Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
554/23.3T8VFX.L1-4
Relator: MARIA LUZIA CARVALHO
Descritores: CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO-BASE
DIUTURNIDADES
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - A extinção das diuturnidades resultante da cláusula 74.ª n.º 6 do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Federação Nacional dos Professores e Outros na sua versão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 29, 8/8/2015 e a sua consequente integração no vencimento, por imperativo convencional, determina a perda de autonomia das quantias antes pagas àquele título em relação à retribuição base.
2 - Reportando-se o princípio da irredutibilidade da retribuição ao valor global desta, não ocorre violação de tal princípio se, deixando de ser devidas diuturnidades por imposição de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o seu valor é incorporado na retribuição base do trabalhador.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 4.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
A presente ação foi intentada por AA, contra XX, CRL, tendo sido formulado o seguinte pedido de condenação:
“a) a reconhecer o direito à A. à diferenciação da remuneração base auferida pela A. e diuturnidades a que tem direito, desde abril de 2017 até à presente data, data em que lhe foram pagas as 3 diuturnidades, por força da decisão judicial;
b) a reconhecer o direito à A. de receber a remuneração base do nível XI, a que corresponde a categoria de Monitor de atividades ocupacionais, categoria da A., de acordo com o IRCT aplicável e suas respectivas alterações,
E consequentemente:
c) a proceder ao pagamento da diferença salarial desde julho de 2017, no montante que se cifra, até à presente data, em € 2 494,75 (dois mil quatrocentos e noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), a título de diferenças salariais respeitantes à remuneração base do nível XI, a que corresponde a categoria de Monitor de actividades ocupacionais, categoria da A., de acordo com o IRCT aplicável e suas respetivas alterações;
d) a proceder ao pagamento da 4.ª diuturnidade vencida a 1 de abril de 2020, desde essa data até agosto de 2022, data em que a R. passou a pagar esta diuturnidade (no valor de €22,54), no montante total em dívida de €714 (setecentos e catorze euros);
e) ao pagamento de juros de mora, à taxa legal em vigor, contabilizados desde a data de vencimento de cada uma das prestações supra identificadas nas als. c) e d), até à data do integral e efectivo pagamento.”
A ré contestou, excecionando o caso julgado e pugnando pela improcedência total da ação, requerendo ainda a condenação da autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
A autora pronunciou-se sobre a requerida condenação por litigância de má-fé, retribuindo o pedido.
Foi convocada e realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador sentença que, julgando improcedente a exceção do caso julgado, julgo a ação parcialmente procedente, decidindo nos seguintes termos:
“a) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de 714,00€ (setecentos e catorze euros) referentes a diuturnidades vencidas entre Abril de 2020 e Agosto de 2022 na remuneração mensal e subsídios de férias e de natal, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4,00%, contabilizados sobre o montante de 21,00€ (vinte e um euros) desde a data de vencimento de cada uma das demais prestações e até efectivo e integral pagamento.
b) Julgar quanto ao mais a ação improcedente por não provada absolvendo a ré do, nessa parte, peticionado.”
Inconformadas a autora e a ré interpuseram recurso da decisão, sendo que o recurso interposto pela ré não foi admitido.
A autora restringiu o objeto do recurso à “questão da inclusão do valor das três diuturnidades, reconhecidas em anterior decisão judicial, no valor da remuneração mensal base e o seu impacto no valor da remuneração base da A., e demais consequências legais.
Formulou as seguintes conclusões:
«I- Da Nulidade:
A. Vem o presente recurso interposto da parte da douta sentença do tribunal a quo que absolveu a Recorrida:
B. A Recorrente peticionou, no escopo que ora releva, que a Recorrida fosse condenada:
- a reconhecer o direito à A. à diferenciação da remuneração base auferida pela A. e diuturnidades a que tem direito, desde abril de 2017 até à presente data, data em que lhe foram pagas as 3 diuturnidades, por força da decisão judicial;
- a reconhecer o direito à A. de receber a remuneração base do nível XI, a que corresponde a categoria de Monitor de atividades ocupacionais, categoria da A., de acordo com o IRCT aplicável e suas respetivas alterações
E consequentemente:
- a proceder ao pagamento da diferença salarial desde julho de 2017, no montante que se cifra, até à presente data, em €2494,75 (dois mil quatrocentos e noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), a título de diferenças salariais respeitantes à remuneração base do nível XI, a que corresponde a categoria de Monitor de atividades ocupacionais, categoria da A., de acordo com o IRCT aplicável e suas respetivas alterações;
C. Entende a Recorrente que a decisão recaída sobre estes pedidos enferma de erro de julgamento.
Porquanto,
D. À data do início das suas funções na Recorrida o IRCT aplicável à relação estabelecida entre Recorrente e Recorrida era CCT celebrado entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Fenprof- Federação Nacional dos Professores e outros.
E. Sendo que, por decisão judicial, proferida em 15/03/2017, foi a Recorrida condenada no pagamento de três diuturnidades à Recorrente, vencidas no período compreendido entre 1 de abril de 2005 e setembro de 2016, com base neste CCT.
