Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22121/20.3T8LSB.L1-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
ATIVIDADE PERIGOSA
DANO DIFICILMENTE REPARÁVEL
PRESCRIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA
Sumário: Sumário - artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (doravante CPC) – da responsabilidade da relatora)


I- Não se verifica ambiguidade na decisão pelo uso de expressões como «medidas necessárias e adequadas», «designadamente proceder ao reforço da estrutura» e «proceder aos trabalhos que se mostrem necessários» num procedimento cautelar comum que tem como fito evitar a ruína de um prédio e que dificilmente chegaria a «bom porto», ou seja, a uma decisão justa em prazo razoável, se houvesse que aguardar pela concretização em termos técnicos e precisos, designadamente com o recurso a prova pericial e documental abundante, de todos os passos necessários a evitar os gravíssimos danos que se avizinham.
II- Considera-se enquadrável no conceito de atividade perigosa, previsto no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, todo o processo construtivo de um megaempreendimento de construção civil, de grande volumetria, desde logo patente pela profundidade das escavações com seis níveis de caves, e de elevada potencialidade para causar danos de acentuada «agressividade» para as construções vizinhas, em que se verifica a contiguidade com edifícios com mais de 100 anos.
III- A Seguradora apenas pode ser condenada com base no princípio indemnizatório previsto no artigo 128.º da LCS e tendo presente as cláusulas do contrato de seguro celebrado, sendo a empreiteira quem assume a responsabilidade extracontratual, nos termos dos artigos 483.º e 493.º, n.º 2, do Código Civil.
IV- A providência cautelar decretada não passava pela condenação da Seguradora a proceder a obras de construção civil.
V- O artigo 362.º, n.º 1, do CPC exige que a providência seja «concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado».
VI- A lei atribui ao juiz, subsidiariamente, um poder cautelar geral, contrariamente ao que sucede com as diversas medidas cautelares nominadas, em que se prevê, para cada periculum in mora em concreto, uma providência específica adequada para garantir aquela situação.
VII- Perante um sistema cautelar misto como o nosso, em que o legislador não tem a pretensão de abarcar todas as realidades carecidas de tutela e em que a ponderação pelo juiz da adequação da medida solicitada ao afastamento da situação de perigo é fundamental, o artigo 376.º, n.º 3, do CPC, permite a concessão de medida diferente da requerida, precisamente no sentido de possibilitar uma real adequação à situação de perigo existente.
VIII- Imperativos de ordem constitucional convidam o intérprete e aplicador do direito a adotar uma posição mais flexível que permita o recurso, com maior amplitude, à tutela cautelar, que não pode ser vista como uma tutela excecional.
IX- Podem considerar-se dificilmente reparáveis aquelas lesões que não sejam suscetíveis de reintegração específica ou cuja reintegração in natura seja difícil, nomeadamente, porque a valoração dos danos é muito difícil ou porque, devido à situação económica do lesante, não é possível obter a reconstituição no caso concreto.
X- Cabe no âmbito do poder cautelar geral do juiz, decretar uma providência que antecipe o pagamento de uma quantia indemnizatória para evitar um dano dificilmente reparável.
XI- Perante a ameaça de derrocada iminente do prédio do Requerente e tudo o que de muito grave e irreparável tal significa, em face da insolvência da empreiteira que, por isso, não é demandada para a reparação in natura dos danos do prédio, consideramos que é de decretar a providência cautelar, mas reduzindo-a e adequando-a ao objeto da obrigação de indemnizar da seguradora.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


