Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2112/20.5T8CSC.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
DEFEITOS
SINAL
INDEMNIZAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I – Os promitentes compradores de imóvel que se vem a revelar defeituoso antes da celebração do contrato prometido não são obrigados a celebrar este contrato e podem vir a estar em condições de resolver o contrato-promessa se se vier a verificar uma situação de incumprimento definitivo ou equivalente; ou seja, as normas aplicáveis à situação não são apenas e unicamente as directamente decorrentes do regime da venda das coisas defeituosas; mas aquela situação tem de ser provada por eles e, no caso dos autos, eles não a provaram.
II – A resolução de um contrato-promessa pelos promitentes vendedores, com base numa resolução ilícita (que é, em princípio, só por si, ineficaz) e na recusa de os promitentes compradores celebrarem o contrato prometido de coisa que se revelou defeituosa, sem antes os promitentes vendedores procederem à reparação dos defeitos, é ilícita e ineficaz, não tendo os promitentes vendedores direito a ficarem com o sinal entregue pelos promitentes compradores.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

DC e AR intentaram uma acção declarativa contra JM e JC, pedindo que fosse considerado licitamente por si resolvido o contrato-promessa celebrado com estes a 14/05/2020, por factos imputáveis a estes e que os réus fossem condenados na restituição em dobro do sinal (144.000€ x 2) e no pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, no montante de 79.102,40€, tudo acrescido de juros vincendos a contar desde a data da citação e até integral pagamento.
Alegaram, em síntese, que ajustaram com os réus um contrato-promessa de compra e venda de uma moradia, tendo entregue àqueles, na qualidade de promitentes vendedores, 144.000€ a título de sinal. Porém, após a subscrição daquele ajuste vieram a ser surpreendidos pela descoberta, naquela moradia, de manchas de humidade e bolor que estavam ocultas/dissimuladas por móveis e que estavam disseminadas por todo o imóvel. Por não confiarem nas explicações que foram adiantadas pelos réus – informaram que se tratavam de situações pontuais, justificadas pelo precedente Inverno e que a moradia estava bem conservada –, efectuaram uma inspecção técnica àquele bem, finda a qual se concluiu pela existência de defeitos estruturais, pela impossibilidade de ali desenvolver uma habitabilidade sã e pela existência de obras que não haviam sido licenciadas, sendo que a regularização de todas essas situações requereria a realização de obras no valor de 118.900€. Nessa sequência, dirigiram aos réus uma interpelação admonitória, tendo estes, em resposta, confessado ter conhecimento do verdadeiro estado do imóvel, acabando, no entanto, por agendar a realização da escritura pública de compra e venda, ao que os autores replicaram com a resolução do contrato; porém, não obstante a eficácia da resolução contratual, os réus consideraram o contrato resolvido e fizeram seu o montante entregue a título de sinal. Referiram ter despendido 29.104,50€ com consultadorias e materiais que adquiriram para a remodelação da moradia, tendo-se sentido ansiosos, enganados e revoltados com todo o processo, avaliando em 50.000€ o valor de indemnização por danos não patrimoniais.
Os réus contestaram alegando que, mesmo no contexto pandémico que então se vivia e apesar de ainda residirem na moradia, disponibilizaram a moradia para que os autores a visitassem sempre que entendessem, que responderam a todos os esclarecimentos por aqueles solicitados e que lhes entregaram as telas finais, pelo que aqueles estavam em condições de aferir a questão do licenciamento camarário. Mais aduziram que, no contrato-promessa de compra e venda, os autores aceitaram que a moradia seria vendida no estado em que estava e a veracidade destes factos e que as manchas e humidade tiveram origem no entupimento do colector externo de águas pluviais, que, à data da realização da dita inspecção, a moradia se mantinha no estado em que fora prometida vender e que o prazo concedido jamais seria suficiente para a realização das obras ali elencadas. Referiram ainda que o valor obtido pela venda dessa moradia seria reinvestido na aquisição de um outro imóvel, o que implicava que a escritura de compra e venda daquela fosse realizada em momento anterior à formalização destoutro negócio. A falta de comparência à escritura agendada pelos réus determinou que os autores tivessem incorrido em incumprimento contratual definitivo.
E reconvieram, alegando que, em virtude do incumprimento protagonizado pelos autores, têm direito a fazer seu o montante recebido a título de sinal e que, por exigência dos promitentes vendedores da habitação que planeavam comprar e para obterem a prorrogação do prazo para a realização da respectiva escritura pública, tiveram que renegociar o preço para a sua aquisição, o qual acabou por se fixar em mais 40.000€ do que havia sido inicialmente acordado (o que implicou o pagamento de quantias adicionais a título de IMT e de imposto de selo), para o que tiveram que obter um empréstimo intercalar por via do qual se encontram adstritos a uma adicional amortização mensal no valor de 3.800€. Mais advogam que a moradia prometida vender aos autores foi vendida por valor inferior àquele que fora acordado com estes e que, para o efeito contrataram uma nova mediação imobiliária, no que despenderam 31.980€. Pugnaram pela absolvição dos pedidos contra si formulados, pelo reconhecimento do direito a fazerem sua a quantia entregue pelos autores e pela condenação destes no pagamento de indemnização no valor de 214.700€, acrescido dos juros vencidos e vincendos.
Os autores replicaram, impugnando os factos que sustentam a reconvenção e alegando que a indemnização peticionada não era acumulável com a retenção do sinal entregue e que os danos invocados não são imputáveis à sua conduta, tanto mais que o contrato-promessa de compra e venda já fora resolvido pelos autores. Concluíram pela improcedência da reconvenção.
(este relatório seguiu, no essencial, o relatório da sentença recorrida)
Depois de realizada a audiência final foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos contra eles formulados pelos autores, e a julgar a reconvenção parcialmente procedente, reconhecendo-se que os réus têm direito a fazer seus os 144.000€ entregues pelos autores a título de sinal e princípio de pagamento e absolvendo os autores do demais pedido pelos réus. As custas foram fixadas em 40% pelos autores e 60% pelos réus.
Os autores recorrem desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que absolva os autores do pedido reconvencional e condene os réus ao pagamento do sinal em dobro, ou, subsidiariamente, condene os réus à restituição do sinal e ao pagamento de danos sofridos pelos autores -, impugnando alguns pontos da decisão da matéria de facto e a improcedência da acção e procedência da reconvenção.
Os réus contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso e pediram a rectificação das custas.
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Questões a decidir: se deve ser alterada a decisão da matéria de facto e se os autores têm direito ao sinal e à indemnização pedidos e se os réus não têm o direito de ficarem com o sinal entregue pelos autores.
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Estão provados os seguintes factos que interessam à decisão destas questões [na sequência da decisão da impugnação da matéria de facto, foram aditados os factos, 10bis, 11bis, 13bis e 13ter; as transcrições dos factos, da fundamentação do tribunal e da posição das partes são, sempre que possível, simplificadas]:
1\ Os réus viviam há mais de 15 anos na moradia sita na Rua E.
2\ Em 25/04/2020, os autores, após saberem que a moradia estava à venda pelo valor de 1.490.000€, efectuaram uma visita à mesma para verificarem as suas características e localização.
3\ Em 27/04/2020, a autora efectuou uma visita à moradia, tendo questionado os réus acerca da origem de sinais de humidade que se verificavam em algumas zonas da casa, ao que estes responderam que aqueles resultavam de uma situação que ocorrera no Inverno e que já havia sido resolvida, mediante intervenção que haviam efectuado na cobertura plana da moradia.    
4\ Em escrito datado de 28/04/2020 e dirigido aos autores, os réus declararam:
“[…] Este Inverno notámos o aparecimento de alguma humidade em pontos específicos que nos levaram a inspeccionar possíveis áreas de infiltração tendo chegado as seguintes conclusões:
Detectaram-se três pequenas áreas na cobertura do terraço, não do telhado, com quebra da integridade da tela de cobertura, que justificaram a infiltração na área do corredor. Já reparadas.
Constatou-se entupimento da caixa colectora que leva todas as águas pluviais ao colector exterior com consequente impossibilidade de drenagem e acumulação de água nas caleiras e algerozes, sem drenagem, o que levou ao aparecimento de humidade em pontos específicos, adjacentes aos algerozes, nomeadamente na sala e no escritório.
Tirando estes locais as restantes paredes não têm sinais de humidade. O sistema de drenagem de águas pluviais foi submetido a uma inspecção e intervenção por uma empresa especializada na semana passada com total resolução do problema.
Não foram alteradas as áreas da casa encontrando-se conforme as plantas originais, portanto não julgo haver qualquer problema com os bancos que também intervieram em 2005 quando nós comprámos a casa.”
5\ Na sequência da apresentação de uma proposta de aquisição pelos autores, os réus, em escrito datado de 28/04/2020 e àqueles dirigido, declararam:
 “[…] A casa está bem conservada e naturalmente necessita apenas de alguns trabalhos. Toda a zona do telhado apresenta uma cobertura de telhas de boa qualidade e integras sem necessidade de reparações. As zonas de terraço do telhado estão estanques mas aqui julgo que se podia optar por uma nova impermeabilização. Esta obra é relativamente pouco dispendiosa e garante tranquilidade por muito tempo. […] Finalmente resta a necessidade de pintura completa do interior da moradia que é normal numa casa usada e até por motivos de higiene.
Quaisquer outras obras serão puramente pessoais, a gosto de cada um e normais quando existe uma mudança de proprietários.
Sendo assim gostaríamos de fazer a seguinte contra proposta: Deduzindo o valor das obras a realizar, com uma margem alargada, nomeadamente as do terraço e pintura, de cerca de 20.000€ e ainda de uma dedução negocial de 30.000€ ao preço anunciado, apresentamos uma contra proposta de 1.440.000€. […]”.
6\ Em escrito encimado pela expressão “contrato-promessa de compra e venda” e datado de 14/05/2020, os réus, aí identificados como promitentes vendedores e os autores, aí identificados como promitentes compradores, declararam
“[…] É livremente celebrado o presente contrato promessa de compra e venda que se rege pelas cláusulas seguintes e em tudo o que for omisso, pela legislação aplicável.
Cláusula primeira (Objecto)
1\ Os promitentes vendedores são os proprietários e legítimos possuidores do prédio urbano constituído por Moradia de cave, rés-do-chão, 1º andar, garagem e piscina e logradouro, situado na Rua E [...], adiante também designado abreviadamente por Imóvel.
[…]
Cláusula segunda (Promessa de Compra e Venda)
1\ Pelo presente contrato, os promitentes vendedores, prometem vender aos promitentes compradores e estes prometem comprar-lhe a eles, livre de quaisquer ónus ou encargos à data da outorga do contrato prometido, nomeadamente as identificadas hipotecas voluntárias o bem descrito na cláusula anterior, no estado em que se encontra.
[...]
3\ Os promitentes compradores expressamente manifestam e declaram que previamente à celebração do presente contrato:
a\ Procederam à visita do identificado Imóvel;
b\ Analisaram a documentação a ele relativa;
c\ Têm conhecimento integral do seu estado físico [...]
Cláusula terceira (Preço e Condições de Pagamento)
1\ O preço convencionado para a prometida venda é de 1.440.000€ […] e será pago nos seguintes termos:
a\ A título de sinal e princípio de pagamento por conta do preço acordado. Os promitentes compradores entregam com a assinatura do presente contrato aos promitentes vendedores a importância total de 144.000€ […]
b\ O remanescente do preço, ou seja, 1.296.000€ será pago no acto da outorga do contrato prometido, através de cheque bancário.
[…]
Cláusula quarta (Contrato Prometido)
1\ O contrato prometido será outorgado por escritura pública de compra e venda, por contrato particular autenticado, ou por título Casa Pronta, no prazo máximo de 60 dias contados da assinatura do presente contrato, em dia, hora e local, que os promitentes compradores venham a notificar os promitentes vendedores com pelo menos 10 dias úteis de antecedência da data pretendida.  
[…]
4\ Findo o prazo previsto no n.º 1, não tendo sido prorrogado nos termos do número anterior outro não tiver sido acordado entre as partes, a marcação da escritura definitiva de compra e venda passará a ser da responsabilidade, exclusiva dos promitentes vendedores os quais para o efeito deverão indicar aos promitentes compradores a respectiva data, hora e local de realização, com, pelo menos, 10 dias de antecedência. […]”.
7\ Os autores despenderam as importâncias de 645,75€, de 150€, de 100€ e de 344,40€ no pagamento de consultadorias técnicas respeitantes à remodelação da moradia.
8\ Os autores encomendaram conjunto de material de soalho/chão e a respectiva entrega, tendo, para tanto, despendido o valor de 25.546,94€.
9\ A 16/05/2020, os réus declararam prometer adquirir, mediante escritura pública a celebrar até 60 dias após aquela data, um prédio urbano […] pelo valor de 880.000€, tendo entregue a 100.000€ a título de sinal.
10\ Em visitas realizadas à moradia que tiveram lugar em momentos posteriores à celebração do contrato, os autores viram manchas de humidade e bolor em paredes daquela habitação que antes estavam tapadas por mobiliário e radiadores.
10bis\ Na sequência do referido em 10, os autores confrontaram os réus, tendo-lhes estes dito que as manchas seriam apenas resquícios pontuais da situação ocorrida nesse último Inverno e que se resolvia com uma simples limpeza.
11\ Na sequência do facto 10, os autores solicitaram a realização de uma inspecção à moradia.
11bis\ [dada a extensão do facto, remete-se para transcrição que está feita abaixo a propósito do seu aditamento, para não o estar a repetir aqui].
12\ Nessa sequência, foi, em escrito datado de 25/06/2020 e respeitante à moradia, vertido que:
“[…] DESCRIÇÃO DAS PATOLOGIAS VERIFICADAS
Da visita ao interior do imóvel foi possível identificar várias zonas em paredes e tectos com evidências de humidade, identificadas pela presença de manchas escuras, destacamento de tinta, eflorescências e cripto florescências, bolores e manchas com evidências de limpeza dos fenómenos citados. Estas manifestações de fenómenos gerados pela presença de elevadas percentagens de humidade relativa foram identificadas em diversas divisões, conforme testemunham as fotos seguintes. […]
É de referir que as diversas leituras efectuadas nesta divisão de "garrafeira", quer ao nível das quatro paredes, quer do tecto ou do pavimento, resultaram em 99% de humidade relativa. O mesmo foi verificado num pequeno anexo a esta divisão. […]
Da fotografia anterior destaca-se o surgimento de fenómenos que evidenciam a presença de humidade, mesmo após reparação do acabamento, isto é, a reparação efectuada não resolveu a origem da patologia existente. […]
Da análise às evidências acima mostradas pelas fotografias, que pretendem ser apenas uma amostra das situações identificadas no local, conclui-se que a área habitável da moradia revela uma presença sistémica de humidade elevada, não sendo justificável por fenómenos localizados ou episódios singulares. A presença das referidas manchas escuras, destacamentos de tinta, e florescências e cripto florescências, bolores e manchas com evidências de limpeza e/ou reparações, não são justificáveis por eventos esporádicos, mas antes pela presença constante e prolongada de elevados níveis de humidade, como se justifica pela restante análise descrita no presente relatório.
Nas zonas mais afectadas pelos fenómenos descritos, as argamassas de acabamento das paredes e tectos interiores terão de ser substituídas, visto não se poder efectuar pintura sobre as argamassas que se encontram profundamente degradadas e comprometidas. A execução de pintura sobre tal base degeneraria na rápida degradação e/ou empolamento da mesma.
Terminada a visita aos espaços interiores habitáveis, a visita de inspecção prosseguiu na cobertura. Nas fotos seguintes é notória a degradação da impermeabilização das coberturas planas, bem como, de todas as caleiras existentes nas coberturas inclinadas. Faz-se desde já notar que esta degradação, que obriga a uma reparação integral dos esquemas de impermeabilização referidos, justifica pontualmente algumas das humidades encontradas no interior da moradia, nomeadamente de alguns pontos a nível dos tectos, não justificando, contudo, os fenómenos verificados em paredes, nomeadamente na parte inferior das mesmas.
Das próximas fotografias destacamos ainda a presença de diversas reparações localizadas com produto impermeabilizante do tipo pele elástica, reparações essas que denotam a falência dos esquemas de impermeabilização existentes que levaram nos últimos anos a várias reparações pontuais, não tendo sido, contudo efectuada a reparação integral da impermeabilização das coberturas planas e das caleiras das coberturas inclinadas.
Na fotografia anterior é possível identificar a presença de diferentes esquemas de impermeabilização, tendo sido informado pelo proprietário que o esquema à direita é o da construção original da moradia, datada de 1984 o esquema à esquerda terá sido realizado aquando das abras em 2005, e por último, reparações localizadas efectuadas par impermeabilizante do tipo pele elástica efectuadas nos últimos anos. […] Como já referido, pelas evidências identificadas no local, os esquemas impermeabilizantes das coberturas estão comprometidos, devendo ser integralmente substituídos, por via da sua completa remoção e aplicação de novo esquema. Contudo, mais uma vez se salienta que os danos presentes na impermeabilização da cobertura justificam apenas parcialmente a presença dos fenómenos de humidade identificados no interior da moradia.
Posteriormente, a visita prosseguiu na zona da cave que se encontra sobre a moradia em toda a sua extensão, com excepção da garagem. Conforme identificado na planta constante das telas finais do processo camarário. A cave está dividida numa área técnica de instalação de equipamentos e numa área de caixa de ar.
Para análise às patologias verificadas no interior deste espaço é fundamental a observância do elemento de projecto abaixo, relativo à estabilidade do piso do r/c, no qual é possível verificar a composição das lajes e da estrutura de betão armado na qual estas se apoiam. Faz-se notar que segundo este desenho relativo a telas finais, isto é, relativo a como o edifício foi efectivamente construído, verifica-se a presença de paredes de betão armado em todo o perímetro da moradia, incluindo o espaço ajardinado interior.
Da visita ao local foi possível comprovar a constituição das referidas paredes e pilares em betão armado, sendo as lajes do tipo aligeiradas compostas por vigotas pré-esforçadas e abobadilhas em cerâmica.
[…] Fotografias. Estas evidenciam o levantamento efectuado em todas as paredes enterradas de betão da moradia, incluindo as paredes da fachada a norte, bem como, ao terreno existente sob a moradia, sendo que em todos os locais sem excepção foi medida uma humidade relativa de 99% no interior da caixa de ar. Assim, conclui-se que todo este espaço, incluindo terreno, paredes e laje superior (laje do rés-do-chão), apesar do tempo quente e seco que se verificava no dia da visita e em toda a semana anterior, se encontra com o valor máximo da escala do aparelho de medida utilizado, denotando a presença de elevada humidade no espaço, o que, não é conducente com o objectivo de arejamento deste espaço. […]
Da análise efectuada a todos os fenómenos presentes na moradia e principalmente na caixa de ar, é de todo evidente que a caixa de ar não está a efectuar a sua função, sendo responsável, juntamente com as fundações, pela presença sistémica de humidade no interior da habitação. Fazemos notar, tal como anteriormente referido para o espaço habitável, que os fenómenos encontrados na cave são sistémicos e não pontuais ou temporários. De entre as causas que justificam a presença da elevada humidade no espaço, encontram-se claramente a não existência (ou eventual falência integral) de isolamento das paredes de betão armado que circundam a moradia e o jardim interior. Verifique-se a presença de 99% de humidade relativa nestas paredes, sendo que de forma mais qualitativa pode-se afirmar que ao tacto, tanto as paredes como o terreno e as abobadilhas cerâmicas, sentem-se húmidas / molhadas. Esta falta de isolamento exterior é justificação essencial para a presença de humidade na habitação. Destaca-se igualmente o facto destas paredes exteriores serem de betão armado e de espessura superior a 0,20 m potenciando grandemente a ascensão das humidades por efeito de capilaridade, fenómeno esse ilustrado no esquema abaixo, o qual mostra que as paredes enterradas em betão armado sem isolamento absorvem humidade, a qual posteriormente ascende por efeito de capilaridade. Este fenómeno considera-se ser fonte de parte considerável do problema de humidade existente.
Por observação dos fenómenos no rés-do-chão é ainda possível concluir que as humidades se devem a águas superficiais e não a águas freáticas, visto que as evidências de humidade são mais manifestas nas paredes exteriores do que nos interiores. Neste ponto é também importante referir as diferenças encontradas ao nível do rés-do-chão entre as paredes exteriores orientadas a sul e as orientadas a norte. As paredes a sul beneficiam de uma maior exposição solar, mas também e mais relevante, beneficiam do espaço exterior adjacente ser permeável, isto é, o solo não se encontra coberto logo respira e a presença de água diminui por evaporação. Por oposição, as paredes a norte sofrem de múltiplos factores penalizadores, a citar:
- Orientação solar desfavorável encontrando-se sombreada quase em permanência;
- O solo encontra-se pavimentado, logo impermeabilizado, não permitindo assim o fenómeno de evaporação;
- O perfil natural do terreno apresenta declive com orientação norte => sul, isto é, a águas superficiais tendem a escoar vindas de norte contra esta fachada ficando aí estagnadas;
- O lote que confronta a norte, tem zona ajardinada adjacente ao lote.
Como se poderá deduzir, as águas provenientes do terreno permeável do lote a norte, escoam naturalmente devido ao declive do terreno até às fundações da moradia em análise, ficando aí estagnadas sob um piso impermeável que não permite evaporação.
É de salientar igualmente a insuficiência de circulação de ar na caixa de ar, circulação esta que deveria ser potenciada para o bom desempenho desta estrutura enterrada. Sem circulação de ar, a caixa não cumpre o seu objectivo. Esta insuficiência de circulação de ar deve-se essencialmente a três fenómenos:
- Clara insuficiência de aberturas nas paredes para arejamento, tendo sido identificadas apenas duas aberturas com cerca de 15x40 cm, com grelhas obturadoras demasiado restritivas, estando as mesmas mal posicionadas para a potenciação de ventilação natural;
- O desaterro da caixa de ar encontra-se mal executado na área a norte, identificando-se movimentos de terras que originaram volumes de aterro que se aproximam da laje superior, oferecendo assim barreiras à circulação de ar;
- A geometria da caixa de ar, não sendo toda uma área aberta, mas antes tendo uma disposição complexa, não propicia a circulação de ar.
Estes três aspectos deverão ser colmatados por abertura de mais grelhas de arejamento, por desaterro de algumas zonas da caixa de ar e por instalação de ventilação forçada da caixa de ar, ventilação esta que permitirá resolver as dificuldades a uma ventilação puramente natural.
Conjuntamente com todos os pontos acima identificados, os quais por si justificam a presença generalizada de evidências de humidade, considera-se que poderá existir um factor penalizador adicional associado à eventual presença de caixa de ar nas paredes exteriores. Tendo por base a espessura das paredes existentes e as metodologias construtivas frequentes à data da construção […], as paredes exteriores deverão ser compostas por dois panos de alvenaria em tijolo com existência de caixa de ar entre ambos. […]
A verificar-se a existência de uma caixa de ar sem qualquer tipo de preenchimento, teremos uma causa adicional para proliferação da humidade pelas paredes, o que se encontraria de acordo com a presença generalizada de evidências de humidade nas paredes. Nesse caso, juntamente com as intervenções acima mencionadas, a intervenção ao nível do preenchimento das caixas de ar é também essencial para a resolução da existência de humidade. Note-se ainda, que a verificar a existência da caixa de ar, a mesma encontra-se mal construída / executada, visto não terem sido encontrados os devidos arejamentos e drenes obrigatórios ao bom funcionamento desta solução construtiva.
Por fim, no espaço da cave, não se considerando uma patologia da moradia, foi solicitada a verificação ao estado actual da rede de águas existente, a qual terá sido integralmente substituída na referida obra realizada em 2005. Da inspecção efectuada, verificou-se a existência de troços de canalização em aço galvanizado, os quais remontam à construção original, instalados juntamente com novos troços em tubo multicamada. Verificou-se ainda que a rede de águas em multicamada está mal dimensionada, apresentando claramente diâmetros de tubulação insuficientes e não regulamentares.
DESCRIÇÃO DAS ALTERAÇÕES AO PROJECTO LICENCIADO 0000/79
Da consulta aos elementos de projecto que se encontram na posse do actual proprietário verificou-se a existência de alterações ao projecto licenciado, nomeadamente, às telas finais que constam do processo n.º 0000/79, a citar:
- Alteração do vão exterior a poente da suite, de porta para janela de peitoril, caracterizando-se por uma alteração de alçados, sujeito a licenciamento; […]
- Eliminação da varanda que contornava a suite, caracterizando-se por uma alteração de alçados, sujeito a licenciamento […]
- Eliminação do acesso directo da varanda/terraço existente para logradouro a poente da moradia, caracterizando-se por uma alteração de alçados, sujeito a licenciamento […]
- Alteração da geometria dos vãos exteriores da fachada norte, caracterizando-se por uma alteração de alçados, sujeito a licenciamento […]
- Construção de uma instalação sanitária de apoio à piscina no logradouro a nascente da moradia, a qual não consta da planta do rés-do-chão do projecto, logo a respectiva área não se encontra legalizada […]
- Construção de divisão em cave, denominada garrafeira, a qual não consta da planta da cave do projecto, logo a respectiva área não se encontra legalizada; [...]
- Substituição de zonas ajardinadas por pavimentos impermeáveis, existindo assim actualmente apenas cerca de 260m2 de área exterior permeável, quando de acordo com o PDM de Cascais, deveriam existir, atenta a área desta parcela, pelo menos 360m2 de área impermeável […] [a parte rasurada corresponde a evidente erro de escrita não do relatório mas da petição, mantido na sentença recorrida - TRL]
- Instalação de um telheiro em frente à garagem, o qual não é passível de licenciamento;
Caldeira a gasóleo para produção de águas quentes sanitárias, com depósito para 1000L de combustível, em violação da portaria 1532/2008, que estabelece que como medida de segurança contra incêndios, os depósitos para gasóleo em cave de edifícios estão limitados a um máximo de depósito de 500L e ainda com sistema de exaustão partilhado com a chaminé da lareira, o que também é contrário aos normativos legais, que impõe sistema de exaustão separado […]
Rede de águas não conforme, por mal dimensionada e com troços de canalização em aço galvanizado e troços com tubo multicamada, que impõe a sua integral substituição […]
INTERVENÇÃO PROPOSTA
As intervenções abaixo listadas descrevem os procedimentos mínimos a executar para a resolução das patologias acima identificadas, bem como, a correcção das não conformidades legais identificadas, para as quais não é possível proceder à sua legalização, como é o caso da área permeável obrigatória de 40%, do telheiro existente, da Instalação Sanitária de apoio à piscina e a alteração do sistema de produção de águas quentes sanitárias.