F. Sendo na referida decisão consideradas as seguintes datas de vencimento em 1/04/2005 a l.«; em 1/04/2010 a 2.2; em 1/04/2015 a 3.2.
G. Em abril de 2000 a autora passou a exercer as funções de Monitora de Atividades Ocupacionais e Reabilitação.
H. A Recorrente é sócia do STFPSSRA - Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas desde 20/06/2008 que, por sua vez, é associado na FNSTFPS - Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais. 
I. Desde 25/05/2018 a recorrida é filiada na CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade,
J. Em março de 2017 a remuneração base mensal auferida pela autora, na categoria de Monitora de Atividades Ocupacionais e de Reabilitação, era de 651,75€.
K. A partir de abril de 2017, a recorrida passou a pagar à recorrente uma remuneração mensal de 756,81€ englobando nos anteriores 651,75€ de remuneração base mensal a importância de 105,06€ a título de diuturnidades.
L. Desde setembro de 2017 que a recorrida aplica aos trabalhadores ao seu serviço o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais - FNSTFPS.
M. Em setembro de 2017 a recorrente tinha 17 anos de antiguidade na categoria de Monitora de atividades ocupacionais e reabilitação.
N. Não sendo detentora de curso profissional na área a sua categoria profissional, de acordo com o IRCT que passou a ser aplicado, é de Monitor de atividades ocupacionais de 1.ª, a que corresponde o nível remuneratório XI (Anexo IV).
O. A recorrente aufere atualmente a remuneração mensal de 760,00€ acrescida, desde setembro de 2022, de uma diuturnidade no valor de 22,54€.
P. Ao incorporar o valor das diuturnidades na remuneração base, a Recorrida impediu a Recorrente de beneficiar do aumento da remuneração base ao abrigo do CCT celebrado entre a CNIS e a FNSTFPS. 
Porquanto,
Q. De acordo com as seguintes alterações ao CCT entre a CNIS e a FNSTFPS, referentes a matéria pecuniária, ao Nível XI passou a corresponder as seguintes remunerações base (Anexo V): - €658, BTE n.º 21, de 08/06/2018; - €663, BTE n.º 47, de 22/12/2018 (de 1 de julho de 2018 a 31 de dezembro de 2018); - €670, BTE n.º 1 de 08/01/2020 (de 1 de julho a 31 de dezembro de 2019); - €687, BTE n.º 1 de 08/01/2021 (de 1 de julho de 2020 a 31 de dezembro de 2020); -€717, BTE n.º 44, de 29/11/2021 (a partir de 1 de julho de 2021).
R. Traduzindo-se tal num prejuízo para a Recorrente, a título de diferenças salariais a partir de abril de 2017 até à presente data, data em que a remuneração base da categoria da Recorrente ultrapassou o montante de €651,75 (seiscentos e cinquenta e um euros e setenta e cinco cêntimos).
S. Tal incorporação das diuturnidades na remuneração base viola o princípio da irredutibilidade salarial.
T. Se, nos termos do disposto na cláusula 74.º do l.º IRCT aplicável a categoria N do CCT passou a ser integrada na categoria Q do CCT de 2015, implicando, consequentemente, uma reclassificação, nos termos da qual as diuturnidades vencidas e vincendas se extinguiram, porque razão continuou a remuneração nova (€640) a ser inferior à remuneração base auferida pela Recorrente (€651,75)?
U. Se assim fosse, não deveria tal valor retributivo considerar, desde logo, como retribuição o valor dos 640€, acrescidos de 3 diuturnidades?
V. Tal argumentação mostra-se, por este facto, contraditória.
W. Não obstante, ao abrigo daquele instrumento se considerarem extintas as diuturnidades, tal não implica que não existe obrigatoriedade de diferenciação da retribuição base e diuturnidade.
X. Porquanto têm uma natureza distinta: a retribuição base corresponde à contrapartida pelo trabalho prestado; as diuturnidades correspondem a um complemento pecuniário da primeira, decorrente da antiguidade.
Y. Apesar de ambas as categorias serem prestações de natureza retributiva, apenas uma é o resultado imediato da contrapartida pelo trabalho prestado.
Z. Que é o que as tabelas remuneratórias dos IRCT estipulam, isto é, através da fixação de tabelas remuneratórias obrigam-se as entidades abrangidas pelos instrumentos a retribuir os trabalhadores com as categorias nele identificadas, com a remuneração base mínima correspondente.
AA. A partir do momento em que a R. incorporou as diuturnidades vencidas na retribuição base, passou a considerar como contrapartida pelo trabalho prestado também a prestação de natureza retributiva a que a A. teve direito com fundamento na antiguidade.
BB. O que prejudicou a sua progressão na carreira a partir de abril de 2017 até à presente data, data em que a remuneração base da categoria da recorrente prevista no CCT da CNIS ultrapassou o montante de €651,75.