I - RELATÓRIO

1. O Condomínio do Prédio sito na rua G… F.., em Lisboa, intentou o presente procedimento cautelar comum, no dia 22.10.2020, contra a G… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e o I…, IP, no qual requereu as seguintes providências:
- relativamente à primeira Requerida: que se determine a realização dos trabalhos de construção civil necessários e adequados à neutralização dos danos verticais verificados na estrutura do prédio, nomeadamente reforço e consolidação das suas fundações;
- relativamente à segunda Requerida: que se determine a junção aos autos dos elementos relativos à empreitada de construção do edifício sede da P… J…, em particular o respetivo projeto de escavação e contenção.
Alega, em suma, que:
- O edifício que constitui a nova sede da P… J…, sito na rua G… F…, em Lisboa, é propriedade do 2.º Requerido e confina com o prédio sito na rua G... G… R…, n.ºs …, em Lisboa, cuja empena se encontra encostada ao muro de separação daquele edifício;
- Tal edifício foi construído entre 2011 e 2014, pela empreiteira O…, S.A., entretanto declarada insolvente;
- A referida O…, S.A. transferiu o risco da sua atividade, em particular o da construção do edifício acima referido, para a seguradora aqui 1.ª Requerida, por via do contrato de seguro com a apólice n.º …;
- A partir do ano de 2012, começou a verificar-se o aparecimento de rachas e fendas, quer na fachada do prédio, quer no interior das frações que o compõem, que uma vistoria dos serviços da C.M.L., realizada a 23.5.2012 concluiu decorrer, com forte probabilidade, das obras em curso de construção do edifício-sede da P… J…;
- O Requerente contactou, por isso, a 1.ª Requerida, a qual incumbiu a sociedade R… INC, Sucursal em Portugal, de proceder ao levantamento, in loco, dos danos produzidos no prédio à 1.ª Requerida;
- As obras de reparação dos danos no prédio foram realizadas a partir de abril de 2013, tendo os condóminos lesados sido indemnizados pela 1.ª Requerida pelos custos incorridos nessas reparações, e tendo sido levadas a cabo obras nas partes comuns, nomeadamente na cobertura do prédio;
- Desde 2013 e até 2017, foram realizadas no prédio sucessivas reparações, de carácter meramente superficial, embora urgentes, face à visível degradação do edifício, sem qualquer intervenção na respetiva estrutura, tendo sido todas custeadas pela 1.ª Requerida, depois de verificadas pela R…;
- Em 6.2.2019, a C.M.L. levou a cabo vistoria ao prédio, tendo colocado no mesmo novos testemunhos, para monitorização dos deslocamentos verificados;
- Em novembro de 2019, os relatórios de monitorização dos alvos colocados em 2015 demonstraram a passagem a nível de alerta vermelho, quanto aos deslocamentos verificados no prédio;
- Em consequência de vistoria de 10 e 11.2.2020, a C.M.L. ordenou a evacuação de todos os habitantes do prédio, especificando que a mesma deveria durar por todo o período em que decorressem as obras de reparação das patologias detetadas;
- Apesar de todos os elementos reunidos pelo Requerente, demonstrativos de que a causa dos danos provocados no prédio reside na obra de construção do edificio sede da P… J…, que se desenrolou entre 2011 e 2014, nenhuma das entidades envolvidas - Requeridos e/ou outros intervenientes, nomeadamente a R… ou a P… J… - assume qualquer responsabilidade pelos prejuízos referidos;
- Nem sequer é facultado ao Requerente o acesso aos elementos relativos à empreitada de construção do edifício-sede da P… J…, indispensáveis para a elaboração, pela A…, do projeto de reabilitação do prédio;
- Qualquer que seja a motivação da 1.ª Requerida, e da R… em nome dela, certo é que a primeira comunicou ao Requerente, por carta de 15.9.2020, remetida via e-mail, que não assumiria as consequências do sinistro que lhe fora participado em 4.3.2020;
- Na mesma comunicação, a 1.ª Requerida assume, como fizera desde o início desses trabalhos, suportar os custos relativos à montagem da estrutura de contenção do prédio, entretanto instalada;
- A C.M.L. autorizou, a 24.4.2020, a execução de trabalhos de contenção, ao abrigo do estado de necessidade;
- Tais trabalhos começaram a ser preparados no final do mês de março de 2020, juntamente com as sociedades J… (projeto dos maciços de betão), C… (projeto de estrutura) e D… (empreiteiro), indicadas ao Requerente pela R…, em nome da l.ª Requerida;
- Apesar dessa medida de urgência, os deslocamentos continuaram a verificar-se na estrutura do prédio;
- Em vistoria levada a cabo pela C.M.L. em 7.9.2020, concluiu-se não estarem reunidas as condições de segurança para o regresso dos habitantes ao prédio, em virtude dos factos acima relatados, a não ser que as entidades que acompanharam o processo desde o início se manifestassem nesse sentido;
- A estrutura de contenção instalada no prédio no mês de agosto de 2020 não assegurou a estabilidade do mesmo até ao momento em que se iniciarem as obras de reabilitação do edifício, uma vez que, apesar de terem sido neutralizados os deslocamentos horizontais, mantiveram-se os movimentos verticais que podem levar à derrocada do prédio, conforme resulta do e-mail da A… de 1.10.2020, endereçado ao Requerente, no qual esta sociedade reitera a urgência na tomada de medidas cautelares e estima o valor da recuperação do prédio em 750 000,00 €;
- Dos elementos acima expostos decorrem, assim, duas necessidades, por forma a evitar a iminente derrocada do prédio:
a) aceder ao projeto de escavação e contenção do edifício-sede da P… J…, que vem sendo negado ao Requerente e engenheiros por este incumbidos de elaborar o projeto de consolidação do edifício;
b) proceder a trabalhos de reforço e consolidação da estrutura do prédio, complementares aos elementos de contenção instalados em agosto de 2020, nomeadamente nas respetivas fundações;
- A destruição do prédio determinará, por outro lado, a perda de bens de valor significativo de todos os habitantes do edifício;
- Tal eventual destruição acarretará, ainda, o avolumar considerável dos custos de reposição da situação anterior ao dano;
- O Requerente, nas pessoas dos condóminos que o compõem, não tem meios quer para custear a reabilitação do edificio, quer, muito menos, a sua reconstrução;
- Todos os habitantes do prédio, retirados do mesmo em fevereiro de 2020, continuam a não poder regressar às suas casas, por falta de segurança, situação agravada pelo contexto de pandemia que atualmente se vive.
2. O I…, IP deduziu oposição, alegando que não se verificam os requisitos necessários para a providência requerida.
3. A G… - Companhia de Seguros, S.A. apresentou oposição, na qual deduziu as exceções da incompetência absoluta, da ilegitimidade do Condomínio para intervir em representação dos moradores, da ilegitimidade da Requerida para intervir como parte principal e da prescrição.
Mais alegou, em suma, que:
- O Requerente pretende obter uma providência que, em si mesma e caso viesse a ser decretada, esgotaria o objeto da ação principal;
- A determinação da causa ou causas do atual estado do imóvel reveste de enorme complexidade técnica, a analisar em sede de prova pericial, que não se compadece com a apreciação sumária dos contornos da situação, em contexto de uma providência cautelar;
- O Requerente não alega nenhuma causa imputável concretamente à segurada da 1.ª Requerida, geradora de responsabilidade civil daquela e, eventualmente, transferida para esta por via do contrato de seguro;
- Mal se compreende por que motivo será a 1.ª Requerida seguradora o sujeito passivo da relação material controvertida que, assumindo a posição de construtora civil, deverá realizar os trabalhos de construção civil pretendidos;
- Enquadrando-se a situação numa eventual violação de direitos de terceiros em resultado de supostos (mas não alegados) defeitos de construção de uma obra levada a cabo por um determinado empreiteiro, é esse empreiteiro o possível responsável pela reparação dos defeitos, conforme preceitua o artigo 1207.º e ss. do Código Civil;
- Como facilmente se depreende do contrato de seguro celebrado com a O…, S.A, não faz parte do âmbito da cobertura contratual em causa, ou de outras, a realização de trabalhos de construção civil;
- No âmbito da responsabilidade extracontratual transferida não faz parte a execução de trabalhos de construção civil, sendo o acordo celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil;
- A responsabilidade assumida pela Requerida no âmbito do contrato de seguro celebrado com a O…, S.A. está circunscrita ao pagamento das indemnizações que ao seu segurado sejam exigíveis por terceiros, decorrentes dos danos comprovadamente sofridos por estes e ao segurado imputáveis, devidamente alegados, contabilizados e provados;
- Impõe-se, consequentemente, quanto à ora Requerida, o indeferimento liminar do procedimento cautelar apresentado por manifesta improcedência, nos termos do preceituado no artigo 590.º, n.º 1 do CPC.
3. Na sequência de convite do Tribunal nesse sentido, a Requerida apresentou articulado de resposta às exceções, na qual pugnou pela sua improcedência.
4. Após audição prévia do Requerente, foi declarada a absolvição do I… por cumulação ilegal de pedidos, tendo os autos prosseguido para a apreciação da primeira providência cautelar, requerida contra a G… - Companhia de Seguros, S.A..
5. Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, na qual foi julgada improcedente a exceção da ilegitimidade e se concluiu com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, o Tribunal decide julgar o presente procedimento procedente e condenar a requerida a proceder às medidas necessárias e adequadas para eliminar os deslocamentos verticais verificados na estrutura do prédio do Requerente, designadamente proceder ao reforço da estrutura de contenção instalada em Agosto de 2020 e proceder aos trabalhos que se mostrem necessários para o reforço e consolidação das suas fundações. (…)»
6. Inconformada com o assim decidido, a Requerente interpôs recurso de apelação da sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1 - A sentença recorrida violou o preceituado nos artigos 5º e 362º, nº 1 do CPC, 342º, nº 1, 483º, 487º, 493º, nº 2, 495º, nº 1 e 1348º, todos do CC e 128º, 137º e 138º do DL n.º 72/2008, de 15 de Abril, que aprova o Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
2 - Ademais, a sentença padece de nulidade, nos termos do preceituado no artigo 615º, nº 1 do CPC, não só ao abrigo da respectiva al. c), como também de acordo com o previsto na al. d), uma vez que os fundamentos estão parcialmente em oposição com a decisão e esta padece de obscuridade e ambiguidade, por um lado, e o Juiz não se pronunciou sobre uma das excepções invocadas pela Recorrente no seu articulado, tendo, ao invés conhecido de questões de que não podia ter tomado conhecimento, por outro.
3 - Efectivamente, nada consta da factualidade dada como provada que permita concluir pelo nexo causal entre o actual estado do edifício do Recorrido e alguma desconformidade dos trabalhos de construção do edifício da P… J…, concretamente a cargo da segurada da ora Recorrente.
4 - De igual modo, nada consta da factualidade dada como provada que permita concluir que a actividade de construção civil que esteve a cargo da segurada da Recorrente era, pelas suas particularidades, uma actividade perigosa.
5 - Por assim ser, os fundamentos de facto não permitem o enquadramento jurídico adoptado, padecendo a sentença, na perspectiva da Recorrente, de obscuridade que, salvo o devido respeito, a toma ininteligível.
6 - Acresce que a decisão é ostensivamente ambígua.
7 - A condenação da Recorrente, com expressões como “proceder as medidas necessárias e adequadas”, “designadamente proceder ao reforço da estrutura” e “proceder aos trabalhos que se mostrem necessários” é indeterminada, vaga e manifestamente imprecisa.
8 - É impossível assegurar o cumprimento de tal decisão, além do mais porquanto o que porventura poderá ser necessário e adequado para a Recorrente, poderá ser desnecessário, inadequado ou insuficiente para o Recorrido.
9 - Acresce que, o contrato de seguro que legitima a intervenção da ora Recorrente nos autos é um contrato de seguro de responsabilidade civil, relativamente ao qual vigora o princípio indemnizatório, previsto no artigo 128.º da Lei do Contrato de Seguro.
10 - A segurada O…, SA não transferiu para a ora Recorrente a obrigação de proceder a trabalhos de construção civil, mas apenas e tão só a obrigação de indemnizar, verificados que estejam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do contrato de seguro celebrado e nos termos do preceituado nos artigos 137º e 138º do DL n.º 72/2008, de 16 de Abril, que aprova o Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
11 - O supra exposto, quer no que respeita à ininteligibilidade da decisão face à matéria de facto que foi dada como provada, quer no que respeita à ambiguidade da decisão face aos conceitos indeterminados adoptados e à natureza do contrato de seguro dos autos, constitui nulidade da sentença nos termos do preceituado na al. c), do nº 1 do artigo 615º do CPC, o que para os devidos efeitos, se invoca.
12 - Por outro lado, não tendo sequer sido alegados, pelo Recorrido, factos que permitam qualificar a concreta actividade desenvolvida pela segurada da Recorrente na construção do edifício da P… J…, como actividade perigosa, o Tribunal, ao decidir nesse sentido, conheceu de questão que não podia tomar conhecimento.
13 - Para que se opte pelo enquadramento jurídico previsto no artigo 493º, nº 2 do CC, com a sua inerente presunção de culpa, é necessário que seja alegado e provado o facto que serve de base à presunção de culpa. Esse ónus de alegação e de prova cabem ao lesado e, manifestamente não ocorreram no caso dos autos, neste sentido, vide, designadamente, Ac. TRG, de 31.10.2019, disponível em www.dgsi.pt.
14 - A presunção de culpa só funciona após a prova de que o evento se ficou a dever a razões relacionadas com a actividade perigosa, ou seja, após demonstração de que a actividade perigosa constituiu a causa jurídica dos prejuízos ou dos danos sofridos, cabendo ao lesado o ónus dessa prova - Ac. RG 14.02.2019, proc. n.º 17579/15.5T8PRT.G1 (no mesmo sentido, veja-se o Ac. RG 26.04.2019, proc. n.º 3702l16.8T8BRG.G1).
15 - Sendo que, na situação sub judice, não é possível considerar que a mera construção de um edifício com pisos subterrâneos, seja causa jurídica adequada a provocar, sem mais, fendilhação com perigo de ruína do edifício do Recorrido.
16 - Por assim ser, ao ter decretado a providência socorrendo-se do preceituado no artigo 493º, nº 2 do CC, sem terem sido alegados ou provados factos que permitam tal enquadramento, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre questão de que não podia ter tomado conhecimento, até porque nem permitiu que a ora Recorrente se defendesse, atendendo a esse possível enquadramento que não se perspectivava porque não fui alegado pelo Recorrido.
17 - Termos em que, a sentença proferida padece de nulidade, também com este fundamento, ao abrigo do preceituado na al. d), do nº 1, da norma jurídica supra mencionada.
18 - Finalmente, é igualmente nula a sentença, na medida em que não se pronunciou sobre a excepção de prescrição invocada pela Recorrente na oposição apresentada.
19 - Efectivamente, enquadrando-se a situação dos autos no instituto da responsabilidade civil extracontratual, dispunha o Recorrido do prazo de três anos a contar da data em que teve conhecimento do direito que lhe compete para o exercer, nos termos do disposto no artigo 498º, nº 1 do CC, o que não sucedeu.
20 - Devendo, em consequência, tal nulidade ser suprida, conhecendo-se, como se impõe, desta excepção peremptória, com a consequente absolvição do pedido nos termos conjugados dos artigos 571º, nº 2 e 576º, nº 3, ambos do CPC.
21 - Passando agora ao recurso sobre matéria de facto, considera a Recorrente que, atenta a prova documental e testemunhal produzidas, o facto constante da al. e) da factualidade dada como provada, deverá ser eliminado ou, no limite, dado como provado com uma redacção diferente da adoptada; o facto constante da al. k) da factualidade dada como provada, deverá ser dado como Não Provado, ou, no limite, provado com uma redacção diferente da adoptada e os factos dados como não provados sob os pontos 2 e 3 deverão ser dados como Provados, ou, no limite, como parcialmente provados.
22 - No que respeita à al. e) da factualidade dada como provada, verifica-se que a mesma tem um conteúdo muito genérico e abrangente que não corresponde à realidade.
23 - A O…, S.A. transferiu apenas a responsabilidade civil de natureza extracontratual, “limitada às indemnizações que legalmente possam ser exigidas ao Segurado pela reparação de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais involuntariamente causados a terceiros em consequência de acidente directamente relacionado com a execução dos trabalhos de construção ou montagem objecto do seguro e ocorridos no local do risco, durante o período do seguro, e até aos limites fixados nas Condições Particulares”, conforme Condições Particulares, Condições Gerais e Condições Especiais que constam de fls. 174 a 235 e se dão por integralmente reproduzidas. - Tal como consta do ponto iv da matéria de facto dada como provada.
24 - O teor da al. e) da Factualidade dada como provada não é, pois, rigoroso, como se pretende, devendo ser eliminado, permanecendo apenas o teor do referido ponto iv dos factos provados.
25 - O facto constante da al. k) foi impugnado pela Recorrente em sede de oposição (cfr. art. 143º), sendo que sobre o mesmo não recaiu qualquer prova.
26 - Acresce que, na petição inicial e para prova do aludido facto, a Recorrida juntou uma Acta de Assembleia de Condomínio (acta 37), da qual não é possível retirar qualquer conclusão quanto ao aludido facto.
27 - Termos em que, deverá o mesmo ser considerado com “Não provado”.
28 - A não se entender assim, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, então sempre deveria constar o teor integral da factualidade tal como consta alegada na petição inicial (art. 11º), ou seja:
“A partir de Janeiro de 2015, o Requerente procurou obter orçamentos, por indicação de 1ª Requerida e de R…, em nome daquele, para reparação da empena lateral do Prédio e reforço da estrutura do mesmo — ou seja, para reparação de fendas e rachas, sem intervenção ao nível da estrutura do prédio.”
29 - Por outro lado, o ponto 2 da factualidade dada como não provada deverá ser dado como Provado, conforme resulta do depoimento da testemunha J… M… R… C…, que teve a primeira intervenção e começou a acompanhar o estado do prédio desde 2012, quando ainda estava em curso a execução da obra da PJ (minutos 1:57:513 a 1:58:12* (* sistema de gravação "H@bilus Média Studio"), nas passagens constantes dos minutos 1.58:12 e 2:00:56.
30 - Ao invés, a testemunha P… L… B… D… R… teve o primeiro contacto com este prédio apenas em 2017, três anos após a obra da P… J… (PJ) estar concluída (minutos 08:33 a 08:58*), não tendo o seu depoimento a virtualidade de ser considerado nesta questão em particular.
31 - A este propósito será ainda relevante notar que a páginas 12 do relatório da J… (doc. 27 da petição inicial), ponto 5 é referido:
“Como principais patologias que se têm vindo a observar no artifício, podem ser destacadas as seguintes:
- Patologias no interior de frações, em particular do lado poente, frações do lado direito: onde forem executadas alterações à estrutura original, contribuindo para a perda de rigidez global da mesma, conforme Figuras 6 a 10, relativas, respectivamente, às frações 2º direito e 4º direito;
- Destaca-se que no caso do 2º direito, o Relatório de vistoria inicial, antes da obra do novo edifício da PJ, em 2011, já atestava que a parede do quarto coincidente com a empena (zona 3 da Figura 6) apresentava patologias passíveis de comprometerem e/ou fragilizarem a estrutura do edifício.” (sombreado nosso).
32 - Pelo que é notório que já em 2011, o prédio do Requerente apresentava vários problemas estruturais, nomeadamente fendas e alterações estruturais no interior das fracções do edifício que comprometiam a sua estabilidade.
33 - Acresce que, no relatório da A…, de 2017, junto como anexo ao doc. 20 da petição inicial, também é por diversas vezes remetido para problemas arrastados no tempo, como sejam a constatação de “fendilhação natural devida ao envelhecimento dos materiais e pequenas deformações locais”; “estado de conservação (da fração) razoável mas bastante negligenciado”; “agravamento de anomalias de índole estrutural já existente”; “anomalias resultam do envelhecimento natural dos materiais e da falta de manutenção”; “fendilhação oblíqua ligeira em paredes: resulta habitualmente de assentamentos locais das paredes devido ao envelhecimento das paredes de apoio ou mesmo da remoção destas”; “de uma forma geral, as fiações apresentem anomalias que resultam da idade de edificação e de alguma feita de manutenção”.
34 - Assim, e ainda que sempre no âmbito da prova indiciária inerente ao presente procedimento, o supra mencionado facto deverá ser considerado Provado, no seu integral teor ou, no limite, como provado que “já em 2011, o prédio do Requerente apresentava vários problemas estruturais”.
35 - Já o ponto 3 da factualidade dada como não provada, deverá ser dado como provado ou parcialmente provado.
36 - Tendo presente que não foi possível juntar aos autos os projetos da obra do edifício da P… J…, nomeadamente o projeto de escavação e contenção, sob pena de violação da política de segurança inerente à classificação atribuída ao processo de contratação em causa, sempre entenderemos que mal andou o douto Tribunal a quo ao considerar tal Facto como “Não Provado”.
37- A confidencialidade daqueles documentos e a impossibilidade de junção aos autos dos aludidos projectos de obra não poderá representar, para a Recorrente, uma violação dos constitucionais princípios e direitos de igualdade e de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.
38 - Acresce que, tanto a testemunha R… M… de S… V… (depoimento gravado no sistema “H@bilus Média Studio”) nas passagens constantes dos minutos 1:42:25 a 1:42:45 e 1:44:21 a 1:44:42, como a testemunha J… M… R… C… (depoimento gravado no sistema “H@bilus Média Studio”) nas passagens constantes dos minutos 2:07:09 a 2:09:00 e 2:25:00 a 2:26:12 foram unívocos ao referir que de todas as diligências realizadas foi possível concluir que o empreiteiro cumpriu com o projecto, inexistindo qualquer indício de que os danos alegados pelo Recorrido decorram de qualquer actuação/omissão do empreiteiro.
39 - No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha P… L… B… D… R… (depoimento gravado no sistema “H@bilus Média Studio”) nas passagens constantes dos minutos 43:09 a 45:00.
40 - Por último, crê-se igualmente relevante o depoimento da testemunha J… P… G… T… M…, Engenheiro Civil da Câmara de Lisboa que realizou os autos de inspeção juntos ao processo e que referiu não ter sequer elementos para imputar os danos em causa a obra da P… J…, (depoimento gravado no sistema “H@bilus Média Studio”) nas passagens constantes dos minutos 1:02:04 a 1:02:42 (referindo-se à vistoria de 2019) e 1:03:45 a 1:04:37.
41 - Da análise dos documentos juntos aos autos não se encontra, em nenhum documento técnico, a conclusão de que houve qualquer violação ou incumprimento, por parte do empreiteiro, do projecto para a construção do edifício, nem muito menos que tivesse sido tal violação ou incumprimento que originou os danos em causa.
42 - Assim, considerando a prova testemunhal produzida e supra citada, estamos em crer que resulta, ainda que indiciariamente demonstrado, que a segurada da Requerida O…, SA cumpriu escrupulosamente o projecto para a construção do edifício, nos exactos termos que lhe haviam sido adjudicados pelo dono de obra.
43 - A não se entender nesses termos, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, então no limite, e porque tal resulta da prova produzida, sempre se deveria considerar provado: “Não foi apurado qualquer indício de incumprimento, pela segurada da Requerida O…, SA, do projecto para a construção do edifício que lhe foi adjudicado pelo dono de obra.”
44 - Por outro lado deverá ser aditado à factualidade provada o seguinte facto: “O conhecimento do projecto de escavação e contenção do Edifício da P… J… é indispensável para a realização adequada e eficaz das obras de contenção pretendidas pelo Requerente, nomeadamente para apuramento de eventuais erros que estejam na origem da alagada instabilidade do edifício.”