[…]
ESTIMATIVA DE CUSTO
No presente capítulo, é apresentada a estimativa de custo para a execução das intervenções propostas no capítulo anterior […] Aos valores referidos acresce IVA à taxa legal […]
TOTAL 118.900 €
[…]”.
13\ Antes dos factos 10 e 11, os autores não tinham conhecimento das situações descritas no escrito reproduzido em 12.
13bis\ Os réus tinham conhecimento de todas as situações a que se refere o escrito parcialmente reproduzido 12 e decidiram não as revelar aos autores antes da assinatura do contrato-promessa.
13ter\ Os réus sempre disseram aos autores que as obras da moradia estavam legalizadas, à excepção do que se refere à janela, casa de banho exterior e telheiro.
14\ Em escrito datado de 01/07/2020 e remetido ao réu, os autores, reportando-se ao escrito parcialmente reproduzido em 12, declararam:
“[...] Para a eliminação dos defeitos enumerados, são indispensáveis as intervenções e trabalhos melhor descritos nas páginas 34 a 36 do relatório anexo, as quais têm por objecto:
a\ As coberturas inclinadas. As várias intervenções encontram-se descritas na pág. 34 do relatório;
b\ As paredes exteriores acima da cota de soleira. As várias intervenções encontram-se descritas na pág. 34 do relatório;
c\ As paredes exteriores abaixo da cota da soleira. As várias intervenções encontram-se descritas na pág. 34 do relatório;
d\ O pavimento do logradouro a norte do edifício, a ser substituído por uma solução permeável. As várias intervenções encontram-se descritas na pág. 34 do relatório;
e\ As paredes e tectos interiores. As várias intervenções encontram-se descritas na pág. 35 do relatório;
f\ A cave, onde deve ser instalada ventilação forçada na cave, quer na caixa de ar, quer nas áreas técnicas. As várias intervenções encontram-se descritas na pág. 35 do relatório;
g\ A caixa de ar, para desaterro parcial e pontual da mesma. As várias intervenções encontram-se descritas na pág. 35 do relatório;
h\ A pintura integral das paredes interiores e exteriores da moradia. A intervenção encontra-se descrita na pág. 35 e 36 do relatório;
i\ A instalação de novas canalizações em multicamada. As várias intervenções encontram-se descritas na pág. 35 do relatório.
Quanto às alterações ao projecto licenciado, verifica-se, entre outros pontos devidamente descritos no relatório anexo, a não legalização da construção de instalação sanitária de apoio à piscina no logradouro a nascente da moradia, a qual não consta da planta do r/c do projecto, construção de uma divisão em cave, denominada de “garrafeira”, a qual não consta da planta da cave do projecto e a presença de área exterior permeável de 260m2 com uma deficiência de 100 m2 de acordo com o PDM de Cascais. Para além das deficiências já referidas, acresce, a instalação de produção de águas quentes sanitárias com recurso a caldeira a gasóleo, que não se encontra de acordo com a Portaria 1532/2008 que regulamenta a Segurança Contra Incêndio em Edifícios (SCIE), não sendo a instalação actual legal nem legalizável. Para eliminação destas desconformidades são indispensáveis várias intervenções e trabalhos, em termos melhor descritos nas páginas 35 e 36 do relatório anexo:
1\ Demolição do alpendre e da instalação sanitária de apoio ao jardim; 2\ Substituição de pavimentos exteriores por pavimentos permeáveis; 3\ Alteração do sistema de produção de águas quentes sanitárias por caldeira a gasóleo (considerando-se que o custo será inferior à substituição por sistema alternativo); 4\ Instrução do devido processo de legalização junto das entidades competentes. No que não for licenciável, proceder-se à sua demolição ou reposição de acordo com as telas finais do processo licenciado 0000/79.”
Nestes termos e em face de tudo quanto vai exposto, supra, vimos, por este meio, estabelecer um prazo adicional, não superior a 15 dias, contados da recepção desta notificação, para que V. Exas realizem a correcção integral dos defeitos que identificámos (e constantes do relatório anexo), bem como supram a falta de licenciamento.
Findo este prazo sem que todas as reparações tenham sido feitas e sem que a falta de licenciamento tenha sido suprida, consideraremos o contrato-promessa definitivamente incumprido por facto imputável a V. Exas e resolvido com esse fundamento, o que nos dá o direito, nos termos do estabelecido contratualmente e na lei, ao pagamento do sinal em dobro […]”.
15\ Em escrito remetido pelos réus aos autores e datado de 07/07/2020, aqueles declararam:
“[…]
A moradia foi prometida vender no exacto estado e nas condições em que se encontra, o que foi integralmente aceite por V. Exas nos termos do disposto no número um da cláusula 2ª do contrato promessa, V. Exas, como bem sabem, prometeram comprar a moradia "no estado em que se encontra", tendo declarado e garantido que (i) visitaram o imóvel, (ii) analisaram a documentação do mesmo e (iii) têm conhecimento integral do seu estado físico, áreas e condições jurídicas actuais, matriciais e registais [...].
O que é invocado na comunicação de V. Exas, como sendo vícios na moradia de que só tiveram conhecimento após a celebração do contrato promessa, não tem qualquer acolhimento. A moradia encontra-se nas exactas condições em que se encontrava à data de celebração do contrato promessa, não se tendo verificado qualquer alteração. Nunca, em momento algum, escondemos ou ocultámos o estado da moradia que V. Exas prometeram comprar.
O que consta do relatório que nos enviaram são, por um lado, factos que foram total e integralmente comunicados a V. Exas (e que até levaram à negociação do preço) e, por outro lado, não correspondem ao negócio que foi ajustado com V. Exas., na medida em que nunca ajustámos vender a moradia no estado em que o autor do relatório invoca como sendo o estado em que deveria ser vendida.
Consequentemente, não temos qualquer responsabilidade ou qualquer obrigação de proceder a quaisquer reparações na moradia antes (ou após) a celebração da escritura pública de compra e venda.
Face ao exposto, a Vossa interpelação admonitória carece de qualquer fundamento e eficácia.
Por outro lado, V. Exas incumpriram o disposto no número um da cláusula 4ª do contrato promessa, i.e., V. Exas deveriam ter agendado a celebração da escritura pública de compra e venda no prazo máximo de 60 dias contados da data de assinatura do contrato promessa (desde 14/05/2020).
Deste modo, V. Exas deveriam ter procedido à marcação da escritura pública, no limite máximo até ao dia 13/07/2020, para o que V. Exas, deveriam ter enviado uma comunicação com a antecedência mínima de 10 dias úteis, ou seja até ao passado dia 29/07.
Como V. Exas. não procederam ao agendamento da escritura pública, nos termos consignados no contrato promessa, servimo-nos da presente para, nos termos do disposto no n.º 4 da referida cláusula 4ª, procedermos à comunicação a V. Exas de marcação da escritura definitiva de compra e venda para o próximo dia 27/07/2020, às 11h30m, no Cartório Notarial do Dr. [...]
Na eventualidade de V. Exas não procederem à outorga da escritura de compra e venda no Cartório Notarial, data e hora acima referidos, V. Exas incorrerão em incumprimento definitivo do contrato promessa, com as legais consequências. [...]”.
16\ Em escrito datado de 10/07/2020 e dirigido aos réus, os autores declararam:
“[…]
Também pelas razões que acabamos de expor, é totalmente ineficaz a notificação para a realização da escritura da compra e venda constante da parte final da V. carta. Neste momento, são V. Exas que se encontram em incumprimento do contrato-promessa e não temos qualquer obrigação de comparecer na escritura se e na medida em que V. Exas não estejam em condições de vender o imóvel em termos conformes com o contrato, pois foi apenas nessas condições que nos obrigámos a comprá-lo.
De resto, terminado o prazo indicado na interpelação admonitória sem que V. Exas procedam às reparações e licenciamentos indicados, considerar-se-á o contrato resolvido, pelo que também por essa via deixará de existir qualquer obrigação nossa de comparecer na escritura
[…]”.
17\ Os réus não realizaram as intervenções descritas no escrito parcialmente reproduzido em 12.
18\ Os autores não compareceram no local e hora indicados no escrito parcialmente reproduzido em 15.
19\ Em escrito datado de 27/07/2020 e dirigido aos autores, os réus declararam:
“[...] Tanto a ausência de V. Exas a esta escritura pública como a comunicação que consta do e-mail que foi enviado no passado dia 23/07 geram um incumprimento total e definitivo do contrato-promessa de compra e venda.
O incumprimento determina a perda do sinal que nos foi entregue.
Para além disso, este incumprimento de V. Exas causa-nos prejuízos que vão bem além do valor do sinal que V. Exas tinham pago, na medida em que, estando o imóvel prometido vender a V. Exas, celebrámos, como informámos V. Exas, um contrato promessa de compra de outro imóvel para habitação própria, cujo preço seria pago com o recebimento do preço que V. Exas nos deveriam ter pago. Este incumprimento de V. Exas poderá vir a impedir-nos de celebrar aquela escritura pública e de virmos a ter uma perda do sinal [...].”
20\ Em virtude do facto referido em 14 e de, na mesma altura, terem vendido a casa que antes habitavam, os autores arrendaram uma habitação.
21\ Em virtude das situações referidas no escrito parcialmente reproduzido em 12 e dos factos referidos 15 e 17, os autores sentem- se enganados pelos réus, ansiosos e tristes.
22\ Mediante aditamento ao ajuste referido em 9, os réus reforçaram o sinal em 80.000€ e obtiveram a prorrogação do prazo para a celebração da respectiva escritura pública aí referida para o dia 03/08/2020.
23\ Mediante um outro aditamento ao ajuste referido em 9, foi acordada a prorrogação da data da celebração da escritura pública aí referida para o dia 08/10/2020, tendo se fixado o valor da aquisição em 920.000€.
24\ Para a concretização do negócio referido em 9, os réus obtiveram um empréstimo no valor de 630.000€, amortizável em prestações mensais.
25\ O imóvel referido em 1 foi vendido.
*
Da impugnação da decisão da matéria de facto
Os autores consideram que deverá constar dos factos provados, o envio e teor do doc.4 junto com a contestação.
Dizem eles, como fundamentação da sua pretensão:
A apresentação de tal documento foi efectuada pelos réus no artigo 94 da contestação, em que é alegado o seguinte: “(…) os autores decidiram enviar aos réus a comunicação de 21/06[2020] – conforme doc. 4, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.”
Mais é alegado pelos réus que esta comunicação “corresponde a uma síntese do relatório que os autores haviam de enviar mais tarde aos réus, com a carta de 01/07, recebida a 03/07/2020.” – cf. artigo 95 da contestação - e que “o teor desta comunicação – tal como o teor do relatório posterior, com fotos – é totalmente falso, na medida em que, por um lado, os autores vêm-se mostrar surpreendidos com o estado do imóvel que conheciam integralmente, e por outro lado (ii) vêm invocar “anormalidades” e “defeitos” no imóvel que não existem, como os autores bem sabem.”
Ou seja, dúvidas não há que os réus confessam ter recebido esta comunicação datada de 21/06, sendo uma notificação com identificação de defeitos invocados pelos promitentes-compradores.
De facto, este documento trata-se de comunicação relevante trocada entre as partes e cujo envio dos autores para os réus foi confess[ad]o por estes, mediante a sua junção aos autos sob doc. 4.
Este mesmo documento é também confirmado pelos autores, que expressamente o referenciam no artigo 16 da réplica apresentada.
Considerando o teor deste documento – de notificação de defeitos detectados à parte contrária - resulta à saciedade a relevância deste documento, que, desde logo, perante a posição das partes de expressa aceitação do mesmo, não poderia ter sido desconsiderado pelo tribunal a quo.
Toda a prova documental carreada para os autos – em particular aquela que é expressamente aceite de comum acordo por ambas as partes – deve ser ponderada e valorada pelo tribunal.
Considerando a matéria de Direito em análise, reflectida nos temas de prova elencados pelo tribunal a quo, é inquestionável que a comunicação cujo teor se requer seja aditada à factualidade apurada, se reveste de manifesta relevância, não só por configurar uma comunicação em que são elencados de forma já exaustiva os defeitos que haviam sido descobertos pelos autores, como também por conter uma interpelação daqueles aos réus para que fosse proposta solução para todas os defeitos descritos.
É, pois, inegável que por via deste documento cujo envio e recepção é expressamente aceite por ambas as partes, é efectuada a primeira interpelação para correcção de todos os defeitos que até então eram desconhecidos dos autores (conforme facto provado 10).
O que, de resto, está em manifesta consonância com a restante factualidade dada como provada, em que por via da comunicação datada de 01/07/2020 – vide facto provado 14 – os autores referem expressamente estar a interpelar os réus para que no prazo adicional de 15 dias procedam à correcção integral de todos os defeitos que identificaram.
Mais relevante se torna esta factualidade, quando – perante a sua (errada) ausência da factualidade apurada – o juiz do tribunal recorrido conclui em sede de fundamentação de Direito que a comunicação do facto provado 14 era a “primeira vez que os mesmos (os réus) eram confrontados com tais situações e com a exigência da sua regularização.”
Ora, esta conclusão está manifestamente errada atenta a prova documental existente e as próprias alegações dos réus que confessam expressamente ter recebido esta comunicação, junta como doc. 4 da contestação.
As partes estão adstritas à alegação dos factos essenciais (artigos 5/1, 552/1-d e 572/-c do CPC); mas o tribunal, para além desses, deve considerar os factos instrumentais e complementares ou concretizadores que resultem da discussão da causa (art.º 5/2 do CPC).
Acresce que, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, deve o juiz ter em conta o princípio da aquisição processual (art.º 413), do qual deriva que todas as provas produzidas devem ser tidas em consideração, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las.
Dispõe, por sua vez, o artigo 662/1 do CPC “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Considerando o thema decidedum em causa, esta factualidade é, pois, relevante até considerando a fundamentação de Direito adoptada pelo tribunal recorrido.
Realce-se, ainda, a este propósito que a autora em sede declarações de parte, afirmou expressamente que a comunicação constante do facto provado 14, não havia sido a primeira interpelação para correcção dirigida aos réus – vide declarações de parte prestadas na sessão de julgamento de 20/09/2022, gravadas, 9h47:44, excerto de gravação de 30m:07ss a 30m:33ss:
Autora: na verdade Sr. juiz se me permite o tempo não começa a contar desde essa interpelação, a primeira abordagem …
No entanto a depoente foi interrompida pelo Sr. juiz por este entender que para a questão da resolução apenas relevava a carta dada como provada sob o facto 14 – o que é manifestamente errado, por se tratar também esta interpelação de facto relevante, por complementar ou instrumental.
Mas também a testemunha SR foi confrontada em sessão de julgamento com o doc. 4 junto com a contestação em que confirmou o seu envio à parte contrária, por envio para mediadora imobiliária daqueles, confirmando que o mesmo continha já o conjunto de defeitos e preocupações que os promitentes compradores pretendiam dar nota à parte contrária para sua solução – depoimento prestado na sessão de julgamento de dia 13/09/2020, gravado, com início pelas 9.57.13, excerto de gravação de 42m a 48m.
De todo o modo, e como supra referenciado, este documento e seu envio é expressamente aceite por ambas as partes, tanto mais que foram os réus, seus destinatários finais, que o juntaram aos presentes autos.
Deverá assim o mesmo constar dos factos provados, cujo aditamento expressamente se requer, sugerindo-se a sua inserção antes do facto 12, considerando a ordem cronológica adoptada pelo juiz do tribunal a quo e sugerindo a seguinte redacção:
Em escrito datado de 21/06/2020 e dirigido aos réus, que o receberam, os autores, declararam:
“(…) Gostaríamos de não ter necessidade de enviar este e-mail, e queremos reforçar que estamos neste processo com a mesma boa fé e vontade de chegar a um entendimento, mas infelizmente os vários vícios e defeitos do imóvel com os quais fomos sendo surpreendidos e se confirmaram nos últimos dias, não nos deixam alternativa que não seja a de expor o nosso desconforto, tendo em conta que não estavam previstos na negociação. De acordo com apreciação técnica de um Engenheiro, efectuada na visita de 5ª feira, dia 18/06, verifica-se que a casa tem determinadas patologias que não podiam ter sido avaliadas e deslindadas sem um olhar clínico profissional, em simples visitas imobiliárias e que rebatem a versão que nos foi apresentada e as garantias prestadas antes da assinatura do CPVC.
Estas patologias têm de ser corrigidas para que a casa tenha qualidade e condições para ser habitável sem danos futuros para quem lá residir. Gostaríamos de recordar que, mediante o que nos foi transmitido, partimos do pressuposto que estaríamos perante uma casa que sofreu uma remodelação total - completa, como foi dito - e não apenas parcial. Acreditamos que também os vendedores há 15 anos possam ter sido induzidos em erro pela empresa que fez a remodelação, porém essa responsabilidade não nos pode ser imputada, uma vez que as patologias estão presentes e já estavam na altura da negociação, sem que nós tivéssemos conhecimento.
Em seguida, enviamos detalhadamente os pontos, tal como foram identificados pelo Engenheiro, seguidos de algumas considerações.
Começando pelas patologias da cobertura:
- Todas as caleiras da cobertura inclinada têm o isolamento comprometido e terá de ser refeito.
- As telhas têm de ser lavadas e sujeitas à colocação de fungicidas, uma vez que estão cobertas de fungos.
- A cobertura plana tem todo o isolamento comprometido, que terá de retirado e refeito, incluindo as caleiras. E a impermeabilização é também fundamental, sendo este ponto do nosso conhecimento.
Estes factos, à excepção da última alínea, contrariam a informação de que dispúnhamos e nos foi relatada por escrito aquando da negociação.
Patologias do interior:
- A casa apresenta sinais de muita humidade em vários pontos, que têm origem em factores de origem diversa.
- A condição exterior da cobertura plana e inclinada, tal como das caleiras e a falta de isolamento térmico são motivo de surgimento de fungos, bolores, manchas e humidade no interior.
- A caixa de ar das paredes externas está comprometida, sendo uma questão estrutural (má construção) que tem de ser resolvida, caso contrário a casa terá sempre humidades e fungos.
- Todas as humidades interiores têm de ser tratadas, com aplicação de fungicidas, não sendo a limpeza e pintura suficientes, sob pena de ser um risco para a saúde. (por exemplo: vários pontos da sala, escritório, sala multiusos, em pelo menos dois quartos, os dois halls do piso térreo, hall superior, não se tratando apenas de pontos específicos).
Uma vez mais, estamos presentes factos contraditórios, face ao que nos havia sido dito: que a humidade e manchas de bolor estariam apenas presentes em alguns pontos do hall dos quartos, na sala, escritório e zonas adjacentes aos algerozes e que teria sido apenas resultado de uma inundação/entupimento que, por ora, estaria resolvida. O que não se coaduna com a realidade, uma vez que pelas razões acima mencionadas o problema é patológico e não circunstancial e muda completamente a perspectiva. Apesar das paredes não terem sido pintadas, uma parte significativa das manchas de humidade e fungos havia sido limpa ou estava oculta, não permitindo avaliar o grau do problema antes da assinatura do CPCV.
Recordamos que no 19/05, 5 dias após a assinatura do CPCV, como sabem, deparámo-nos com outra questão impossível de detectar até esse momento - por se tratar de um espaço oculto da casa - que nos causou bastante apreensão: por detrás de alguns radiadores existia a presença de bolor, o que representa, como se sabe, uma série de riscos. Manifestámos a nossa preocupação face ao problema, até porque a parte compradora tem no núcleo familiar que iria habitar a casa, quem tenha problemas respiratórios, mas o problema foi desvalorizado pelos proprietários.
A título de exemplo, após medições, em anexo, verificou-se que na parede de um dos quartos que apresentava o bolor, os níveis de humidade rondam os 30% e na parede do hall que vai para os quartos temos um valor de cerca de 40%, o que confirma o problema, até porque estamos a falar de valores muito elevados, principalmente nesta época do ano.
A casa não tem qualquer tipo de isolamento, encontrando-se todas as estruturas permeáveis. O que também não está de acordo com uma informação que nos foi dada e nos levou a ser induzidos em erro.
No decorrer das visitas, a propósito da recolha de algumas medidas para as alterações estéticas, fomos detectando alguns pontos que foram causando preocupação e que procurámos sempre junto dos proprietários perceber e obter respostas, mas todas as respostas nos remetiam para o facto de serem questões sem importância ou que estariam resolvidas. Porém, na passada semana, ao constatarmos a percentagem de humidade nas paredes, suspeitámos que estaríamos perante questões mais delicadas e sérias e que não poderiam continuar a ser desvalorizadas. Nesse mesmo dia, percebemos que haveria a necessidade de requerer a presença de um Engenheiro para avaliar a gravidade do problema e de tudo o resto que poderia escapar ao nosso conhecimento. Pedimos, por isso, uma última visita à casa, para ter a real noção do que se passava e, simultaneamente, percebermos se o projecto, perante tudo o que surgiu, continuava a ser viável. O resultado dessa visita trouxe-nos até ao ponto em que estamos hoje.
Por fim, no que diz respeito às patologias, deparamo-nos com o tema das fundações.
Patologias das Fundações:
- Há evidências claras de que não houve isolamento exterior das fundações periféricas, que se encontram húmidas ou bastante húmidas, assim como a terra que em alguns locais se encontra barrenta. Um problema estrutural, que se reflecte na casa e se não for corrigido compromete a habitabilidade sã da moradia em questão. Segundo o que nos foi transmitido, todas estas patologias são factuais e o que delas surge não é transitório. E, à excepção da cobertura plana, o que aqui relatamos não corresponde de todo à informação que tínhamos em fase de negociação e vai ao arrepio do que nos foi dito, nomeadamente que a única necessidade de “obra” seria para pintura e cobertura plana.
Canalizações:
- Na sequência das visitas técnicas da passada semana constatámos, também, que a tubagem da linha de abastecimento de água da casa - não só desde o contador, mas também da alimentação de um furo - até ao início da linha principal de distribuição da moradia - está em ferro galvanizado, incluindo acessórios.
O que nos havia sido transmitido era que teria sido feita uma renovação total, incluindo canalizações, verifica-se, porém, que a tubagem não terá sido toda renovada, havendo diversos segmentos que remontam à estrutura inicial da casa, de há 36 anos. Em virtude disso, é necessário que toda esta sequência de segmentos seja substituída até ao contador, uma vez que pela idade e constituição da mesma, é certo o perigo que a parede interior do tubo esteja comprometida e bastante danificada, com "contaminação" da água, e passível de roturas num futuro próximo. As caixas de esgotos também apresentam sinais de rupturas/vazamentos.
Estes são, na realidade, um conjunto de factores de extrema relevância a ter em conta nos pressupostos essenciais do negócio e de comunicação entre ambas as partes e que seguramente uma delas – a parte compradora - não poderia ter conhecimento antecipado e que a obriga a confiar na boa-fé dos vendedores, confiando nas garantias e explicações que nos foram prestadas. Perante todas estes pontos e os factos aqui sublinhados são inegáveis os prejuízos que os mesmos aportam, para quem com eles se depara, até porque não são “apenas alguns trabalhos”, porque não estamos a falar de afinar portas ou janelas, pinturas ou mudar rodapés, nem se tratam de questões de natureza estética.
Ainda para mais, os pareceres dados após visita técnica, indicam que algumas das patologias fazem parte do ADN da habitação ou já estão presentes há vários anos. Logo, os problemas com os quais fomos surpreendidos, após a assinatura do CPCV – que assinámos de boa fé - deveriam ter sido comunicados quando da negociação, até porque como já foi referido não se apresentavam passíveis de serem constatados e alguns são, aliás, contraditórios com as informações prestadas, por escrito, na sequências dos pedidos de informação que solicitámos.
Também, na mais recente visita, fomos alertados para o facto do terreno, por conta do pavimento exterior colocado pelos actuais proprietários, não estar a cumprir, provavelmente, com a percentagem de permeabilidade exigida por lei e que poderá ser foco também de problemas – para um lote de 900m2 a área de impermeabilização deverá ser de 270m2. O que nos obriga a uma obra total do exterior, na zona de entrada e lateral Poente, com alterações e obras que também não estavam previstas.
A propósito, da alteração da porta para janela e demolição da varanda na fachada sul, sendo uma alteração da geometria da casa, requer parecer/licenciamento da câmara. Uma vez que nos foi dito que tudo estava em conformidade, agradecemos a documentação referente.  Nesta fase, é igualmente pertinente questionar se os actuais proprietários estão na posse do número da licença que indica a legalização do alpendre construído na frente da casa. Uma vez que fomos confrontados com o facto de ter características e dimensões que carecem também de licenciamento. Este alpendre, tal como está e segundo os arquitectos, acresce a área coberta da habitação e conta como anexo. Depreendemos que falta um documento, uma vez que o que temos não menciona a presença do telheiro.
Acreditamos que alguns destes pontos (patologias) possam ser uma surpresa para os actuais proprietários e que, com o real conhecimento dos mesmos, teriam sido contemplados na negociação, mas, por maioria de razão, foi-o ainda maior para nós, porque altera completamente a visão que nos foi dada e tínhamos do imóvel. Chegados aqui, se for do interesse dos proprietários, o Engenheiro poderá voltar, esta semana, à moradia com o intuito de fazer um relatório de inspecção, algo que não poderia ter sido feito anteriormente, uma vez que requer autorização dos proprietários, e onde serão feitas medições e listadas e documentadas todas as patologias e respectiva projecção orçamental.