CC. Tanto assim é que o CCT da CNIS prevê que na sua cláusula 68.º, n.º l que "Os trabalhadores que estejam a prestar serviço em regime de tempo completo têm direito a uma diuturnidade no valor de 21 €, em 2019, por cada cinco anos de serviço, até ao limite de cinco diuturnidades".
DD. Pelo que, a partir do momento em que a A. fica prejudicada na sua progressão na carreira, existe violação do princípio da irredutibilidade salarial, previsto na al. d), do n.º l do art. 129.º do CT. 
EE. Razões pelas quais a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, por violação do princípio da irredutibilidade salarial.
FF. Devendo, em consequência, ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida ao peticionado pela Recorrente.»
A ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência total do recurso sustentada nas seguintes conclusões:
« 1.º
Está aqui em causa a aplicação, interpretação e articulação de dois IRCT, nomeadamente o CCT entre a AEEP - Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, publicado no BTE n° 11, de 22 de Março de 2007 com actualização publicada no BTE n° 29, de 08 de Agosto de 2015 aplicado pela recorrida até Setembro de 2017 e o CCT CNIS/FNSTFPS, publicado nos BTE n° 31 de 22/08/2015, n° 21 de 08/06/2018, n° 47 de 22/12/2018, n° 1 de 08/01/2020 e revisão global n° 8, de 28/02/2023 aplicado pela recorrida a partir de Setembro de 2017 e o consequente direito a diuturnidades decorrente da referida indicada aplicação, interpretação e articulação e sua cronologia temporal.

A relação laboral entre recorrente e recorrida teve o seu início em 02 de Novembro de 1998.

Por sentença proferida no âmbito do processo n° 3382/16.9T8VFX, foi a recorrida condenada ao pagamento de três diuturnidades à aqui recorrente, o que foi pago, sendo que a própria Sentença, supra referida, refere que as diuturnidades, com a publicação do BTE n° 29 de Agosto de 2015, deixaram de existir.

A “Revisão global” preconizada pelo BTE nº 29 de 08 de Agosto de 2015 veio definir na sua cláusula 74ª n° 6 que “Os valores das tabelas salariais dos não docentes foram estabelecidos considerando as diuturnidades vencidas nas diversas carreiras e percursos pelo que ficam extintas, desde a entrada em vigor deste contrato colectivo de trabalho, todas as diuturnidades vencidas e vincendas”(sublinhado e negrito nossos)

Ou seja, significa esta disposição que as tabelas salariais decorrentes da aplicação da “Revisão global” do CCT AEEP/FNE de 08 de Agosto de 2015 já incluem/têm em consideração as diuturnidades, pelo que deixam as mesmas de ser pagas por ficarem extintas.

Uma vez que comparando a categoria e nível tabela salarial aplicável à A., que foi alterada pela “Revisão global” do CCT AEEP/FNE de 08 de Agosto de 2015, não se mantendo a tabela salarial do CCT AEEP/FNE - BTE n° 30 de 15 de Agosto de 2014 - Categoria N que passou a categoria Q (Cfr. n° 3 da Cláusula 74° do CCT AEEP/FNE de 08 de Agosto de 2015), em Abril de 2017, a R. começou a pagar à A. a quantia de mais 105,06 euros referente a três diuturnidades (Cfr. artigos 28° a 33° da Petição Inicial) (Cfr. 53ª do CCT AEEP/FNE publicado no BTE n° 30 de 15 de Agosto de 2014 - valor da diuturnidade 35,02 euros), assim se acertando e articulando, somando ao seu vencimento, conforme a mesma refere em 32° e 33° da Petição Inicial, passando a A. a auferir em vez de 651,75 euros o vencimento mensal de 756,81 euros, o qual já incluía as 3 diuturnidades pagas até a um valor superior ao indicado no referido CCT (Cfr. os CCTs AEEP/FNE publicados nos BTE n° 30 de 15 de Agosto de 2014 (Cláusula 53ª e Categoria N - Nível 8) e n° 29 de 08 de Agosto de 2015 (Cláusula 74ª n° 6).
7.º
Sendo absolutamente falso o alegado pela recorrente, uma vez que, para além de que a nova tabela baixa o vencimento base da categoria da recorrente (conforme a douta Sentença recorrida reconhece), a recorrida aumentou a recorrente e incluiu, conforme o CCT - revisão de 2015 proclamava, as três diuturnidades no seu vencimento.

Aliás, a recorrente nem vem alegar qual o vencimento que deveria auferir e que, alegadamente, terá deixado de auferir face à inclusão das diuturnidades no vencimento.

Sendo certo que, em bom abono da verdade, a recorrida, face ao disposto na Cláusula 74ª n° 6 do CCT - revisão global de 2015 nem teria que acrescer as três diuturnidades da recorrente ao vencimento da mesma (aliás, conforme referido pela douta Sentença recorrida) mas fê-lo, sabendo a recorrente que está a ser beneficiada.
10°
Conforme já se encontra assente, e com o qual a recorrente concorda, o CCT CNIS/FNSTFPS aplica-se à relação laboral entre a recorrente e a recorrida a partir de Setembro de 2017.
