razão de ser da Autora, afectação que é, assim, directa.

Ana de Azeredo Coelho