No link abaixo, enviamos várias fotos, que corroboram o que aqui está escrito.
Como sinal da nossa boa fé e por todas as razões subjacentes ao que nesta carta foi detalhado, chegámos a uma fase em que somos forçados a reavaliar o processo como um todo e sobretudo as condições de aquisição estipuladas com base em premissas que não se verificam. Em consequência disso, decidimos conferir aos actuais proprietários o direito e primazia de propor uma solução para todo este processo.
Dado o estágio em que nos encontramos, ficamos a aguardar a resposta com a maior brevidade possível. (…)”
Em resposta, os réus, depois de uma série de considerações sobre o princípio da livre apreciação da prova – “cumpre recordar que a lei consagra, nos termos do art.º 607/5 do CPC, o princípio da livre apreciação de prova, nos termos do qual o tribunal a quo aprecia livremente as provas apresentadas pelas partes e julga provados ou não provados determinados factos de acordo com a prudente convicção que tenha formado acerca dos mesmos” – e de invocarem em complemento sobre a questão uma lição de processo civil de 2005 e um acórdão do TRL de 2009, dizem:     
Em primeiro lugar, cumpre desde logo notar que o documento em si mesmo considerado não consubstancia um facto susceptível de ser incluído no elenco de factos provados (ou não provados) de uma determinada decisão. Com efeito, “[o]s documentos são coisas representativas de um facto, juridicamente, relevante, em virtude de uma actuação humana intencional …”, “[o]s documentos são meios de prova que devem acompanhar o articulado onde é feita a alegação dos factos.”.
Ou seja, no caso em apreço, o facto consiste apenas na circunstância de, em 22/06/2020 a mediadora dos autores SR ter enviado à mediadora dos réus RL, o e-mail junto como doc. 4 com a contestação, que reencaminha um e-mail enviado pelos autores à sua mediadora para fazer chegar aos réus e cujo teor – i.e. as “acusações” e “estados de alma” dos autores quanto à sua percepção do que eram as “patologias” do estado do imóvel prometido – acabou por ser largamente reproduzido na petição inicial.
Ora, não sendo o teor do doc. 4 junto pelos réus, para além da data do seu envio – i.e. a uma semana do prazo limite para os autores marcarem a escritura pública de compra e venda – um facto em si mesmo considerado, mas tão só e apenas uma reprodução documental das “acusações” dos autores quanto ao estado do imóvel e alegadas patologias, que, aliás têm eco na petição inicial, e que portanto foram amplamente respondidas em sede de contestação, não se vislumbra a que propósito é que o tribunal a quo deveria ter incluído tal documento e respectivo teor no elenco de factos provados, tanto mais quanto os réus não aceitaram o seu teor nem o mesmo resultou provado nos autos.
Neste sentido, andou bem o tribunal a quo a não incluir no elenco de factos provados o teor do referido documento, sendo irrelevante o seu envio aos réus – única circunstância que poderia eventualmente constar desse elenco mas que em nada alteraria a decisão de mérito – devendo manter-se a decisão recorrida nos seus exactos termos.
Não obstante o exposto, cumpre notar que as conclusões que os autores pretendiam que o tribunal a quo tivesse retirado do aludido documento, nomeadamente, a respeito de qualquer pretensa notificação de “defeitos” dirigida pelos autores aos réus, ou até de “interpelação para correcção de todos os defeitos”, não têm qualquer adesão à realidade dos factos.
Nos termos da cl.6ª do contrato-promessa, qualquer interpelação dirigida pelos autores aos réus teria de ser efectuada “[p]ara as moradas indicadas no preâmbulo do presente contrato, se outra não for indicada por carta registada com aviso de recepção à contraparte”.
Reitera-se: o documento 4 é um mero e-mail enviado pela mediadora SR à mediadora RL, nos termos do qual a primeira dá conta do impasse verificado e sugere a realização de uma “vistoria”, “[u]m diagnóstico meticuloso afim de esclarecer a situação da casa (…) de forma a ambas as partes poderem pensar em conjunto quais as medidas justas a adoptar e assumirem as suas respectivas responsabilidades”, o que não veio sequer a acontecer, atenta a total indisponibilidade dos autores para chegar a qualquer consenso, como aliás resultou claro do depoimento em audiência de ambas as mediadoras.
Ora, não resultando provado nos autos que as partes tenham entendido essa troca de correspondência como uma interpelação dos autores aos réus e quaisquer tentativas de ultrapassar o impasse ocorrido tenham saído malogradas, por motivo exclusivamente imputável aos autores, inexiste motivo para levar tais pretensos factos ao elenco de factos dados como provados. Aliás, um mero anexo de um e-mail trocado entre mediadoras não pode servir como prova de qualquer pretensa interpelação dos autores aos réus, nem aliás foi esse o intuito que as partes lhe conferiram.
Por outro lado, resulta do anexo ao doc. 4 que, alegadamente, os autores – ou quem quer que tenha escrito a comunicação, na medida em que a mesma não está assinada – não pretendiam realizar qualquer interpelação formal, mas somente “[c]onferir aos actuais proprietários o direito e primazia de propor uma solução para todo este processo.
Assim, resultando da comunicação anexa ao documento apenas um convite para a procura de uma solução conjunta que permitisse ultrapassar o impasse, não poderia o tribunal a quo retirar do mesmo qualquer indício de que os autores já haviam interpelado os réus para sanar o suposto incumprimento naquela data – o que, reitere-se, não ocorreu.
Da mesma forma, a prova de que os autores haviam interpelado os réus em momento anterior só poderia ser feita através da junção aos autos de tal carta de interpelação (por ser um facto susceptível de prova documental) e não através de declarações de parte da autora – as quais, por serem irrelevantes no que a este ponto diz respeito, foram até interrompidas pelo tribunal a quo, como referido pelos próprios autores.
Em face do exposto, não deverá ser acolhida a pretensão dos autores.
Apreciação:
Não há dúvida que, em escrito datado de 21/06/2020 e dirigido aos réus, que o receberam, os autores lhes deram conhecimento do que viria a constar do relatório sob 12. Os réus aceitaram este facto e foram eles que juntaram o documento que o comprova. Tendo o tribunal recorrido dito, por duas vezes, em 9 e 12 da fundamentação de direito da sentença que, com o escrito sob 14, “era a primeira vez que os réus eram confrontados com tais situações”, há naturalmente que saber se esta fundamentação de direito tem ou não suporte nos factos provados. Ora, com a carta de 21/06/2020 os autores pretendem demonstrar que não existe tal suporte. Tanto basta para se concluir pela necessidade de se dar como provado o envio de tal carta, com o seu conteúdo para se poder saber se o que o constava da mesma “confrontava ou não os réus com tais situações”.
As objecções dos réus não têm razão de ser (i) o princípio da livre apreciação da prova também se impõe aos tribunais da relação; (ii) o envio de um documento e o seu conteúdo, também são factos que, por isso, em certas situações – como no caso – se pode justificar dar como provados, sem com isso se estar a dizer que as afirmações de facto que constem do conteúdo do documento estejam provados; (iii) sendo um escrito dos autores de que os réus tiveram conhecimento, é irrelevante a via de transmissão do mesmo; (iv) a razão para o tribunal recorrido dar como provado o facto resulta do já explicado: contradiz directamente a afirmação que o tribunal recorrido ia fazer mais à frente; (v) o facto de os réus não terem aceitado o seu teor, não impede que o seu teor os confrontasse com as situações; (vi) se estão ou não provadas as afirmações lá feitas é outra questão que não é a agora discutida; (vii) as outras intenções que os autores visarão com a pretensão de dar este facto como provado (segundo os réus: servirem-se dele como interpelação) são irrelevantes por agora e na altura própria, se for necessário, serão apreciadas – o que interessa, agora, é saber se a fundamentação da pretensão, apresentada agora, procede ou não.
Assim, determina-se o aditamento como facto 11bis do facto que os autores pretendem aditar, com a redacção por eles proposta e transcrita acima.
*
Na sentença recorrida deram-se como não provadas, entre outras, as seguintes afirmações de facto que tinham sido feitas pelos autores:
A\ Na sequência do referido em 10, os autores confrontaram os réus, tendo estes lhes dito que as manchas seriam apenas resquícios pontuais da situação ocorrida nesse último Inverno e que o bolor - que existiria nesses pequenos pontos concretos -, se resolvia com uma simples limpeza e o réu limpou com um pano essa zona, indicando que assim já “ficava resolvida essa questão”.
B\ Os réus sempre disseram aos autores que a moradia estava licenciada.
C\ Os réus tinham conhecimento de todas as situações a que se refere o escrito parcialmente reproduzido 12 e decidiram não as revelar aos autores antes da assinatura do contrato-promessa.
Na motivação da decisão de facto escreveu-se, com interesse para a decisão das impugnações que recaem sobre estas alegações, o seguinte:
1\ Os factos sob 10 (cujo conteúdo se reporta ao que se alega em 19 da petição inicial) foram tidos como demonstrados com base na valoração conjugada do relatório junto com a contestação sob doc. 5, dos testemunhos de FS (primo da autora e por esta contratado para fazer alterações nas carpintarias da moradia) e de FP (autor do dito relatório) e das declarações de parte prestadas pela autora.
2\ Resulta daquele relatório que, em 25/06/2020 (data da sua elaboração), se verificava, na moradia prometida vender, “[...] humidade em algumas zonas localizadas do edifício com forte probabilidade de resultarem de fenómenos de capilaridade, resultantes de, na sua base e vizinhança, eventual acumulação de água ao nível do solo ou proveniente da inundação reportada que actualmente não se observa [...].” Adicionalmente e em suma, FP deu conta que a presença dessa humidade se verificava ao nível do revestimento fino, i.e. do estuque, tendo avistado uma bacia de retenção de água proveniente de empoçamento. Por seu turno e em síntese, FG dos Santos deu conta de que, em visita à moradia em Maio de 2020, notou a existência de bolores atrás de radiadores. Numa outra visita, realizada no mês seguinte e já com a moradia praticamente sem mobiliário, notou bolores e humidades nos rodapés e manchas amarelas. Notou ainda a presença de vestígios de limpeza. Tais testemunhos revelaram-se espontâneos, claros, firmes e coerentes, revelando as referidas testemunhas conhecimento directo dos factos narrados e distanciamento relativamente às partes (pese embora a aludida relação familiar). Por isso, o tribunal reputou tais depoimentos como sendo globalmente credíveis e fiáveis e, nessa medida, persuasivos.
3\ A autora, nas declarações de parte prestadas, afirmou que avistou a presença de bolor atrás de um radiador e sinais de humidade. Numa outra visita, após as coisas estarem empacotadas, viu uma mancha que percorria toda a parede do escritório e, após desviar pequenos móveis, viu manchas, “picos pretos” e rodapés danificados. Pese embora a emotividade com que prestou estas declarações e o natural interesse no desfecho da causa, entendeu-se conferir credibilidade às mesmas na medida em que, como se vê, foram cabalmente secundadas por outros meios de prova.
4\ Atento o contexto eminentemente social em que JC, LN e LH (amigos dos réus) visitavam/visitaram a casa dos réus, desconsiderou-se o facto de, segundo uniformemente relataram, nenhum deles ter avistado quaisquer sinais de bolores ou de humidades quando ali se deslocaram.
5\ Os factos sob 11 (cujo conteúdo se reporta ao que se alega em 24 da PI) foram tidos como demonstrados com base na valoração do testemunho de JF, autor do relatório mencionado no ponto seguinte.
6\ Em síntese, JF referiu que, a pedido de amiga da autora, realizou uma primeira visita à moradia, tendo avistado humidades, bolores e salitres. Mais adiantou que, nessa sequência e a pedido da autora, elaborou o dito relatório. O seu testemunho revelou-se sincero, coeso e convicto, revelando o depoente conhecimento directo dos factos que relatou e desprendimento relativamente à posição das partes. Por isso, o tribunal considerou esse depoimento como credível e convincente.
7\ O facto sob 12 (cujo conteúdo se reporta ao que se alega em 25 a 36 e 53 a 60 da PI) foi tido como demonstrado com base na valoração do “Relatório de visita e inspecção a moradia) cuja cópia foi junta com a PI, estando a cópia apensa por linha aos presentes autos.
8\ Note-se que o respectivo teor é, no que concerne à presença dos ditos sinais de humidades e respectiva origem, congruente com o relatório junto com a contestação como doc. 5, o que permitiu concluir pela verosimilhança das constatações ali vertidas.
9\ Por seu turno, como resulta da petição inicial, o teor desse relatório foi determinante para desencadear o facto referenciado no ponto seguinte. Por essa razão e a fim de consubstanciar as alegações de pendor predominantemente conclusivo vertidas naqueles artigos da PI (que, nos segmentos aproveitáveis, constituem meras transcrições daquele), optou-se por transcrever os trechos mais relevantes daquele.
10\ O facto sob 13 (cujo conteúdo se reporta ao que se alega em 6, 19 e 32 PI, quando ali se alude à surpresa sentida pelos autores) foi tido como demonstrado com base na formulação de uma ilação alicerçada na valoração das comunicações parcialmente reproduzidas nos factos sob 4 e 5 (de onde resulta que, v.g., as humidades verificadas ao nível das paredes e a existência de construções não licenciadas não antes havia sido objecto de discussão entre as partes), no teor do facto sob 3 (de onde se extrai que as humidades aí referenciadas se localizavam nos tectos da habitação, atenta a explicação dada para a sua proveniência) e no testemunho de SR – consultora imobiliária que acompanhou o processo de aquisição para os autores -, no segmento em que, em suma, deu conta de que a autora ficou estupefacta com o teor do relatório, tendo sido apanhada ‘desprevenida’. O seu testemunho revelou-se franco, coerente, firme e descomprometido, revelando a depoente conhecimento directo da maior parte dos factos que relatou. Por isso, o tribunal considerou esse depoimento como crível e convincente.
11\ Com base nestes dados de facto foi viável formular a presunção judicial de que, antes daquele relatório, os autores desconheciam as situações ali enunciadas.
[…]
12\ O facto sob 17 (cujo conteúdo se reporta ao que se alega na primeira parte de 68 da PI) foi tido como demonstrado com base na valoração do relatório de inspecção junto como doc. 6 com a contestação. Datado do mês de Outubro de 2020, dá-se ali nota de que as reparações ali mencionadas ocorreram «[...] há cerca de 2/3 meses [...]», o que significa que não foram realizadas na sequência da missiva parcialmente reproduzida sob 14. De resto, a posição dos réus, expressa na comunicação parcialmente reproduzida no subsequente ponto, indica à saciedade a intenção de não efectuar as obras e diligências que lhes foram exigidas pelos autores.
[…]
13\ Os factos sob 21 (cujo conteúdo se reporta ao que se alega em 94 a 96 da PI) foi tido como demonstrado com base na valoração concatenada dos testemunhos de AC – no segmento em que deu nota de que a autora estava triste, desolada e emocionalmente perturbada com a situação – e de AB – deu conta de que a autora se sentia defraudada, porque não correspondia à verdade o que lhe havia sito relatado – e das declarações de parte da autora – no trecho em que narrou os sentimentos experienciados por si e pelo seu marido com toda a situação. Também neste segmento, reconheceu-se credibilidade às declarações de parte na medida em que foram secundadas por outros meios de prova.
[…]
14\ Quanto aos factos não provados, considerou o tribunal que a valoração ponderada, crítica, global e conjugada de toda a prova produzida não foi susceptível de o convencer da sua veracidade. Por um lado, examinados os documentos juntos, concluiu-se que aqueles não tinham a virtualidade de revelar a factualidade em apreço. Por outro lado, a apreciação dos depoimentos testemunhais e das declarações de parte não permitiu formar uma convicção coincidente com o que se invoca nos articulados.
15\ Concretizando, apenas a autora demonstrou ter conhecimento directo dos factos vertidos sob 20 e 21 da PI [≈ A dos factos não provados - TRL]. Porém, do respectivo relato, não emerge que o réu tenha reagido da forma ali descrita. Não se produziu qualquer outro meio de prova que permitisse apurar esses factos.
16\ Não foi produzido qualquer meio de prova que permitisse apurar a facticidade invocada sob 115 da PI [= B dos não provados - TRL].
17\ Pese embora se tenha demonstrado o facto sob 1, não foi possível determinar que os réus decidiram ocultar as situações enunciadas no relatório parcialmente reproduzido sob 13, como se alega sob 37, 62 e 122 da PI [≈ C dos não provados - TRL].
18\ Desde logo, há a notar que os mesmos sempre anuíram à realização de inúmeras visitas por parte dos autores (mesmo após a formalização do contrato-promessa, o que nem sequer é usual, como salientou SR), que facultaram a estes as telas finais (como deu nota JF) e que sempre se mostraram disponíveis (como aquelas testemunhas também deram nota), tendo respondido às questões que lhes eram colocadas «à luz do conhecimento» que tinham, como SR expressamente referenciou. Cabe aqui salientar que as visitas tiveram lugar no decurso da fase aguda da pandemia (logo, particularmente adverso à sua realização), o que facilitaria a sua inviabilização por razões de índole sanitária.
19\ A abertura evidenciada pelos réus é, como se compreenderá, logicamente incompatível com o propósito de ocultar o que quer que fosse.
20\ A corroborar essa conclusão, há a salientar que as ditas manchas de humidade localizadas nas paredes se apresentaram, primeiramente, cobertas por móveis e radiadores (facto 10), pelo que é plausível que os réus delas não se tenham apercebido ao comunicarem aos autores o que consta do doc. 2 junto com a PI.
21\ Acresce, enfim, que não resultou do testemunho de LN – o arquitecto que realizou a “valorização” da habitação em 2005 – que este tenha alertado os réus para a premência de submeter a licenciamento camarário algumas das obras então realizadas.
22\ Assim, à míngua de elementos de prova que apontassem em sentido diverso, concluiu-se pela falta de prova daqueles factos.
Quanto ao facto A, os autores dizem o seguinte:
É manifesto que ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, foi produzida prova suficiente para dar essa matéria, pelo menos, como parcialmente provada.
Atenta a sua ligação, recorde-se que no facto sob 10 consta: Em visitas realizadas à moradia que tiveram lugar em momentos posteriores à celebração do contrato, os autores viram manchas de humidade e bolor em paredes daquela habitação que antes estavam tapadas por mobiliário e radiadores.
Ora, ao contrário do concluído pelo tribunal recorrido, não foi apenas por via das declarações de parte da autora que se produziu prova quanto a este aspecto, mas também por via do depoimento da testemunha AC.
Ora, por via destes dois depoimentos, resultou demonstrado que após terem sido detectados pelos autores sinais de bolor e humidade nos termos constantes do facto 10, e confrontados os réus com essas questões, foi-lhes dito que as manchas seriam apenas resquícios pontuais da situação ocorrida nesse último Inverno e que o bolor e que se resolvia com uma simples limpeza [sic - TRL] – conforme alegado sob 20 da PI.
Neste sentido, atente-se na integralidade das declarações de parte prestadas pela autora na sessão de julgamento de dia 20/09/2022, gravadas, com início pelas 09.47.47, e, em particular, os seguintes excertos de gravação:
13m:28ss
Autora: E deparamo-nos com uma questão que é: atrás do radiador há bolor. Ah… O radiador atrás está preto, verde…. Há, portanto, sinais de humidade evidentes. Ah…, portanto, isso levantou-me…. Enfim, fiquei assustadíssima, fiquei em pânico. Literalmente. Na realidade, eu…, a SR estava comigo nessa visita – há, aliás, mensagens que provam isso mesmo.
Juiz: Sim, ela aqui já relatou. Nós aqui interessa-nos a sua visão das coisas.
(…)
14m:28ss
Autora: Depois o proprietário foi lá posteriormente - e estavam até mais pessoas – e, na realidade, diz-me: “AR, esteja descansada, isto não é nada. Não se passa nada. Aqui, nós estivemos aqui uma inundação.” Surge um novo dado, até então nunca tinham falado em inundação, como pode verificar até pelas comunicações que foram feitas. “Tivemos aqui uma inundação. Portanto aquilo é fruto da inundação. Mas na realidade aquilo até era só sujidade, porque eu já limpei, e aquilo não tem rigorosamente nada. Aquilo é só sujidade.” Portanto, acaba até por haver aqui uma certa contradição: existe um dado novo – que é uma inundação.
(…)
16m:08ss
Autora: Eu estava muito entusiasmada com tudo aquilo e, de repente, ao longo das visitas, fui constatando, uma ou outra visita, constatei uma mancha amarela atrás de um sofá no anexo. Na altura o proprietário cruzou-se comigo, já não sei se à saída, ou por lá, que também desvalorizou em absoluto e, portanto, “que não era nada e que eram sujidades, e que não era coisa nenhuma”. Eu não sou técnica. Portanto, eu confio naquelas pessoas e contínuo a confiar.
Atente-se, igualmente, no depoimento da testemunha AC prestado na sessão de julgamento de dia 13/09/2022, gravadas, com início pelas 11h29:15, em particular o excerto de gravação de 06m:13ss a 06m:38 ss
Testemunha: Nessa segunda visita, portanto fomos dar continuidade ao trabalho que se tinha começado, porque, enfim já tinha-se, já tinha sido assinado o contrato, já estávamos a definir as coisas, portanto, já havia uma série de ideias. Ah… Foi nessa visita que me encontrei então com o proprietário que tinha ido lá, na altura ah… segundo ele referiu, de propósito que era para deixar a AR descansada sobre umas situações que estavam atrás do radiador, de manchas, de bolores, ah… e para ela ficar descansada … que isso já tinha sido tudo limpo e que… tinha a ver com uma inundação que tinha ocorrido na casa…
Por outro lado, esta situação é também asseverada pelo teor da comunicação de 01/07/2020 (facto 14) em que consta desse documento o seguinte:
“Subsequentemente à celebração do contrato-promessa, realizámos uma nova visita ao imóvel no sentido de preparar a decoração daquele e eventuais alterações que quiséssemos fazer, algumas das quais já em preparação. Nessa visita, que ocorreu na presença de um empreiteiro e de uma agente imobiliária, verificámos que atrás de um dos móveis existia uma quantidade elevada de bolor e, posteriormente, quando se procedeu à deslocação de outros, verificou-se que ali se encontravam mais machas de bolor e fungos, até lá escondidas pelos móveis. Outros sinais de bolor notavam-se terem sido limpos recentemente.
Perante tal situação, voltámos a solicitar uma nova visita ao imóvel, na presença de V. Exas e de um arquitecto, tendo V. Exas realçado que uma mancha negra atrás do radiador já estaria limpa e que era apenas sujidade, o que, porém, não se verificou com outro que também se encontrava naquele estado, que por nós foi identificado. Face à parca e inconclusiva explicação facultada no âmbito de todos os contactos realizados com V. Exas relativamente à verificação de bolor e de manchas negras (sucessivas) ocultadas por detrás de mobiliário e em vários pontos para além dos por vós mencionados em fase de negociação, decidimos solicitar um relatório sobre o estado do imóvel a um perito, ainda acreditando ser possível que tudo o que nos diziam corresponderia à verdade.”
Também na comunicação cujo aditamento aos factos provados supra se requereu – a comunicação junta como doc. 4 da contestação – é expressamente mencionado pelos autores que:
“Recordamos que no 19/05/[2020], 5 dias após a assinatura do CPCV, como sabem, deparámo-nos com outra questão impossível de detectar até esse momento - por se tratar de um espaço oculto da casa - que nos causou bastante apreensão: por detrás de alguns radiadores existia a presença de bolor, o que representa, como se sabe, uma série de riscos. Manifestámos a nossa preocupação face ao problema, até porque a parte compradora tem no núcleo familiar que iria habitar a casa, quem tenha problemas respiratórios, mas o problema foi desvalorizado pelos proprietários.”
Destarte, deve pelo menos ser dado como provado que: na sequência do referido sob 10, os autores confrontaram os réus, tendo estes lhes dito que as manchas seriam apenas resquícios pontuais da situação ocorrida nesse último Inverno e que se resolvia com uma simples limpeza.
Os réus respondem o seguinte:
Os meios de prova apresentados pelos autores não permitem de forma alguma que o tribunal a quo chegasse a diferente conclusão. 
Com efeito, os documentos mencionados são comunicações redigidas pelos autores, e não pelos réus, que, em momento algum, aceitam muito menos confessam a existência de manchas nas paredes.
Perante a ausência de confissão dos réus ou de prova documental no sentido propugnado pelos autores, o tribunal a quo não poderia, como pretendem os autores, basear-se nas declarações de parte da autora – que é parte interessada no desfecho da acção e nessa medida as suas declarações são enviesadas – e no depoimento de uma amiga da autora, que pouco ou nada sabia sobre a matéria em discussão nestes autos (mas tão só e apenas sobre fengshui…) para dar como provado um facto pessoal dos réus, o qual se encontra expressamente impugnado pelos mesmos.
A qualificação do tribunal a quo de tal facto como “não provado” resulta – e bem – de uma análise da prova produzida no seu conjunto, a qual não permite apurar se os réus transmitiram ou não tais informações aos autores.
Apreciação:
Os autores relatam o episódio pelo escrito do doc. 4 uns dias depois de ter ocorrido, os réus respondem e não põem em causa o episódio e dão uma explicação para a situação em causa. Isto é um início de prova do episódio ter ocorrido. Uma testemunha vem contar em tribunal o facto e a forma que os réus arranjam para a desvalorizar, sem pôr em causa que a testemunha tenha estado na moradia com a autora e o réu na ocasião do episódio, é dizer que é uma testemunha que só sabe de fengshui. A autora também relata o episódio. O conjunto destes três elementos de prova é suficiente para entender que os autores produziram prova bastante do facto – pelo menos da parte que entendem agora como provado; e os réus não produziram prova para tornar duvidoso o facto. Aliás, repare-se, que este tipo de resposta já tinha sido dado antes (facto 3). Assim sendo o facto deve considerar-se provado (art.º 346 do CC) e deve ser aditado com a redacção proposta pelos autores.
*
Quanto ao facto B [os réus sempre disseram aos autores que a moradia estava licenciada], os autores dizem:
A prova documental é manifestamente contrária à resposta negativa, tendo a veracidade desse facto sido igualmente atestado por via da prova testemunhal.