11°
Neste caso, em concreto, a recorrente nem teria direito a diuturnidades, não fosse a cláusula 68ª do indicado CCT CNIS/FNSTFPS.
12.º
Até Setembro de 2022 (data em que a aplicação do CCT CNIS/FNSTFPS perfez cinco anos, pelo que, apenas em Setembro de 2022, se aplica a cláusula 68ª que dita o direito à primeira diuturnidade adveniente de tal IRCT), a recorrente já recebia incluídas no seu vencimento três diuturnidades face ao disposto na cláusula 74a n° 6 do BTE n° 29 de 08 de Agosto de 2015.
13°
Pelo que, não queira, a recorrente que recebe um vencimento base de 756,81 euros em Setembro de 2022 (Cfr. doc. n° 1 junto à Contestação), acrescido da diuturnidade fixada pelo CCT entre a CNIS e a FNSTFPS, querer alegar que a tal diuturnidade têm que ser somadas mais três diuturnidades para além das três diuturnidades já anteriormente incluídas no vencimento (vencimento esse que, segundo a própria recorrente alega em 42° da sua Petição Inicial deveria ser inferior!), conforme explicado, sob pena de a recorrente receber em duplicado três diuturnidades, ou seja, seis diuturnidades, mais uma devida pelo CCT entre a CNIS e a FNSTFPS, ou seja sete diuturnidades. Em manifesta desigualdade para com os restantes trabalhadores! E ultrapassando o limite das cinco diuturnidades previsto na Cláusula 68a do CCT entre a CNIS e a FNSTFPS.
14°
Pelo que não se entende, e muito menos se concorda com a afirmação da recorrente quando refere “Ao incorporar o valor das diuturnidades na remuneração base, a Recorrida impediu a Recorrente de beneficiar do aumento da remuneração base ao abrigo do CCT celebrado entre a CNIS e a FNSTFPS ”, pois tal incorporação resultou da correcta aplicação do CCT entre a AEEP e a FNE, sendo que o vencimento da recorrente esteve sempre acima da tabela salarial, já se tendo visto que a recorrente jamais ficou prejudicada, antes pelo contrário.
15°
Não sendo verdade também que apesar de se considerarem extintas as diuturnidades “tal não implica que não existe obrigatoriedade de diferenciação da retribuição base e diuturnidade” Significa sim! E mais, significa que a entidade empregadora não tem que pagar quaisquer diuturnidades. O que nem sucedeu com a recorrida que sempre pagou as três diuturnidades devidas incluídas no vencimento.
16°
Não sendo também verdade e contrária ao IRCT aplicável na altura - entre a AEEP e a FNE que o “A partir do momento em que a R. incorporou as diuturnidades vencidas na retribuição base, passou a considerar como contrapartida pelo trabalho prestado também a prestação de natureza retributiva a que a A. teve direito com fundamento na antiguidade.
O que prejudicou a sua progressão na carreira a partir de Abril de 2017 até à presente data (…)”, não sendo esta afirmação nada mais nada menos que uma interpretação abusiva da Cláusula 74ª n° 6 do CCT AEEP/FNE, da qual a recorrente pretende retirar um proveito, muito para além da letra da Lei e do que o IRCT pretendia (IRCT esse negociado com o Sindicato).
17°
É, assim por demais evidente que a decisão do Tribunal “a quo” não violou qualquer dos normativos explicitados nas doutas Alegações da recorrente, até porque se decidiu com base na mais estrita e rigorosa aplicação da Lei à análise dos factos, quanto à questão objecto do presente recurso.»
Neste tribunal, os autos foram ao parecer do Ministério Público que se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.
Nenhuma das partes se pronunciou sobre o parecer.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
Delimitação do objeto do recurso
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Analisadas as conclusões do recurso apresentadas pela autora, verifica-se que a mesma começa por inserir um título que denominou de “Nulidade”. Porém, nem das conclusões, nem da motivação do recurso consta qualquer referência a qualquer causa de nulidade, nomeadamente da sentença, pelo que, admite-se que aquela referência se tenha ficado a dever a mero lapso de escrita, nada havendo a decidir a esse respeito.
Assim, são as seguintes a questão a decidir é:
1 – se a autora tem direito às diferenças salariais reclamadas?
*
Fundamentação de facto
No despacho sanedaor sentença recorrido foram considerados provados os seguintes factos:
«1. A ré é uma Cooperativa de Solidariedade Social, que se rege pelo Código Cooperativo e pelas disposições constantes do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social
2. A sua acção integra o Ramo da Solidariedade Social.
3. A autora trabalha sob as ordens, direcção e fiscalização da ré desde 2 de Novembro de 1998, data em que foi admitida para desempenhar as funções de Vigilante.
4. À data da celebração do contrato de trabalho o IRCT aplicável à relação estabelecida entre autora e ré era o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Fenprof - Federação Nacional dos Professores e outros.