45 - Em sede de petição inicial, o Recorrido demandou não só a Recorrente como o I…, I.P, tendo, quanto a este, requerido a junção aos autos dos elementos relativos à empreitada de construção do edifício sede de P… J…, em particular o respectivo projecto de escavação e contenção.
46 - Para o efeito alegou que: - “Nem sequer é facultado ao Requerente o acesso aos elementos relativos à empreitada de construção do edifício sede de P… J…, indispensáveis para a elaboração, pela A…, do projecto de reabilitação da Prédio” (art 38º); “(...) decorrem, assim, duas necessidades, por forma a evitar a iminente derrocada do prédio: b) Aceder ao projecto de escavação e contenção da edifício sede da P… J…, que vem sendo negado ao Requerente e engenheiros por este incumbidos de elaborar o projecto de consolidação do edifício” (art. 64º) (...)
47 - Ora, do depoimento da testemunha P… L… B… D… R…, (depoimento gravado no sistema “H@bilus Média Studio”) nas passagens constantes dos minutos 32:47 a 35:53 resultou explicitamente que o acesso ao projecto de escavação e contenção do edifício sede da P… J… é essencial para averiguar o que ali ficou previsto, nomeadamente se existe alguma falha e/ou posterior desconformidade aquando dos trabalhos de escavação e contenção.
48 - Mais resultou que, sem esse acesso, todas as obras de contenção que sejam realizadas poderão não surtir o efeito pretendido, caso efectivamente exista algum erro nesse projecto, conforme depoimento da mesma testemunha, aos minutos 37:04 a 37:14 e 37:45 a 38:32.
49 - Acresce que, tal consta igualmente de diversos emails juntos com a petição inicial que, apesar de impugnados e de se desconhecerem os destinatários ou objectivos subjacentes aos mesmos, referem a necessidade de conhecimento do aludido projecto, vide documento 32, email de 7 de setembro de 2020 a final, documento 34, email de 23 de setembro, a final e documento 36, email de 9 de outubro, a final.
50 - Assim, tal factualidade vinha alegada, resultou do depoimento da citada testemunha, da prova documental e, salvo melhor entendimento, constitui um facto essencial, com relevância para a decisão de mérito, e que resulta da instrução da causa.
51 - Impondo-se, em consequência o seu aditamento à Factualidade Provada.
52 - Finalmente, deve ser aditada à matéria de facto dada como provada, a seguinte factualidade que constitui transcrição parcial das Condições Gerais e da Condição Especial de Responsabilidade Civil Extracontratual:
“- Nos termos das Condições Gerais e de Condição Especial 01 (Responsabilidade Civil extracontratual) do contrato de seguro celebrado entre a O…, SA e a Requerida, foi estipulado o seguinte, com relevância para os presentes autos:
1) Art. 3º “Exclusões; de Secção II “Responsabilidade Civil Extracontratual”, das Condições Gerais de Apólice:
“2- Exclusões específicas da Cobertura de Danos Materiais - Secção I:
22. Não fica garantida a “a) Reparação ou substituição necessária devido a faltas, defeitos, erros ou omissões do projecto, desenho, cálculo ou especificação.”
2) Art. 4º “Início e termo do contrato”, da Secção II "Responsabilidade Civil Extracontratual”, das Condições Gerais da Apólice:
“4 - A cobertura deste contrato cessa, em relação ao conjunto ou parte do objecto seguro, independentemente da data indicada como termo da apólice, logo que: 4.1 - Terminem os trabalhos de montagem e construção (...)”
3) Condição Especial 01 “Responsabilidade Civil Extracontratual” - art. 3º, nº 2: “A seguradora não responde por a) Danos legalmente imputáveis a proprietário, sub-empreiteiros do segurado, outros empreiteiros ou sub-empreiteiros que trabalham no local do risco ou seus empregados efectivos ou contratados temporariamente.” (...) (Sublinhado nosso)
c) Danos devidos a vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações ou alterações do nível freático.” (Sublinhado e sombreado nossos)
53 - Na medida em que, o supra exposto faz parte do clausulado do contrato de seguro celebrado, consta do doc.º 3 junto com a oposição apresentada pela ora Recorrente, não foi impugnado por nenhuma das partes e tem relevância para a decisão de mérito.
54 - Passando agora ao enquadramento jurídico e recurso sobre matéria de direito, reitera-se que, tendo o edifício da P… J… sido construído entre 2011 e 2014 e tendo em 2012 começado a verificar-se o aparecimento de rachas e fendas no imóvel do Recorrido, conforme consta das als. d) e g) da factualidade dada como provada e constante da sentença recorrida, está prescrito o direito do Recorrido relativamente à ora Recorrente, nos termos do preceituado no artigo 498º, nº 1 do CC.
55 - O que determina a sua absolvição do pedido nos termos conjugados dos artigos 571º, nº 2 e 576º, nº 3, ambos do CPC.
56 - Por outro lado, atenta a abrangência da condenação, afigura-se que a Recorrente foi sumariamente condenada a resolver os problemas do imóvel do Recorrido, esgotando-se com o cumprimento da providência o objecto da acção principal a interpor com esse propósito, o que claramente viola o preceituado nos artigos 362º, nº 1, 364º, 362º e 368º, nº 1 do CPC.
57 - As providências não têm por propósito substituir-se ao processo principal, mormente tendo em consideração que, no caso dos autos, a determinação da causa ou causas do actual estado do imóvel reveste(m) de enorme complexidade técnica e não foram apuradas, conforme resulte da matéria de facto dada como provada.
58 - Como também não foi apurado, nem tão pouco alegado, qualquer comportamento ilícito da segurada da ora Recorrente ou de qualquer outro interveniente na construção do edifício da P… J…, sendo certo que foi dado como provado que existiram vários, nas diversas fases de projecto e construção e, desde logo, que a origem do problema até poderá estar no próprio projecto.
59 - Ademais, a condenação da Recorrente nos termos expostos é indeterminada, vaga e manifestamente imprecisa.
60 - Por outro lado, também não foi alegada nem se demonstrou a falta de capacidade dos proprietários para custearam os encargos decorrentes dos trabalhos que se mostram necessários para o reforço e consolidação das fundações do prédio, promovendo, posteriormente, pela reclamação do respectivo reembolso junto da entidade responsável.
61 - Em face do exposto, não poderá a providência ser decretada porquanto o seu cumprimento esgota o propósito da acção principal e, ainda que assim não se considere, não poderá ser decretada nos termos em que o foi.
62 - Acresce que, conforme resulta da construção da petição inicial e da alteração da prova supra proposta, a pretensão do Recorrido depende sempre do (simultâneo) acesso ao projecto de escavação, contenção e construção, sob pena da ineficácia da própria intervenção de contenção.
63 - Pelo que sempre teria que improceder o pedido em que vem a Recorrente condenada, reiterando-se que a presente condenação poderá ter inclusive o efeito perverso, de todos os trabalhos que se realizem se revelarem infrutíferos, sem o conhecimento do aludido projecto e caso neste exista um erro que seja a causa para os alegados danos.
64 - Impondo-se, consequentemente a revogação da sentença recorrida, também com este fundamento.
65 - Por outro lado, sendo incontroverso que estamos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, nos termos previstos no artigo 483º do CC, necessariamente temos de concluir, compulsando a matéria de facto dada como provada, pela não verificação de qualquer facto ilícito, gerador de responsabilidade com obrigação de indemnizar.
66 - De igual modo, tendo ficado provado, como é habitual em qualquer obra, que foram várias as entidades envolvidas no projecto e construção do edifício da P… J…, em nenhum momento logramos concluir que foi o comportamento da O…, SA, segurada da ora Recorrente, que levou ao actual estado do edifício do ora Recorrido.
67 - E finalmente, não alcançamos como pode concluir-se, pela factualidade provada, que a actividade concreta desenvolvida pela O…, SA no que à sua específica intervenção na construção do edifício da P… J… respeita, possa ser considerada uma actividade perigosa.
68 - A simples construção de um edifício não constitui qualquer facto ilícito, sendo certo que nenhuma desconformidade ou violação no decurso da mesma foi alegada ou demonstrada.
69 - Não há, pois, qualquer comportamento ilícito, não há qualquer comportamento ilícito imputável à O…, S.A e não se demonstrou o necessário nexo de causalidade (nem foi alegado) entre o comportamento da segurada da Recorrente e os danos detectados no imóvel do Recorrido.
70 - Não estão, pois, verificados três dos requisitos do instituto de responsabilidade civil por factos ilícitos (facto, ilicitude e nexo causal), que permitam concluir pela obrigação da ora Recorrente de responder pelos danos alegados.
71 - Acresce que, é pacificamente aceite na jurisprudência que a construção civil não é de per si, uma actividade perigosa, nos termos previstos no artigo 493º, n.º 2, do Código Civil.
72 - Nenhum elemento foi alegado nem tão pouco provado que sustente a qualificação da actividade da O…, na obra em causa, como sendo uma actividade perigosa.
73 - Salvo melhor entendimento e com todo o merecido respeito, o enquadramento realizado pelo Tribunal a quo viola, inclusivamente, o princípio do dispositivo, ínsito no art. 5º do CPC, com a consequente preterição dos mais basilares direitos de defesa da Recorrente, que se vê surpreendida com uma decisão que ultrapassa, no enquadramento factual e jurídico, a construção da pretensão apresentada pelo Recorrido.
74 - Acresce que a causa para os alegados danos não está sequer apurada, não resultando da matéria de facto provada.
75 - Nem tão pouco foram alegados ou demonstrados elementos que possibilitem o eventual enquadramento da realização de escavações na obra em causa como uma actividade perigosa - seja pela sua própria natureza seja pela natureza dos meios utilizados - sendo certo que o recurso a trabalhos de escavação é uma actividade comum na construção civil e ainda que implique riscos acrescidos tal, só por si e isoladamente, não se traduz numa subsunção na previsão do art. 493º do CC.
76 - A esse propósito, não deixaremos de notar que, como resulta do douto Acórdão da Relação de Guimarães (de 05.12.2013), citado na sentença sub judice, a actividade ali considerada como perigosa consistiu numa obra de construção civil que se demonstrou ter implicado trabalhos de escavação, remoção de inertes, a utilização de máquinas retroescavadoras, máquinas escavadoras giratórias, martelos pneumáticos, compressores, camiões, gruas e até o recurso a explosivos (para desmonte das enormes formações rochosas existentes no local). Em sentido semelhante, vejam-se Acórdão do STJ de 13.11.2012, Acórdão do STJ de 12.04.2004 e Acórdão do STJ de 17.05.2017, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
77 - Termos em que, não se poderá admitir o enquadramento jurídico constante da sentença recorrida, impondo-se a sua revogação.
78 - No limite, mesmo que se considerasse que, no caso concreto dos autos, a actividade desenvolvida pela ora Recorrente se enquadrava no conceito de “actividade perigosa”, nos termos do disposto no artigo 493º, nº 2 do CC, com a sua inerente presunção de culpa, era necessário que tivesse sido alegado e provado o facto que serve de base à presunção de culpa, cujo ónus cabe ao lesado e cuja prova manifestamente não foi feita, neste sentido, vide, designadamente, Ac. TRG, de 31.10.2019, Ac. TRG de 14.02.2019, proc. n.º. 17579/15.5T8PRT.G1, Ac. TRG de 26.04.2018, proc. n.º 3702116.6T8BRG.G1, Ac. TRG, de 10.07.2019 e Ac. TRC, de 10.02.2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
79 - Acresce que, tal como resulta da alteração da matéria provada proposta, resultou demonstrado que o edifício em causa, com 110 anos (al. xi dos factos provados), já antes do início das obras da P… J… (2011) apresentava vários problemas estruturais, existem opiniões técnicas divergentes als.) o) e gg) quanto à origem do seu estado de degradação e os autos da CML nada concluem quanto ao nexo causal.
80 - Termos em que, também com este fundamento, se impõe a revogação da sentença recorrida, não sendo decretada a providência.
81 - Igual desfecho se impõe porque não podemos descurar a natureza indemnizatória, abrangência, limites e exclusões do contrato de seguro celebrado entre a Recorrente e a O…, SA, conforme preceitua o disposto nos artigos 128º, 137º e 138º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro e conforme consta das Condições Particulares, Condições Gerais e Condições Especiais de fls. 174 a 235.
82 - Ou seja, a segurada O…, SA não transferiu para a ora Recorrente a obrigação de proceder a trabalhos de construção civil, mas apenas e tão só a obrigação de indemnizar, verificados que estejam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do contrato de seguro celebrado e provados que estejam os danos e a sua quantificação.
83 - Nestes termos, o decretamento da providencia nos termos que constam da sentença, condenando a ora Recorrente conforme já supra transcrito, não tem cobertura contratual e legal.
84 - Acresce que, estão expressamente excluídos os danos decorrentes de vibrações, remoção ou enfraquecimento de fundações ou alterações do nível freático, pelo que, a dever-se o actual estado do prédio do Recorrido a qualquer uma destas causas (a sentença recorrida parece apontar nesse sentido, atento o enquadramento jurídico adoptado), não estão os danos daí decorrentes cobertos pelo contrato de seguro celebrado.
85 - Impondo-se, evidentemente, a absolvição do pedido da ora Recorrente e a revogação da sentença.
86 - Sendo, igualmente certo, que, no âmbito das aludidas exclusões “não fica garantida a reparação e/ou substituição necessária devido a faltas, defeitos, erros ou omissões do projecto, desenho, cálculo ou especificação.”
87 - Finalmente, ainda que se admitisse que os danos reclamados pelo Recorrido decorriam dos trabalhos de escavações da obra em análise - o que, reitera-se, não foi oportunamente alegado nem resultou provado nos presentes autos - então sempre estaríamos no âmbito do art 1348º do Código Civil.
88 - Respondendo pelos danos decorrentes causados ao Recorrido, o proprietário, ou seja, IGFEJ, neste sentido vide, designadamente, Ac. do STJ de 06.05.2008, Ac. do STJ de 10.07.2012 e Ac. do STJ de 07.07.2010, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
89 - Jamais pelos mesmos respondendo a ora Recorrente, para além do mais porque estão expressamente excluídos os danos legalmente imputáveis ao proprietário, conforme Condições Gerais, Condição Especial 1, art. 3º, nº 2, al. a).»
Pugna, assim, pela revogação da decisão recorrida.
7. A Requerida apresentou alegação de resposta, com as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Em sede de procedimento cautelar, a prova exigida pela lei é meramente perfunctória e indiciária (art. 368º/1 do C.P.C.), não influenciando a decisão a proferir na acção principal (art. 364º/4 do C.P.C.).
2. A adequação das medidas destinadas à eliminação dos movimentos verticais na estrutura do prédio, bem como a necessidade dos trabalhos de reforço desta estrutura, que constituem a condenação da Apelante, não dependem de tomadas de posição subjectivas quanto ao que “adequação” e “necessidade” significam.
3. A Apelante não foi condenada à realização de trabalhos de construção civil, mas a suportar os custos desses mesmos trabalhos, tendo em vista atingir os propósitos referidos na Conclusão anterior, tudo ao abrigo do princípio da conversão monetária dos pedidos judiciais.
4. A sentença recorrida não padece de qualquer ambiguidade e/ou obscuridade, em qualquer das suas partes.
5. As alíneas o), y), z), ff), hh), rr) e xii (oposição) da matéria de facto provada, os documentos juntos ao requerimento inicial como doc. 20, doc. 26 e doc. 28, bem como os depoimentos das testemunhas P... R... e H... C..., permitem concluir pela existência de factos que sustentam um nexo de causalidade entre a realização das obras de construção civil de construção do edifício sede da P… J…, em Lisboa.
6. A motivação sobre a decisão relativa à matéria de facto e a subsunção dos factos nas regras jurídicas aplicáveis, em ambos os casos vertidos na decisão recorrida, como operações subsequentes ao apuramento dos factos referidos na Conclusão anterior, completam o processo de verificação do nexo de causalidade em apreciação.
7. A sentença impugnada não encerra em si qualquer contradição entre os respectivos fundamentos e a decisão que estes alicerçam.
8. Como decorre do alegado nos artigos 16º e 32º do requerimento inicial, apenas em Março de 2020 o Recorrido teve efectivo conhecimento do relatório pericial elaborado pela A… em 2017, a solicitação da R… e da O…, que determinava terem as causas dos prejuízos verificados no seu edifício origem em actos de terceiro (a O…), e não um defeito do aludido prédio.
9. Antes disso, em 2013 e 2015, a Apelante reconheceu que se verificavam danos no prédio do Recorrido com origem nas obras de construção do edifício da P… J… e reparou-os, o que constituiria sempre interrupção de um eventual prazo prescricional que estivesse em curso, nos termos do art.º 325º/1 do C.C.
10. Conjugando o teor das Conclusões 8.º e 9.º, verifica-se não ter decorrido o prazo de prescrição no art.º 498º/1 do C.C., por, consoante os casos e os danos a que se reporta, ter sido interrompido ou não ter chegado ao seu termo.
11. A alínea e) da matéria de facto provada não deverá ser suprimida, bastando complementar o seu teor com o fixado sob o número (iv) da matéria da oposição dada como provada, para se chegar ao pretendido pela Apelante.
12. A matéria de facto provada constante da alínea k) resulta dos documentos juntos como doc. 7, 8, 9 e 10 ao requerimento inicial, bem como dos depoimentos das testemunhas P… R…, H… C... e R… V…, sendo complementada pelo conteúdo da alínea t) da mesma matéria de facto provada – o que determina o carácter infundado da alteração a esse respeito sustentada pela Recorrente.
13. O ponto 2 da matéria de facto não provada deverá manter a resposta dada pelo Tribunal a quo, quer em virtude dos depoimentos das testemunhas P… R…, H… C… e R… V…, quer, ainda, por um suposto relatório que indiciaria o contrário, referido no depoimento de L… C…, nunca ter sido trazido aos autos.
14. A Apelante não pode pretender a alteração da resposta a determinada matéria de facto considerada não provada sem, simultaneamente, requerer (o que não fez) a alteração da matéria de facto considerada provada em sentido oposto à modificação a que almeja, nomeadamente quanto ao conteúdo da alínea f) da matéria de facto provada.
15. O ponto 3 da matéria de facto não provada não merece qualquer reparo, uma vez que a realidade no mesmo expressa não foi objecto de prova concreta, concludente e precisa – apesar de a Apelante ter à sua disposição meios de prova abundantes a que poderia ter recorrido para o efeito, mas que não trouxe aos autos.
16. O conhecimento do projecto de construção do edifício da P… J… não constituirá um elemento de fundamentação do julgamento da causa, mas um dado que, no cumprimento da condenação de que foi alvo, a Apelante terá de levar em linha de conta, por forma a que a sua intervenção seja o mais adequada possível, e executada dentro de parâmetros de estrita necessidade.
17. As condições do contrato de seguro celebrado entre a Apelante e a O… constam do doc. 3 junto à oposição, não tendo o Apelado impugnado tal prova documental, e tendo as alíneas e) e iv) da matéria de facto dada como provada consagrado a existência, a vigência, à data dos factos, e as partes desse contrato de seguro.
18. Face ao exposto nas Conclusões 16.ª e 17.ª, não deverá ser atendida a proposta da Apelante de levar à matéria de facto provada dois novos factos, por os mesmos nada acrescentarem na tarefa da resolução do pleito.
19. O objecto desta providência é distinto do da acção declarativa a propor como sequência da mesma, pelo que o conteúdo da primeira nunca esgotaria, sem outras vicissitudes, o objecto da segunda.
20. P… R…, no seu depoimento, distinguiu, a respeito do versado na Conclusão anterior, os trabalhos necessários para evitar a derrocada do prédio do Apelado (objecto da providência), dos subsequentes, que serão aptos a reparar todos os danos sofridos e, por essa via, repor a situação existente anterior à produção dos danos (objecto da acção principal a propor).
21. Mesmo aceitando que a construção civil, só por si, não constituirá uma actividade perigosa, para efeitos da aplicação da norma do art.º 493º/2, do C.C., sempre o tipo de obra que consubstanciou a edificação do edifício sede da P… J…, em Lisboa, pela sua natureza, preenchiria os requisitos para se integrar em tal conceito.
22. A obra de construção do edifício da P… J… traduziu-se na edificação de um prédio urbano de grande volumetria (98.000 m2, que terá custado ao Estado 87 milhões de Euros), para acolher a sede da mais importante da autoridade policial nacional, tendo sido amplamente notificada quer a obra em si, quer as dimensões da construção que da mesma resultou, quer, ainda, os problemas associados aos trabalhos realizados.
23. Os factos referidos na Conclusão anterior são manifestamente notórios, no sentido atribuído ao conceitos pelos artigos 5º/2, c) e 412º/1, ambos do C.P.C., pelo que não carecem de qualquer alegação para que sejam considerados na decisão a tomar, sobretudo em sede de prova indiciária, como o Tribunal de primeira instância adequadamente considerou.
24. O carácter de perigosidade dos trabalhos levados a cabo pela segurada da Apelante, decorrente da volumetria e especificidade de utilização do edifício a erigir, resultam, de alguma forma, como factos instrumentais, nos termos do disposto no art. 5º/2, a) do C.P.C., do teor dos depoimentos das testemunhas P… R…, J… M…, R… V… e L… C….
25. As Conclusões 22ª, 23ª e 24ª determinam a formação, por via do disposto no art.º 493º/2 do C.C., de uma presunção de culpa da segurada da Apelante na produção dos danos verificados no prédio do Apelado que, como o Tribunal a quo bem assinalou, não foi afastada pela Apelante, por esta não ter produzido nos autos prova, sequer indiciária, do contrário.
26. A Condição Especial 01 do contrato de seguro celebrado entre Apelante e O… (cláusula 3ª/2, c), que determina que a seguradora não responde por “Danos devidos a vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações ou alterações no nível freático”, deve ser interpretada no sentido de as exclusões aí enumeradas se reportarem a actos (i) não incluídos na empreitada em si, tal como foi programada e projectada, e (ii) que não atinjam direitos de terceiros – sob pena de o texto contratual negar, por via da exclusão em causa, o núcleo justificativo da sua existência jurídica.
27. A testemunha R… V…, Coordenador de Sinistros da Apelantes desde 2013, confirmou, pelo teor do seu depoimento, ser esta a interpretação que levou a mesma Apelante a proceder, por iniciativa própria, a reparações no prédio do Apelado, a partir de 2012.
28. Os elementos de prova reunidos nos autos demonstram que os danos verificados no prédio do Apelado se produziram no decurso da obra de construção do edifício da P… J… – ou seja, a partir de 2011, portanto dentro do período de vigência temporal do contrato de seguro celebrado entre Apelante e O…, que apenas findou em Março de 2014.
29. O contrato de seguro celebrado entre Recorrente e O… cobre o risco de verificação dos danos cuja prevenção o Apelado reclama nestes autos.
30. A sentença recorrida não merece, pleo exposto, qualquer reparo quanto à sua fundamentação, de facto e de direito, e o seu trecho dispositivo, devendo manter-se integralmente nos termos e que foi proferida, sendo negado provimento ao presente recurso.
31. O depoimento de P… R… demonstra que a obra de consolidação das fundações do prédio do Apelado, cujos custos a Apelante foi condenada a suportar, importará o valor entre os € 500.000,00 e os € 750.00,00.
32. O recurso de apelação interposto pela Requerida, a que se responde, tem efeito meramente devolutivo, nos termos previstos no art.º 647.º/1 do C.P.C.
33. O Apelado requer, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 649º/2 do C.P.C., ao Tribunal que determine a prestação de caução pela Apelante, por valor não inferior a € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros).»
8. Foi proferido despacho de admissão do recurso de apelação no dia 4.3.2021, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. No mesmo despacho, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre as nulidades e indeferiu o incidente de prestação de caução.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*

II - ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

I - Da nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC
II - Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto provada, dividida nos seguintes pontos:
i) Considerar não provadas as alíneas e) e k) da factualidade provada, ou alterar as suas redações;
ii) Considerar provados os pontos 2 e 3 da factualidade não provada;
iii) Acrescentar à factualidade provada que:
- «O conhecimento do projecto de escavação e contenção do Edifício da P… J… é indispensável para a realização adequada e eficaz das obras de contenção pretendidas pelo Requerente, nomeadamente para apuramento de eventuais erros que estejam na origem da alagada instabilidade do edifício.»;
- Nos termos das Condições Gerais e de Condição Especial 01 (Responsabilidade Civil Extracontratual) do contrato de seguro celebrado entre a O…, S.A. e a Requerida, foi estipulado o seguinte:
1) Art. 3.º «Exclusões; de Secção II “Responsabilidade Civil Extracontratual”, das Condições Gerais de Apólice:
“2- Exclusões específicas da Cobertura de Danos Materiais - Secção I:
22. Não fica garantida a “a) Reparação ou substituição necessária devido a faltas, defeitos, erros ou omissões do projecto, desenho, cálculo ou especificação."
2) Art. 4º “Início e termo do contrato”, da Secção II “Responsabilidade Civil Extracontratual”, das Condições Gerais da Apólice:
“4 - A cobertura deste contrato cessa, em relação ao conjunto ou parte do objecto seguro, independentemente da data indicada como termo da apólice, logo que: 4.1 - Terminem os trabalhos de montagem e construção (...)”
3)Condição Especial 01 “Responsabilidade Civil Extracontratual” - art. 3º, nº 2: “A seguradora não responde por a) Danos legalmente imputáveis a proprietário, sub-empreiteiros do segurado, outros empreiteiros ou sub-empreiteiros que trabalham no local do risco ou seus empregados efectivos ou contratados temporariamente.
c) Danos devidos a vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações ou alterações do nível freático».
III - Do erro de julgamento na apreciação dos seguintes temas:
a) Verificação de uma atividade perigosa e nexo causal entre o atual estado do edifício do Recorrido e a desconformidade dos trabalhos de construção do edifício da P… J…;
b) Prescrição da obrigação de indemnizar;
c) Período de cobertura e inclusão ou exclusão do sinistro do contrato de seguro (questões novas?);
d) Natureza da indemnização prevista no contrato de seguro à luz do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16.4 (Regime Jurídico do Contrato de Seguro) e das cláusulas contratuais estipuladas e análise da providência decretada.
*

III - FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentação de facto

São os seguintes os factos indiciariamente apurados na decisão recorrida:
[acrescentou-se à alínea e) algumas cláusulas do contrato de seguro e à alínea g) a conclusão do auto de vistoria, ao abrigo dos artigos 372.º do Código Civil, 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC, e alterou-se a alínea k), na sequência de impugnação da decisão sobre a matéria de facto]

a) O Condomínio Requerente foi constituído para administração do prédio urbano sito na rua G… G… R…, n.ºs …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de S… J… de A… e inscrito na matriz predial da freguesia de A… sob o art.º ….
b) O edifício que constitui a nova sede da P… J…, e que para tais fins é utilizado por essa autoridade policial, sito na rua G… F…, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de S… S… da P… e inscrito na matriz predial da freguesia de A… sob o art.º …, é propriedade do I….
c) O edifício identificado na alínea anterior confina com o prédio, cuja empena se encontra encostada ao muro de separação daquele edifício.
d)  O edifício identificado em b) foi construído, entre 2011 e 2014, pela empreiteira O…, S.A., entretanto declarada insolvente.
e) A referida O…, S.A. transferiu o risco da sua atividade de construção do edifício acima referido, para a seguradora aqui 1.ª Requerida, por via do contrato de seguro com a apólice n.º ….
Alterado para:
e) A referida O…, S.A. celebrou com a 1.ª Requerida um contrato denominado contrato de seguro de «Todos os riscos empreiteiros construção», mediante a apólice n.º …, emitida em …, com o capital seguro total de 50 000 000,00 €, constando das condições gerais e especiais o seguinte:
Condições Gerais
(…) ART. 2.º OBJECTO E GARANTIAS DO CONTRATO
1. Nos termos, condições e exclusões do presente contrato e relativamente aos períodos, local e objectos seguros expressamente designados nas Condições Particulares, a Seguradora obriga-se ao ressarcimento dos prejuízos resultantes de sinistro abrangido no âmbito da cobertura da apólice (…).
SECÇÃO II
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
(…) 3.2. Âmbito da Cobertura de Responsabilidade Civil Extracontratual
Mediante convenção expressa nas Condições Particulares esta apólice poderá garantir as indemnizações que, em conformidade com a lei vigente, o Segurado seja legalmente obrigado a pagar a Terceiros no âmbito da RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL, por motivo de acidente directamente relacionado com o objecto seguro, de harmonia com o disposto na respectiva Condição Especial.
ART.º 3.º EXCLUSÕES
(…) 2. EXCLUSÕES ESPECÍFICAS DA COBERTURA DE DANOS MATERIAIS – SECÇÃO I
Salvo convenção expressa em sentido contrário nas Condições Particulares não fica garantido:
a) Reparação ou substituição necessária devido a faltas, defeitos, erros ou omissões do projecto, desenho, cálculo ou especificação. (…)
ART. 4.º INÍCIO E TERMO DO CONTRATO
(…) 4 - A cobertura deste contrato cessa, em relação ao conjunto ou parte do objecto seguro, independentemente da data indicada como termo da apólice, logo que:
4.1 - Terminem os trabalhos de montagem e construção (...)»
Condições Especiais
(…) CONDIÇÃO ESPECIAL 01
SECÇÃO II
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL
ART. 1.º ÂMBITO DA COBERTURA
A responsabilidade civil, de natureza extracontratual, assumida pela Seguradora, através desta Condição Especial, é limitada às indemnizações que legalmente possam ser exigidas ao Segurado pela reparação de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais involuntariamente causados a terceiros em consequência de acidente directamente relacionado com a execução dos trabalhos de construção ou montagem objecto do seguro e ocorridos no local de risco, durante o período do seguro, e até aos limites fixados nas Condições Particulares.
ART. 2.º PRESTAÇÕES DA SEGURADORA
1. A quantia fixada nas Condições Particulares que a Seguradora se compromete a satisfazer é o máximo da soma de todas as indemnizações e despesas procedentes de sinistros ocorridos durante a vigência do seguro, salvo o disposto no n.º 1 do Art.º 18.º, independentemente do montante das reclamações apresentadas.
ART. 3.º EXCLUSÕES
(…) 2. Salvo convenção expressa em contrário nas Condições Particulares a Seguradora não responde por:
a) Danos legalmente imputáveis a proprietário, sub-empreiteiros do segurado, outros empreiteiros ou sub-empreiteiros que trabalham no local do risco ou seus empregados efectivos ou contratados temporariamente.
(…) c) Danos devidos a vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações ou alterações do nível freático»].
f) Antes do início das obras de construção do edifício-sede da P… J…, cerca de maio de 2011, foi efetuada uma vistoria ao edifício, não tendo sido então reportada ao Requerente qualquer anomalia estrutural do edifício.
g) A partir do ano de 2012, após o início de escavações para a construção do edifício com seis níveis de cave, começou a verificar-se o aparecimento de rachas e fendas, quer na fachada do prédio, quer no interior das frações que o compõem, tendo sido efetuada uma vistoria da CML em 23.5.2012, cujo auto consta de fls. 22, no qual se conclui que:
«Face ao exposto e do que foi dado observar, os técnicos que efectuaram a vistoria emitem, por unanimidade, o seguinte parecer:
O edifício é recuperável.
Além de outras patologias verificadas, constata-se a existência de fendilhação de carácter recente, com maior incidência no lado direito do edifício, devido à ocorrência de assentamentos diferenciais das fundações ou a eventuais vibrações transmitidas à estrutura do prédio, que poderão ter ocorrido aquando dos trabalhos de escavação e de contenção de terras para a construção de um novo edifício de grandes proporções que se encontra em curso no terreno contíguo.
Assim, deverão ser executadas todas as obras de reparação, de consolidação e de conservação no edifício com vista à correção das patologias verificadas, assim como todos os trabalhos que no decorrer das obras se venham a verificar necessários, para garantir as devidas condições de segurança e de salubridade»] (acrescentado)
h) O Requerente contactou, por isso, a 1.ª Requerida, tendo em vista a reparação de tais fendas e rachas, tendo a dita 1.ª Requerida incumbido a sociedade R… INC, Sucursal em Portugal, de proceder ao levantamento, in loco, dos danos produzidos no prédio (partes comuns e frações) e comunicados, por este e pelos condóminos, à 1.ª Requerida, para que, posteriormente, se procedesse à indemnização de cada um dos lesados.
i) As obras de reparação dos danos no prédio foram realizadas a partir de abril de 2013, tendo os condóminos lesados sido indemnizados pela 1.ª Requerida pelos custos incorridos nessas reparações e tendo sido levadas a cabo obras nas partes comuns, nomeadamente na cobertura do prédio.
j) O edifício-sede da P… J… foi inaugurado em 11.3.2014.
k) A partir de janeiro de 2015, o Requerente procurou obter orçamentos, por indicação da 1.ª Requerida e da R…, em nome daquela, para reparação da empena lateral do prédio e reforço da estrutura do mesmo [, ou seja, para reparação de fendas e rachas, sem intervenção ao nível da estrutura do prédio.] (acrescentado)
l) Em junho de 2015, foram colocados alvos no prédio, para monitorização e leitura dos deslocamentos verificados na estrutura do mesmo.
m) No ano de 2016, em virtude da insistência do Requerente em realizar obras de maior vulto no prédio, devido às fendas da fachada que se agravavam, consequência dos deslocamentos verificados na leitura dos alvos, a sociedade R… comunicou ao Requerente a necessidade de levar a cabo um estudo estrutural do edifício.
n) Por e-mail de 25.1.2017, a R… comunicou ao Requerente que iria adjudicar o estudo referido no artigo anterior à sociedade A…, Lda., sendo os custos do mesmo suportados pela 1.ª Requerida, o que o Requerente aceitou.
o) O estudo realizado pela mencionada A… ficou completo em junho de 2017, tendo concluído que «De uma forma geral, verifica-se que as obras levadas a cabo para execução da sede da PJ tiveram influência clara no estado de conservação do edifício em questão, levando ao assentamento da empena, que se traduziu no aparecimento de fendilhação de dimensão razoável e orientação bem definida nas frações direitas. Estas fendas agravaram localmente o estado de conservação do edifício, facilitando a entrada de água nessa zona e acelerando a velocidade de degradação de revestimentos e elementos estruturais (…).
Os deslocamentos na parede de empena, na última campanha de monitorização (2015-2016) ainda não se encontravam estabilizados, pelo que se torna necessário averiguar se estes ainda se ainda se encontram activos (…)».
p) Apenas em março de 2020 o Requerente teve acesso às conclusões do relatório referido em o).
q) Em setembro de 2017, a R… comunicou ao Requerente que o estudo levado a cabo pela A… seria «inconclusivo», nomeadamente quanto às causas dos danos observados no prédio.
r) Por e-mail de 2.11.2017 (fls. 37v), a R… voltou a comunicar ao Requerente o carácter supostamente inconclusivo do relatório da A…, mencionando a necessidade de realizar sondagens no terreno do prédio, a levar a cabo pela sociedade J….
s) Em novembro de 2017, os relatórios de monitorização dos alvos colocados em 2015 demonstraram a passagem a nível de alerta amarelo, quanto aos deslocamentos verificados no prédio.
t) Desde 2013 e até 2017, foram realizadas no prédio sucessivas reparações, de carácter meramente superficial, embora urgentes, face à visível degradação do edifício, sem qualquer intervenção na respetiva estrutura, quer nas partes comuns, quer nas frações, tendo sido todas custeadas pela 1.ª Requerida, depois de verificadas pela já referida R….
u) Em 6.2.2019, a C.M.L. levou a cabo vistoria ao prédio, tendo colocado no mesmo novos testemunhos, para monitorização dos deslocamentos verificados.
v) Posteriormente, e na sequência de nova vistoria, ocorrida a 17.4.2019, a C.M.L. elaborou o auto que consta de fls. 38v, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, que termina referindo que «as patologias verificadas indiciam a ocorrência de presumíveis assentamentos diferenciais das fundações».
w) Por e-mail de 25.5.2019, remetido pelo Requerente à R… (fls. 44), esta sociedade foi informada de que os testemunhos colocados em fevereiro pela C.M.L. se haviam rompido.
x) Em novembro de 2019, os relatórios de monitorização dos alvos colocados em 2015 demonstraram a passagem a nível de alerta vermelho, quanto aos deslocamentos verificados no prédio.
y) A 10 e 11.2.2020, a C.M.L. realizou vistoria ao prédio, tendo, em consequência da mesma, elaborado o auto que consta de fls. 46v, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, de que resulta, em suma, a verificação de fendas verticais, na empena e na fachada, de fendilhação acentuada com diversas orientações e ângulos, nas partes comuns e nas frações, afastamento alarmante da parede da empena esquerda e da fachada dos vários pavimentos dos vários pisos, de que decorre um risco de colapso dos elementos estruturais do prédio, com possibilidade de derrocada do mesmo.
z) Mais refere o auto o carácter recente das patologias encontradas, nomeadamente do afastamento/abertura da empena esquerda e da fachada do prédio.
aa) Em consequência das conclusões desta vistoria, a C.M.L. ordenou a evacuação de todos os habitantes do prédio, especificando que a mesma deveria durar por todo o período em que decorressem as obras de reparação das patologias detetadas.
bb) A saída dos habitantes do lado direito do prédio consumou-se logo a 11.2.2020, tendo a dos condóminos do lado esquerdo sido executada a 14.2.2020.
cc) O teor do auto da vistoria de 10 e 11.2.2020 foi comunicado pelo Requerente à 1.ª Requerida e à R….
dd) A Requerida comunicou ao Requerente, por carta de 15.9.2020, que consta de fls. 98, que não assumiria as consequências do sinistro que lhe fora participado em 4.3.2020.
ee) Em 11.3.2020, o Requerente adjudicou à sociedade A… o estudo da origem das patologias existentes no prédio, bem como a elaboração do projeto de consolidação do edifício.
ff) A dita A… elaborou, nessa sequência, e entregou ao Requerente o relatório que consta de fls. 52 dos autos datado de 20.3.2020, e que inclui a cópia do relatório da mesma A…, datado de junho de 2017, tendo sido então comunicado à Requerida.
gg) A J…, a pedido da Requerida, elaborou a nota técnica de 20.7.2020, que consta de fls. 86 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, em que conclui que a origem dos danos no prédio residiria em «(…) alterações estruturais no interior das frações do edifício, sem que tenham sido avaliadas as respetivas consequências no comportamento global do mesmo edifício, roturas em condutas junto às fundações do edifício, em particular quando as mesmas mobilizam materiais de maior fração arenosa e mais sensíveis à ação da água e ainda e eventualmente, perda de contraventamento do edifício pela demolição de muro no topo da Rua G… G… R… (…)».
hh) A demolição do muro de topo da rua G… G… R… foi efetuada por ocasião da obra de construção do edifício-sede da P… J….
ii) Desde, pelo menos abril de 2020, que existe um risco sério de desmoronamento do prédio, em virtude, sobretudo, do afastamento da empena esquerda e da fachada dos pavimentos.
jj) A monitorização dos alvos indicadores de deslocamentos revelou, no mesmo sentido, valores que ultrapassam o adequado tendo-se, aliás, os testemunhos colocados pela C.M.L. em fevereiro de 2019, rompido em maio do mesmo ano.
kk) A C.M.L. autorizou, a 24.4.2020, a execução de trabalhos de contenção, ao abrigo do estado de necessidade.
ll) Tais trabalhos começaram a ser preparados no final do mês de março de 2020, juntamente com as sociedades J… (projeto dos maciços de betão), C… (projeto de estrutura) e D… (empreiteiro), indicadas ao Requerente pela R…, em nome da 1.ª Requerida.
mm) A 1.ª Requerida comprometeu-se perante o Requerente a suportar todos os custos relativos à contenção do prédio, pelo que o Requerente celebrou, em 29.6.2020, com a aludida 1.ª Requerida e com a sociedade D…, na qualidade de empreiteira para a obra de contenção do prédio, o contrato que consta de fls. 100v.
nn) Com base nesse contrato, a estrutura de contenção do prédio foi colocada entre os dias 1 e 15.8.2020.
oo) Contudo, e apesar dessa medida de urgência, os deslocamentos continuaram a verificar-se na estrutura do prédio.
pp)  Em vistoria levada a cabo pela C.M.L. em 7.9.2020, concluiu-se não estarem reunidas as condições de segurança para o regresso dos habitantes do prédio ao mesmo.
qq) As sociedades C… e D…, que estiveram envolvidas diretamente na montagem da estrutura de contenção, emitiram o parecer que consta de fls.107v, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
rr) A A…, por e-mail de 23.9.2020, remetido ao Requerente (fls. 108), reitera que «(…) os deslocamentos ocorridos nos alvos podem estar associadas (sic) a assentamentos verticais das fundações, provocados por um deficiente desempenho da estrutura de contenção da p… j…».
ss) Os habitantes do prédio não foram, até à data, realojados no mesmo, por falta de segurança na permanência de pessoas no seu interior.
tt) A estrutura de contenção instalada no prédio no mês de agosto de 2020 não assegurou, portanto, a estabilidade do mesmo até ao momento.
uu) A G… suportou os custos da estrutura de contenção da fachada do prédio dos autos.
(Da oposição)
i. Com data de 1.10.2020, foi concretizada a inscrição no Registo Comercial da fusão, por incorporação, das companhias G… - Companhia de Seguros, S.A. e G… Vida Companhia de Seguros S.A. (sociedades incorporadas) na S… U…, S.A., a qual alterou a sua denominação social.
ii. Previamente à execução da obra, existiu um projeto de construção da mesma, um projeto de escavação e contenção do edifício da P… J… para a construção das respetivas fundações, estudos geológicos sobre as características do terreno e sobre o impacto da construção na estabilidade do mesmo e dos prédios contíguos, enfim, inúmeros trabalhos preparatórios, que não estiveram a cargo da segurada da Requerida, O…, S.A..
iii. A construção do edifício da P… J… implicou a intervenção de diversas entidades no âmbito das respetivas especialidades.
iv. A Requerida mantinha com a O…, S.A., aquando da construção do edifício da P… J…, um contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, denominado «Todos os Riscos Empreiteiros Construção», nos termos do qual foi para si por aquela transferida a responsabilidade civil de natureza extracontratual, «limitada às indemnizações que legalmente possam ser exigidas ao Segurado pela reparação de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais involuntariamente causados a terceiros em consequência de acidente directamente relacionado com a execução dos trabalhos de construção ou montagem objecto do seguro e ocorridos no local do risco, durante o período do seguro, e até aos limites fixados nas Condições Particulares», conforme Condições Particulares, Condições Gerais e Condições Especiais que constam de fls. 174 a 235 e se dão por integralmente reproduzidas.
v. A G…, por carta de 15.9.2020, informou o Requerente na pessoa do respetivo mandatário, que «Inexistindo danos resultantes da acção directa em obra do Empreiteiro que seguramos, estamos em presença de uma reclamação que está fora do âmbito de garantias da cobertura de Responsabilidade Civil Extracontratual concedida pela apólice subscrita», como consta de fls. 98 dos autos.
vi. Tendo concluído que, «Face ao que antecede e porque não foi apurada quaisquer responsabilidades do nosso Segurado passível de ser transferida, ficamos impedidos de proceder à liquidação de qualquer indemnização ao abrigo das garantias concedidas pela presente apólice».
vii. A O…, S.A. foi uma das empreiteiras da obra que constitui o atual edifício da P… J… e logo em 2011 foi contactada pelo Requerente, tendo em vista a reparação de fendas e rachas detetadas no imóvel sito na rua G… G… R…, n.ºs …, decorrentes da obra em curso no edifício da P… J….
viii. A O…, SA participou então o ocorrido à ora Requerida que contratou uma empresa de peritagens e averiguações, denominada R… INC, Sucursal em Portugal, para apurar os danos ocorridos no imóvel, incluindo nas respetivas frações, bem assim como as causas de tais alegados danos.
ix. Entre 2011 e 2015, ou seja, desde o início da construção do edifício-sede da P… J… até cerca de um ano após a inauguração do mesmo, a referida sociedade fez levantamentos nas partes comuns e nas várias frações, dos problemas existentes no imóvel, identificando todos os que, aparentando ser recentes, pudessem resultar das obras em questão.
x. Nessa altura e enquanto decorriam as averiguações sobre as causas do estado do imóvel, a Requerida, bem como a O…, SA suportaram o custo das obras de reparação das rachas e fendas detetadas junto do Requerente e junto dos vários moradores das frações, no que respeita às reparações nas mesmas realizadas.
xi. O prédio em causa nos autos é um prédio com 110 anos.
xii. A demolição do muro no topo da rua G… G… R…, entretanto efetuada, poderá ter contribuído para a perda de contraventamento do edifício do Requerente.
xiii. A Requerida assumiu o custo parcial de alguns trabalhos de reparação de rachas e fendas no imóvel enquanto decorriam as averiguações sobre as causas do sinistro, como igualmente assumiu o custo orçamentado para a montagem da estrutura de contenção das fachadas, como medida cautelar adotada preventivamente enquanto decorriam as peritagens e averiguações para o apuramento das causas.