Conforme resulta do facto provado 4, por comunicação datada de 28/04/2020, antes da celebração do contrato promessa, os réus, atestaram entre outras informações a seguinte: “Não foram alteradas as áreas da casa encontrando-se conforme as plantas originais, portanto não julgo haver qualquer problema com os bancos que também intervieram em 2005 quando nós comprámos a casa.»
Esta resposta dos réus é feita na sequência da comunicação junta como doc. 1 da contestação, em que é questionado pelos autores se: “A área da casa tal e qual se encontra corresponde à área útil de caderneta? Existem algumas discrepâncias que possam originar uma objecção aquando análise dos documentos pelo banco?”
A importância da questão do licenciamento – ou, melhor, a falta do mesmo - é devidamente apontada nas diversas comunicações trocadas entre as partes, sendo facto provado que os autores desconheciam antes do CPCV, as diversas situações que careciam de licenciamento no imóvel prometido comprar – vide factos provados 12 a 16.
É de resto dado como provado que os autores desconheciam, até então, as situações descritas no relatório/vistoria efectuada ao imóvel, o que inclui necessariamente todas as questões relativas às faltas de licenciamentos, conforme facto provado 13.
Na comunicação constante de 16, datada de 10/07 [doc. 8 da PI] é aliás, expressamente referido a este propósito pelos autores que:
“Começamos por assinalar que não respondem V. Exas ao tema da falta de licenciamento, o que se estranha, porque o integral licenciamento e legalidade do imóvel é uma garantia evidente prestada pelos promitentes vendedores. Esta circunstância, que só após a celebração da promessa verificámos não corresponder à verdade, é só por si suficientemente grave para justificar a resolução do contrato promessa — desde logo, porque a instituição financiadora recusará qualquer financiamento se a condição não se encontrar assegurada —, não se compreendendo que V. Exas não apresentem sequer uma referência à mesma na V. resposta.”
Aliás, a compra e venda de um imóvel envolve para o vendedor a obrigação de realização das diligências necessárias ao licenciamento das obras de alteração, como meio de propiciar as condições à coisa vendida para a sua função normal, ou seja, a sua cabal fruição.
Esta obrigação legal decorre do art.º 1 do DL 281/99 de 25/06, na redacção introduzida pelo DL 99/2010, de 2/09, que não podem ser realizados actos de transmissão de propriedade de prédios urbanos sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, sendo a apresentação de autorização da utilização dispensada se a existência desta estiver anotada no registo predial e o imóvel não tiver sofrido alterações.
Realce-se que em momento algum, em qualquer comunicação escrita ou mesmo na sua defesa, os réus negaram a inexistência desses licenciamentos e o seu conhecimento dessa circunstância. Pelo contrário, limitaram-se, sempre, a escudar-se na circunstância de os autores terem assinado contrato promessa em que era indicado que tinham analisado a documentação do imóvel.
Mas naturalmente que tal argumento não colhe, porque como decidido, bem neste aspecto, pelo tribunal recorrido, o conhecimento dos autores dessa falta de licenciamento apenas lhes adveio após a celebração do contrato promessa.
O licenciamento deste imóvel e as garantias dadas pelos réus a essa questão foram também sobejamente debatidos em diversos depoimentos prestados nestes autos.
Atente-se no depoimento da testemunha SR prestado na sessão de julgamento de dia 13/09/2022, gravadas, com início pelas 09h57m13, com particular relevância o excerto de gravação de 19m:26ss a 25m:03ss, do qual resulta que à excepção de uma situação de uma casa de banho exterior e de questão com um telheiro, nenhuma outra questão foi levantada quanto a problemas de licenciamento ou sua ausência.
Aliás, mesmo neste excerto do depoimento desta testemunha, a situação da eventual questão de problema de licenciamento do telheiro, não é confirmado pela testemunha se foi uma questão suscitada antes ou após o CPCV.
Mas resulta indubitável deste depoimento que a questão do licenciamento deste imóvel foi uma matéria discutida entre as partes antes do CPCV, nunca tendo sido em momento algum revelado pelos réus que existiam problemas de falta de licenciamento, pelo contrário.
Foi igualmente ouvido em sessão de julgamento de dia 20/09/2022, LN, o arquitecto contratado pelos réus aquando da sua aquisição por estes para concretizar algumas alterações neste imóvel, tendo este confirmado que foram realizadas algumas intervenções que pese embora sejam alvo de licenciamento – não efectuado – são no entendimento desta testemunha alterações cujo licenciamento não reveste complexidade, podendo ser facilmente obtidas a qualquer altura.
Mas, na verdade, como visto, nunca os réus procederam a esses licenciamentos das alterações efectuadas, nem mesmo quando interpelados pelos autores para esse efeito.
Atente-se, a este propósito no depoimento da testemunha LN, prestado na sessão de 20/09/2022, gravado, com início pelas 15h33.25, com particular relevância o excerto de gravação de 06m:23ss a 07m:40ss:
06m:23s
Advogada: Ah, na altura, houve, aqui já disse que a casa ah esteticamente deixava algo ah a desejar, houve algumas obras que foram feitas e que, que não tivessem sido licenciadas, ou como é que, ou a obra que fez, o que é que se recorda na na altura
Testemunha: Na altura nos fi nos fizemos pequenas intervenções..., ah, fizemos pequenas intervenções ajustamentos ao nível da fachada ah algumas janelas, sob, no… nomeadamente a janela da cozinha, que foi. Essa foi alterada. E por … por… o JM dirá também melhor que eu …por razões de circunstância e porque eram obras que ocorriam dentro do limite do lote não foi. ah não que eu saiba não foi submetido nenhum ah nenhum processo de regularização. Mas são obras que que ah não ah carecem de qualquer dificuldade ao nível do seu licenciamento, da sua...
Advogada: Ou seja, se essas obras tivessem que, que ser licenciadas, na sua…na sua opinião técnica não haveria problema nesse licenciamento.
Testemunha Não há nenhuma alteração dos parâmetros urbanísticos ah que é o que condiciona, que é o que condiciona por regra ah ah ah a avaliação e aprovação do dos projectos de edificação, há há uma mera há um mero reposicionamento de janelas que também não não condiciona as (imperceptível) arquitectónicas, não transforma o edifício numa numa alteração estética, pelo contrário até o valoriza portanto, não há motivo nenhum para que essas obras não sejam licenciadas.
Não se pode, assim, concordar com o Sr. juiz quando conclui que “não resultou do testemunho de LN – o arquitecto que realizou a “valorização” da habitação em 2005 – que este tenha alertado os réus para a premência de submeter a licenciamento camarário algumas das obras então realizadas”.
Resulta do excerto transcrito e de toda a ponderação do depoimento prestado por esta testemunha, que os réus eram conhecedores da necessidade de legalização, mas que por “razões de circunstância”, - entenda-se, dos mesmos -, não realizaram esse licenciamento.
De resto, ao contrário do fundamentado pelo Sr. juiz, não se aferia neste ponto se os réus consideravam premente (ou não) a regularização das alterações efectuadas que impunham licenciamento. A resposta à matéria deste facto impunha, antes, a verificação do conhecimento pelos réus de alterações sujeitas a licenciamento (que o não tinham sido) e a omissão dessa informação aos autores.
Também a autora ao longo das suas declarações atestou que os réus antes da celebração do contrato promessa expressamente confirmaram a devida legalização de todo o imóvel (e alterações pelos mesmos efectuadas), conforme declarações de parte prestadas na sessão de 20/09/2022, gravadas, com início pelas 09h47m44, em particular, o seguinte excerto:
09m:10ss
Juiz: Não havia como suspeitar que a casa não estava como estava nas telas finais?
Autora: Diga?
Juiz: Ou seja, a casa não estava como estava…
Autora: Em termos de área interna, estava. Não há qualquer dúvida…
Juiz: Não, mas acrescentos que tenham sido feitos.
Autora: O que a única coisa que a casa tinha e que nós na altura perguntámos se estava tudo em conformidade era o telheiro. Não é?
Juiz: Hum hum.
Autora: Que eles tinham feito um telheiro.
Juiz: Um telheiro sim.
Autora: Eles tinham feito um telheiro. E havia uma alteração das… das… varandas e de uns vãos. Ok?
Juiz: Hum hum.
Autora: Na altura, nós perguntámos se estava tudo em conformidade. Disseram-nos que sim. Portanto que, em termos de áreas, não havia nenhuma alteração, e que, na altura, que a obra quando tinha sido feita, em 2005… Portanto que, tinha sido feita, que as coisas tinham sido feitas em conformidade com aquilo que deve ser feito. E pronto, nós confiámos, mais uma vez, de boa-fé. Não temos porque não confiar.
Destarte, da análise conjugada de toda a prova produzida e supra elencada, é manifesto que ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, foram produzidos meios de prova suficientes para dar como demonstrada o facto B.
Os réus respondem o seguinte:
Dos depoimentos das testemunhas SR e LN resulta, ao contrário, evidente que os réus informaram os autores da existência de algumas (poucas e irrelevantes) modificações no imóvel objecto do contrato-promessa face ao que constava das telas originais – recorde-se que os autores não eram os proprietários iniciais, tendo adquirido o imóvel no estado de usado 15 anos antes – tendo inclusivamente disponibilizado tais telas para consulta e possibilitado a visita dos autores ao imóvel para constatar in loco a existência e extensão dessas mesmas modificações.
Ao contrário do que os autores pretendem fazer crer, resulta inequívoco do depoimento da testemunha SR, mediadora dos autores, que os réus alertaram os autores para a existência no imóvel de construções posteriores à edificação e aquisição do imóvel (na medida em que eram os segundos proprietários do mesmo) que careciam de licenciamento.
A este respeito o Tribunal a quo mencionou expressamente na sentença em apreço que os réus “[f]acultaram a estes as telas finais (como deu nota JF) …” e“[s]empre se mostraram disponíveis (como aquelas testemunhas também deram nota), tendo respondido às questões que lhes eram colocadas «à luz do conhecimento» que tinham, como SR expressamente referenciou”, circunstância essa que é manifestamente incompatível com o assegurar de falsas características ou esconder quaisquer condicionalismos de licenciamento do imóvel.
Atente-se, ao depoimento prestado pela testemunha JF, cujo depoimento foi requerido pelos autores:
“[00:14:57] - Mandatária dos Autores: Muito bem. Disse também que lhe foi disponibilizado pelo proprietário elementos documentais, é isso?
[00:15:02] - JF: Sim.
[00:15:02] - Mandatária dos Autores: Os elementos documentais, então, é os que aqui estão mencionados no relatório…?
[00:15:06] - JF: É os que estão mencionados, é umas plantas… umas plantas que seriam as telas finais do processo da construção original (…).
[00:15:31] - Mandatária dos Autores: Muito bem. Para além desse elemento documental, foram-lhe dadas – pergunto-lhe – informações pelo proprietário do tipo de alterações ou obras que tinham feito naquela casa, não é?
[00:15:43] - JF: Sim.”
Também a testemunha RL, mediadora do negócio e cujo depoimento foi requerido pelos réus, confirmou que os réus haviam fornecido aos apelantes as telas finais e prestado todos os esclarecimentos às questões levantadas pelos réus. Atente-se no seu depoimento:
“[00:13:55] - Mandatária dos Réus: Não se lembra porque foram várias visitas, é isso?
[00:13:56] - RL: Sim. Nós colocávamos sempre as plantas todas em cima da mesa da sala de jantar…. Colocávamos toda a documentação. E foi informando, também a minha parceira, que tinha havido uma acumulação de águas pluviais e… como é que se diz… e um coletor que tinha sido desentupido junto à piscina.
[00:25:22] - Mandatária dos Réus: Foi-lhes também transmitido o certificado energético?
[00:25:24] - RL: Claro.
[00:25:26] - Mandatária dos Réus: Telas finais, (impercetível) …?
[00:25:27] - RL: Tudo. Tudo.”
Resulta, assim, da prova produzida que, antes da celebração do contrato-promessa, os autores tiveram conhecimento das alterações ao imóvel que haviam sido introduzidas posteriormente e que não tinham sido objecto de licenciamento pelos réus, pelo que as declarações da autora no sentido de que lhe tinha sido assegurado pelos réus que todo o imóvel estava licenciado não correspondem à verdade.
Neste sentido, a qualificação como não provado do facto B resulta de uma análise da prova na sua globalidade pelo tribunal a quo, a qual não deverá ser deturpada como requerem os autores.
Apreciação:
Relembre-se: a declaração de facto que o tribunal dá como não provada, com base no facto de não haver prova sobre ela, foi a seguinte:
B\ Os réus sempre disseram aos autores que a moradia estava licenciada. [O que os autores diziam em 115 da PI era mais precisamente o seguinte: Os réus sempre garantiram aos autores que todo o imóvel estava devidamente licenciado.]
Os réus, em defesa da decisão recorrida, dizem, entre o mais: “Ao contrário do que os autores pretendem fazer crer, resulta inequívoco do depoimento da testemunha SR, mediadora dos autores, que os réus alertaram os autores para a existência no imóvel de construções posteriores à edificação e aquisição do imóvel (na medida em que eram os segundos proprietários do mesmo) que careciam de licenciamento.”
Logo, os réus estão a admitir que sabiam que havia obras na moradia que tinham que ser legalizadas. Faltaria, pois, apenas saber se tinham informado disso aos autores.
Utilizou-se a forma verbal ‘faltaria’ porque as contra-alegações de recurso não são um meio de prova, pelo que, apesar das contra-alegações, tem que se apurar se há ou não prova daquele saber; mas o facto de os réus o dizerem expressamente aponta nesse sentido.
Ora, os réus tinham feito obras na moradia com o arquitecto que foi ouvido como testemunha e este diz que sabia que era necessário fazer a legalização de várias obras e tenta justificar a conduta dos réus ao não promoverem a legalização, o que tem o sentido de que ele sabe que os réus sabiam que era necessário legalizar, pois que só assim se justifica a tentativa de justificação.
Essas obras que era necessário legalizar constam da extensa lista do facto 12, compreendendo algumas alterações que teriam de ser licenciadas (se possível ou desfeitas) - alteração do vão exterior a poente da suite, de porta para janela de peitoril, eliminação da varanda que contornava a suite, eliminação do acesso directo da varanda/terraço existente para logradouro a poente da moradia, alteração da geometria dos vãos exteriores da fachada norte e construção de divisão em cave, denominada garrafeira, a qual não consta da planta da cave do projecto - e outras que teriam de ser desfeitas para a situação passar a ficar conforme às normas legais - sendo estas últimas a substituição de pelo menos 100m2 de pavimentos impermeáveis por zonas ajardinadas, a destruição de um telheiro em frente à garagem, a substituição de uma caldeira a gasóleo de 1000L por uma de 500L, a separação do sistema de exaustão da caldeira em relação ao da chaminé da lareira e a substituição da rede de águas, mal dimensionada e com troços de canalização em aço galvanizado e troços com tubo multicamada, diga-se que:
Na comunicação que consta do facto 4 os réus nada dizem sobre tais situações apesar de fazerem afirmações sobre questões conexas que são próprias para dar a impressão de que não há nada a legalizar. Depois, apesar de confrontados expressamente sobre tais situações (com o envio do doc. 4, agora transcrito, e com o envio do relatório sob 12), os réus nada dizem sobre elas e, apesar de serem chamados à atenção para isso com o § transcrito pelos autores da comunicação sob 16, continuam sem dizer seja o que for sobre elas. Das partes assinaladas pelos autores do depoimento da testemunha SR e das declarações da autora resulta que os autores souberam que havia algumas alterações na casa (janela, varandas e vãos), mas que os réus não lhes disseram que era necessário legalizar alguma coisa (à excepção da janela, casa de banho exterior e do telheiro).
Portanto, se os réus tinham feito obras na moradia, se sabiam que essas obras tinham de ser legalizadas e se apenas informaram os autores de que algumas delas não estavam a coberto de licenciamento, é porque estão a dizer que o resto está licenciado; logo, foi produzida prova bastante sobre parte do facto B, isto é, que os réus sempres disseram aos autores que as obras da moradia estavam legalizadas, à excepção do que se refere à janela, casa de banho exterior e telheiro.
Os réus objectam no sentido de tentarem demonstrar que deram conhecimento aos autores das obras feitas – que não é o que está em causa – e que elas careciam de licenciamento. Quanto a isto invocam o depoimento da testemunha SR mas não indicam nenhuma passagem desse depoimento nesse sentido, o que tinham de fazer por força do art.º 640/2-b do CPC, pelo que é irrelevante. Sugerem também que tal resultaria ainda dos depoimentos das testemunhas JF e RL mas das passagens citadas desses depoimentos não decorre que os réus tenham indicado aos autores que as obras careciam de licenciamento. Assim, não tornaram duvidosa aquela parte do facto B que deve ser acrescentada aos factos provados.
*
Quanto ao facto C\, os autores dizem o seguinte:
Não podem os autores conformar-se com esta resposta porquanto é contrária à factualidade dada como provada e à confissão sempre declarada pelos réus de conhecimento destes defeitos/vícios.
Conforme consta do facto provado 15, que consubstancia a resposta dos réus à comunicação/interpelação admonitória dos autores de 01/07/2020, os réus expressamente confessaram ter conhecimento de todas as situações então identificadas pelos autores, negando, no entanto, qualquer responsabilidade na reparação/solução das mesmas, conforme resulta da transcrição desse documento.
Ou seja, em tal comunicação, os réus confessam já ter conhecimento dos defeitos, anomalias e desconformidades identificadas pelos autores.
Os réus tinham conhecimento do verdadeiro estado do imóvel aquando da celebração do contrato-promessa, conhecimento que sempre se presumiria considerando que lá residiam há mais de 15 anos (facto 1) optando, deliberadamente, por omitir tal estado, aos autores.
Esta mesma constatação é novamente reafirmada pelos réus na sua comunicação de 27/07/2020 (facto 19), em que estes voltam a declarar o seguinte: “Por outro lado, mantemos, integralmente, o teor das nossas anteriores comunicações incluindo a carta em que procedemos à marcação da escritura pública. A moradia que prometemos vender e que V. Exas prometeram comprar encontra-se nas exactas condições em que foi objecto da promessa de compra e venda, pelo que não houve qualquer falta ou incumprimento da nossa parte” – cf. doc. 9 da PI.
Face a toda a prova documental carreada para os autos e dada como provada, existe manifesta contradições entre os factos dados como provados e o facto C.
É inquestionável, por expressamente confess[ad]o pelos réus nas suas comunicações escritas, que os mesmos conheciam as deficiências constantes do relatório mencionado e transcrito em 12.
Os réus não podiam deixar de ter conhecimento de todas as situações a que se refere esse relatório, pois sempre alegaram que o imóvel tinha sido vendido com essas «características».
Os réus em momento algum após a celebração do contrato promessa e a resolução desse contrato, negaram a existência e conhecimento dos vícios cuja reparação e eliminação era requerida pelos autores por via das suas interpelações. De facto, os réus apenas se limitaram expressamente a recusar reparar ou encetar qualquer diligência para legalização. Como exposto na sentença recorrida “a posição dos réus, expressa na comunicação parcialmente reproduzida no subsequente ponto, indica à saciedade a intenção de não efectuar as obras e diligências que lhes foram exigidas pelos autores” (é a parte final de 12\ da motivação da decisão de facto - TRL).
Pelo que, é fácil concluir que sabiam os réus do verdadeiro estado do imóvel aquando da celebração do contrato promessa, optando, deliberadamente, por omitir tal estado, aos autores.
Ora, se os réus aceitaram e confessaram a existência dos defeitos elencados pelos autores nas suas interpelações, afirmando apenas que esses defeitos já preexistiam e que seriam, por tal, do conhecimento dos autores, mas, como visto, é agora dado como provado o desconhecimento pelos autores, à data da celebração do contrato promessa, desses mesmos vícios, apenas se poderá concluir que resultam demonstrados os seguintes factos:
1- Existência de vícios no imóvel, conforme facto 12;
2- O conhecimento desses vícios apenas adveio aos autores após a celebração do contrato promessa, conforme facto 13;
3- Os réus tinham conhecimento à data da celebração do contrato promessa desses vícios, conforme facto 15;
4- Os réus omitiram esses vícios apenas tendo comunicado aos autores o quanto consta da troca de correspondência anterior ao contrato promessa – factos 4 e 5 - em que declararam que “A casa está bem conservada e naturalmente necessita apenas de alguns trabalhos. As zonas de terraço do telhado estão estanques, mas aqui julgo que se podia optar por uma nova impermeabilização. Esta obra é relativamente pouco dispendiosa e garante tranquilidade por muito tempo. (…) Finalmente resta a necessidade de pintura completa do interior da moradia que é normal numa casa usada e até por motivos de higiene. Quaisquer outras obras serão puramente pessoais (…).”
A resposta negativa ao facto C não pode, assim, subsistir por manifestamente contrariada pela restante factualidade apurada, sendo desde logo a conclusão necessária da ponderação conjugada dos factos provados 4, 5, 12, 13 e 15.
Destarte, da análise conjugada de toda a prova produzida, em particular da prova documental dada como provada, é manifesto que ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, o facto C deverá ser dada como provado.
Os réus respondem o seguinte:
Conforme realçado pelo tribunal a quo, resulta do depoimento da testemunha SR que os réus, não obstante as suas obrigações profissionais e a fase de pandemia que se atravessava à data, se mostraram sempre disponíveis para permitir visitas ao imóvel objecto do contrato-promessa e esclarecer questões que lhes fossem levantadas pelos autores (sempre, como é evidente, dentro da sua área de conhecimento) – o que, como também realçado pela aludida testemunha – não é comum após a celebração do contrato-promessa.
Atente-se, assim, nas seguintes transcrições do depoimento da testemunha:
“[01:06:54] - Mandatária dos autores: Sim, só duas clarificações. (Imperceptível), disse aqui a instâncias da minha colega que os proprietários dessa habitação sempre foram bastante disponíveis em permitir as visitas à casa. O que eu lhe ia perguntar é: as visitas antes do contrato de promessa… foram três, não é? Segundo aqui há pouco…
[01:07:10] – test.: Sim, duas ou três.
(…)
[01:08:10] – test.: É… não é tão recorrente haver muitas solicitações de visitas.
[01:08:19] - Mandatária dos autores: Mas neste caso houve solicitações, que foram correspondidas pelos proprietários.
[01:08:21] – test.: Foram correspondidas.
(…)
[00:08:32] - Mandatária dos autores: Então, estas visitas… como é que correu essas primeiras visitas? (Imperceptível) …. Havia acesso a todos os espaços da casa? Foram visitados todos os espaços? Conte-nos um pouco mais em detalhe como é que foram essas visitas, o que é que foi visualizado, se havia zonas que não foram… que não podiam entrar, de alguma forma…?
[00:08:58] – test.: É assim, a casa estava habitada e estava mobiliada. Portanto, obviamente, quando se visita uma casa habitada e mobilada, vê-se no geral a casa… deram-nos acesso a toda a casa. A casa era construída sobre uma espécie de caixa de ar, uma cave, tivemos acesso a essa cave…
[00:09:20] - Mandatária dos autores: O acesso a essa cave foi logo nessa primeira ou segunda visita?
[00:09:22] – test.: Ai, isso não me lembro, mas houve acesso a essa cave. Houve acesso a essa cave, até porque o sistema de aquecimento da casa, ou bomba, estava lá, portanto, questionou-se sobre isso e vimos. Sim, eu diria que tivemos acesso a toda a casa, até porque é assim, a casa tem um layout muito simples… Não há ali nada… há uma parte detrás mais de garrafeira, quer dizer, a que se calhar não se acedeu logo, mas depois entrou-se, porque eram uma coisa lá para o fundo...”
A disponibilidade e transparência dos réus relativamente ao imóvel é igualmente revelada pelo depoimento da testemunha RL. Atente-se, assim, nas seguintes transcrições do seu depoimento:
“[00:19:59] - Mandatária dos réus: A minha pergunta também era se em termos de… quando via a postura dos vendedores, se facilitaram sempre as visitas? (Imperceptível) aquilo que me disse é que a compradora como foi lá mais do que uma vez e sempre com pessoas?
[00:20:13] – Test.: Exactamente. E no contrato de promessa, lembro-me perfeitamente, quando… depois de assinado, a compradora virou-se para o Dr. JM e disse-lhe que já tinha em vistas e ia encomendar um chão e se podia contactá-lo, ficar com o número de telefone, para os fornecedores deixarem o chão porque não tinha local para armazenar esse chão. E que já estava a fazer compras e queria fazer as coisas muito rápidas. E que queria deixar os materiais na casa.
[00:20:44] - Mandatária dos réus: Isso, da sua experiência, é habitual?
[00:20:45] – Test.: Nunca.”
Resulta, assim, da prova produzida que os réus nunca tiveram qualquer intenção de ludibriar os autores quanto às características e ao estado de conservação do imóvel, tendo autorizado os autores, antes e após a celebração do contrato-promessa – a realizar sucessivas visitas ao mesmo, as quais permitiram aos autores inspeccionar amplamente o imóvel – e até produzir relatórios a respeito do mesmo…
Aliás, é absolutamente inadmissível que os autores venham alegar que “[O]s réus não podiam deixar de ter conhecimento de todas as situações a que se refere o escrito parcialmente reproduzido em 12, pois sempre alegaram que o imóvel tinha sido vendido com essas ‘características’, quando o que os réus defendem (e corresponde à verdade) é que os autores tinham conhecimento das características do imóvel na data de assinatura do contrato-promessa.
E tal alegação não consubstancia qualquer subterfúgio – como os autores pretensamente querem fazer crer – mas sim uma consequência da realidade, que encontra respaldo na cl.ª 2/3 do contrato (que os autores assinaram).
Nestes termos, resulta inequívoco – reitera-se – que os réus se disponibilizaram a permitir várias visitas ao imóvel objecto do contrato, que os autores o inspeccionaram – tendo levado ao imóvel pessoas da sua confiança de vária ordem (desde empreiteiros a “consultores” de fengshui) – e que os autores tinham perfeito conhecimento do estado de ‘usado’ do imóvel e do licenciamento do mesmo (de tal modo que livremente declararam essa circunstância no contrato).