5. Em Abril de 2000 a autora passou a exercer as funções de Monitora de Actividades Ocupacionais e Reabilitação
6. A autora é sócia do STFPSSRA - Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas desde 20/06/2008 que, por sua vez, é associado na FNSTFPS - Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais.
7. Desde 25/05/2018 a ré é filiada na CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade,
8. Por decisão judicial, proferida em 15/03/2017, no proc. n.º 3382/16.9T8VFX, J1 do Juízo do Trabalho de Vila Franca Xira, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, transitada em julgado em 12/05/2017, foi a ré condenada no pagamento de diuturnidades à autora, vencidas no período compreendido entre 1 de Abril de 2005 e Setembro de 2016, com base nas disposições do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Fenprof - Federação Nacional dos Professores e outros
9. Sendo na referida decisão consideradas as seguintes datas de vencimento em 1/04/2005 a 1.ª; em 1/04/2010 a 2.ª; em 1/04/2015 a 3.ª.
10. Tendo as diuturnidades os seguintes valores: de 1 de Setembro de 2004 até 31 de Agosto de 2005 o valor de 31,75€; de 1 de Setembro de 2005 até 31 de Agosto de 2006 o valor de 32,50€; de 1 de Setembro de 2006 até 31 de Agosto de 2007 o valor de 33,15€; de 1 de Setembro de 2007 até 31 de Dezembro de 2008, o valor de 34,00€; de 1 de Janeiro de 2009 até 31 de Agosto de 2016 o valor de 35,02€.
11. Em Março de 2017 a remuneração base mensal auferida pela autora, na categoria de Monitora de Actividades Ocupacionais e de Reabilitação, era de 651,75€.
12. A partir de Abril de 2017, a ré passou a pagar à autora uma remuneração mensal de 756,81€ englobando nos anteriores 651,75€ de remuneração base mensal a importância de 105,06€ a título de diuturnidades.
13. Desde Setembro de 2017 que a ré aplica aos trabalhadores ao seu serviço o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais - FNSTFPS.
14. Em Setembro de 2017 a autora tinha 17 anos de antiguidade na categoria de Monitora de actividades ocupacionais e reabilitação.
15. Não sendo detentora de curso profissional na área a sua categoria profissional, de acordo com o IRCT que passou a ser aplicado, é de Monitor de actividades ocupacionais de 1.ª, a que corresponde o nível remuneratório XI (Anexo IV).
16. A autora aufere actualmente a remuneração mensal de 760,00€ acrescida, desde Setembro de 2022, de uma diuturnidade no valor de 22,54€.»
*
Apreciação
A autora sustenta a sua pretensão recursiva de ver revogada a sentença na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento das diferenças sociais em duas linhas de argumentação:
- a inclusão do valor das três diuturnidades, reconhecidas em anterior decisão judicial, no valor da remuneração mensal da autora impediu-a de beneficiar do aumento da remuneração base ao abrigo do CCT celebrado entre a CNIS e a FNSTFPS, sendo, por isso ilegal;
- ocorreu violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Estamos em condições de afirmar a improcedência do recurso.
Da decisão recorrida consta o seguinte:
«Entre a autora e a ré foi iniciada em 2 de Novembro de 1998 uma relação de contrato de trabalho à qual foi aplicado o Contrato Colectivo de Trabalho, celebrado entre Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Federação Nacional dos Professores e Outros, mediante Portarias de extensão, publicado no BTE n.º 37/1990 e sucessivas alterações -- questão que não oferece qualquer controvérsia entre as partes e que foi já consignada em anterior acção judicial que entre as mesmas correu termos.
Em acção que a autora intentou contra a ré esta foi condenada a reconhecer e liquidar no período compreendido entre 1 de Abril de 2005 e Setembro de 2016 três diuturnidades conforme previsto no CCT então aplicável.
Sendo tal decisão judicial datada de Março de 2017, auferindo nessa data a autora enquanto Monitora de Actividades Ocupacionais e de Reabilitação a remuneração mensal base de 651,75€, a ré a partir de Abril de 2017 passou a pagar-lhe uma remuneração mensal de 756,81€.
Este valor corresponde à soma dos anteriores 651,75€ de remuneração base mensal, acrescido 105,06€ reportados a três de diuturnidades no montante unitário de 35,02€.
Ora, tem-se por pacífico que, sem prejuízo de partilharem a natureza pecuniária e retributiva, retribuição base e diuturnidades são realidades conceptuais distintas e como tal previstas na lei – cfr. art.º 262 nº 2 do Código do Trabalho.
A primeira corresponde à prestação devida pela prestação normal de trabalho enquanto a segunda corresponde a um complemento pecuniário, da primeira, decorrente da antiguidade na categoria.
No cumprimento da obrigação retributiva “o empregador deve entregar ao trabalhador documento do qual constem a identificação daquele, o nome completo, o número de inscrição na instituição de segurança social e a categoria profissional do trabalhador, a retribuição base e as demais prestações, bem como o período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber” - art.º 276º nº 3 do Código do Trabalho.