São os seguintes os factos que o Tribunal a quo não considerou indiciariamente provados:

1. A sociedade G…T… e M… E…, S.A. levou a cabo, em nome da identificada O…, S.A., uma vistoria ao prédio, entre os dias 7 e 12.4.2011, concluindo não ter sido detetada qualquer anomalia estrutural no edifício, apenas pequenas patologias menores.
2.em 2011, o prédio do Requerente apresentava vários problemas estruturais, como infiltrações, rachas e fendas, apodrecimento de vigas, alterações estruturais no interior das frações do edifício que comprometiam a sua estabilidade, ruturas em condutas junto às fundações do edifício, etc..
3. A segurada da Requerida O…, S.A. cumpriu escrupulosamente o projeto para a construção do edifício, nos exatos termos que lhe haviam sido adjudicados pelo dono da obra.

Apreciação do recurso

Da nulidade da sentença

A Apelante invoca a nulidade da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC, arguindo que:
- Os fundamentos estão parcialmente em oposição com a decisão e esta padece de obscuridade e ambiguidade;
- O Tribunal a quo não se pronunciou sobre uma das exceções invocadas pela Recorrente no seu articulado, tendo, ao invés, conhecido de questões de que não podia ter tomado conhecimento.
No que concerne à obscuridade da sentença, argumenta que nada consta da factualidade provada que permita concluir quer pelo nexo causal entre o atual estado do edifício do Recorrido e alguma desconformidade dos trabalhos de construção do edifício da P… J…, concretamente a cargo da segurada da Requerida, quer pela perigosidade da atividade de construção civil que esteve a cargo da segurada da Recorrente.
Relativamente à invocada ambiguidade, aponta para as expressões usadas no dispositivo da sentença, como «proceder as medidas necessárias e adequadas», «designadamente proceder ao reforço da estrutura» e «proceder aos trabalhos que se mostrem necessários».
Acrescenta a contradição ou ambiguidade do decidido, na medida em que o contrato que legitima a intervenção da ora Recorrente nos autos é um contrato de seguro de responsabilidade civil que, como tal, não contempla a realização de obras pela própria seguradora.
Considera que a sentença padece de excesso de pronúncia ao ter qualificado a atividade desenvolvida pela segurada da Recorrente como atividade perigosa, sem que se tivessem apurado factos nesse sentido.
Por fim, aponta o vício da omissão de pronúncia da sentença, por falta de apreciação da prescrição invocada.
O Apelado refuta todas as nulidades enunciadas.
Apreciando:
a) Preceitua o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Ocorrerá uma contradição lógica entre os fundamentos e a decisão quando o julgador seguir determinada linha de raciocínio na fundamentação da sentença, apontando para determinada conclusão e, em vez de a extrair, decidir em sentido divergente.
No que tange à obscuridade e à ambiguidade conducentes à ininteligibilidade da decisão, ensinava Alberto dos Reis a este propósito que:
«A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.» (Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 151).
Como se escreveu no acórdão do STJ de 28.9.2006 (p. 06A2018, www.dgsi.pt), a ininteligibilidade da decisão não se reporta ao conteúdo ou mérito, mas à exteriorização formal do discurso quo tale, perfilando-se, nesta perspetiva, situações de ambiguidade expositiva, de obscuridade, de excessivo gongorismo impeditivo da univocidade ou, no limite, de meros lapsos de escrita.
Volvendo ao caso concreto, a alegada contradição lógica decorrente da legitimação de uma intervenção da seguradora Requerida em sede de indemnização em espécie (artigo 562.º do Código Civil) e não em dinheiro, por equivalente (artigo 566.º do Código Civil), configura antes um suposto erro de julgamento, cuja apreciação passará pela interpretação da lei e da apólice de seguro.
Também a obscuridade apontada se prende antes com o mérito da decisão, designadamente com o imputado erro de qualificação jurídica quanto ao nexo de causalidade entre o sinistro e a atuação da segurada da Recorrente sem factos que a sustentassem.
A ambiguidade na decisão pelo uso de expressões vagas não se verifica, pois, como é natural, um procedimento cautelar que tem como fito evitar a ruína de um prédio dificilmente chegaria a «bom porto», ou seja, a uma decisão justa em prazo razoável, se houvesse que aguardar pela concretização em termos técnicos e precisos, designadamente com o recurso a prova pericial e documental abundante, de todos os passos necessários a evitar os gravíssimos danos que se avizinham.
Termos em que improcede a nulidade da sentença neste particular.
b) O artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC dispõe que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (cf. artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
Neste âmbito, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes.
Citando Alberto dos Reis, «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.» (in Código de Processo Civil Anotado, obra citada, p. 143).
Ou seja, a omissão de pronúncia só sucede quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções e não quando tão-só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.
No que tange ao excesso de pronúncia, ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objeto do litígio.
Feitas estas considerações gerais, vejamos a sua pertinência no caso concreto.
Relativamente à omissão de pronúncia, sem dúvida que o Tribunal a quo, ainda que não tenha desenvolvido a questão, abordou e decidiu a prescrição no seguinte trecho:
«Cumpre, também referir que tendo em conta que existiu uma continuidade temporal no surgimento dos danos e no reporte dos mesmos à requerida e que durante estes anos tanto uma parte como a outra não cessaram de estar em conta e de efectuar diligências para resolver o diferendo em questão, não se mostra manifestamente decorrido o prazo de prescrição que pela Requerida foi invocado
Quanto ao alegado excesso de pronúncia, a Recorrente, mais uma vez, procura trazer para o campo das nulidades o (de)mérito da decisão, devendo o seu conteúdo ser entendido como a imputação de um erro de julgamento.
Improcede, assim, in totum, a invocada nulidade da sentença.

Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Os poderes do Tribunal da Relação relativos à modificabilidade da decisão de facto estão consagrados no artigo 662.º do CPC.
Nos termos do artigo 640.º do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a referida decisão, sob pena de rejeição do recurso, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados [n.º 1, alínea a)], os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [n.º 1, alínea b)] e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [n.º 1, alínea c)].
Acresce que, nos termos da alínea b) do n.º 2 do citado artigo 640.º, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A Apelante observou devidamente estes requisitos da impugnação.
Tendo sido auditado o suporte áudio, passamos a analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, indagando se a convicção criada no espírito do Tribunal a quo é ou não merecedora de reparos.

Factos provados
e) A referida O…, S.A. transferiu o risco da sua atividade de construção do edifício acima referido, para a seguradora aqui 1.ª Requerida, por via do contrato de seguro com a apólice n.º ….
k) A partir de janeiro de 2015, o Requerente procurou obter orçamentos, por indicação da 1.ª Requerida e da R…, em nome daquela, para reparação da empena lateral do prédio e reforço da estrutura do mesmo.