Ora, ao contrário do alegado pelos autores, a qualificação do facto C como não provado não contradiz os demais factos provados. Centremo-nos, por exemplo, no facto 15, que se refere ao teor de uma comunicação enviada pelos réus aos autores [transcrita no facto 15].
Na verdade, o facto C está em consonância com a prova do facto provado 15 – e com o próprio contrato-promessa –, porquanto o tribunal a quo não poderia, por um lado, considerar provado que os próprios autores admitiram nos termos do contrato-promessa que haviam tomado conhecimento das características do mesmo e que os próprios réus haviam tomado posição sobre o assunto, declarando que o imóvel objecto do contrato-promessa se encontrava no mesmo estado que havia sido visitado pelos autores (e por todos quantos estes quiseram levar a visitar o mesmo…) e, por outro lado, “concluir” que os réus não haviam revelado aos autores o estado do imóvel objecto do contrato-promessa.
Neste sentido, resulta claro que a qualificação como não provado do facto C resulta de uma análise da prova na sua globalidade pelo tribunal a quo, a qual não deverá ser deturpada como requerem os autores.
*
A seguir a isto, mas ainda na mesma parte das contra-alegações, os réus dizem o seguinte:
Por fim, e apesar de os autores enquadrarem esta questão na matéria de direito, cumpre desde já notar que, ao contrário do alegado pelos autores, não é verdade que “[a] a decisão recorrida reconhece plenamente os factos em que se consubstanciam os defeitos invocados pelos autores e melhor descritos no relatório sob 12.”
Na verdade, a sentença em apreço limita-se a dar como assente que foi enviada uma comunicação pelos autores aos réus em que se elencavam alegados defeitos, sem que, contudo, o tribunal a quo tivesse dado como provada a existência de cada um deles.
Ora, da prova testemunhal produzida resulta inequivocamente que tais pretensos defeitos não se verificavam no imóvel objecto do contrato-promessa. Se não, vejamos.
A testemunha FP, que aos costumes disse ser Engenheiro Civil, referiu expressamente que o imóvel objecto não padecia de qualquer defeito, verificando-se apenas uma situação pontual de humidade, a qual não podia ser caracterizada como endémica. Atente-se no seu depoimento:
“[00:07.48] - Mandatária dos réus: Mas não viu qualquer tipo de sinal de humidade endémica?
[00:07.52] – Test.: Não, não havia evidências de que a estrutura… isto no que diz respeito à estrutura, que é uma estrutura de betão armado, nós consultámos o projecto, porque o Dr. JM tinha lá as plantas, portanto, percebemos que era uma estrutura reticulada de betão armado, e procurámos ver se havia ali… se estaria comprometida ou se haveria evidências que estaria comprometida, e nós não vimos isso. O que vimos foi uma acumulação de água nas zonas mais baixas desse vazio sanitário, bastante humidade cá em baixo, que era o resultado da… da dita inundação, mas do resto, o…
[00:08:30] - Mandatária dos réus: Mas na sua opinião técnica e aquilo que viu era uma situação pontual?
[00:08:32] – Test.: Sim, havia um acidente e eu escrevi, é natural que hoje quem for à moradia encontre essa… essa caixa de ar com muito menos acumulação de água do que nós encontrámos. Portanto, aquilo que nos foi dado de ver foi que sim, havia uma acumulação de água, mas que a estrutura não… não… não havia evidências que estivesse comprometida.”
Já a testemunha PR, que aos costumes disse ser Engenheiro Civil, referiu expressamente também que o imóvel objecto não padecia de qualquer situação de humidade susceptível de ser caracterizada como endémica. Atente-se no seu depoimento:
“[00:11:36] - Mandatária dos réus: Mas isso vem por… em relação a essas humidades derivadas da condensação e da falta de arejamento, daquilo que me está a dizer, isto é o resultante da vivência de uma casa, e acontecerá em todas, e não proveniente de nenhuma patologia do edifício em questão?
[00:11:56] – Test.: Sim, é uma forma de utilização…. Pronto, eu já fiz algumas vistorias e o comportamento das pessoas é semelhante ao meu, portanto, eu também tenho esse problema em casa, que é o normal da utilização da casa, não é? Às vezes e está muito frio para abrir janelas e, portanto, a pessoa não abre.
[00:12:17] - Mandatária dos réus: E há aquelas janelas basculantes, que depois só se abrem um bocadinho, em cima, o que não é suficiente para arejar?
[00:12.22] – Test.: Não é… pode não ser suficiente para arejar porque, efectivamente, tem que haver uma corrente, convém que haja uma corrente em toda a casa, não é? Portanto, ou seja, é uma corrente de ar. Exactamente. De vez em quando convém fazer, por sistema, este tipo de arejamento.
[00:12.38] - Mandatária dos réus: Aí prevenirá o aparecimento de algumas humidades?
[00:12:42] – Test.: Prevenirá o aparecimento de algumas humidades porque vai, de alguma de maneira, poderá retirar humidade do ar e, portanto, e há a renovação desse ar. É óbvio que ao longo de muitos anos, mesmo esta situação poderá sempre existir… acontecer condensações, é inevitável, não é… Isto é uma forma de prever que elas ocorram com menos frequência, não é?
[00:13:09] - Mandatária dos réus: E neste caso em concreto, já me disse que utilizaram este humidímetro…
[00:13:15] – Test.: Humidímetro.
[00:13:19] - Mandatária dos réus: O que é que se recorda de ter visto?
[00:13:24] – Test.: Em termos gerais, e também está aqui expresso no relatório, em termos gerais as condições de humidade dos elementos que nós medimos, não é… portanto, no fundo foram paredes… paredes no junto ao pavimento, paredes mais… e tectos numa zona mais alta, temos esta metodologia de medir sempre as humidades, não só no pavimento, mas também nos tectos, que é onde elas usualmente aparecem, este tipo de humidades. E o que se verificou na altura foi que as humidades estavam dentro do normal, não estavam elevadas, não… em quase todos os compartimentos, do piso zero, do piso um… não houve ali, que eu me lembro, situações de humidades elevadas, à excepção depois, obviamente, da garrafeira e um pouco na garagem, também junto ao portão.
[00:14:23] - Mandatária dos réus: Então, já lá iremos. Em tudo o que é… daquilo que está a dizer, nas zonas habitáveis não detectou presença de humidade para além dos níveis normais, é isso?
[00:14:37] – Test.: Sim. É normal que todas as paredes dentro de uma casa tenham humidade até um determinado nível e depois, obviamente, essa humidade é prejudicial, porque as paredes respiram, não é? Os materiais respiram e é normal que haja humidade nos materiais, não é… eles são hidroscópicos, portanto, eles, eles têm humidade. Dependendo da situação, pode variar em 7 aos 14%, é a humidade normal, não é… Depois depende do Verão, depende do Inverno, depende de algumas circunstâncias específicas.”
Também a testemunha RL referiu que o imóvel não padecia de quaisquer defeitos susceptíveis de afectar quer a sua utilização, quer a própria venda do imóvel. Atente-se no seu depoimento:
“[00:06:13] - Mandatária dos réus: Quando faz estas primeiras visitas à casa, antes de a colocar no mercado, notou a existência de algumas humidades ou alguns… diria aqui defeitos, não no sentido técnico, mas no sentido corriqueiro…
[00:06:29] – Test.: Claro.
[00:06:30] - Mandatária dos réus: … antes de pôr a casa à venda? Quando é que iniciou o procedimento para aconselhar os proprietários a vender a casa?
[00:06:37] – Test.: Pronto. Numa fase em que… Uma casa usada, uma casa vivida, a casa era espectacular. Uma luminosidade, um jardim de Inverno interior, uma casa ampla, uma casa térrea, que tem muita procura, é uma característica que valoriza também as casas, o ser uma casa térrea… Só tinha um quarto ou um escritório no piso superior… cerca de quatro quartos, mais um escritório, uma sala com cerca de cinquenta metros quadrados, uma cozinha ampla, a cozinha estava toda renovada, há pouquíssimo tempo, a caixilharia era uma boa caixilharia, o certificado energético tinha dado uma letra “C”, a casa tinha aquecimento central, ar condicionado, depósito de gasóleo para meses mais frios, que os painéis fotovoltaicos ou os painéis solares não pudessem serem utilizados…
[00:07:36] - Magistrado Judicial: Sra. Testemunha, o que a Sra. Dra. perguntou era apenas se viu sinais de humidade, manchas…?
[00:07:43] – Test.: Sim.
[00:07:44] - Magistrado Judicial: Nós estamos aqui a tratar essencialmente isso. Lembra-se de alguma coisa? Algum pormenor desses lhe chamou a atenção nalgumas visitas.
[00:07:51] – Test.: Sim, a zona do escritório, que é uma zona virada a Norte. É uma zona mais fria, o quarto da casa mais frio, e tinha uns pontos… que se via…
[00:08:06] - Mandatária dos Réus: De humidade?
[00:08:06] – Test.: Sim.
[00:08:07] - Mandatária dos Réus: Portanto, mas na sua opinião, na altura, quando foi para pôr a casa a venda, aconselhou a fazer alguma coisa? O que é que (imperceptível) em relação à venda?
[00:08:18] – Test.: Não. Disse que a casa não deveria ser… deveria estar tal e qual como estava para os potenciais clientes perceberem exactamente como é que a casa estava.”
Por seu turno, a testemunha LN, arquitecto que acompanhou os réus na aquisição da casa, referiu que o imóvel objecto do contrato-promessa também não padecia de qualquer defeito estrutural quer na data em que foi visitado pelos autores, quer na data em que foi adquirido pelos réus. Atente-se no seu depoimento:
“[00:02:31] - Mandatária dos réus: À data, sendo uma casa usada, viu como é que era a estrutura da casa? Se a casa tinha algumas patologias, alguns defeitos de construção, alguma coisa desse género que se lembre, alguma intervenção específica que tiveram…?
[00:02:47] – Test.: Não. A única coisa que a casa tinha de errado é que era muito feia no seu espaço interior. Com uns azulejos de muito mau gosto…. Eram essas as grandes… era esse o defeito da casa. Mais nenhum. Mais nenhum foi identificado.
[00:03:03] - Mandatária dos réus: Recorda-se, por exemplo, se a casa era uma casa propensa a humidades ou se tinha aqui algumas questões relativas a humidades que tivesse que dar algum tratamento específico?
[00:03:16] – Test.: Não. A casa estava de excelente saúde, não é? Disse também… dei… quer dizer, não sei se dei os parabéns, mas concluí que tinha sido uma boa aquisição, não é? E, portanto, acho que detectámos que havia uma pequena rotura numa tela, num terraço, que é uma patologia comum, não é? Os terraços, as coberturas em terraço frequentemente, pelo uso, carecem… E acho que foi a única coisa que se detectou, na altura, e que foi corrigido na altura.”
Aliás, além de o imóvel objecto do contrato-promessa não padecer de quaisquer defeitos – muito menos de defeitos que impedissem o fim a que o mesmo se destina, como melhor se explicará infra – o exacto estado de “usado” do imóvel foi conhecido pelos autores em data anterior à assinatura do contrato-promessa, e não em “inspecções feitas após a celebração da promessa”.
Com efeito, os réus sempre agiram de boa-fé (não tendo sequer “maquilhado” o estado do imóvel, como referiu a testemunha RL) e permitiram aos autores inúmeras visitas ao imóvel objecto do contrato-promessa em data anterior à sua assinatura, pelo que não só não é credível que os autores não tivessem perfeito conhecimento do estado do imóvel, como é discutível – e quase inverosímil – que, segundo as regras da experiência, os autores se possam sequer sentir enganados pelos réus. [põem em causa o facto 21! - TRL]
Em face do exposto, inexistem motivos para alterar a factualidade dada como não provada, devendo manter-se a resposta dada pelo tribunal a quo ao facto C.
Apreciação:
O que está aqui em causa é saber se “os réus tinham conhecimento de todas as situações a que se refere o escrito parcialmente reproduzido 12 e decidiram não as revelar aos autores antes da assinatura do contrato-promessa.”
Os réus, em resposta a esse escrito dizem no escrito sob 15: “O que consta do relatório que nos enviaram são, por um lado, factos que foram total e integralmente comunicados a V. Exas (e que até levaram à negociação do preço) e, por outro lado, não correspondem ao negócio que foi ajustado com V. Exas, na medida em que nunca ajustámos vender a moradia no estado em que o autor do relatório invoca como sendo o estado em que deveria ser vendida.”
Portanto é inequívoco que os réus aceitam que tinham conhecimento de tudo o que consta do relatório e até dizem que comunicaram tudo isso aos autores (o que equivale a uma confissão acompanhada da alegação de factos favoráveis ao confitente: art.º 360 do CC). Ora, os autores provaram sob facto 13 – e isso não está impugnado – que não tinham conhecimento do que consta do relatório (afastaram os factos favoráveis ao confitente, pelo que fica só a confissão). Logo, ao contrário do que os réus dizem eles não comunicaram aos autores todas as situações descritas no relatório.
E não o comunicaram, logicamente e de acordo com as regras da experiência comum das coisas, de acordo com uma decisão tomada por eles de forma consciente: os promitentes vendedores de coisas com defeitos (materiais ou jurídicos), que tem conhecimento desses defeitos e que não os comunicam aos promitentes compradores fazem-no deliberadamente de modo a que o preço do bem não seja diminuído.
As razões invocadas em sentido contrário pela sentença (de 18 a 20) e pelos réus não convencem minimamente: o modo de proceder dos réus, de disponibilizarem a moradia para que os autores a vissem enquadra-se antes num comportamento deliberado, de modo a que mais tarde os autores não pudessem – ou não o pudessem fazer com êxito - reagir como era espectável que reagissem. De resto, a maior parte dos defeitos materiais que estão em causa não seriam facilmente detectáveis por potenciais compradores. E os defeitos ligados à falta de licenciamento de alterações, não são visíveis e não foram revelados. Ora, quanto àqueles, se é inevitável que quem vive numa moradia há mais de 15 anos tenha de saber que os problemas de humidade e, inerentemente, de bolores, não resultam de uma inundação recente ou de qualquer outra situação esporádica e temporária, o mesmo não é verdade para um potencial comprador em visita a essa moradia, que deles se possa aperceber – se isso acontecer, o que não é provável (é natural para um habitante de uma casa, no seu dia a dia, acontecer ter de afastar um móvel de uma parede e para o efeito ter de encostar a mão à parede e nessa altura aperceber-se da humidade da mesma, ao mesmo tempo que vê, na parede por trás do móvel, bolores, mas já não é provável que isso aconteça a uma visitante não familiar ou próximo -, para mais acompanhado da contraparte que vai desvalorizando os indícios em sentido contrário e que, ainda por cima, teve o cuidado de ir limpando esses sinais (do que a própria sentença dá nota, por exemplo, em 2 da motivação da decisão de facto). Assim, os futuros vendedores arriscam: se o potencial comprador não se apercebe dos problemas, mais tarde não os poderá reclamar (tanto mais que os futuros compradores até tiveram o cuidado de pôr no contrato as declarações de ciência que são costume serem colocadas nos contratos de adesão a dizer que os aderentes têm conhecimento de tudo e mais alguma coisa, e que agora os réus têm o cuidado de invocar, mas que a própria sentença teve o cuidado de desvalorizar em 8 da fundamentação de Direito). Se se apercebe, os futuros vendedores podem desvalorizar o problema e o resultado é o mesmo. Por fim, se não os convencerem, não há mal nenhum, trata-se apenas de um contrato que se acaba por não celebrar. Os depoimentos invocados pelos réus não servem pois para o efeito pretendido pelos réus; serviriam se desses depoimentos resultasse que, durante as visitas, os réus tivessem explicado aos autores que as humidades das paredes resultavam dos problemas estruturais descritos no relatório sob 12 (veja-se, mais à frente, a passagem citada da obra de Calvão da Silva).
Portanto, o facto sob C\ também está provado e é aditado aos factos provados.
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A prova dos defeitos
Os réus na parte final da resposta à impugnação da decisão do facto C têm uma parte a discutir o Direito. Ou seja, dizem que os autores alegam que “[a] a decisão recorrida reconhece plenamente os factos em que se consubstanciam os defeitos invocados pelos autores e melhor descritos no relatório sob 12.” E dizem que não é como os autores dizem.
Ora, por um lado, está certo o que os autores dizem, ao contrário do entendimento dos réus: a sentença nos factos sob 12 está a reconhecer que os defeitos alegados pelos autores ficaram provados. A sentença tem uma forma de o fazer que não é usual, mas do seu teor decorre inequivocamente isso. Veja-se, nesse sentido o que se diz de forma expressa, sem margem para dúvidas, em 7 e 9, onde, para além disso, é revelado que os factos foram dados como provados também com base no relatório junto pelos próprios réus com a contestação. Na parte final de 8 diz-se expressamente: “o que permitiu concluir pela verosimilhança das constatações ali [no relatório sob 12] vertidas.” E em 7: O facto sob 12 (cujo conteúdo se reporta ao que se alega em 25 a 36 e 53 a 60 da PI) foi tido como demonstrado com base na valoração do “Relatório […]”. Não se tratou pois de reproduzir um documento, mas de dar como provado um facto, com base numa valoração de uma prova [documento/relatório].
E, por outro, sendo certo, ou seja, correspondendo, pois, os factos sob 12 a defeitos dados como provados pela sentença recorrida, os réus, querendo afastá-los tinham que impugná-los – ao abrigo do art.º 636/2 do CPC, cumprindo ao mesmo tempo os ónus que o art.º 640/1-2 lhes impõe, por força do seu n.º 3, sujeitando a questão a discussão dos autores (art.º 638/8 do CPC) e a decisão deste TRL. Não o tendo feito, é irrelevante tudo o que os réus dizem nessa parte, sendo irrelevante também todas as passagens de depoimentos que invocam nessa parte.
Note-se que isto também é válido para o que os réus dizem no penúltimo § dessa parte das contra-alegações, em que os réus, sem observância de quaisquer regras ou ónus, põem em causa o dado como provado nos factos sob 13 e 21.
Toda essa parte da contra-alegação, a pretexto da discussão do facto C, é, pois, irrelevante.
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Do recurso sobre matéria de direito
A sentença tem a seguinte fundamentação, em síntese (com numeração colocada por este TRL):
1\ Atento o conteúdo do contrato, não oferece dificuldades a sua subsunção à figura do contrato promessa de compra e venda bilateral de bem imóvel (artigo 410/12 do Código Civil).
2\ Para a restituição do sinal em dobro, prevista no art.º 442 do CC, não basta a mora (art.º 804 do CC), tem de existir incumprimento definitivo e resolução do contrato (artigos 808, 801, 432 a 436 do CC). A mora pode converter-se em incumprimento definitivo (art.º 808 do CC) ou pela perda do interesse do credor ou pela recusa do cumprimento, isto é, quanto a esta, se o credor fixar um prazo suplementar para cumprimento da prestação e o devedor, ainda assim, não realize a sua prestação, desde que “a fixação de prazo suplementar indique clara e expressamente que a falta de cumprimento implicará a definitividade do incumprimento i.e. a resolução do contrato, ou seja que consubstancie uma verdadeira interpelação admonitória.”
3\ Resulta dos factos provados 10 a 13 que, após a celebração do contrato-promessa, os autores viram manchas de humidade e bolor em paredes daquela habitação que antes estavam tapadas por mobiliário e radiadores. Na sequência de inspecção realizada àquela moradia, foi elaborado um relatório em que se concluiu pela origem dessas humidades – em resumo, ali considerou-se que a área habitável da moradia evidenciava a presença humidade elevada com provável origem no deficiente funcionamento da caixa de ar que existe sob aquela – e pelo facto de existirem construções não legalizadas. Mais se apurou que estas situações não eram do conhecimento dos autores antes desse momento.
4\ Nessa sequência (facto 14), os autores dirigiram aos réus uma missiva em que os interpelavam para procederem à eliminação dos defeitos enumerados, bem como para que suprissem a falta de licenciamento assinalando-lhes um prazo adicional para o efeito, não superior a 15 dias, contados da recepção desta notificação. Mais escreveram que findo este prazo sem que todas as reparações tenham sido feitas e sem que a falta de licenciamento tenha sido suprida, considerariam o contrato-promessa definitivamente incumprido por facto imputável aos réus e resolvido com esse fundamento, o que lhes daria o direito ao pagamento do sinal em dobro. A vontade de considerar resolvido o contrato findo o aludido prazo foi reafirmada num escrito posterior (cf. facto 16 do mesmo elenco). Assim, atento até o facto de os réus não terem procedido nos moldes preconizados pelos autores (facto 17) e o próprio teor da petição inicial, é de considerar que o contrato se mostra por estes tacitamente resolvido.
5\ Estando em causa uma resolução operada extrajudicialmente impõe-se apreciar a conformidade legal desse acto.
6\ Em primeiro lugar, cumpre observar que a obrigação de regularização das situações lobrigadas naquela inspecção não encontrava eco no programa contratual delineado no contrato-promessa de compra e venda.
7\ Por isso, ainda que se pudesse reconhecer que a moradia e espaços envolventes apresentavam ‘defeitos’ reconduzíveis ao regime da venda de bens defeituosos ou ao cumprimento defeituoso da prestação devida, importa não esquecer que “[...] no feixe das obrigações que incidem sobre o promitente-vendedor de uma fracção [...] não se incluem – ainda que acessoriamente – aquelas que integram o contrato definitivo, como sejam as de construir e vender um bem com as qualidades, características e aptidões conformes com o contrato. [...]” Cita-se o ac. do STJ de 02/12/2013, proc. 157/07.0TBOER.L1.S1. Em nota de pé de páginas, acrescenta-se: Por força do princípio da equiparação (artigo 410/1 do CC), o regime que melhor enquadraria o caso dos autos seria aquele que evola dos artigos 913 e ss do CC - assim, ver Calvão da Silva, Sinal e contrato promessa, 3ª ed., Coimbra, pág. 120, e o ac. do STJ de 29/06/2010, proc. 258/2002.G1.S1. Não foi, porém, esse o enquadramento concitado pelas partes nem os pedidos formulados pelos autores a ele se ajustam.
8\ Mas mesmo que se entendesse diferentemente, há a salientar que, pese embora o conhecimento das aludidas situações apenas tivesse advindo aos autores em data posterior ao contrato-promessa de compra e venda – o que torna irrelevantes as declarações de ciência naquele vertidas (cf. alíneas (a) a (c) da cláusula 2.ª/3 do contrato) –, o certo é que não se divisa que os réus se tivessem, em momento algum, comprometido a regularizá-las, ainda para mais nos moldes preconizados pelos autores.
9\ De resto, era a primeira vez que os réus eram confrontados com tais situações e com a exigência da sua regularização. É, ainda, de rememorar que não se comprovou que os réus as ocultaram (deliberadamente ou não) aos autores.
10\ Cabe concluir os réus não se encontravam em mora em relação a qualquer uma das obrigações por si assumidas no contrato.
11\ Mesmo que se entenda diferentemente, sempre importaria notar que, no contexto do art.º 808/1 do CC, o prazo se tem como razoável «[...] se foi fixado segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, permite ao devedor cumprir o seu dever de prestar [...]» A segunda parte de tal norma visa, com efeito, estabelecer «[...] um justo equilíbrio entre dois interesses divergentes, ou seja o interesse do credor em resolver o contrato (condicionado pelo agravamento da mora), mas aceitando ainda um cumprimento tardio preclusivo [...] e o interesse do devedor em conservá-lo, cumprindo ainda durante o prazo fixado [...].” Cita-se José Carlos Brandão Proença, A resolução do contrato no direito civil – do enquadramento e do regime, FDUC, páginas 126-127.
12\ No caso em apreço, concitando a dimensão/extensão dos trabalhos a realizar –  recorde-se que, segundo os termos do relatório que serviu de base à interpelação dos trabalhos a realizar, os mesmos teriam um custo estimado de 118.900€ – e das diligências a encetar junto da competente edilidade e, por outro lado, o facto de, pela primeira vez, os réus estarem a ser confrontados com aquelas pretensões dos autores –, afigura-se ser manifesta a exiguidade do prazo de 15 dias que lhes foi concedido. Patentemente, era, naquele prazo, inviável aos réus, mesmo que quisessem, satisfazerem as exigências admonitoriamente formuladas pelos autores.
13\ Evidencia-se, assim, de sobremaneira, a falta de razoabilidade daquele prazo, o que, conjugado com o aproximar do prazo para a celebração da escritura pública, denota que esta interpelação lhes foi dirigida como uma mera formalidade.
14\ É certo que os réus não questionaram, na comunicação subsequente, a razoabilidade do prazo. Mas tal não invalida que o tribunal sobre ele debruce, já que foi um aspecto salientado pelos réus e, em todo o caso, releva para aquilatar a conformidade legal da resolução.
15\ Aqui chegados, cumpre constatar que não se verificava o pressuposto basilar da interpelação admonitória efectuada – a mora dos réus – nem foi, em todo o caso, estipulado um prazo razoável para o cumprimento. Daí que devamos considerar que a falta de correspondência às exigências formuladas nessa interpelação não tem a virtualidade de espoletar o incumprimento definitivo do contrato pelos réus.
16\ Nessa sequência é de qualificar a resolução contratual empreendida pelos autores como ilícita.
17\ Deve-se salientar que, ao contrário do que se alegou, jamais foi invocada a perda de interesse do credor na prestação como fundamento da resolução contratual operada. E ainda que assim não fosse, sempre falharia um dos pressupostos basilares em que assentaria estoutra via de conversão da mora em incumprimento definitivo, a saber a própria mora do devedor.
18\ Porém, a resolução, ainda que ilícita ou injustificada, produz efeitos, ou seja, determina a cessação do vínculo e consubstancia-se num incumprimento do contrato por parte do seu autor [neste sentido, ver Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2.ª ed., Almedina, pág. 221 e, entre outros, o ac. do STJ de 12/10/2010, proc. 133/2002.L1.S1].