Se o valor global que a autora passou a auferir não foi modificado por via do englobamento efectuada pela ré, certo é que, ao nível do recibo, o valor da sua remuneração base foi alterado, para mais por via da não discriminação de valores e do referido englobamento.
A autora sustenta que esse procedimento da ré obstou ao aumento do valor da remuneração base da autora, aumento este que foi sendo previsto nos IRCT - o então aplicável e aquele outro que, consensualmente, têm por aplicável desde Setembro de 2017 valor actualizado ao qual acresceriam as diuturnidades.
Sustenta a ré que se limitou a proceder em conformidade com o IRCT então aplicável, o citado Contrato Colectivo de Trabalho, celebrado pela Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, na sua versão então em vigor, ou seja, a do Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 29, 8/8/2015.
Apreciando e não oferecendo controvérsia a aplicação deste IRCT não pode deixar de ser ponderado que o mesmo, sendo revisão global do anterior(es) com base nos quais haviam sido reconhecidas as três diuturnidades na decisão judicial anteriormente proferida, foi no art.º 3º, com epígrafe de “Manutenção de regalias” estabelecido que “Com salvaguarda do entendimento de que esta convenção representa, no seu todo, um tratamento globalmente mais favorável, a presente convenção revoga integralmente a convenção anterior.”.
Mais, como aliás já consignado na anterior decisão judicial, cuja certidão consta dos autos, e como resulta da leitura do texto do mesmo, neste CCT considerando a categoria de Monitora de Actividades Ocupacionais e de Reabilitação deixou de estar prevista qualquer atribuição a título de diuturnidades.
No art.º 74º do mesmo estatui-se que “1- Considerando que o presente contrato colectivo de trabalho contem um regime globalmente mais favorável para os trabalhadores por ele abrangidos, a adesão ao mesmo, após Setembro de 2014, implica a aceitação expressa de todas as condições nele previstas, nomeadamente o regime de carreira e cláusulas de natureza pecuniária, mesmo que tal implique a redução da remuneração em função das tabelas do anexo III.”
A autora, até então integrada na Categoria N do CCT publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 30, 15/8/2014, passou a ser integrada na Categoria Q do CCT de 2015 como resulta do n° 3 do mesmo art.º 74°.
Ora, em Abril de 2017 tendo a autora 16 anos de Monitora de Actividades Ocupacionais e Reabilitação e integrada esta na categoria remuneratória Q5 o valor de remuneração base era de 640,00€.
De acordo com o já citado art.º 74º do CCT de 2015 “4- A reclassificação prevista no número anterior não implica perda de vencimento. Nos casos em que a nova tabela seja de valor inferior ao vencimento actual, incluindo diuturnidades, o trabalhador mantem o vencimento até que, pela progressão em função do tempo de serviço, passar a nível de valor superior”, acrescentando o seu nº 6 que “6- Os valores das tabelas salariais dos não docentes foram estabelecidos considerando as diuturnidades vencidas nas diversas carreiras e percursos pelo que ficam extintas, desde a entrada em vigor deste contrato colectivo de trabalho, todas as diuturnidades vencidas e vincendas.”.
Considerando o valor da remuneração base de 651,75€ que a autora auferia - Nível N 4 do CCT de 2014 - na ponderação do nº 4 do art.º 74º do CCT de 2015 impõe-se concluir que o valor da nova tabela (640,00€) era inferior ao vencimento que a autora auferia acrescido de diuturnidades.
Desta estatuição do nº 4, impondo a consideração no valor de vencimento das diuturnidades, conjugada com a eliminação de todas as diuturnidades vencidas e vincendas afigura-se que não pode deixar de resultar que o valor de remuneração a considerar é o da remuneração base acrescida de diuturnidades.
Assim, nesta ponderação o valor de 651,75€ de remuneração base mensal acrescido 105,06€ reportados a três de diuturnidades, que perfaz 756,81€ era o valor de remuneração a considerar em conformidade com o diptoto no citado nº 4 do art.º 74º - e não fruto de qualquer graciosidade da ré já que o nº 6 do art.º 74º não pode ser dissociada do seu nº 4 - e até mudança de nível do qual decorra valor superior.
Pese embora a autonomia conceptual das referidas parcelas retributivas(remuneração base e diuturnidades), em face do disposto no texto do IRCT - “ficam extintas, (...), todas as diuturnidades vencidas e vincendas” o englobamento efectuado pela ré não pode ser censurado, antes decorrendo da lei em consequência da expressa eliminação de diuturnidades.
Inexiste fundamento para a reclamada diferenciação de três diuturnidades, para a destruição do englobamento efectuado, desde logo por tais diuturnidades terem sido extintas e o seu valor integrar, desde então, a remuneração base da autora, sendo certo que tal ocorreu quando, em Abril de 2017, a ré iniciou o cumprimento do decidido judicialmente e já estava em vigor o CCT de 2015.
Apenas se a ré tivesse deixado de considerar as diuturnidades como retribuição, limitando-se ao pagamento de 651,75€ se poderia, em face do IRCT e do art.º 129º nº 1 al d) do Código do Trabalho, ponderar a violação do principio da irredutibilidade da remuneração.