A Apelante alega que os factos constantes das alíneas e) e k) deverão ser eliminados ou, no limite, dados como provados com redações diferentes das adotadas.
No que respeita à alínea e), considera que tem um conteúdo muito genérico e abrangente que não corresponde à realidade.
Neste ponto, assiste razão à Apelante quanto à incompletude da alínea e), cujo teor se reporta ao contrato de seguro celebrado entre a O…, S.A. e a Requerida, o qual se encontra mais desenvolvido no ponto iv) da factualidade provada.
Porém, no lugar de eliminar a alínea e), julgamos que a sua concretização é o que se impõe, devendo passar a constar da sua redação os segmentos mais relevantes dos artigos 2.º, 3.º e 4.º das Condições Gerais e artigos 1.º, 2.º e 3.º das Condições Especiais, descritos pela Apelante, para melhor se poder alcançar o teor e o fito do contrato de seguro.
Relativamente ao facto constante da alínea k), a Apelante alega que foi impugnado pela Recorrente no artigo 143.º da oposição, mas que sobre ele não recaiu qualquer prova, sendo que a ata de Assembleia de Condóminos (ata 37) que a Recorrida juntou não permite extrair qualquer conclusão quanto ao aludido facto.
Caso assim não se entenda, considera que deve prevalecer como provada a redação do artigo 11.º do requerimento inicial, ou seja, que:
«A partir de Janeiro de 2015, o Requerente procurou obter orçamentos, por indicação de 1ª Requerida e de R…, em nome daquele, para reparação da empena lateral do Prédio e reforço da estrutura do mesmo - ou seja, para reparação de fendas e rachas, sem intervenção ao nível da estrutura do prédio
Apreciando, discorda-se do Recorrente quando afirma a falta de prova deste facto.
Desde logo alertamos para a factualidade provada sob a alínea t), a qual não foi impugnada: «t) Desde 2013 e até 2017, foram realizadas no prédio sucessivas reparações, de carácter meramente superficial, embora urgentes, face à visível degradação do edifício, sem qualquer intervenção na respetiva estrutura, quer nas partes comuns, quer nas frações, tendo todas sido custeadas pela 1.ª Requerida, depois de verificadas pela já referida R…».
Acresce que os depoimentos de P… R…, H… C… e R… V… apontam neste sentido, bem como a análise dos documentos n.ºs 7, 8, 9 e 10 do requerimento inicial.
Sem embargo, a alínea k) deve ser completada, de molde a corresponder ao que foi alegado no artigo 11.º do requerimento inicial e por forma a que sua redação se aproxime do que consta também da alínea t), ficando clarificada a questão da não intervenção ao nível da estrutura do prédio.
Conclui-se, assim, que não existem fundamentos para eliminar as alíneas e) e k), mas para alterar a sua redação no sentido pretendido, subsidiariamente, pela Apelante:
e) A referida O…, S.A. celebrou com a 1.ª Requerida um contrato denominado contrato de seguro de «Todos os riscos empreiteiros construção», mediante a apólice n.º …, emitida em 28.9.2011, com o capital seguro total de 50 000 000,00 €, constando das condições gerais e especiais o seguinte:
Condições Gerais
(…) ART. 2.º OBJECTO E GARANTIAS DO CONTRATO
1. Nos termos, condições e exclusões do presente contrato e relativamente aos períodos, local e objectos seguros expressamente designados nas Condições Particulares, a Seguradora obriga-se ao ressarcimento dos prejuízos resultantes de sinistro abrangido no âmbito da cobertura da apólice (…).
SECÇÃO II
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
(…) 3.2. Âmbito da Cobertura de Responsabilidade Civil Extracontratual
Mediante convenção expressa nas Condições Particulares esta apólice poderá garantir as indemnizações que, em conformidade com a lei vigente, o Segurado seja legalmente obrigado a pagar a Terceiros no âmbito da RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL, por motivo de acidente directamente relacionado com o objecto seguro, de harmonia com o disposto na respectiva Condição Especial.
ART.º 3.º EXCLUSÕES
(…) 2. EXCLUSÕES ESPECÍFICAS DA COBERTURA DE DANOS MATERIAIS – SECÇÃO I
Salvo convenção expressa em sentido contrário nas Condições Particulares não fica garantido:
a) Reparação ou substituição necessária devido a faltas, defeitos, erros ou omissões do projecto, desenho, cálculo ou especificação. (…)
ART. 4.º INÍCIO E TERMO DO CONTRATO
(…) 4 - A cobertura deste contrato cessa, em relação ao conjunto ou parte do objecto seguro, independentemente da data indicada como termo da apólice, logo que:
4.1 - Terminem os trabalhos de montagem e construção (...)»
Condições Especiais
(…) CONDIÇÃO ESPECIAL 01
SECÇÃO II
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL
ART. 1.º ÂMBITO DA COBERTURA
A responsabilidade civil, de natureza extracontratual, assumida pela Seguradora, através desta Condição Especial, é limitada às indemnizações que legalmente possam ser exigidas ao Segurado pela reparação de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais involuntariamente causados a terceiros em consequência de acidente directamente relacionado com a execução dos trabalhos de construção ou montagem objecto do seguro e ocorridos no local de risco, durante o período do seguro, e até aos limites fixados nas Condições Particulares.
ART. 2.º PRESTAÇÕES DA SEGURADORA
1. A quantia fixada nas Condições Particulares que a Seguradora se compromete a satisfazer é o máximo da soma de todas as indemnizações e despesas procedentes de sinistros ocorridos durante a vigência do seguro, salvo o disposto no n.º 1 do Art.º 18.º, independentemente do montante das reclamações apresentadas.
ART. 3.º EXCLUSÕES
(…) 2. Salvo convenção expressa em contrário nas Condições Particulares a Seguradora não responde por:
a) Danos legalmente imputáveis a proprietário, sub-empreiteiros do segurado, outros empreiteiros ou sub-empreiteiros que trabalham no local do risco ou seus empregados efectivos ou contratados temporariamente.
(…) c) Danos devidos a vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações ou alterações do nível freático»].
k) A partir de janeiro de 2015, o Requerente procurou obter orçamentos, por indicação da 1.ª Requerida e da R…, em nome daquela, para reparação da empena lateral do prédio e reforço da estrutura do mesmo, ou seja, para reparação de fendas e rachas, sem intervenção ao nível da estrutura do prédio.

Factualidade não provada
2. Já em 2011, o prédio do Requerente apresentava vários problemas estruturais, como infiltrações, rachas e fendas, apodrecimento de vigas, alterações estruturais no interior das frações do edifício que comprometiam a sua estabilidade, ruturas em condutas junto às fundações do edifício, etc..
3. A segurada da Requerida O…, SA cumpriu escrupulosamente o projeto para a construção do edifício, nos exatos termos que lhe haviam sido adjudicados pelo dono da obra.

A Apelante sustenta que o ponto 2 deverá ser dado como provado, com fundamento no depoimento da testemunha J… C…, que teve a primeira intervenção e começou a acompanhar o estado do prédio desde 2012, quando ainda estava em curso a execução da obra da PJ, enquanto a testemunha P… R… teve o primeiro contacto com este prédio apenas em 2017, três anos após a obra da P… J… (PJ) estar concluída, não tendo o seu depoimento a virtualidade de ser considerado nesta questão em particular.
Realça, a este, propósito, o teor da página 12, ponto 5, do relatório da J…, que constitui o documento 27 do requerimento inicial, do qual resultará que já em 2011 o prédio do Requerente apresentava vários problemas estruturais, nomeadamente fendas e alterações estruturais no interior das frações do edifício que comprometiam a sua estabilidade.
Acrescenta que no relatório da A… de 2017, junto como anexo ao doc. 20 do requerimento inicial, também são por diversas vezes referidos problemas arrastados no tempo, como sejam a constatação de «fendilhação natural devida ao envelhecimento dos materiais e pequenas deformações locais»; «estado de conservação (da fração) razoável mas bastante negligenciado»; «agravamento de anomalias de índole estrutural já existente»; «anomalias resultam do envelhecimento natural dos materiais e da falta de manutenção»; «fendilhação oblíqua ligeira em paredes: resulta habitualmente de assentamentos locais das paredes devido ao envelhecimento das paredes de apoio ou mesmo da remoção destas»; «de uma forma geral, as frações apresentem anomalias que resultam da idade de edificação e de alguma falta de manutenção».
Relativamente ao ponto 3, a Apelante considera que tal matéria deverá ser dada como provada ou parcialmente provada.
Argumenta que, tendo presente que não foi possível juntar aos autos os projetos da obra do edifício da P… J…, nomeadamente o projeto de escavação e contenção, sob pena de violação da política de segurança inerente à classificação atribuída ao processo de contratação em causa, o Tribunal a quo não deveria ter considerado tal facto como «não provado».
Sustenta que a confidencialidade daqueles documentos e a impossibilidade de junção aos autos dos aludidos projetos de obra não poderá representar para si uma violação dos constitucionais princípios e direitos de igualdade e de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.
Afirma que, tanto a testemunha R… V…, como a testemunha J… C… foram unívocos ao referir que, de todas as diligências realizadas, foi possível concluir que o empreiteiro cumpriu com o projeto, inexistindo qualquer indício de que os danos alegados pelo Recorrido decorram de qualquer atuação/omissão do empreiteiro.
Apela ainda ao depoimento da testemunha J… M…, engenheiro civil da Câmara de Lisboa que realizou os autos de inspeção juntos ao processo e que terá referido não ter sequer elementos para imputar os danos em causa a obra da P… J….

Lê-se na motivação da decisão da matéria de facto do Tribunal recorrido que:
«O tribunal teve em conta na resposta que deu os documentos juntos aos autos, que não nos mereceram dúvidas, e ainda os depoimentos das testemunhas na medida em que tinham conhecimento dos factos em função da sua intervenção.
A maior dificuldade residiu na conjugação dos depoimentos das testemunhas que abordaram os aspectos mais técnicos da questão, tal como da compatibilização dos relatórios juntos aos autos produzidos por entidades qualificadas, mas com conclusões divergentes ou, mais concretamente, apreciações divergentes dos mesmos factos.
Foi ouvido P… R…, engenheiro civil que teve intervenção no relatório que a A… apresentou quer na sequência do estudo que a empresa fez em 2017 quer no mais recente a pedido do condomínio. Quando foi chamado ao edifício pela R… em 2017 foi no propósito de saber a causa das movimentações da estrutura não terem parado apesar da conclusão das obras e apesar das reparações que foram feitas, que qualificou de superficiais. Salientou que apesar do edifício ser antigo e ter fendas, as fendas que se observam na empena e parede da prumada do lado direito são diferentes, verticais na sua maioria. Frisou que o problema existe porque as deslocações não param, pois o natural seria depois de uma movimentação, o prédio assentar, o que não aconteceu ainda.
Explicou o agravar do problema em 2020, referindo encontrarem-se a fazer leituras semanais dos deslocamentos e estas mantêm-se e sempre no mesmo sentido.
Confrontado com as possibilidades de causa adiantadas pelo relatório da J…, explicou de uma forma coerente porque considera aquelas causas como muito pouco significativas, designadamente porque os problemas se verificam com muita distinção apenas naquela empena confinante com a rampa da PJ e explica que, caso tivesse indícios de patologias estruturais no edifício do requerente antes das escavações, ninguém responsável iria iniciar uma escavação ao lado de um edifício instável e desse facto ao Requerente teria de ter sido dado conhecimento.
Referiu ainda ter tido acesso às inspecções feitas antes do início da obra e que nenhuma patologia referente à estrutura do edifício foi identificada. Explicou também de uma forma muito consistente porque é que o facto de nalgumas fracções terem sido retiradas paredes não tem influência dos deslocamentos detectados.
No que diz respeito ao estado do prédio do requerente antes das obras do prédio confinante, não se encontrando nos autos o referido auto de vistoria anterior ao início das escavações, mencionado por ambas as partes e pelas testemunhas, o Tribunal só pode atender ao que as testemunhas afirmaram e ao que é mencionado a este respeito nos restantes documentos juntos aos autos. Considerou, no entanto, o auto de vistoria de 7.09.2012, o qual concluiu que “o edifício é recuperável” e que existe “fendilhação de carácter recente, com maior incidência do lado direito do edifício, devido à ocorrência de assentamentos diferenciais das fundações ou a eventuais vibrações transmitidas à estrutura do prédio, que poderão ter ocorrido aquando dos trabalhos de escavação e contenção de terras para a construção de um novo edifício de grandes proporções que se encontra em curso no terreno contíguo”.  Trata-se de um prédio com mais de 100 anos e que apresentava outras patologias, é certo, mas que por isso mesmo apresentaria uma maior susceptibilidade quando no prédio confinante se procedem a trabalhos da envergadura dos que foram realizados, designadamente, trabalhos que são efectuados no solo e sub-solo. No entanto, se as patologias fossem graves, o Requerente teria de ter tido conhecimento das mesmas e a CML também. O facto de a requerida ter indemnizado os condóminos e procedido a reparações é um indício de que a própria aceita que as deslocações então detectadas tiveram a sua origem na actividade que a sua segurada levou a cabo no prédio. Esse facto foi mencionado pela testemunha H… C…, que foi administrador do condomínio até 2016 e que vendeu a sua fracção em 2017, que afirmou que a G… nunca colocou qualquer objecção, nem hesitou, sempre assumindo que as patologias que foram objecto de indemnização tinham a ver com a obra que a sua segurada levou a cabo no edifício contíguo.
Resultou desse depoimento também que logo em 2015 voltaram os condóminos a acusar novas patologias e voltaram a fazer um levantamento das mesmas.
Posteriormente, já em 2017, foi efectuado um estudo a cargo da seguradora sobre a estrutura do prédio, porquanto as reparações que foram efectuadas não eliminaram as fendas que foram surgindo e que denunciam uma movimentação do prédio: tal resulta não só da correspondência foi sendo trocada entre as partes como dos depoimentos das testemunhas ouvidas. Essas oscilações nunca cessaram até 2020, como é notório do auto de vistoria da CML de Fevereiro de 2020. Neste, a fls. 49v, pode ler-se: “o edifício apresenta graves patologias, designadamente, fendas de grande abertura na parede da empena esquerda e na parede da fachada, de caracter recente, derivado ao muito provável assentamento diferencial das fundações”. A empena mencionada é a confinante com o edifício da P… J…, a mesma onde foram colocados testemunhos, cuja monotorização foi feita durante um determinado período.
Foi ouvido o engenheiro civil J… M…, da CM L, que foi ao edifício fazer as vistorias, a primeira quando ainda estava a decorrer as escavações, que visualizou e referiu também ter então detectado patologias que indiciavam assentamentos diferenciados causados por movimentação de terra, que era exactamente o que estava a acontecer.
Referiu que o que nas últimas vezes que foi ao edifício presenciou foi um agravamento substancial e sério das mesmas patologias, com um risco grave de despreendimento da parede da empena e por isso preconizaram a desocupação do edifício. Depôs com isenção e objectividade, revelando credibilidade.
O estudo da A… não nega que as fracções apresentem anomalias resultantes da idade do edifício e da falta de manutenção, mas faz referência e distinção no que respeita às fracções do lado da empena que faz fronteira com o edifício da P… J…, que apresentam fendas pronunciadas e de orientação bem definida e que denunciam deslocamentos que não se encontravam à data estabilizados.
O estudo da J… não exclui (nem inclui, em bom rigor, quem lê o estudo quase que fica com impressão de que nada se passou no solo contíguo ao edifício) a contribuição das obras de construção do edifício da P… J… para as patologias detectadas, mas refere a contribuição de outros factores, como as alterações estruturais dos pisos inferiores, eventuais rupturas de canalizações e a demolição do muro que poderia estar a desempenhar função de contravento da empena poente do edifício, muro este que foi demolido para a construção do edifício da PJ.
A testemunha R… V… que acompanhou, como gestor de sinistros da requerida, o processo dos autos, referiu que os danos causados com as escavações feitas pela segurada já tinham sido indemnizados e só mais recentemente, em 2019/2020 é que apareceram estes danos, afirmação que não parece corresponder ao que consta da correspondência trocada pelo menos desde 2016/2017 que denunciam uma continuidade no surgimento das patologias e no agravamento das mesmas.
A testemunha J… C…, da R… que presta serviço de regularização de sinistros para a Requerida, referiu que no tal relatório prévio ao início da obra são referidos problemas já existentes na empena, o que não é mencionado em qualquer documento dos autos nem foi mencionado pelas restantes testemunhas. Explicou porque, no seu entender o relatório da A… era inconclusivo e porque razão pediram outro à J…, que procedeu a sondagens. Referiu que o maior movimento é horizontal, não significando qualquer assentamento, o que contradiz o que é referido inclusive pela CML.
Antes de mais, não nos podemos esquecer que a apreciação que é exigida ao Tribunal no âmbito de uma providência cautelar é tendencialmente menos exigente que a que é feita em sede de acção principal, porque há que ter conta a brevidade que a situação exige e uma limitação das faculdades processuais no que diz respeito aos meios de prova. Considerando o que consta dos relatórios juntos aos autos e o que as testemunhas referiram quanto à contínua movimentação da estrutura do prédio desde o início das obras da PJ (que incluíram escavações para alojar seis pisos de cave), parece-nos suficiente indício de que aquelas escavações foram a causa principal daquelas patologias, tendo contribuído de forma decisiva para o seu aparecimento, desenvolvimento e agravamento.
Considerou também o Tribunal, o que consta do documento de fls.33v, da empresa que montou à estrutura de contenção e que menciona o facto de a mesma não conseguir evitar os deslocamentos verticais, o que quer dizer que os mesmos existem, ao contrário do que afirmou a testemunha da R…».