19\ Ainda que se entendesse diferentemente, há a salientar que a valoração do comportamento concludente encetado pelos autores – a resolução do contrato-promessa de compra e venda, o teor da comunicação reproduzida em 16 e o facto de os autores não terem comparecido à escritura pública (potestivamente agendada pelos reconvintes, ao abrigo da cl.ª 4/4 do contrato-promessa) – permite extrair a ilação de que os autores não mais cumpririam o contratado.
20\ Tal comportamento constitui, pois, um facto que, com toda a probabilidade, revela (cf. art.º 217/1 do CC), uma vontade séria, absoluta e inequívoca de não cumprir o contrato promessa.
21\ A declaração antecipada de não cumprir tem também a virtualidade de tornar desnecessária a constituição em mora e/ou a sua conversão em incumprimento definitivo – na medida em que não se justifica que o credor tenha de aguardar o vencimento para se desvincular do contrato, tanto mais que se acha quebrada a confiança no cumprimento que sustentava o contrato – merecendo o mesmo tratamento jurídico da verificação do incumprimento.
22\ Ora, no contexto específico do contrato-promessa, o incumprimento definitivo por parte dos promitentes compradores faculta aos promitentes vendedores a possibilidade de fazerem sua a quantia entregue a título de sinal (primeira parte do art.º 442/2 do CC).
23\ Em face do que cabe reconhecer que assiste aos réus o direito a fazer seu o montante que lhe foi entregue a título de sinal.
Contra isto, os autores dizem o seguinte:
34\ O tribunal a quo, por um lado, afirma a inaplicabilidade do regime da venda de bens defeituosos ao contrato-promessa de venda de um bem que se descubra ser defeituoso antes mesmo da celebração do contrato definitivo. Mas, por outro lado, diz que este é aplicável por força do princípio da equiparação (do art.º 410/1 do CC).
35\ A decisão recorrida reconhece plenamente os factos em que se consubstanciam os defeitos invocados pelos autores e melhor descritos relatório reproduzido sob 12.
36\ Reconheceu ainda o tribunal a quo que os promitentes compradores não tinham qualquer conhecimento à data da promessa das anomalias graves, só depois identificadas.
37\ O imóvel foi prometido vender sem as anomalias descritas, designadamente, sem os elevados níveis de humidade que foram registados no seu interior.
38\ Os vícios que se veio a detectar no imóvel não correspondem à descrição do mesmo imóvel no contrato-promessa na definição da obrigação de contratar que emerge do contrato-promessa.
39\ Esses vícios tratam-se indiscutivelmente de aspectos do imóvel a alienar que o desvalorizam e/ou que impedem ou diminuem de forma drástica a sua aptidão para o fim a que os imóveis desse tipo são destinados (cf. o art.º 913/1 do CC).
40\ A ausência de vícios que desvalorizem o bem ou que comprometam a sua utilização para o fim a que habitualmente é destinado corresponde ao sentido que o adquirente normal em qualquer contrato de compra e venda atribui à definição do respectivo objecto (artigo 236/1 do CC).
41\ A ocorrência desses vícios na coisa alienada é qualificada como defeito nos termos do art.º 913 do CC.
42\ Desconhecendo os promitentes compradores, à data da promessa, os factos em que se consubstanciam as referidas anomalias, deixa de sofrer qualquer dúvida que estes prometeram comprar — assim como os promitentes vendedores lhes prometeram vender — um imóvel livre de tais defeitos.
43\ É ainda irrelevante a alegação de que os promitentes vendedores não teriam (alegadamente e que não se aceita) conhecimento desses vícios, porquanto este desconhecimento não releva para efeitos de interpretação das declarações das partes e definição da prestação devida.
44\ E tão pouco afectaria os direitos dos promitentes compradores: nem sequer o direito à eliminação dos defeitos afectaria, porque este só não é devido quando o vendedor desconheça sem culpa o defeito (art.º 914 do CC), o que manifestamente não é o caso.
45\ Os defeitos reportados pelos autores incluíam não só, a reparação de várias deficiências detectadas, como também, a falta de licenciamento de diversas alterações efectuadas ao imóvel, que exigiam licenciamento para o efeito.
46\ A inexistência de licenciamento de diversas alterações de alçados e vãos efectuados pelos réus era uma desconformidade/vicio que se lhes impunha corrigir, pois a desconformidade do cumprimento pode advir do facto de a prestação padecer de um defeito de direito.
47\ Sendo detectados defeitos na coisa prometida vender e comprar, não pode o promitente comprador ser forçado a adquiri-la, não pode ser constrangido a celebrar um contrato que verdadeiramente não corresponde ao prometido.
48\ O direito a exigir a eliminação dos defeitos, o direito de anular (rectius, resolver) o contrato e o direito à redução do preço, podendo aditar-se a qualquer deles um direito à indemnização, i. e., à eliminação de quaisquer danos sofridos pela parte fiel, são direitos que a lei concede ao comprador no regime da compra e venda de bens defeituosos.
49\ A estes acrescem ainda o direito de recusar uma oferta de prestação defeituosa, bem como o direito de recusar o cumprimento da prestação, ou seja, a celebração do contrato definitivo (excepção do não cumprimento).
50\ O princípio consagrado no art.º 410/1 do CC dá cobertura à solução de se conceder ao promitente comprador, no caso defeitos do imóvel a alienar, direitos semelhantes aos que teria face do contrato definitivo (princípio da equiparação).
51\ A recusa de uma tal tutela redundaria em considerar que o promitente comprador pudesse ser constrangido a outorgar a escritura (ou o documento autenticado) e inclusive a pagar a totalidade do preço no acto da escritura, para só depois poder invocar os defeitos do bem, mas em simultâneo, e neste cenário académico, no momento da celebração do contrato definitivo, i. e., da compra e venda, por já ser já conhecedor dos defeitos, por ausência de erro sobre o objecto, não poderia aplicar o regime da compra e venda de bens defeituosos.
52\ O tribunal recorrido, apesar de reconhecer e de aceitar que o princípio da equiparação (art.º 410/1 do CC) legitima a aplicação do regime dos artigos 913 e ss do CC ao contrato-promessa, rejeita a relevância deste regime no caso sub judice, alegadamente, por não ter sido (sic) «esse o enquadramento concitado pelas partes nem os pedidos formulados pelos autores a eles se ajustam».
53\ Erra [o tribunal] a quo porque não está o tribunal vinculado a quaisquer enquadramentos jurídicos das partes (o art.º 5/3 do CPC) e porque os promitentes compradores, no caso sub judice exigiram a eliminação dos defeitos e puseram termo ao contrato, direitos que têm manifestamente apoio nos artigos 914 e 913 (remetendo para o art.º 905) do CC.
54\ A exigência constante da sentença de assunção de um compromisso de reparação de defeitos pelo vendedor ser a condição para que os correspondentes defeitos relevem contratualmente não tem qualquer apoio legal e menos ainda no concreto contrato-promessa celebrado.
55\ A verificação de um defeito tem como consequência o surgimento do dever de reparar os defeitos, não o tem evidentemente como pressuposto. A obrigação de eliminação dos defeitos pertence à estatuição da norma e não à respectiva previsão.
56\ Não pode deixar de se entender que a colocação em mora dos promitentes vendedores não dependia, em concreto, de uma falta de comparência a uma escritura marcada pelos promitentes compradores.
57\ A constituição em mora suponha antes a interpelação dos promitentes vendedores para que estes eliminassem os defeitos, seguida na inacção destes, o que foi feito pelos promitentes compradores em 21/06/2020 em e-mail enviado aos promitentes vendedores por intermédio dos mediadores imobiliários. Tanto basta para afirmar que foram constituídos em mora.
58\ O regime do sinal pressupõe a simples mora do promitente faltoso. A tanto obriga a solução da denominada «excepção do cumprimento», consagrada no art.º 442/3 do CC e cuja utilidade e sentido pressupõe necessariamente que as pretensões fundadas no regime do sinal possam ser feitas em caso de simples mora: de outra forma, não se compreenderia a ressalva do art.º 808 do CC e perderia qualquer utilidade a «excepção do cumprimento», estabelecida no n.º 3 do art.º 442.º do mesmo diploma.
59\ Mas mesmo que assim não se entendesse, o certo é que esse pressuposto — o incumprimento definitivo — tem de se considerar preenchido no caso concreto por força da existência de uma declaração séria, definitiva e inequívoca, por parte dos promitentes vendedores, de que não cumpririam o contrato tal como a ele estavam obrigados, dispensando a verificação dos pressupostos gerais do art.º 808 do CC.
60\ Os promitentes vendedores declararam de forma séria, inequívoca e definitiva que não iriam cumprir o contrato, conforme resulta de forma clara da sua resposta de 07/07/2020 à interpelação dos autores.
61\ A declaração dos réus, além de séria e de não autorizar quaisquer dúvidas sobre as suas intenções ou propósitos, foi também definitiva, por não pressupor qualquer alteração de opinião ou de estratégia dos promitentes vendedores.
62\ Os promitentes compradores tinham, pois, plena legitimidade para resolver o contrato, não lhes podendo ser oposto que os promitentes vendedores se encontrariam — quer ao tempo em que a declaração resolutiva produziu os seus efeitos, quer posteriormente — ainda em simples mora.
63\ O tribunal a quo concluiu «ser manifesta a exiguidade do prazo de quinze dias» concedido pelos promitentes compradores aos promitentes vendedores, dado que era nesse período inviável «aos réus, mesmo que quisessem, satisfazerem as exigências admonitoriamente formuladas pelos autores».
64\ Não existe sequer base factual na sentença recorrida que indique a duração provável dos trabalhos necessários à eliminação dos defeitos, pelo que, neste ponto, não se vê em que factos o tribunal se possa ter apoiado para concluir que o prazo de quinze dias era manifestamente insuficiente.
65\ Os interesses a considerar na fixação do prazo razoável exigido pelo art.º 808 do CC não são apenas os do devedor em purgar a mora e cumprir, ainda que com atraso, a sua obrigação. A par destes, têm ainda de ser tidos em conta os interesses do credor, concretamente, o interesse em procurar um negócio substitutivo capaz de satisfazer a necessidade que o negócio inadimplido visava assegurar.
66\ O prazo de 15 dias é assim um prazo razoável atendendo à ponderação dos dois interesses.
67\ A questão da suposta exiguidade do prazo fixado pelos promitentes compradores na interpelação de 01/07/2020 só muito posteriormente levantada pelos promitentes vendedores constitui um abuso de direito, devendo a mesma invocação ser desconsiderada nos termos do art.º 334 do CC., por ser contrária à boa fé, concretamente ao princípio da primazia da materialidade subjacente.
68\ Sendo o não cumprimento do contrato-promessa imputável aos promitentes vendedores, não restam dúvidas de que estes têm direito ao dobro do que prestaram a título de sinal, isto é, têm direito ao pagamento de 288.000€, nos termos do art.º 442/2 do CC.
69\ Nem se pode dizer que o regime do sinal não se aplicaria à violação de deveres «acessórios» ou «exteriores ao sinalagma» próprio do contrato-promessa.
70\ O contrato definitivo surge definido ou descrito no contrato-promessa como um contrato de compra e venda do imóvel sem os defeitos e anomalias só depois descobertos, pelo que é manifesto que o dever de reparar os defeitos não é mais do que uma concretização ou desenvolvimento do dever de prestar principal dos promitentes vendedores.
71\ É lícito recusar a oferta de uma prestação defeituosa, como aquela que ofereciam os réus aos autores, é manifesto que a não celebração do contrato definitivo, i. e., o incumprimento do dever de prestar principal incidente sobre os réus se deu por facto imputável aos mesmos.
72\ A sentença recorrida tem que ser revogada, e substituída por outra que condene os réus ao pagamento aos autores do sinal prestado em dobro e, consequentemente, absolvendo estes do pedido reconvencional.
73\ A título subsidiário, para o caso de se considerar que a pretensão decorrente do regime do sinal não pode proceder, nunca poderia proceder o pedido dos réus, tendo estes que restituir o sinal prestado, o que constitui um efeito próprio da resolução válida e eficazmente declarada pelos promitentes compradores, ora autores.
74\ Os promitentes compradores podiam recusar a oferta de prestação defeituosa formulada pelos promitentes vendedores, sendo, pois, a sua falta de comparência à escritura perfeitamente justificada e não se podendo considerar, em caso algum, que teriam sido estes a deixar de cumprir a promessa, quando apenas se recusaram a celebrar um contrato que não correspondia ao devido.
75\ Logo, não há lugar ao direito dos réus de fazer sua a coisa entregue pois não foi a parte que constituiu o sinal que deixou de cumprir a obrigação por causa a ela imputável (art.º 442/2 do CC).
76\ E também em consequência da inaplicabilidade ao caso do disposto no art.º 442/2 do CC, primeira parte, não pode deixar de se reconhecer aos promitentes compradores o direito de exigir de volta o que prestaram.
77\ Têm direito à restituição porque os réus não têm causa para a reter e porque os autores pagaram aquela quantia no pressuposto de que comprariam o imóvel, sendo esta uma parte do seu preço.
78\ Em última análise, são as regras do enriquecimento sem causa, que justificam a restituição: o sinal é uma quantia prestada com base numa causa que deixou de existir e deve ser restituído (art.º 473).
79\ Os autores têm, pois, direito à restituição do que prestaram mesmo que se considerasse — por absurdo — que não podem aplicar à outra parte a sanção decorrente do regime do sinal ou que não resolveram eficazmente o contrato.
80\ Decidindo em contrário, chegou-se a um resultado totalmente absurdo: os réus ofereceram uma prestação defeituosa, convidaram os autores a fazer uma escritura em termos que, repita-se, estes não tinham de aceitar, mas foram, ainda assim, premiados com o montante de 144.000€.
81\ Acresce que mesmo que se entendesse que os autores não poderiam beneficiar do regime do sinal em dobro, sempre teria lhes ser reconhecido o direito à indemnização pelos danos que sofreram e que ficaram provados nos pontos 7, 8 e 21 da matéria de facto, pelo que subsidiariamente, caso não seja reconhecido aos autores o direito ao sinal em dobro, mas apenas à restituição em singelo, requer-se ainda a reforma da decisão recorrida no ponto em que considerou improcedente o pedido dos autores ao ressarcimento de tais danos.
Os réus respondem o seguinte:                  
H\ O entendimento dos autores quanto aos fundamentos, validade e eficácia da resolução contratual por si operada e que foi julgada ilícita pelo tribunal parte de uma falácia: a existência de defeitos no imóvel objecto do contrato-promessa, que, conforme resultou da prova produzida ou não se verificavam, ou não eram susceptíveis de afectar o fim a que o imóvel se destinava, consubstanciando meros traços / marcas de um imóvel vivido, construído na década de 80, e que foram tidas em consideração na determinação do preço fixado no contrato-promessa.
I\ De todo o modo, ainda que os autores tivessem intentado a acção ao abrigo do regime da compra e venda defeituosa, ainda assim a mesma estaria votada à improcedência, na medida em que as alegadas desconformidades existentes no imóvel objecto do contrato-promessa (no que diz respeito ao nível de humidades, de cobertura, ou  até do licenciamento de algumas construções lá existentes) não impedem (nem impediam) a utilização do imóvel para o fim a que o mesmo se destina.
J\ A improcedência da pretensão dos autores verifica-se também ao abrigo do regime do sinal, uma vez que a concessão de prazo não exequível e razoável pelos autores aos réus demonstra inequivocamente que os autores não perderam o interesse na aquisição do imóvel objecto do contrato-promessa por falta de actuação dos réus, mas sim por quaisquer outros motivos que não revelaram aos réus nem ao tribunal a quo – e, entenda-se, relativamente aos quais os réus são absolutamente alheios.
K\ Nestes termos, é de aplicar aos autos o regime previsto no disposto no art.º 442/2 do CC, ao abrigo do qual os autores, por terem deixado de cumprir a obrigação de aquisição do imóvel por causa que só a estes é imputável, perderam o sinal entregue aos réus que, por sua vez, passam a ter direito a fazer sua tal quantia.
L\ No que diz respeito à indemnização cujo pagamento os autores reclamam, andou bem o tribunal a quo ao absolver os réus do pagamento da mesma, porquanto tais despesas, além de descabidas para o promitente-comprador médio, foram incorridas por exclusiva vontade dos autores, antes de serem proprietários do imóvel, sendo que não fizeram prova de que as mesmas tenham resultado num dano efectivo na sua esfera patrimonial.
M\ Mais, seria absolutamente descabido que o tribunal a quo atendesse aos pretensos danos dos autores que originaram o incumprimento do contrato-promessa e não atendesse aos danos que os réus sofreram com o incumprimento culposo dos autores (quais foram objecto de pedido reconvencional) e que só não foi ordenado o seu ressarcimento em virtude de o tribunal a quo entender o mecanismo do sinal como uma cláusula penal compensatória que exclui qualquer outra indemnização.
[…]
O\ Por fim, caberá ao tribunal ad quem corrigir o manifesto lapso do tribunal a quo de condenação dos autores ao pagamento de 40% das custas (quando estes obtiveram um decaimento de 63,097% do valor da acção) e dos réus ao pagamento de 60,1% das custas (quando estes obtiveram um decaimento de cerca de 36,9% do valor da acção), adequando a condenação ao pagamento de custas ao [real] decaimento de cada parte.
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Apreciação:
Antunes Varela (Das obrigações em geral, 9.ª ed., vol. I, Almedina, 1998, pág. 336) numa passagem citada no ac. do STJ de 29/06/2010, proc. 258/2002.G1.S1, referido abaixo, diz que, como o estabelecido no artigo 410/1 do CC “não distingue, na sua aplicação, entre os requisitos de formação e os efeitos do negócio, são aplicáveis à promessa de venda, com as necessárias adaptações, as regras que na compra e venda se referem à determinação e a redução do preço, à venda de bens alheios, de coisa defeituosa, de bens onerados etc..”
Calvão da Silva, em Compra e venda de coisas defeituosas, Almedina, Nov. 2001, páginas 32-34, 34-36, 36-39, 48-49, 56-59, 65-66 e 66-68, respectivamente, refere-se, no que diz respeito à venda de bens onerados, aos direitos do comprador à anulação do contrato e redução do preço, à indemnização e ao direito ao exacto cumprimento do contrato, e, no que se refere à venda da coisa defeituosa, aos direitos à anulação do contrato, redução do preço e indemnização, à reparação ou substituição da coisa, à excepção do não cumprimento do contrato e à resolução do contrato.
Este direito à resolução do contrato tem a ver, segundo Calvão da Silva, com os casos em que “o comprador de coisa defeituosa não segue a via da anulação e prefere o recurso ao exacto cumprimento, mediante reparação ou substituição da coisa, nos termos do art.º 914, ou seja, em que ele “expressa claramente a vontade de manter em vigor o contrato […].”
E acrescenta: “[…] se o vendedor não cumpre essa obrigação de reparação ou substituição da coisa imposta expressamente pelo art.º 914, não há qualquer razão séria que impeça o comprador de invocar o disposto no art.º 808, mostrando que perdeu objectivamente o interesse na prestação ou lançando mão da interpelação admonitória, para converter o cumprimento imperfeito e a mora na sua rectificação em incumprimento definitivo (total ou parcial). Assim poderá resolver o contrato, segundo as regras gerais (art.ºs 801 e 802, art.º 793), por facto posterior à sua conclusão - violação contratual suficientemente grave e inadimplemento definitivo, desde que esteja em condições de restituir a coisa em contrapartida do reembolso do preço ou prove que a impossibilidade de restituição se imputa ao vendedor, por exemplo, perda ou destruição da coisa resultante do próprio vício que a afectava na conclusão da venda (art.º 432/2).”
Romano Martinez, Cumprimento defeituoso. Em especial, na compra e venda e na empreitada, Almedina, 2001, 269 [na edição de 1994, a questão é tratada no n.º 27, páginas 291 a 300], citado pelos autores, defende, num sua concepção particular do regime da venda das coisas defeituosas, que a remissão para o regime do erro não deve ter o sentido de, “em caso de incumprimento, o credor ter de provar os requisitos do erro. Se o fundamento é a violação do contrato, seria absurdo que se tivesse de fazer a prova de requisitos que respeitam a vícios da vontade na formação do negócio jurídico.” E diz que, “numa sinopse da jurisprudência verifica-se que os tribunais portugueses, por via de regra, aplicam o regime de incumprimento, sem recurso aos requisitos do erro.” E lembra que para o art.º 7 da Lei da defesa do consumidor (Lei 29/81, de 22/08) a venda de um bem defeituoso é encarada como uma violação do contrato e não como uma hipótese de erro. E o mesmo acontece nas regras de direito internacional constantes da Convenção de Viena (a que Portugal, entretanto já aderiu). E por isso o incumprimento do contrato permite em certos casos, o recurso à resolução do contrato. Depois, sempre no âmbito da sua concepção deste regime, conclui que “o termo ‘anulação’ empregue no art.º 905 do CC, foi usado no mesmo sentido de resolução. Por conseguinte é conferido ao comprador, em caso de venda de coisa com defeito, o direito de resolver o contrato. […]” Isto se se encontrarem preenchidas duas condições: o credor não pode ter tido conhecimento e tem de ignorar legitimamente o defeito da prestação, no momento em que esta é realizada; o vício tem de ser grave de molde a justificar que se ponha termo ao contrato.” É esta, segundo lembra, a posição de Vaz Serra, na anotação ao ac. do STJ de 11/12/1970, RLJ 104, 1971-1972, pág. 262.
Esta posição de Romano Martinez é criticada por Nuno Manuel Pinto Oliveira, Contrato de compra e venda, noções fundamentais, Almedina, 2007, págs. 195-196, 242 a 240, defendendo pois que o regime das vendas das coisas defeituosos é um regime particular de erro na formação do contrato e não de cumprimento imperfeito das obrigações dele decorrentes, e, por isso, não existe, segundo este autor, na venda de coisas específicas, o direito à resolução do contrato (excepto na venda de bens de consumo). O que existe é o direito à anulação do contrato.
Aplicando a sua posição – citada acima - ao contrato-promessa, Calvão da Silva, Em sinal e contrato-promessa, Coimbra Editora, 7.ª edição, 1999, páginas 155-158, também lembrado pelos autores desta acção, diz que:
“Pode acontecer que o promitente-comprador, que intenta a acção de execução específica, queira depositar um preço inferior ao convencionado, por entender que a coisa (v. g. uma casa construída), objecto do contrato prometido, é defeituosa. Poderá fazê-lo?
A questão levantada tem a ver com a possibilidade de cumulação do pedido de redução do preço (quanti minoris) com o de cumprimento do contrato, rectius, de sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso. Aparentemente a resposta pareceria dever ser negativa, já que passaria a estar em causa uma relação jurídica com conteúdo diverso do previsto no contrato-promessa, e a execução específica traduz-se na obtenção de sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso.
Porém, não parece que deva ser assim.
Em primeiro lugar, porque, a dar-se este entendimento, estaríamos a «empurrar» o promitente-comprador para a resolução do contrato - tutela negativa por si não desejada, visto que mantém o interesse no imóvel viciado, embora considere dever ser reduzida a contraprestação a que está vinculado.
Em segundo lugar, porque a alternativa positiva à resolução, que vá ao encontro dos interesses do promitente-adquirente, não é a aceitação pura e simples da coisa defeituosa. Essa alternativa está na eventual redução do preço a que julga ter direito. E não se vê por que razão séria as normas do contrato de venda sobre coisas defeituosas (art.º 913 e ss) não devam considerar-se aplicáveis ao contrato-promessa, em conformidade com o princípio da equiparação de regime consagrado pelo art.º 410. Tanto mais quanto nele encontra aplicação a norma supletiva que estipula um conjunto de regras de determinação do preço na venda (art.º 883): se o tribunal pode determinar o preço, por que não há de poder fixar um preço inferior ao estipulado na promessa?
Esta solução, a solução de considerar que o promitente-comprador pode, na acção de execução específica, cumular o pedido de redução do preço com o de cumprimento do contrato é a que melhor se coaduna com a sinalagmaticidade das prestações. Efectivamente, a sentença referida no n.º 1 do art.º 830 não tutela plenamente o promitente comprador, de acordo com os princípios dos contratos bilaterais, se o juiz não puder reequilibrar as prestações, reduzindo o preço, na hipótese de a coisa apresentar defeitos ou vícios que a diminuam de valor. Só assim o sinalagma das prestações querido pelos promitentes é verdadeiramente assegurado na real situação concreta, dada a falta de perfeita correspondência entre o bem prometido e a coisa entregue ou oferecida em cumprimento, sem que, com isso, o juiz transforme o objecto convencionado num aliud ou substitua a sua vontade ao querido pelos contraentes. Ao invés, o cúmulo do pedido principal ou central - cumprimento do contrato, produzindo o efeito translativo da declaração negocial do faltoso com o pedido acessório da redução do preço reequilibra o conteúdo querido como sinalagmático pelos promitentes, não permitindo que o promitente vendedor livremente possa entregar uma coisa disforme da convencionada.
Diga-se ainda que a solução defendida não é mais do que a aplicação das regras gerais do cumprimento das obrigações, susceptíveis de evitar respostas de puro conceitualismo jurídico, como a de entender que os art.ºs 913 e ss não são aplicáveis ao contrato-promessa, em virtude de não haver ainda transferência do direito. Seria esquecer que o princípio do cumprimento e execução específica é geral, válido para o contrato-promessa, e que a redução do preço e a eliminação dos defeitos ou vícios são concretização desse princípio, valendo, por conseguinte, como medidas de aplicação geral. Logo, a adequada tutela do promitente-adquirente passa pela possibilidade de este na execução específica pedir a redução do preço ou a eliminação dos vícios, pois só assim recebe eadem res, com as características pactuadas, e se evita que o promitente-alienante acabe por concluir um contrato definitivo diferente do prometido. Por fim, dir-se-á que a admissibilidade de cumulação dos pedidos - execução especifica mais a redução do preço ou a eliminação dos defeitos da coisa – é a solução mais condizente com o princípio da economia processual: para que negá-la e obrigar o promitente-adquirente a propor uma acção autónoma posterior à sentença constitutiva (art.º 830), se os pedidos estão substancialmente ligados? Não teria lógica nem estaria consentâneo com os n.ºs 3, 4 e 5 do art.º 830, a que a economia de juízos está inequivocamente subjacente, ao admitir, na mesma acção (de execução específica da promessa), a modificação do contrato por alteração das circunstâncias, a condenação do promitente faltoso a entregar o montante do débito garantido pela hipoteca e a improcedência da acção em atenção à exceptio non adimpleti contractus. A sentença pode, assim, ser complexa: constitutiva numa parte e condenatória noutra, valendo nesta parte como título executivo. O que o promitente-adquirente não pode é depositar o quantum de preço reduzido que entender suficiente, sem que o juiz tenha atendido o pedido quanti minoris.”