A partir de Setembro de 2017 entre as partes passou a ser aplicado o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais - FNSTFPS - quadro legal que se mostra pacifico entre as partes e que actualmente decorre da filiação sindical da autora e associativa da ré.
De acordo com este CCT e o enquadramento remuneratório da autora no nível XI do Anexo IV os valores de remuneração base são de:
(…)
Seja considerando o valor de remuneração base de 756,81€ que a ré passou a pagar após Abril e 2017 seja o valor de 760,00€ que paga actualmente, verifica-se que a autora esteve sempre a auferir valores de remuneração base superiores ao previsto no IRCT, ainda que o excesso se tenha vindo a encurtar com os anos.
Concluindo, não pode proceder o pedido de condenação no pagamento de diferenças de remuneração base no montante de 2494,75€
Concordando-se na íntegra com a argumentação clara, exaustiva e juridicamente fundamentada expendida pela Mm.ª Juiz “a quo”, pouco mais havendo a acrescentar.
Explicitamos apenas em abono da solução encontrada que a extinção das diuturnidades expressamente resultante da cláusula 74.ª n.º 6 do Contrato Coletivo de Trabalho, celebrado entre Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Federação Nacional dos Professores e Outros na sua versão então em vigor, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 29, 8/8/2015 aplicável à relação laboral entre as partes até Março de 2017, e a sua consequente integração no vencimento, por imperativo convencional, determina a perda de autonomia das quantias antes pagas àquele título em relação à retribuição base.
Daí que não tenha fundamento a afirmação da autora na conclusão W, segundo a qual, apesar de as diuturnidades terem sido extintas tal não implica que deixe de ser obrigatória a diferenciação da retribuição base e das diuturnidades.
Na realidade não só deixa de ser obrigatória a distinção no recibo de vencimento do valor da retribuição base e do valor das diuturnidades, como deixa de ser possível, já que nenhuma quantia continuou a ser paga a título de diuturnidades.
A questão não depende da natureza distinta das duas verbas a que a autora se refere na conclusão X, que não se questiona, sendo a retribuição base contrapartida pelo trabalho prestado e as diuturnidades um complemento decorrente da antiguidade dos trabalhadores.
O que se passa é que extinguindo-se as diuturnidades e aumentando-se a retribuição base na mesma medida, todo o valor passar a ser pago como contrapartida do trabalho prestado.
E daí não se vislumbra que resulte a lesão de qualquer direito da autora.
A partir da entrada em vigor daquela revisão global da CCT e enquanto esta for aplicável, a autora deixa de ter direito a diuturnidades e passa a ter assegurado o direito apenas à retribuição mínima prevista para a sua categoria e nível remuneratório que fruto da reclassificação operada (cláusula 74.ª, n.º 3 da CCT) passou a ser a Categoria Q, à qual, em Abril de 2017, considerando a antiguidade da autora, correspondia o valor de remuneração base de € 640,00.
Nessa altura a autora auferia já um valor superior, pois, a sua retribuição base era de € 651,75, acrescendo € 105,06 a título de diuturnidades.
E tal situação foi expressamente prevista e regulada pela CCT, revelando a consciência dos outorgantes de que situações como a data autora, que tinha já uma retribuição base superior, careciam de uma solução, a qual ficou expressa na dita cláusula 74.ª, n.º 4 da CCT.
Por um lado estabeleceu-se que a reclassificação não implica perda de vencimento, o que significa no caso da autora que não poderia passar a receber menos do que antes recebia, o que não aconteceu.
Por outro lado esclareceu-se que se a nova retribuição prevista for inferior ao vencimento auferido pelos trabalhadores, incluindo diuturnidades, como acontecia no caso da autora, o trabalhador mantém aquele vencimento até que pela progressão em função do tempo de serviço passe a nível de valor superior.
Ou seja, da entrada em vigor da CCT e da reclassificação por ela operada não poderia resultar um prejuízo remuneratório para os trabalhadores, mas também não poderia resultar um benefício, motivo pelo qual se previu o “congelamento” das retribuições, incluindo o valor das diuturnidades até aí devidas, superiores às das novas tabelas salariais até que a diferença fosse absorvida.
Daí que, tratando-se de uma opção expressa dos outorgantes da CCT, que previram e regularam a situação, não tenham razão de ser as afirmações da autora nas conclusões T, U e V, inexistindo qualquer contradição.
Assim, quando a partir de Abril de 2017, a ré passou a pagar à autora uma remuneração mensal de 756,81€ acrescendo aos anteriores 651,75€ de remuneração base mensal a importância de 105,06€ correspondente às anteriores diuturnidades, limitou-se a cumprir aquilo a que estava convencionalmente vinculada face ao CCT até aí aplicável.
E daí não resulta qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, já que a autora não viu, em qualquer momento, reduzidas as prestações pecuniárias retributivas a que tinha direito.