Apreciando:
Ponto 2
Começa-se por salientar que a motivação da decisão recorrida se encontra coerentemente fundamentada e que corroboramos o relevo que atribuiu ao depoimento da testemunha P… R…, pois ressalta da audição da prova que as declarações desta testemunha se revelaram particularmente credíveis e muito consistentes.
No que respeita ao depoimento de J… C…, ainda que esta testemunha remeta amiúde para um relatório, este não consta dos autos nem é referenciado em momento algum na abundante comunicação entre as partes carreada para os autos pelo Apelado.
Aliás, a testemunha R… V… refere que foram reparados danos anteriormente, considerando indubitável que havia um nexo de causalidade entre a execução da obra e esses danos.
Como bem salientou o Tribunal recorrido, na ausência do auto de vistoria anterior ao início das escavações, só pôde ater-se aos depoimentos das testemunhas e aos documentos juntos aos autos.
De qualquer modo, o auto de vistoria de 7.9.2012 já concluía que «o edifício é recuperável» e que existe «fendilhação de carácter recente, com maior incidência do lado direito do edifício, devido à ocorrência de assentamentos diferenciais das fundações ou a eventuais vibrações transmitidas à estrutura do prédio, que poderão ter ocorrido aquando dos trabalhos de escavação e contenção de terras para a construção de um novo edifício de grandes proporções que se encontra em curso no terreno contíguo». 
Acresce que a Apelante não impugnou a factualidade vertida na alínea f) da matéria de facto provada, da qual consta que:
«Antes do início das obras de construção do edifício sede da P… J…, cerca de maio de 2011, foi efectuada uma vistoria ao edifício, não tendo sido então reportada ao Requerente qualquer anomalia estrutural do edifício».
Urge, pois, concluir, tal como na decisão recorrida, que não foi feita prova da factualidade descrita no ponto 2.

Ponto 3
A Apelante alicerça a sua pretensão nos depoimentos de R… V…, coordenador de sinistros e funcionário da Requerida, e J… C…, funcionário da sociedade averiguadora R…, que agiu em todo o processo de acompanhamento do prédio do Recorrido no decurso da obra de construção do edifício sede da PJ, em nome da Requerida.
Ora, como bem refere o Apelado na sua alegação de resposta, para justificar que a sua segurada cumpriu «escrupulosamente» os termos do projeto de construção do edifício, a Apelante inquiriu duas testemunhas que não tiveram contacto direto com a execução da obra, não arrolou qualquer testemunha da segurada, do projetista ou da direção e fiscalização da obra, não juntou o projeto de construção do edifício que estará na posse da segurada, nem juntou aos autos quaisquer autos de medição.
Por outras palavras, a Recorrente, mesmo considerando a natureza perfunctória da prova a produzir em procedimento cautelar, não apresentou prova minimamente concreta do que afirma e acaba até por sustentar uma visão alternativa do problema ao requerer que fique demonstrado o facto negativo, ou seja, a ausência de demonstração de qualquer incumprimento imputável à O….

Aditamento de factos ao elenco da matéria de facto provada
«O conhecimento do projecto de escavação e contenção do Edifício da P… J… é indispensável para a realização adequada e eficaz das obras de contenção pretendidas pelo Requerente, nomeadamente para apuramento de eventuais erros que estejam na origem da alagada instabilidade do edifício

A Apelante requer o aditamento ao elenco dos factos desta matéria que considera essencial, para além do clausulado do contrato de seguro. Este já foi adicionado à alínea e), como vimos, pelo que nada mais há a acrescentar.
A Apelante argui que, em sede de petição inicial, o Recorrido demandou não só a Recorrente como o I…, I.P, tendo, quanto a este, requerido a junção aos autos dos elementos relativos à empreitada de construção do edifício sede de P… J…, em particular o respetivo projeto de escavação e contenção.
Alega que, como decorre do depoimento da testemunha P… R…, o acesso ao projeto de escavação e contenção do edifício sede da P… J… é essencial para averiguar o que ali ficou previsto, nomeadamente se existe alguma falha e/ou posterior desconformidade aquando dos trabalhos de escavação e contenção.
Conclui que, sendo tal factualidade alegada e tendo resultado do depoimento da P… R… e da prova documental, constitui um facto essencial com relevância para a decisão de mérito, e que resulta da instrução da causa, pelo que se impõe o seu aditamento.
O Apelado rebate a natureza essencial de tal facto.
Apreciando:
É apodítico que o conhecimento do projeto de construção do edifício erigido no prédio contíguo ao do Recorrido constituirá, no processo de consolidação e recuperação do imóvel do Apelado, um elemento técnico relevante, desde logo como forma de garantir que as realidades sobre as quais tais operações incidirão correspondem à realidade.
Porém, como bem refere o Apelado na sua alegação de resposta, a consagração de tal factualidade na matéria de facto provada nestes autos em nada auxilia a decisão, uma vez que se trata de uma realidade inerente ao cumprimento da decisão e que poderá ser melhor desenvolvida na ação principal.
Termos em que improcede nesta parte a impugnação.

Do enquadramento jurídico

O procedimento cautelar é um instrumento processual destinado à proteção eficaz de direitos subjetivos ou de outros interesses juridicamente relevantes.
A sua importância prática não resulta da capacidade de resolução autónoma e definitiva de conflitos de interesses, antes da sua utilidade na antecipação de determinados efeitos das decisões judiciais, na prevenção da violação grave ou dificilmente reparável de direitos, na prevenção de prejuízos ou na preservação do status quo, enquanto demorar a decisão definitiva do litígio.
Representa uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal e assenta numa análise sumária (summaria cognitio) da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito (fumus boni juris) e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afetado ou inutilizado, se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora).
Estabelece o artigo 362.º, n.º 1, do CPC que, sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
Por seu turno, o artigo 368.º, n.º 1, do mesmo diploma dispõe que a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
O sucesso da ação cautelar depende, pois, de dois requisitos:
a) a verificação da aparência de um direito;
b) a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente.
Quanto ao primeiro requisito, pede-se ao tribunal uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança (bonus fumus iuris).
Relativamente ao segundo, está em causa um juízo de probabilidade mais forte e convincente.

Do erro de julgamento no iter da verificação da aparência do direito, designadamente quanto à qualificação de atividade perigosa e à deteção de um nexo de causalidade