Portanto, tendo em conta as partes sublinhadas e a posição do autor quando ao regime de venda de coisas defeituosas citado acima, não há dúvida que, para este autor, o promitente comprador, quando pretende o cumprimento do contrato-promessa de um imóvel com defeitos, pode vir a encontrar-se em situações de incumprimento do contrato-promessa que lhe confiram o direito à resolução do mesmo, depois de um incumprimento tornado definitivo.
Nuno Manuel Pinto Oliveira, em Contrato de compra e venda, vol. I, Gestlegal, 2021, páginas 332-333, vem defender que:
“Entre os efeitos do contrato de compra e venda extensivos ao contrato-promessa de compra e venda, em consequência do principio da correspondência ou da equiparação do art.º 410/1 do Código Civil, está a atribuição ao promissário-comprador dos direitos predispostos pela lei para o comprador de bens alheios, de bens onerados ou de coisas defeituosas - do direito de exigir que o promitente-vendedor de bens alheios adquira os bens prometidos (art.º 897), do direito de exigir que o promitente-vendedor de bens onerados expurgue os ónus dos bens prometidos (art.º 907), do direito de exigir que o promitente-vendedor de coisa defeituosa repare ou substitua a coisa prometida (art.º 914); do direito potestativo de redução do preço dos bens onerados, ou das coisas defeituosas (art.º 911, em ligação com o art.º 913), e do direito potestativo de resolução do contrato-promessa, desde que o promitente-vendedor não adquira os bens alheios, não expurgue os ónus dos bens onerados, ou não repare e não substitua as coisas defeituosas (art.ºs 897, 907 e 914, em ligação com os art.ºs 801/2 e 802).”
Depois Nuno Manuel Pinto Oliveira cita o acórdão do STJ de 29/06/2010 (proc. 258/2002.G1.S1) - que, como se poderá ver a seguir, é, através do ac. do STJ de 2013, a fonte da posição seguida na sentença recorrida -, e diz que este acórdão confirma o que acabou de defender, “ao dizer expressamente que, «|s]e o promitente-comprador, após a assinatura do contrato-promessa, passou a residir no prédio urbano prometido vender, vindo a constatar que o mesmo apresentava defeitos (existência de humidades e infiltrações), deve aplicar-se à situação as regras atinentes à venda de coisa defeituosas e que, entre os resultados dessa aplicação, está o de que "deve ser reconhecido ao comprador, em primeira linha, o direito de exigir do devedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela e, em segunda linha, os direitos de redução do preço da compra, de resolução [assinale-se que se trata de erro de transcrição; o acórdão fala de anulação, não da resolução - TRL] da venda e de indemnização pelos danos decorrentes do não cumprimento, ou do cumprimento imperfeito, do contrato de compra e venda.”
E acrescenta que “o resultado só pode ser reforçado pelo regime da venda de bens de consumo resultante da Directiva 1999/44/CE, de 25 de Maio de 1999, da Directiva 2019/771/UE, de 20 de Maio de 2019, e do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04.” [o escrito é anterior ao DL 84/2021, de 18/10 - TLR].
A seguir, este autor desenvolve os direitos do promitente-comprador nestes autos (de venda para consumo) mas sem dizer que o defendeu para trás não se aplique nos outros casos.
Portanto, apesar da posição acima defendida, agora Nuno Manuel Pinto Oliveira em termos gerais nem sequer fala no direito à anulação e admite a resolução do contrato-promessa como um dos direitos do promitente comprador.
Em suma, não há razões para duvidar que o promitente comprador possa exigir a correcção dos defeitos do imóvel prometido vender (mesmo que por um não profissional, isto é, mesmo que não se aplique o regime da venda dos bens de consumo, como no caso) e possa vir a converter a mora do promitente vendedor num incumprimento definitivo e, depois, possa resolver o contrato-promessa.
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Veja-se agora uma série de acórdãos que se pronunciam sobre estas questões para constatar que, apesar de algumas divergências – sem esquecer, entretanto, que as sentenças de 1.ª instância estão muito limitadas pelo objecto do processo como é delimitado pelas partes por força de pedidos baseados em causas de pedir e pelas excepções deduzidas, e os acórdãos dos tribunais de recurso estão muito limitados pelo decidido em 1.ª instância e pela forma como são interpostos, ou não, os recursos – a maior parte deles chega a resultados práticos equivalentes, acabando por reconhecer ao promitente comprador, quando se pronunciam sobre a questão, o direito de resolução do contrato-promessa:
Ac. do STJ de 25/03/2004, proc. 04A398 ou ECLI:PT:STJ:2004:04A398ver.ac.rd.o.T.RE.DF
I- O instituto da "excepção do não cumprimento do contrato" opera não só perante o incumprimento total do contrato, mas também perante o incumprimento parcial ou o seu cumprimento defeituoso.
2- Se as fracções prometidas vender enfermam de defeitos de construção, os promitentes compradores podem recusar a outorga da escritura de compra e venda do contrato prometido enquanto a promitente vendedora não proceder à reparação ou eliminação dos defeitos.
3- Não sendo os defeitos insignificantes e não providenciando a promitente vendedora pela sua eliminação, é conforme à boa fé, adequada e justificada a recusa dos promitentes compradores de celebrar a escritura, até que os defeitos sejam reparados, por se destinar a garantir o seu direito de aquisição das fracções, isentas de defeitos.
4- O contraente só não pode invocar a excepção do não cumprimento do contrato se ele próprio se encontrar em mora accipiendi.
No texto do acórdão diz-se:
À luz dos factos provados, não pode sofrer dúvida que houve um cumprimento defeituoso da promitente vendedora, sendo certo que esta sabia da existência de humidades nas fracções prometidas vender. Apesar disso, a autora marcou a escritura para 31/01/1996, sem proceder à prévia reparação dos defeitos existentes, pois o estado das fracções continuava quase na mesma em finais de Janeiro de 1996, não obstante ter lá mandado dois ou três trabalhadores da construção civil. Em 30/01/1996, na véspera da data marcada para a escritura, os réus enviaram à autora a carta de fls. 57 e 58, justificando a sua não comparência, reclamando a reparação dos defeitos, evidenciando o seu interesse na realização do negócio e mostrando-se dispostos a outorgar a escritura de compra e venda logo que as obras de reparação estivessem concluídas. Nessa mesma carta, os réus também se propunham celebrar, de imediato, a escritura de compra e venda, desde que a autora indicasse um prazo razoável para a eliminação dos defeitos e prestasse caução, no valor de 3.000.000$, correspondente ao custo em que, então, estimaram as obras. Neste circunstancialismo, era lícito aos réus recusar a celebração da escritura de compra e venda, enquanto a autora não reparasse os defeitos, com fundamento na exceptio non rite adimpleti contractus (art.º 428/1 do CC). […] Ora, tudo isto permite concluir pela improcedência da resolução do contrato e que a recusa dos réus em celebrar a escritura no dia 31/01/1996 se mostra justificada para garantir o seu direito de aquisição das fracções, isentas de defeitos.
Na 11.ª edição do Sinal e Contrato-promessa, Calvão da Silva cita e subscreve este acórdão (pág. 170).
Ac. do STJ de 13/11/2007, proc. 2740/07 (só sumário, no sítio do STJ):
I - Estipulando-se apenas no contrato-promessa de compra e venda que a escritura se realizaria “logo que se mostre pronta a documentação necessária e aprovado o empréstimo a que os compradores vão recorrer em entidade bancária”, e estando demonstrada nos autos a existência de defeitos na fracção prometida e a sua denúncia pelos autores, promitentes-compradores, sem que, até à data, a ré, promitente-vendedora, os tenha reparado, defeitos esses que desvalorizam o imóvel, afectando as suas condições de habitabilidade, assiste àqueles o direito de invocar a excepção de não cumprimento do contrato (art.º 428 do CC).
II - Com efeito, está-se perante o cumprimento defeituoso da prestação por parte da ré, não se podendo considerar ilidida a presunção de culpa estabelecida no art.º 799/1 do CC.
III - Mais assiste aos autores o direito à execução específica do contrato-promessa cumulativamente com a redução do preço, aplicando-se ao contrato-promessa, em consequência do princípio da equiparação, o regime da compra e venda de coisa defeituosa (art.º 411 do CC).
No ac. do STJ de 29/06/2010, proc. 258/2002.G1.S1:
I - Num contrato-promessa de compra e venda não se produz o efeito translativo da propriedade. Este efeito só se concretizará com a realização do contrato prometido. O contrato-promessa, ao desencadear a obrigação de contratar, gera o correspondente direito de crédito da contraparte de exigir o seu cumprimento; produz, assim, mero efeito obrigacional de realizar o contrato prometido.
II - O art.º 410/1 do CC, estabelece o princípio da equiparação, afastando as regras relativas à forma e as que pela sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
III - Se o promitente-comprador, após a assinatura do contrato-promessa, passou a residir no prédio urbano prometido vender, vindo a constatar que o mesmo apresentava defeitos (existência de humidades e infiltrações), deve aplicar-se à situação as regras atinentes à venda de coisa defeituosa.
IV - A coisa será defeituosa quando for imprópria para o uso concreto destinado pelo contrato ou quando não satisfaça a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo. No presente caso, o vício que haverá de ponderar será o que impede a coisa da “realização do fim a que é destinada”, visto que as deficiências verificadas provocam uma redução da aptidão da casa para o seu uso comum, que é a de proporcionar aos que a habitam uma vivência satisfatória.
V - Deve ser reconhecido ao comprador, em primeira linha, o direito de exigir do devedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela – art.º 914 do CC. Para além deste direito, deve-se reconhecer ao mesmo o direito de anulação do contrato, de redução do preço e da indemnização (pelo interesse contratual negativo).
VI - No caso vertente, o autor tinha o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa. Não poderia contudo, dado que o bem tem a natureza de coisa infungível (cf. art.º 207 do CC), pedir a substituição do bem. Poderia, também, face à remissão para as normas de venda de bens onerados, pedir a anulação do contrato (por erro ou dolo), a redução do preço (quando as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior – cf. art.º 911 do CC) e a indemnização pelo interesse contratual negativo (traduzido no prejuízo que sofreu pelo facto de ter celebrado o contrato).
VII - Ao pretender-se adquirir uma habitação nova para aí se viver, ambiciona-se um local com boas condições de habitabilidade e conforto, não passando pela cabeça do pretendente à aquisição que a nova casa não possa reunir as mais elementares condições de habitabilidade, sendo que, se tal pudesse supor, certamente não realizaria o negócio.
VIII - Sabendo-se que, nos termos dos artigos 252/2 e 437/1, ambos do CC, o interessado tem o direito à anulação do negócio se as circunstâncias em que fundou a decisão de contratar sofrerem uma alteração anormal (e desde que a exigência da obrigação por ele assumida afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberto pelos riscos do negócio), é evidente que o fundamento de anulação do contrato se verifica no caso dos autos.
No caso, os autores tinham pedido subsidiariamente a anulação do contrato. Quer a 1.ª instância quer o TRG [em decisões confirmadas pelo STJ] começaram por dizer que os factos provados não demonstram a existência do incumprimento definitivo do contrato-promessa por banda da ré: não foi inicialmente estipulado qualquer prazo para a celebração do contrato, não houve recusa do cumprimento, também não houve qualquer interpelação admonitória, bem como, marcação da escritura por parte do autor no sentido de converter a mora em incumprimento definitivo; por isso se concluiu que não se podia aplicar no caso a sanção de restituição do sinal em dobro “cuja atribuição assenta ou tem por base a existência de uma situação de incumprimento definitivo”. Entendeu-se depois que pelo facto de não ocorrer a situação de incumprimento definitivo da prestação, tal não significa que o autor não tenha forma de se desvincular da prestação contratual a que se obrigou e, bem assim, de reaver aquilo que já cumpriu previamente à celebração do contrato definitivo.
Ac. do TRL 05/05/2011, proc. 3109/08.9TVLSB.L1-8       
I - No contrato outorgado entre as partes existiu uma coligação funcional de três contratos distintos, contrato de arrendamento; promessa unilateral e contrato promessa bilateral. Este último a vigorar com autonomia, a partir da data em que os réus optaram pela compra da fracção.
II -Era lícito aos réus recusar a celebração da escritura de compra e venda, enquanto a autora não reparasse os defeitos, com fundamento na exceptio non rite adimpleti contractus (art.º 428/1 do CC).
II - E como, à data em que estava marcada a outorga do contrato prometido, a autora não eliminou os defeitos que tornavam a fracção, destinada à habitação dos réus, sem condições de habitabilidade, é legítima a perda do interesse em outorgar o contrato de compra e venda, pelo que há lugar à resolução do contrato promessa e restituição aos réus do sinal em dobro
Ac. do STJ de 10/11/2011, proc. 3109/08.9TVLSB.L1.S1 
I - Acordado entre autor e réus contrato-promessa de arrendamento com opção de compra, tal contrato, com a entrega do imóvel, convola-se em contrato de arrendamento com opção de compra.
II - A opção de compra ou pacto de opção traduz um acordo em que uma das partes se vincula à declaração negocial correspondente ao negócio visado – no caso contrato-promessa de compra e venda – conferindo à outra o poder potestativo de exercer, nos termos estipulados, a vontade de aceitar essa declaração, constituindo-se, assim, o negócio tido em vista.
III - Tal negócio pode ser um contrato-promessa devendo, nesse caso, realizar-se, num terceiro momento, o contrato definitivo.
IV - Não há em princípio obstáculo legal à coexistência de contrato de arrendamento com o contrato-promessa de compra e venda do imóvel arrendado, mas pode decorrer dos termos acordados que uma tal coexistência não é a que resulta do sentido das declarações negociais à luz da doutrina da impressão do destinatário (art.ºs 236 a 238 do CC).
V - Assim, no caso vertente e com base no entendimento que decorre da aludida doutrina, o contrato de arrendamento deve considerar-se extinto por caducidade (art.º 1051/-b do CC) com a opção de compra constitutiva do contrato-promessa de compra e venda por este contrato se regendo as relações contratuais estabelecidas desde a outorga do contrato-promessa.
Este acórdão confirma o do TRL: portanto, confirma, no caso, o incumprimento definitivo do contrato-promessa pela autora promitente vendedora (por perda do interesse dos promitentes-compradores), que em consequência disso veio a ser resolvido pelos réus, com o direito ao sinal em dobro.
Ac. do STJ de 20/10/2011, Revista n.º 4564/07.0TVLSB.L1.S1 (só o sumário, no sítio do STJ, citado pelo ac. do STJ de 2022):
I - Tendo sido celebrado contrato-promessa de compra e venda referente a uma moradia a construir, a autora tinha o direito de exigir que a coisa (moradia) lhe não fosse entregue com os defeitos detectados e o vendedor tinha o dever de vender a coisa que se comprometera a vender, livre de defeitos ou mazelas que desfeiteassem a utilidade da coisa ou não a apresentassem nos moldes e com a configuração que o projecto inculcava.
II - A autora não estava compelida a celebrar ou outorgar uma escritura de compra e venda em que ambos os contraentes reconheciam existirem defeitos na coisa objecto da venda, nem se pode exigir que o comprador adquira um bem com defeito (originário) para depois ser reparado.
III - A coisa objecto do contrato deve ser entregue pelo vendedor liberta de defeitos e em condições de poder vir a ser fruída e utilizada pelo comprador sem restrições e sem percalços ulteriores decorrentes de vícios que a coisa ostente. Não pode, em homenagem ao princípio da conformidade da coisa querida comprar com a coisa entregue, o comprador ser obrigado a, no momento da escritura, adquirir uma coisa que o vendedor reconhece não estar em conformidade com o que foi estabelecido vender.
IV - Tendo-se criado uma situação de impasse, a posição a adoptar pela autora deveria ter sido interpelar o réu para até um determinado prazo, que reputasse razoável, marcar a escritura e eliminar os defeitos, sob pena de, não o fazendo nesse prazo, perder definitivamente o interesse na realização do contrato prometido, por não ser compatível com a compra de uma coisa defeituosa.
Ac. do STJ de 09/02/2012, Revista 354/2002.P1.S1 (só sumário, no sítio do STJ; também este acórdão foi citado pelo ac. do STJ de 2022):
I - Tendo as partes celebrado um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma de um prédio urbano a construir e a constituir em propriedade horizontal, ambas as partes vincularam-se a uma prestação de facto positiva – a celebração do contrato de compra e venda prometido –, pelo que, se tal contrato nunca chegou a ser cumprido, não pode falar-se de cumprimento defeituoso, mas sim de incumprimento.
II - Se os promitentes-compradores foram habitar para a fracção prometida vender antes de concedida a respectiva licença de utilização e antes da promitente-vendedora estar em condições de cumprir o contrato, tendo detectado alguns defeitos de construção, só poderiam exigir judicialmente a reparação desses defeitos após a aquisição definitiva da fracção. No entanto, é igualmente evidente a licitude da recusa do cumprimento do contrato-promessa por parte deles enquanto a fracção não obedecesse às características acordadas e enquanto não se mostrassem solucionados os defeitos.
III - Se a promitente-vendedora, embora exigisse o cumprimento do contrato-promessa, nunca se colocou em situação de o poder cumprir cabalmente, encontrando-se em mora, pelo menos, desde a data em que foi concedida a licença de utilização da fracção, tendo os promitentes-compradores, face à falta de vontade ou incapacidade daquela para solucionar os defeitos denunciados (cerca de um ano e três meses após a sua entrada em mora), fixado um prazo de um mês para se colocar em condições de cumprir o contrato, sob pena da mora se converter em incumprimento definitivo e justificar a resolução do contrato, com as legais consequências, está legitimada a recusa dos promitentes-compradores e tendo a promitente-vendedora permitido que a sua mora se tenha convertido em incumprimento definitivo, a resolução do contrato foi válida e eficaz, devendo a promitente-vendedora indemnizá-los – artigos 432 e 436 do CC.
IV - Havendo sinal constituído, a indemnização devida corresponde ao dobro do sinal prestado – artigo 442/2 do CC.
No acórdão do STJ de 02/12/2013, proc. 157/07.0TBOER.L1.S1:
I - O regime previsto pelo art.º 442 do CC prevê uma forma de indemnização pré-definida do promitente a quem é imputável o incumprimento do contrato-promessa, tendo havido sinal passado e na falta da convenção em contrário.
II - Com a definição do montante indemnizatório nos termos do art.º 442 do CC dispensa-se tanto a prova de que o promitente não faltoso sofreu efectivamente prejuízos, como se exclui, ainda, o ressarcimento de prejuízos que excedam a indemnização encontrada.
III - No feixe das obrigações que incidem sobre o promitente-vendedor de uma fracção (incluindo esta arrecadação e locais de estacionamento) não se incluem – ainda que acessoriamente – aquelas que integram o contrato definitivo, como sejam as de construir e vender um bem com as qualidades, características e aptidões conformes com o contrato.
IV - Caso o contrato definitivo tivesse sido celebrado e a fracção lhe tivesse sido entregue, poderia o comprador: (a) invocar os defeitos e exigir a sua reparação; se esta não fosse efectuada (b) pedir a sua anulação; (c) exigir a substituição da coisa; (d) obter uma indemnização ou redução do preço; (e) resolver o contrato, com fundamento em incumprimento.
V - Não se entenderia que, para reagir contra defeitos da coisa, que a promitente-vendedora entregou, se aplicasse o regime previsto no art.º 442 do CC – com a consequente restituição do sinal em dobro –, ficando desta forma, igualmente, afastado o direito de retenção previsto no art.º 755/1-f do CC.
VI - Não obstante, a falta de eliminação dos defeitos da fracção constitui causa legítima da recusa do autor em celebrar o contrato definitivo, bem como fundamento da resolução do contrato-promessa, atenta a estreita ligação entre este e o correspondente contrato de compra e venda.
[…]
No texto do acórdão esclarece-se desde logo as limitações de que o mesmo sofre dado que há decisões transitadas, isto é, que não foram objecto de recurso:
Ambas as instâncias concluíram no sentido de ter havido incumprimento da ré, justificativo de perda de interesse do autor na celebração do contrato definitivo e da resolução oposta pela carta de 05/12/2006. Não tendo a ré interposto recurso, trata-se de questão definitivamente decidida. Não se analisarão, portanto, as diversas considerações que o recorrente [o autor] tece a esse respeito. A divergência entre o autor e o que vem decidido respeita a saber qual o regime aplicável a essa resolução: se o regime definido pelo artigo 442 do CC, como sustenta o autor, se o regime geral relativo à resolução dos contratos por incumprimento de uma das partes, como julgaram as instâncias. A ré não interpôs recurso de revista, pelo que está assente que a fracção prometida comprar e vender apresentava defeitos e não tinha qualidades asseguradas pelo vendedor, em termos de justificar a recusa de celebração do contrato definitivo e de, conjugados com a sua não reparação, conduzirem à perda de interesse do autor/recorrente na correspondente celebração, legitimando a resolução do contrato-promessa. Como a 1ª instância observou, pese embora a alegação de diversos erros sobre o objecto e sobre os motivos e até de dolo da promitente vendedora, o autor nunca pediu a anulação do contrato, antes pretendendo a resolução do contrato-promessa, com os efeitos previstos no artigo 442 do CC.
Por outro lado, no texto do acórdão esclarece-se:
Estão em causa defeitos da fracção prometida vender. Ambas as instâncias entenderam que a fracção a que os autos respeitam apresentava defeitos cuja relevância permitiria recorrer ao regime da venda de bens defeituosos ou ao cumprimento defeituoso da prestação devida; e que as obrigações violadas (de construir e vender um bem com as qualidades, características e aptidões conformes com o contrato) não se situam “no sinalagma específico do contrato-promessa.” Recorde-se que, no caso, vem provado que a ré marcou mais de uma vez a realização da escritura, tendo as instâncias salientado que não incumpriu a obrigação que especificamente lhe incumbia, de celebrar o contrato definitivo. No caso dos autos, se tivesse sido celebrado o contrato de compra e venda da fracção e esta tivesse então sido entregue, o autor ver-se-ia confrontado com o regime da venda de bens defeituosos (artigo 913 e segs do CC) ou do cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda (incumprimento – artigo 798 e segs do mesmo CC). Invocando os defeitos e exigindo a sua reparação, como aqui fez o autor, se esta não fosse efectuada, caber-lhe ia então o direito de anular o contrato, de exigir a substituição da coisa, se possível, de obter uma indemnização ou de redução do preço; ou poderia ainda resolver o contrato, com fundamento em incumprimento. Seguindo a via da anulação ou da resolução, veria destruído retroactivamente o contrato, em termos aliás semelhantes (cfr. artigos 289 e 433 do Código Civil); e teria que demonstrar os prejuízos sofridos para o efeito de ser indemnizado. Em termos práticos, ser-lhe ia devolvido o sinal que prestou e ser-lhe-ia arbitrada a indemnização pelos prejuízos demonstrados. Não se entenderia facilmente que se lhe aplicasse um regime diferente – o previsto no artigo 442 do CC – para reagir contra defeitos da coisa que, em antecipação do cumprimento de uma obrigação decorrente do contrato de compra e venda, a promitente vendedora lhe entregou (imediatamente antes da primeira data marcada para a escritura correspondente). Diferentemente, tem plena justificação a aplicação do regime que guiaria a resolução, por incumprimento, do contrato de compra e venda; aplicação que, aliás, se filia literalmente no disposto no art.º 410/1 do CC. Recorde-se, todavia, que está definitivamente assente, no caso presente, a eficácia da resolução oposta pelo recorrente; não cabe, portanto, discorrer sobre se os defeitos identificados pelas instâncias justificavam ou não a resolução do contrato-promessa. Sempre se observa que a ligação entre os dois contratos (contrato-promessa e correspondente contrato de compra e venda) explica que as instâncias tenham entendido que a falta de eliminação dos defeitos era causa de legítima recusa do autor em celebrar o contrato definitivo e, simultaneamente, de resolução do contrato-promessa com fundamento em incumprimento definitivo.
Por fim, o acórdão ainda admite o seguinte: O autor/recorrente invoca o ac. do TRL de Lisboa de 05/05/2011, que, acrescenta-se agora, foi confirmado pelo ac. do STJ de 10/11/2011, proc. 3109/08.9TVLSB.L1.S1. No entanto, apesar de versar também sobre um contrato-promessa de compra e venda, sobre a existência de defeitos da fracção e sobre uma resolução oposta pelo promitente-comprador, a verdade é que as situações concretas em causa apresentam significativas diferenças, do ponto de vista jurídico e fáctico. Basta atentar em que, como o recorrente transcreve, se tratava de “defeitos que tornavam a fracção, destinada a habitação dos réus, sem condições de habitabilidade”: será difícil não ter como afectado no seu núcleo um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel destinado a habitação que não tem condições de habitabilidade, não obstante não ter sido considerado nessa condição (não habitabilidade), quando as partes contrataram. Na verdade, razões de proporcionalidade e de devida consideração do equilíbrio contratual exigem que sejam ponderadas as situações concretas de cada caso, quando se avalia a justificação da resolução de um contrato por incumprimento definitivo e, portanto, por perda de interesse da parte que o resolve.
Em suma, embora este acórdão tenha falado da aplicação do regime da venda de bens defeituosos, com referências ao ac. do STJ de 2010 (258/2002), admite como um dos direitos do autor a resolução do contrato-promessa de coisa imóvel defeituoso, por incumprimento tornado definitivo por perda do interesse do comprador.