Na verdade, como se pode ler no Ac. STJ de 23/06/20231 “constitui jurisprudência pacífica que o princípio da irredutibilidade da retribuição se reporta ao seu valor global, pelo que não o viola o empregador que [mesmo unilateralmente] procede à diminuição do valor de uma componente remuneratória, desde que não se verifique uma diminuição do montante global da retribuição (v.g. Acs. do STJ de 02.12.1998, CJ/STJ-98, III, p. 280, de 20.11.2003, Proc. n.º 03S2170, de 26.03.2008, Proc. n.º 07S3791, e de 18.01.2018, Proc. n.º 25106/15.8T8LSB.L1.S1, e Ac. da Rel. Coimbra de 06.12.2019, Proc. n.º 1558/18.3T8CVL.C1).
No mesmo sentido, v.g. Monteiro Fernandes, ob. cit., pp. 409 – 410, e Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 6.ª edição, p. 578.»
Salienta-se que como se afirma no Ac. STJ de 18/01/2018 ali citado “(...) o princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta à alteração, por parte do empregador, do modo de cálculo da retribuição, na relação entre a remuneração de base e os respetivos complementos, desde que, evidentemente, tal alteração não redunde na diminuição da retribuição”.
Daí que seja certeira a afirmação constante da sentença segundo a qual: «Apenas se a ré tivesse deixado de considerar as diuturnidades como retribuição, limitando-se ao pagamento de 651,75€ se poderia, em face do IRCT e do art.º 129° n° 1 al d) do Código do Trabalho, ponderar a violação do principio da irredutibilidade da remuneração.»
Mas mesmo que se considerasse que da aplicação do regime decorrente da revisão global da CCT, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 29, 8/8/2015, resultaria para a autora uma diminuição da retribuição, não se poderia concluir pela violação do princípio afirmado no art.º 129.º, n.º 1, al. d) do Código do Trabalho, já que este preceito ressalva a possibilidade de diminuição da retribuição decorrente de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
De resto, como salienta o Ac. STJ de 23/06/20232: O princípio da irredutibilidade da retribuição não é absoluto, apenas proíbe a redução unilateral da retribuição pelo empregador e sendo possível a redução por força de instrumento de regulamentação colectiva conforme ressalva o Código do Trabalho.
E o art.º 503º do Código do Trabalho dispões (sob a epígrafe “Sucessão de convenções coletivas”):
“1 - A convenção colectiva posterior revoga integralmente a convenção anterior, salvo nas matérias expressamente ressalvadas pelas partes.
2 - A mera sucessão de convenções colectivas não pode ser invocada para diminuir o nível de protecção global dos trabalhadores.
3 - Os direitos decorrentes de convenção só podem ser reduzidos por nova convenção de cujo texto conste, em termos expressos, o seu carácter globalmente mais favorável.
4 - No caso previsto no número anterior, a nova convenção prejudica os direitos decorrentes de convenção precedente, salvo se forem expressamente ressalvados pelas partes na nova convenção.”
No caso a CCT na sua cláusula 3.ª, sob a epígrafe “Manutenção de regalias”, estabeleceu expressamente que, “Com salvaguarda do entendimento de que esta convenção representa, no seu todo, um tratamento globalmente mais favorável, a presente convenção revoga integralmente a convenção anterior.”
E no n.º 1 da cláusula 74.ª estatui que “Considerado que o presente contrato coletivo de trabalho contém um regime globalmente mais favorável para os trabalhadores por ele abrangidos, a adesão ao mesmo, após setembro der 2014, implica a aceitação expressa de todas as condições nele previstas, nomeadamente o regime de carreira e cláusulas de natureza pecuniária, mesmo que tal implique a redução da remuneração em função das tabelas do anexo III.”
Nestes termos, mesmo que se verificasse a redução da retribuição da autora, o que não é o caso, ela sempre seria legítima.
Uma última nota para dizer que também não tem razão de ser a alegação da autora de que ficou prejudicada na progressão na carreira a partir de abril de 2017 em diante porque nessa data a remuneração base da sua categoria prevista no CCT da CNIS ultrapassou o montante de € 651,75, pois no momento em que à relação laboral entre as partes passou a ser aplicável e aplicada esta CCT (o que não se subsume sequer à situação de sucessão de convenções coletivas, dado serem diferentes os seus outorgantes), deixou de ser aplicável a CCT celebrada entre Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Federação Nacional dos Professores e Outros, não podendo a autora prevalecer-se do disposto pelas cláusulas desta como pressuposto de aplicação das tabelas salariais daquela.
Improcede-se, pois, na íntegra, o recurso interposto pela autora.
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Decisão
Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
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Sem custas uma vez que a autora litiga com isenção nos termos do art.º 4.º, n.º 1, al. h) do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do disposto pelo n.º 6 da mesma disposição legal.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Notifique.
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Lisboa, 11/07/2024
Maria Luzia Carvalho
Paula Penha
Leopoldo Soares
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1. Relator Mário Belo Morgado, acessível em www.dgsi.pt.
2. Relator Júlio Gomes, acessível em www.dgsi.pt.