Ac. do TRL de 19/02/2015, proc. 7437/11.8TBSXL.L1-2:
I – Situando-se o incumprimento definitivo do contrato promessa que implicou a respectiva resolução em obrigações exteriores ao sinalagma específico desse contrato - que resulta das obrigações principais e típicas que o integram referentes à celebração da escritura de compra e venda – antes se situando no sinalagma próprio do contrato prometido, as consequências dessa resolução terão de advir do regime geral dos contratos – artigos 801/2, 433 e 289 CC - excluindo-se a aplicabilidade do regime da indemnização pré-definida do art.º 442 CC.
II – É o que sucede quando o promitente-comprador, após a assinatura do contrato promessa, passou a residir no prédio urbano prometido vender, vindo a constatar que o mesmo apresentava defeitos que pela sua gravidade e urgência impediam que o imóvel realizasse os fins a que se destinava e, não obstante ter solicitado do promitente vendedor as reparações necessárias, este não as efectuou, antes ignorou a situação em que aquele se encontrava, quadro em que se configura como objectiva a perda de interesse deste na realização do contrato prometido.
III – Nestas situações entende-se que não se deverá aplicar o regime da compra e venda de coisas defeituosas, mas o regime geral do incumprimento dos contratos.
IV - É que a solução a que conduz o regime dos artigos 913 e ss CC, não é o da resolução do contrato, mas o da sua anulabilidade (em última análise, por erro essencial nas qualidades da coisa, ex vi do art.º 905, para que remete o 913, e dos artigos 251 e 247, todos do CC) o que dificilmente se compatibilizaria com a resolução do contrato promessa normalmente pedida neste tipo de acções, além de que dificilmente se poderia aceitar que o promitente-comprador na pendência da traditio de imóvel se visse constrangido, perante defeitos deste, aos prazos de denuncia e de caducidade do artigos 916 e 917/1ª parte CC.
Ac. do STJ de 27/01/2022, proc. 3908/18.3T8LSB.L1.S1
I. Porque inútil, não há que conhecer do recurso na parte em que se invoca violação do direito probatório material pela Relação relativamente a factos que se mostram irrelevantes para a solução jurídica da causa.
II. No contrato promessa de compra e venda de imóvel para habitação impende sobre o promitente vendedor, para além da obrigação de celebrar o contrato prometido, a obrigação de proceder ao aprontamento do bem a vender de forma que este esteja apto a realizar o fim a que se destina ou tenha as qualidades asseguradas, devendo a coisa objecto do contrato ser entregue pelo vendedor liberta de defeitos e em condições de poder vir a ser fruída e utilizada sem restrições e sem percalços.
III. Se o imóvel prometido vender enferma de defeitos, que não sejam de escassa ou reduzida importância, não pode o promitente comprador ser obrigado a adquirir uma coisa que não está em conformidade com o que foi estabelecido vender; nesse caso é lícito ao promitente comprador recusar a outorga da escritura de compra e venda enquanto o promitente vendedor não proceder à reparação ou eliminação dos defeitos.
IV. Sendo a recusa de outorgar a escritura lícita, não assiste ao promitente vendedor o direito à resolução do contrato.
V. A amplitude e a concepção de vício inerente à utilidade de uma coisa, possuindo uma dimensão ou compreensão objectiva, que atina com a essencialidade do uso ou função a que a coisa se destina, não pode deixar de ser percepcionada como uma prefiguração subjectiva, dado que a utilidade possui, inegavelmente, uma dimensão subjectiva.
VI. Quem intenta adquirir uma habitação (nova ou reabilitada) para aí se viver ambiciona um local com boas condições de habitabilidade e conforto, entre as quais está a sua estanquicidade, não sendo suposto que na habitação haja manifestações de infiltrações.
VII. A ocorrência de infiltrações num canto do tecto da sala, criando uma bolha por empolamento e barramento nas placas de gesso cartonado do tecto e parede, tornando previsível a ocorrência de escorrências de água para o chão e a ocorrência de curto-circuito nos equipamentos de iluminação que passam no tecto, ainda que não elimine de todo as condições de habitabilidade, não deixa de as afectar significativamente, não podendo ser considerada como de escassa ou diminuta importância.
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Assim, em relação a contrato-promessa de venda de coisa que se vem a revelar entretanto defeituosa – o que na maior parte das vezes acontece quando a coisa é entregue ao promitente comprador, mas pode acontecer noutras situações, como no caso, pelo que, ao contrário do defendido pelos réus (no corpo das contra-alegações), a entrega não se trata de um pressuposto necessário - o promitente comprador pode vir a ter o direito de resolver o contrato-promessa por incumprimento definitivo imputável ao promitente-vendedor (assim, embora não se concordando com os precisos termos da argumentação expendida pelos autores em 34, 48, 50, 52, 69 e 70, chega-se ao mesmo resultado, isto é, à possibilidade de haver tal direito. O que não quer dizer que exista no caso concreto).
Dado a variedade de posições citadas e para ficar claro, diga-se que assim se está a seguir a posição de Calvão da Silva, citada acima, nos seus diversos pressupostos, entendendo-se que é a que se adequa melhor, e mais coerentemente, ao regime legal (no caso de contrato-promessa de compra e venda que não é de consumo, como no caso dos autos, visto que o promitente vendedor não é profissional; no caso de venda para consumo a solução é ainda mais clara…).
Posto isto, diga-se que, reconhecido que o promitente comprador pode ter direito à resolução do contrato – direito este que foi o exercido pelos autores nesta acção -, na sequência do exercício do direito à reparação dos defeitos (que a sentença, em 7, parece negar), um pressuposto desse direito é o incumprimento definitivo imputável à outra parte, seguido da extinção, normalmente por resolução, do contrato.
Ora, a sentença, apesar do que diz em 7, pronuncia-se sobre a questão e diz que os autores não provaram a verificação do incumprimento definitivo do contrato por parte dos promitentes vendedores e tem que se lhe dar razão: a mora do devedor converte-se em incumprimento definitivo no modo, grosso modo [melhor precisão será feita ao discutir a argumentação contrária dos autores de 59, 60, 61 e 62] apontado na sentença (em 2, 11 e 17 e, já no âmbito da reconvenção, de 19 a 21) e no caso não se verificaram os pressupostos dessa conversão (como se refere na sentença em 4, 10, 12, 13, 15 e 17).
Os autores, em contrário, dizem o que consta de 57 das conclusões do seu recurso. Mas sem razão. A interpelação – que não é feita com o escrito aditado como facto 11bis, porque esse escrito não é, claramente, uma interpelação admonitória, já que se trata, como dizem os réus (no texto das contra-alegações), de um convite para propor uma solução, que os autores fizeram aos réus - só aconteceu por carta de 01/07/2000 (facto 14) e nela os autores só davam aos réus 15 dias para a correcção das desconformidades. Ora, em 15 dias não é possível, de acordo com a natureza das coisas, desfazer tudo aquilo que tinha sido feito pelos réus na moradia ou legalizar essas obras – a sentença usa o valor das obras como critério, o que é suficiente (ao contrário do que os autores dizem em 63, 64, 65 e 66), embora aqui se prefira falar na lista dos defeitos que estavam em causa.
De 59 a 62, os autores dizem que a conduta dos réus – com a sua resposta de 07/07/2020 (facto 15) - equivale a um incumprimento definitivo, pois que, dizem, “é uma declaração séria, definitiva e inequívoca, por parte dos réus promitentes vendedores, de que não cumpririam o contrato tal como a ele estavam obrigados.” Mas a resposta dos réus não pode ser entendida como tal porque está viciada pela interpelação com um prazo irrazoável. Nada garante que, tivesse sido outro o conteúdo da interpelação feita pelos autores, a resposta dos réus não fosse diferente. A opção feita pelos autores pelo direito à reparação, isto é, pelo cumprimento do contrato, implicava a fixação de boa fé de um prazo razoável. Se a interpelação não é feita de boa fé, os autores não podem tirar do comportamento dos réus o efeito pretendido.
Se o prazo não foi fixado de boa fé, não há, ao contrário do defendido pelos autores em 67, qualquer abuso de direito – praticado pela sentença? – em dar relevo, por força do art.º 808 do CC, à falta de razoabilidade do prazo fixado, para impedir a conversão da mora em incumprimento definitivo.
Dizem os autores em 58 que o regime do sinal pressupõe a simples mora; isto com apoio na posição de Menezes Cordeiro, que os autores citam através do Tratado de direito civil, VII, Almedina, 2016, páginas 385-389 (invocado no texto das alegações). A que se poderia aditar a posição de Ribeiro Faria e Antunes Varela (embora em desacordo com a lei - citados por Ana Afonso, referida abaixo), e, por último, de Nuno Manuel Pinto Oliveira (mas aqui exigindo, por norma, uma mora qualificada nos termos do art.º 808 do CC – Contrato de compra e venda, Vol. I, Gestlegal, Junho 2021, páginas 350-367).
A posição largamente maioritária da doutrina e da jurisprudência é a contrária (neste sentido, por exemplo, as posições de que dá conta o acórdão do TRL de 11/03/2021, proc. 4592/19.2T8ALM.L1, com um voto de vencido que não diz respeito a esta questão; por último, veja-se a descrição de posições no Comentário ao CC, Direito das Obrigações, das obrigações em geral, UCP/FD/UCE, Dez2018, págs. 168-169, §II da anotação 4 ao art.º 442, por Ana Afonso; e, tomando posição no sentido do incumprimento definitivo, por último, CC anotado, vol. I, 2.ª ed., 2019, Almedina/CEDIS, pág. 602, último § da anotação 2 ao art.º 442, por Ana Prata; e Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Direito das Obrigações, Vol. I, Gestlegal, Junho 2022, páginas 189-193). E importa, a benefício da segurança jurídica – isto é, para que as pessoas possam saber qual é o regime jurídico que os tribunais vão aplicar -, que isto se mantenha assim, isto é, que se continue a exigir, pelo menos, o incumprimento definitivo como pressuposto do direito ao dobro do sinal (o que por regra tem por consequência, exigir-se também a resolução do contrato, o que pode acontecer através de factos concludentes – como aliás a sentença defendeu em 2, embora, ver-se-á à frente, em relação à reconvenção se tenha, aparentemente, bastado com o incumprimento definitivo ou com uma situação equiparada).
De qualquer modo, como explica a sentença (em 10, 15 e 17), a própria mora não se chegou a verificar: o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação ainda possível, não foi efectuada em tempo devido (art.º 804/2 do CC). Ora, se o prazo fixado não é um prazo razoável, os réus não se constituíram em mora através da interpelação de 01/07/2020.
É por isto que os réus não entraram em mora, e não pela outra razão adiantada pela sentença (em 6, 7 e 8), quando diz que os réus não tinham a obrigação de corrigir os defeitos. Tendo antes razão os autores quando dizem o contrário em 54, 55, 56 e 57, como já se viu e se verá ainda mais à frente.
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A sentença diz, em 17, que “jamais foi invocada a perda de interesse do credor na prestação como fundamento da resolução contratual operada.” Os autores não põem em causa a falta de verificação deste fundamento resolutivo. Mas são eles que invocam o ac. do TRL de 19/02/2015, proc. 7437/11.8TBSXL.L1-2, citado acima, em que foi julgada verificada a perda de interesse dos promitentes compradores numa situação semelhante. Só que aí os promitentes compradores tinham dado aos réus um prazo, que pôde ser considerado razoável, não para repararem os defeitos, mas para que fosse apresentado um “plano de reparação dos defeitos diagnosticados.” Pelo que, depois, perante a resposta dos promitentes vendedores o tribunal pode considerar aceitável a perda de interesse daqueles na celebração do contrato. Sendo isto diferente no caso dos autos, sendo também diferente o facto, referido pela sentença, com razão, que os autores nunca invocaram a perda de interesse como fundamento da resolução.
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Os tribunais estão limitados pelo objecto dos processos que são dados pelas partes quando deduzem pedidos baseados em causas de pedir e ainda pela impossibilidade, como regra geral, de resolver as questões com base na equidade (art.º 4 do CC).
Ora, quanto à restituição do sinal, os autores basearam o pedido formulado na resolução do contrato por incumprimento definitivo. Nunca falaram (alegando os factos correspondentes) em enriquecimento sem causa, fonte de obrigações com requisitos próprios previstos nos artigos 473 e seguintes do CC. Não podem agora, no recurso, como querem em 76, 77, 78, 79 e 80, alterar a causa de pedir, sem o acordo da contraparte (artigos 260, 264 e 265 do CPC). Por sua vez, o facto 25 - venda da moradia -, poderia permitir outros enquadramentos jurídicos do caso, que não são unívocos, mas o facto não foi alegado pelos autores e, a ser considerado agora, implicaria uma modificação ilegítima do objecto do processo (por alteração da causa de pedir) pela mão deste TRL.
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Em 81 os autores invocam os danos que dizem ter ficado provados nos factos 7, 8 e 21.
Os factos 7 e 8 dizem respeito a gastos que os autores fizeram com vista à remodelação da moradia. A causa de pedir é complexa: a celebração do contrato-promessa, o incumprimento da promessa pelos réus, a resolução e, implicitamente, a impossibilidade de aproveitamento desses materiais. Ora, já se demonstrou que não se provou o incumprimento definitivo do contrato pelo que um dos factos constitutivos do direito fica logo afastado. O mesmo vale para os sentimentos negativos dos autores referidos no facto 21 que seriam efeito do incumprimento da promessa pelos réus.
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Em suma, improcede, no todo, quanto aos seus pedidos, o recurso dos autores.
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Quanto à reconvenção
Como os autores resolveram o contrato através de uma interpelação admonitória que não foi feita de boa fé, isto é, que não se traduziu na fixação de um prazo razoável, a sentença entende que a resolução foi ilícita. Mas considera-a eficaz (em 16, 17 e 18) fazendo-a equivaler a um incumprimento definitivo do contrato. Apesar de parecer que, segundo a sentença, tal bastaria para dar razão à reconvenção, a sentença depois acresce, à resolução ilícita, o posterior comportamento dos autores, e é a tudo isto junto, que a sentença considera revelar uma vontade séria, absoluta e inequívoca de não cumprir o contrato-promessa, que a sentença, agora tendo em conta o comportamento dos autores, qualifica como um incumprimento definitivo que faculta aos réus o direito de fazerem sua a quantia entregue (18, 19, 20, 21 e 22).
Ora, não há dúvida de que “A resolução do contrato, quando baseada numa mora não convertida em incumprimento e numa perda de interesse subjectiva na prestação, que não são fundamentos legais para o efeito (art.º 808 do CC), revela uma vontade inequívoca de não cumprir, que pode ser [o que não quer dizer que tenha de ser, necessariamente - TRL] equiparada a uma recusa categórica de cumprimento, equivalente, por isso, a um incumprimento definitivo” (assim, apenas por exemplo, a doutrina referida no ac. do TRL de 23/06/2022, proc. 4525/20.3T8LRS.L1).
Mas, de acordo com aquela doutrina não é possível ver a resolução ilícita do contrato, só por si, como eficaz, não se concordando pois com a sentença – a posição doutrinária invocada por ela, Romano Martinez, está mais ou menos isolada (assim, apenas por exemplo, a doutrina referida no ac. do TRL de 08/10/2020, proc. 22/19.8T8PST.L1-2).
Como o mesmo vale para a resolução do contrato pelos réus, que também é ilícita como se verá a seguir, veja-se melhor o acabado de afirmar, através, apenas por exemplo, de Paulo Mota Pinto (passagens retiradas daquele acórdão): “a resolução sem fundamento é, pois, ineficaz”, “por não possuir fundamento e o resolvente não ser titular do correspondente direito potestativo. […] da tentativa de exercício de um direito de que se não era titular não pode resultar qualquer efeito extintivo da relação contratual”; e de Joana Farrajota, A resolução do contrato sem fundamento, Almedina, 2015, págs. 180-191, 221-223 e 373 (resumo da autora: “[…] dependendo o surgimento do direito de resolução da verificação de um fundamento, a inexistência deste determina a ilicitude da declaração pretensamente resolutiva e, em regra, a invalidade desta. A análise das escassas disposições normativas que abordam a questão da ilicitude da resolução num conjunto de tipos contratuais revela-nos que, apesar desta tendencial relação entre ilicitude e invalidade da resolução infundada, casos há em que o efeito extintivo se produz. Trata-se de desvios à regra geral, justificados pela tutela de outros interesses […].”
Mas, como se viu, a sentença também faz a soma da (i) resolução ilícita, reafirmada pelo teor da comunicação sob 16, e (ii) da falta de comparência à escritura e do resultado da soma faz decorrer uma situação equiparada ao incumprimento definitivo do contrato.
Um dos dois factos de que a sentença se serve é, pois, a falta de comparência dos autores ao acto da celebração da escritura pública. Ora, a marcação da escritura pública, por parte dos réus, é, muito mais do que a interpelação admonitória dos autores, também um acto que não está, manifestamente, de acordo com a boa fé.
Mesmo sem ter em conta os factos aditados neste acórdão, os réus nunca poderiam ter convocado os autores para a escritura do contrato-prometido, pois que, não só já decorria dos factos provados (facto 15) que os réus sabiam [note-se que os autores provaram, assim, pela positiva este conhecimento, quando eram aos réus que cabia provar, pela positiva, o desconhecimento e a falta de culpa nesse desconhecimento: art.º 914 do CC – quanto a este ónus da prova, veja-se Calvão da Silva, obra citada, pág. 56] que a moradia objecto do contrato-promessa tinha vários problemas relacionados com  humidades – grosso modo provocada, não por situações esporádicas, mas por: caixa de ar sem condições para desempenhar a função para que existe, paredes exteriores de betão armado sem isolamento que absorviam a água e a levavam pelas paredes acima por capilaridade, água que se acumulava dada a inclinação do terreno a norte, água que não se evaporava dada a impermeabilização de uma percentagem inaceitável de terreno, coberturas com deficiente impermeabilização e caleiras degradadas – que davam origem a bolores na moradia, o que corresponde, pelo menos, a vícios de que a moradia sofria que a desvalorizavam e impediam a realização do fim (de habitação) a que ela se destinava (já que a área habitável da moradia revela uma presença sistémica de humidade elevada).
Isto para além de que as obras feitas depois do licenciamento não estavam legalizadas o que, sabendo-se da sua existência, impedia que os réus pudessem vender a moradia sem antes as legalizarem (os autores, no corpo das alegações, lembram, oportunamente, o acórdão do TRE de 25/05/2020, proc. 4318/18.8T8STB.E1 - A desconformidade do cumprimento pode, portanto, advir do facto de a prestação padecer de um defeito de direito, como ocorre quando não há coincidência entre a autorização de utilização e a realidade física existente no local. A compra e venda de um prédio envolve para o vendedor a obrigação de realização das diligências necessárias ao licenciamento das obras de alteração, como meio de propiciar as condições à coisa vendida para a sua função normal, ou seja, a sua cabal fruição – acórdão que, por sua vez, lembra o disposto no artigo 1/1-4 do DL 281/99 de 26/07, na redacção introduzida pelo DL 116/2008, de 04/07: 1- Não podem ser realizados actos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular; 4 - A apresentação de autorização de utilização nos termos do n.º 1 é dispensada se a existência desta estiver anotada no registo predial e o prédio não tiver sofrido alterações.)
Têm, pois, os autores razão no que dizem de 35 a 47.
A posição contrária dos réus, defendida de H a K desconsidera os factos provados como já foi visto e desconsidera o que se diz para cima.
A posição que eles foram defendendo, na discussão da impugnação da matéria de facto é, por outro lado e do ponto de vista do Direito, a posição prevista e criticada por Calvão da Silva, na obra citada, págs. 21-22, quanto ao contrato de compra e venda (o contrato-prometido no caso dos autos):
“Nos termos do n.º l do art.º 882, vimo-lo já, o vendedor cumprirá a sua obrigação pela entrega da coisa no estado em que se encontrava ao tempo da venda. Interpretada à letra, esta disposição legal poderia surpreender: o vendedor cumpriria - e cumpriria bem - mediante a entrega de coisa defeituosa, desde que fosse esse o seu estado na conclusão do contrato, independentemente de conhecido ou desconhecido sem culpa do comprador.  Vale dizer: o vendedor estaria apenas vinculado à entrega da coisa no estado em que se encontrava na conclusão da venda, não já à obrigação de entrega da coisa isenta de vícios ou defeitos.
Será assim?
Será assim se o vício (a priori oculto ou aparente) for conhecido ou desrazoavelmente ignorado, no momento da celebração da venda, do comprador que, apesar de convenientemente informado advertido e elucidado, aceitou adquirir a coisa defeituosa. Neste caso, a entrega da coisa no estado defeituoso em que se encontra ao tempo da venda é conforme à determinação negocial, não se vendo como poderia o comprador alegar um vício, que conhecia na conclusão do contrato, sem violar o princípio da boa fé. Pelo que se alegada e evidenciada a existência do defeito pelo comprador (art.º 342/1), a prova de que este o conhecia ou o não podia legitimamente ignorar na conclusão do contrato incumbirá ao vendedor (art.º 342/2), que assim mostrará a conformidade da coisa entregue com a coisa prevista na compra e venda.
Afora esse caso, resulta da lei que o vendedor tem, não só a obrigação de entregar a coisa (art.º 879/-b), mas também a de entregar uma coisa isenta de vícios ou defeitos, quer de vícios jurídicos (art.º 905 e segs.) quer de vícios materiais (art.º 913 e segs).
Por ser este o regime legal no seu todo, e apesar de o art.º 879 o não mencionar a garantia dos vícios da coisa, o vendedor cumprirá a sua obrigação pela entrega da coisa no estado em que se encontrava ao tempo da venda (art.º 882/1), supostamente isenta de vícios ou defeitos de acordo com a vontade contratual (real, presumida ou hipotética) das partes complexivamente interpretada e integrada segundo a boa fé:
A vontade de o vendedor fornecer bens de qualidade à clientela, obrigando-se a entregar a coisa isenta de vícios de direito e em bom estado de funcionamento no momento da venda ou em momento posterior;
A vontade de o comprador adquirir uma coisa de qualidade. sem vícios jurídicos ou materiais que a desvalorizem ou tornem inidónea para a função a que se destina, em ordem a dela retirar a satisfação esperada dos seus interesses económicos de utilizador.”
Considerando-se ainda que os autores não tinham conhecimento destes factos à data da celebração do contrato (facto 13) e que é clara a sua gravidade (quer do ponto de vista das condições de habitabilidade quer do ponto de vista do custo estimado para a sua correcção), nada se podia opor ao exercício do direito dos autores de exigirem a sua correcção e legalização e de se recusarem a celebrar a escritura do contrato-prometido.
Pelo que, repete-se, já apenas com estes factos existentes à data da sentença, os réus não podiam ter exigido dos autores que estes celebrassem o contrato prometido sob pena de fazerem seu o sinal entregue.
Aditados os factos decorrentes da impugnação da decisão da matéria de facto, esta conclusão é reforçada, pois que agora se dá expressamente como provado (enquanto antes tal decorria da conjugação de factos provados) que os réus tinham conhecimento de todas as situações descritas em 12, e decidiram não revelar aos autores o que se passava quanto à falta de legalização da maior parte das obras que tinham feito na morada (factos 13bis e 13ter) e quanto à existência e causas das humidades (factos 10bis e 13bis).
Não tendo o direito de exigir a celebração do contrato prometido, os réus não colocaram os autores em mora nem converteram esta em incumprimento definitivo, nem o comportamento dos autores é equivalente a este, pelo que já se pode concluir que os réus não têm o direito de fazer seu o sinal entregue pelos autores (e que, qualquer resolução que pretendessem invocar, seria ilícita e ineficaz como já se viu acima).
Em suma: procede o recurso dos autores quanto à reconvenção.
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As custas da acção têm de ser alteradas por força deste recurso, pelo que fica prejudicado o pedido de rectificação das mesmas feito pelos réus.
Os autores deram à acção o valor de 367.102,40€ (sendo 144.000€ da restituição do sinal, 144.000€ do dobro dele como indemnização e 79.102,4€ como indemnização de outros danos).
Os réus deram à reconvenção o valor de 358.700€.
No despacho saneador o valor da causa foi fixado em 581.802,40€, considerando-se que o valor dos pedidos dos réus que eram diferentes dos autores era de 214.700€ (que era o valor dos prejuízos invocados pelos réus).
Ou seja, 144.000€ (sinal) eram comuns às duas partes, 223.102,40€ (indemnização) respeitavam só aos autores e 214.700€ (indemnização) respeitavam só aos réus.
Sendo os pedidos dos autores e dos réus improcedentes, é como se os autores perdessem 50% dos 144.000€ [+ 223.102,40€] e os réus perdessem 50% dos 144.000€ [+ 214.700€]. Ou seja, os autores perdem 295.102,40€ e os réus perdem 286.700€ o que, em relação a 581.802,40€ = 100%, corresponde a 50,72% para os autores e 49,29% para os réus.
Em relação ao recurso, os autores queriam reverter a sua condenação a perder a favor dos réus o sinal de 144.000€ e queriam obter a condenação dos réus a pagar-lhes 288.000€. Conseguiram apenas revogar aquela condenação, isto é, que não fosse reconhecida a perda do sinal. Pelo que perderam 2/3 do recurso e os réus o outro terço.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente quanto aos pedidos formulados pelos autores, confirmando-se a improcedência da acção, e julga-se o recurso procedente quanto à reconvenção, revogando-se a sentença na parte em que a julgou parcialmente procedente e substituindo-a por esta decisão que agora julga a reconvenção totalmente improcedente e absolve os autores dos pedidos contra eles deduzidos pelos réus.
As custas da causa, na vertente de custas de parte (já que não há outras), são a suportar pelos autores em 50,72% e pelos réus em 49,29%.
As do recurso são a suportar pelos autores 2/3 e pelos réus em 1/3.

Lisboa, 11/05/2023.
Pedro Martins
Inês Moura
Higina Castelo