Quanto ao primeiro requisito da providência – a aparência do direito do Requerente –, a Apelante alega que não estão verificados três dos requisitos do instituto de responsabilidade civil por factos ilícitos (facto, ilicitude e nexo causal) que permitam concluir pela obrigação de a empreiteira O… responder pelos danos alegados.
Argui que, para os efeitos previstos no artigo 493º, n.º 2, do Código Civil, a construção civil não é de per si uma atividade perigosa.
Observa que nenhum elemento foi alegado nem tão pouco provado que sustente a qualificação da atividade da O…, na obra em causa, como sendo uma atividade perigosa.
Mais sustém que nem sequer foram alegados ou demonstrados elementos que possibilitem o eventual enquadramento da realização de escavações na obra em causa como uma atividade perigosa.
No limite, sustenta que, mesmo que se considerasse que, no caso concreto dos autos, a atividade desenvolvida pela ora Recorrente se enquadrava no conceito de «atividade perigosa», com a sua inerente presunção de culpa, era necessário que o lesado tivesse sido alegado e provado o facto que serve de base à presunção de culpa, o que não sucedeu no caso.
Por seu turno, o Apelado alega que os requisitos da responsabilidade civil emergem com clareza da factualidade provada, designadamente das alíneas o), y), z), ff), hh), ii), rr) e xii).
Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação:
«(…) Salientamos desde já que não está na presente causa o proprietário do prédio confinante e não está porque o requerente não deduziu contra este o mesmo pedido e mesmo que o tivesse feito, como antes já referimos, o Tribunal seria incompetente para essa apreciação. O I…, proprietário do prédio em questão, foi absolvido da instância, tendo sido opção do Requerente demandar apenas a Requerida, como a mesma expressamente o assumiu na sua resposta à oposição. 
Ao fazê-lo, acresce-lhe a demonstração pelo menos indiciária, mas que revele uma probabilidade séria da existência do direito de que existe a obrigação por parte da Requerida, seguradora do empreiteiro, de reparar os danos causados, com fundamento na violação ilícita por parte deste do seu direito.
Não existindo qualquer relação contratual entre requerente e requerida, estamos perante responsabilidade extracontratual, prevista no art. 483º do CC (…).
Não está aqui em causa o disposto no art. 492º do CC, porquanto a requerida não é proprietária nem esta é sua segurada (…)
Alegando a requerente que a requerida, na qualidade de empreiteira, provocou danos na estrutura do seu edifício ao proceder a trabalhos de construção civil no edifício contíguo, designadamente escavações, é chamado à colação o disposto no art. 1348º do CC, que dispõe:
1.O proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra.
2.Logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias.
Trata-se de um caso excepcional de responsabilidade civil extracontratual, resultante do exercício de uma actividade lícita, em que se prescinde da culpa. Com efeito, o dever de indemnizar não depende aqui da verificação de culpa, pelo que ocorre uma excepção à regra geral proclamada no art.483º, nº 2, do CC.
(…) Isto não significa que, havendo culpa, não possa existir também responsabilidade do empreiteiro pela reparação dos danos. Todavia, para além dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, acresce esse encargo ao lesado, nos termos do disposto no art. 487º do CC (…)
O empreiteiro agirá com culpa se não respeitar o dever objectivo de cuidado que lhe é especificamente exigido pelas regras de direito e da construção civil, se, em função de determinada situação concreta, não adopta o procedimento adequado, de modo a evitar a lesão de interesses protegidos de outrem. Será censurável a sua conduta ou omissão se se demonstrar que podia e devia ter agido de forma diferente.
Para além da culpa, há que demonstrar que a conduta que o empreiteiro adoptou violou a regras de construção e de cuidado aplicáveis (ilicitude) e que foi essa conduta que provocou os danos no prédio da requerente (nexo de causalidade).
Na senda do decidido, entre outros, pelo Acórdão da Relação de Guimarães de 5.12.2013, poder-se-á qualificar a actividade de escavações como uma actividade perigosa pelos meios que são empregues para efeitos de aplicação do disposto no art. 493º, nº 2, que dispõe: “2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”
Como se escreve nesse Acórdão, “Esta norma estabelece precisamente uma presunção de culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa e se se pode afirmar que nem toda a obra de construção civil pode considerar-se por si só uma actividade perigosa, a verdade é que a perigosidade a que se refere o artigo há-de ser apreciada em cada caso e em função das circunstâncias concretas do mesmo -  Pires de Lima e Antunes Varela, citando Vaz Serra, Código Civil Anotado, Volume I, página 495.”
Ora, uma obra de construção civil como aquela sobre que versam os autos que, como a própria Apelante reconhece, implicou trabalhos de escavação, remoção de inertes, a utilização de máquinas retroescavadoras, máquinas escavadoras giratórias, martelos pneumáticos, compressores, camiões, gruas e até o recurso a explosivos parece-nos manifesto que terá de considera-se, “pela natureza dos meios utilizados”, como o exercício de actividade perigosa, para efeitos do disposto no mencionado artigo incumbindo, por isso, à Apelante fazer a prova de “… que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos”.
No caso dos autos, não há qualquer dúvida de que a segurada da requerida procedeu a escavações de grande dimensão no âmbito da empreitada de construção do edifício da P… J…. Também é assente que durante a empreitada de construção foram detectadas fendas e outras patologias no edifício do Requerente e que a Requerida procedeu a obras de reparação nas partes comuns, bem como indemnizou os condóminos pelos danos causados nas respectivas fracções, o que significa que a requerida reconheceu, na qualidade de seguradora da empreiteira a sua obrigação de indemnizar tais danos.
Também não é controvertido que já depois da obra concluída, novas patologias surgiram que colocaram em causa a estabilidade do edifício ecolocaram deforma tal que o mesmo foi evacuado pela CML. A questão reside em saber se os danos, severos sem dúvida, que se conseguem detectar no edifício tem a sua origem na actividade de construção, em especial nas escavações, que a segurada da requerida levou a cabo no prédio contíguo.
Há que reconhecer que, no âmbito de um procedimento cautelar, formar uma convicção segura sobre a origem de patologias desta ordem de um edifício com mais de 100 anos seria sempre difícil, mas neste mesmo âmbito cautelar, porque se visa fazer face a uma situação de iminente lesão, basta que exista uma probabilidade séria da existência do direito e não uma certeza. O mesmo raciocínio se aplica aos factos constitutivos do direito. O tribunal não precisa de ter uma convicção segura de que foram as escavações que a segurada da requerida levou a cabo no edifício confinante foram a causa do estado actual do edifício do Requerente, desde que forme uma forte convicção da probabilidade de essas escavações terem causado os danos na estrutura do edifício, pela dimensão das mesmas, pelo facto de as deslocações não terem cessado após a conclusão da construção e se terem agravado continuamente ao longo destes anos.
Por outro lado, a requerida não fez prova, mesmo indiciária, de ter tomado todas as precauções necessárias para evitar os danos causados pelas escavações, sendo certo que a requerida se responsabilizou pelo pagamento da estrutura de contenção instalada em 2020 como forma de evitar o agravamento daqueles. A presunção de culpa que deriva do facto de ter levado a cabo uma actividade perigosa que consistiu em escavações com dimensão e profundidade significativas não foi, assim, afastada
Insurge-se, essencialmente, a Apelante contra a aplicação ao caso dos autos, pelo Tribunal a quo, da norma jurídica constante do artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, no sentido de considerar a atividade da construção do edifício da P… J… como atividade perigosa, na aceção utilizada nessa previsão normativa.
Cremos, contudo, que os argumentos esgrimidos pela Apelante não são suficientes para afastar as conclusões a que chegou o Tribunal da Primeira Instância.
Senão, atentemos na matéria de facto apurada.
Ficou provado que, a partir do ano de 2012, após o início de escavações para a construção do edifício da P… J… com seis níveis de cave, começou a verificar-se o aparecimento de rachas e fendas, quer na fachada do prédio, quer no interior das frações que o compõem, tendo sido efetuada uma vistoria da CML em 23.5.2012, do qual consta a seguinte conclusão: «(…) Além de outras patologias verificadas, constata-se a existência de fendilhação de carácter recente, com maior incidência no lado direito do edifício, devido à ocorrência de assentamentos diferenciais das fundações ou a eventuais vibrações transmitidas à estrutura do prédio, que poderão ter ocorrido aquando dos trabalhos de escavação e de contenção de terras para a construção de um novo edifício de grandes proporções que se encontra em curso no terreno contíguo.(…)». (alínea g) dos factos provados).
O edifício-sede da P… J… foi inaugurado em 11.3.2014 (alínea j) dos factos provados).
Foi elaborado um estudo pela A…, que ficou completo em junho de 2017, tendo concluído que «De uma forma geral, verifica-se que as obras levadas a cabo para execução da sede da PJ tiveram influência clara no estado de conservação do edifício em questão, levando ao assentamento da empena, que se traduziu no aparecimento de fendilhação de dimensão razoável e orientação bem definida nas frações direitas. Estas fendas agravaram localmente o estado de conservação do edifício, facilitando a entrada de água nessa zona e acelerando a velocidade de degradação de revestimentos e elementos estruturais» (alínea o) dos factos provados).
A 10 e 11.2.2020, a C.M.L. realizou vistoria ao prédio, tendo, em consequência da mesma, elaborado o auto que consta de fls. 46v, de que resulta, em suma, a verificação de fendas verticais, na empena e na fachada, de fendilhação acentuada com diversas orientações e ângulos, nas partes comuns e nas frações, afastamento alarmante da parede da empena esquerda e da fachada dos vários pavimentos dos vários pisos, de que decorre um risco de colapso dos elementos estruturais do prédio, com possibilidade de derrocada do mesmo (alínea y) dos factos provados).
A demolição do muro de topo da rua G… G… R… foi efetuada por ocasião da obra de construção do edifício-sede da P… J… (alínea hh) dos factos provados) e poderá ter contribuído para a perda de contraventamento do edifício do Requerente (alínea xii) dos factos provados).
Desde, pelo menos abril de 2020, que existe um risco sério de desmoronamento do prédio, em virtude, sobretudo, do afastamento da empena esquerda e da fachada dos pavimentos (alínea ii) dos factos provados).
A A…, por e-mail de 23.9.2020, remetido ao Requerente (fls. 108), reitera que «(…) os deslocamentos ocorridos nos alvos podem estar associadas (sic) a assentamentos verticais das fundações, provocados por um deficiente desempenho da estrutura de contenção da p… j…» (alínea rr) dos factos provados).
No enquadramento jurídico do caso, o Tribunal a quo fez apelo à presunção legal de culpa da Recorrente prevista no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, segundo o qual, «Quem causa danos a outrem no exercício de uma atividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir».   
Estamos perante um conceito indeterminado que carece de apreciação casuística, servindo de orientação a definição de Vaz Serra, segundo o qual devem ser consideradas atividades perigosas aquelas «que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber um dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades» («Responsabilidade pelos danos causados por coisas ou actividades», BMJ n.º 85, 1959, pp. 377-387, nota 33).
Antunes Varela escreveu, a propósito, que «O caráter perigoso da atividade (causadora dos danos) pode resultar (...) ou da própria natureza da atividade (fabrico de explosivos, confeção de peças pirotécnicas, navegação aérea, etc.) ou da natureza dos meios utilizados (tratamento médico com ondas curtas ou com raios X, corte de papel em guilhotina mecânica, tratamento dentário com broca, etc.)» (Das Obrigações em geral, vol. I, 8.ª edição, Coimbra: Almedina, 1994, pp. 605/606).
Mário Júlio de Almeida Costa, referindo-se à consagração legal de uma «presunção de culpa em relação à responsabilidade», esclareceu que:
«A estatuição alarga-se aos danos decorrentes do exercício de uma atividade perigosa, “por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados” (ex.: fabrico de explosivos, navegação aérea, transporte de materiais inflamáveis, aplicação médica de raios X, ondas curtas). Deve tratar-se, pois, de atividade que mercê de qualquer dessas duas razões, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral» (Direito das Obrigações, 12.ª ed. revista e atualizada, 7.ª reimpressão, Coimbra: Almedina, 2019, pp. 587/589).
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar atividades perigosas, nomeadamente, a prática de patinagem (acórdão de 11.9.2012, p. 8937/09.5T2SNT.L1.S1), as corridas de cavalo (acórdão de 18.9.2012, p. 498/08.9TBSTS.P1.S), o karting (acórdão de 6.6.2002, p. 02B1620), a condução de aeronave (acórdão de 3.11.2020, p. 1516/15.0T8BJA.E1.S1), o comércio e armazenamento de inflamáveis  (acórdão de 28.2.2002, p. 01B3472) e a prática da natação (acórdão de 13.10.2009, p. 318/06.9TBPZ.S1) todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Também Menezes de Leitão nos dá conta de vários exemplos da nossa jurisprudência a propósito do conceito de atividade perigosa, exemplificando com as atividades de monda química por meios aéreos, construção de barragens, fabrico de produtos pirotécnicos, abate de árvores, utilização de explosivos, realização de escavações no sopé de encosta com máquinas escavadoras, utilização de gruas na construção civil, demolição de placas com retroescavadora, corridas de todo o terreno, lançamento de fogo de artifício e captação, condução e transporte de água potável (Direito das Obrigações, Vol. I, 13.ª edição, Coimbra: Almedina, 2016, p. 293, nota 721).
Estes exemplos são relevantes, mas não têm o condão de abarcar todo o espectro casuístico do preceito.
No acórdão do STJ de 25.3.2010 (p. 428/1999.P1.S1, in www.dgsi.pt) considerou-se enquadrável no conceito de atividade perigosa todo o processo construtivo, globalmente levado a efeito com determinado meio dotado de elevada potencialidade para causar danos de elevada «agressividade» para as construções vizinhas.
Escreveu-se no referido aresto que não pode «olvidar-se, na óptica de uma adequada ponderação dos interesses em confronto – necessariamente orientada pelas exigências da proporcionalidade e da realização da justiça material na composição do litígio – que a realização de mega-empreendimentos construtivos não pode ser concretizada com o «esmagamento» dos direitos e interesses dos cidadãos que têm o azar de residir nas suas proximidades, impondo-se uma adequada ponderação ou balanceamento de interesses entre a liberdade de iniciativa económica de quem os realiza, auferindo significativos benefícios ou vantagens patrimoniais, e os direitos, pessoais e patrimoniais, dos residentes nas proximidades do empreendimento em curso : daqui decorre, nomeadamente, que não é argumento sustentável o que se consubstancia na mera invocação da vetustez ou fragilidade de edificações próximas, com vista a permitir que os autores e beneficiários da obra se eximam à responsabilidade pelos danos substanciais que comprovadamente hajam sido causados pelas técnicas construtivas adoptadas, de grande envergadura e elevada «agressividade», em edificações próximas». (negrito nosso, para salientar que a Apelante argumentou no sentido assinalado).
Regressando à situação sub judice, ainda que assista razão à Apelante quando afirma não estarem concretamente indicados os métodos utilizados nas escavações e construção do edifício da P… J…, é fora de dúvida a grande volumetria do prédio da P… J…, desde logo pela profundidade das escavações com seis níveis de caves, bem como a sua contiguidade com edifícios com mais de 100 anos, como é o caso do prédio do Requerente (cf. alínea xi) dos factos provados).
Estamos, seguramente, perante um «megaempreendimento de construção civil».
Na análise deste procedimento cautelar, em que a prova da aparência do direito é meramente perfunctória, não deixamos de compartilhar das preocupações de realização do Direito e da Justiça referenciadas no acórdão do STJ de 25.3.2010.
Considera-se no referido aresto que «não é tolerável que a desmesurada complexidade, técnica e jurídica, subjacente à realização de tais empreendimentos construtivos de grande dimensão, possa fragilizar desproporcionalmente a posição dos eventuais lesados, ao confrontá-los com uma teia inextricável de relações contratuais e subcontratos, de problemático acesso e aleatória interpretação, como condição «sine qua non» para a cabal identificação da concreta e real pessoa ou entidade responsável pelo evento danoso efectivamente verificado no seu património
Não sendo demandado o I…, está afastada neste procedimento cautelar a responsabilização objetiva do proprietário do edifício onde decorreram as atividades lesivas, ex vi do artigo 1348.º do Código Civil.
A solução tinha de ser encontrada no âmbito do instituto da culpa presumida da empreiteira, ao abrigo do artigo 493.º, n.º 2, do mesmo diploma, a qual só não terá sido demandada por ter sido declarada insolvente.
Ora, mesmo aceitando que a construção civil, só por si, não constituirá uma atividade perigosa, sempre o tipo de obra que consubstanciou a edificação do edifício - sede da P… J…, em Lisboa, preenche os requisitos para se integrar em tal conceito.
Neste sentido, destacamos as palavras do Tribunal a quo, ao afirmar na decisão recorrida que «No caso dos autos, não há qualquer dúvida de que a segurada da requerida procedeu a escavações de grande dimensão no âmbito da empreitada de construção do edifício da P… J…. Também é assente que durante a empreitada de construção foram detectadas fendas e outras patologias no edifício do Requerente e que a Requerida procedeu a obras de reparação nas partes comuns, bem como indemnizou os condóminos pelos danos causados nas respectivas fracções, o que significa que a requerida reconheceu, na qualidade de seguradora da empreiteira a sua obrigação de indemnizar tais danos.» (p. 25).
As obras de construção do edifício-sede da P… J…, em Lisboa, constituíram, pela sua dimensão, pelo tipo de escavações que exigiram e pela especificidade do destino do prédio a erigir, atividade perigosa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil.
Reforça este entendimento o teor do acórdão do TRL de 12.1.2017 (p. 1790/13.6TVLSB Ll -6, em www.dgsi.pt):
«- Não sendo a actividade de construção civil, a se, uma actividade perigosa, a pertinência de a construção de um prédio poder integrar a previsão do nº 2, do art. 493º, do CC, é matéria a apreciar/integrar casuisticamente, maxime aferindo se, em razão da sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, envolve uma concreta construção uma maior probabilidade de causar danos do que a verificada nas restantes actividades de construção civil em geral.
- Porque a construção de um prédio numa rua de uma grande cidade como Lisboa, em local de bastante movimento e envolvendo escavações a realizar junto de prédios de vários andares e de construção antiga, comumente chamados de “prédios gaioleiros” [conhecidos por possuírem uma qualidade construtiva reduzida e serem de debilidade estrutural], consubstancia uma actividade de construção civil cuja probabilidade de causar danos a terceiros é mais acrescida, pertinente é enquadrar a referida actividade de construção na previsão do nº 2, do are 493º, do CC.
- Para se exonerar da sua responsabilidade pelos danos causados no prédio gaioleiro, o empreiteiro da obra de construção carece de alegar e demonstrar que foram por si adoptadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias a fim de prevenir os danos, não sendo suficiente a prova de terem sido cumpridos os comuns deveres de cuidado que o vinculavam.»
Porque assim é, formou-se uma presunção de culpa da segurada da Apelante na produção dos danos verificados no prédio do Apelado que, como o Tribunal a quo bem assinalou, não foi afastada pela Apelante.
E o nexo de causalidade que intercede entre tal atividade perigosa e os danos e perigo iminente de ruína do prédio do Requerente emerge, como vimos, da factualidade provada, como a descrita nas alíneas g), j), o), y), z), ff), hh), ii), rr) e xii).
Improcede, assim, esta alegação da Apelante.

Da prescrição da obrigação de indemnizar da empreiteira

A Apelante alega que, enquadrando-se a situação dos autos no instituto da responsabilidade civil extracontratual, dispunha o Recorrido do prazo de três anos a contar da data em que teve conhecimento do direito que lhe compete para o exercer, nos termos do disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.
Argumenta que, como bem resulta da matéria de facto dada como provada, os problemas no imóvel alegadamente decorrentes das obras de construção do edifício da P… J…, tiveram o seu início no ano de 2012, pelo que tendo a presente providência cautelar sido instaurada muito depois do decurso do aludido prazo, está prescrito o alegado direito do Recorrido relativamente à Recorrente.
Conclui que deve ser absolvida do pedido, nos termos conjugados dos artigos 571.º, n.º 2, e 576.º, n.º 3, ambos do CPC.
Neste particular, o Tribunal recorrido decidiu que:
«Cumpre, também referir que tendo em conta que existiu uma continuidade temporal no surgimento dos danos e no reporte dos mesmos à requerida e que durante estes anos tanto uma parte como a outra não cessaram de estar em contacto e de efectuar diligências para resolver o diferendo em questão, não se mostra manifestamente decorrido o prazo de prescrição que pela Requerida foi invocado
Apreciando:
Preceitua o artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil que:
«O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso
Ficou provado que o edifício que constitui a nova sede da P… J… foi construído entre 2011 e 2014 pelo empreiteiro O…, S.A., tendo sido inaugurado em 11.3.2014 (alíneas d) e j) dos factos provados).
Mais se provou que, a partir do ano de 2012, após o início de escavações para a construção do edifício com seis níveis de cave, começou a verificar-se o aparecimento de rachas e fendas, quer na fachada do prédio, quer no interior das frações que o compõem, tendo sido efetuada uma vistoria da CML em 23.5.2012 (alínea g) dos factos provados).
Apurou-se que um estudo realizado pela A… ficou completo em junho de 2017, tendo concluído que «De uma forma geral, verifica-se que as obras levadas a cabo para execução da sede da PJ tiveram influência clara no estado de conservação do edifício em questão, levando ao assentamento da empena, que se traduziu no aparecimento de fendilhação de dimensão razoável e orientação bem definida nas frações direitas. Estas fendas agravaram localmente o estado de conservação do edifício, facilitando a entrada de água nessa zona e acelerando a velocidade de degradação de revestimentos e elementos estruturais (…)» (alínea o) dos factos provados).
Provou-se que, apenas em março de 2020, o Requerente teve acesso às conclusões do relatório referido em o) (alínea p) dos factos provados).
Tendo em consideração que não era necessário o conhecimento da pessoa responsável pelos danos para o conhecimento do direito que competia ao Condomínio, poder-se-ia afirmar que há muito decorreu o prazo de 3 anos desde as ocorrências de 2012.
Porém, nos termos do disposto no artigo 325.º, n.º 1, do Código Civil, a prescrição é interrompida pelo reconhecimento do direito efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
Ora, o indício de que os danos proviriam da empreitada levada a cabo no prédio contíguo pela O…, foi o reconhecimento pela própria O… e pelas entidades que a mesma incumbiu da averiguação do sinistro de que assim seria. O que as levou a proceder às reparações e à G… a realizar o pagamento das correspondentes indemnizações aos habitantes do prédio do Recorrido.
Assim, ficou provado que desde 2013 e até 2017, foram realizadas no prédio sucessivas reparações, de carácter meramente superficial, embora urgentes, face à visível degradação do edifício, sem qualquer intervenção na respetiva estrutura, quer nas partes comuns, quer nas frações, tendo todas sido custeadas pela 1.ª Requerida, depois de verificadas pela já referida R….
Tal reconhecimento, reportando-se às causas dos danos verificados no prédio do Apelado, sempre terá interrompido o decurso do prazo de prescrição, pelo menos até 2017.
Segundo o disposto no artigo 326.º, n.º 1, do Código Civil «A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo», sendo que a nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito.
Por e-mail de 2.11.2017 (fls. 37v), a R… voltou a comunicar ao Requerente o carácter supostamente inconclusivo do relatório da A…, mencionando a necessidade de realizar sondagens no terreno do prédio, a levar a cabo pela sociedade J… (alínea r) dos factos provados).
Tendo o presente procedimento cautelar dado entrada no Tribunal no dia 22.10.2020, não se verificou o decurso do prazo de 3 anos desde a data do e-mail de 2.11.2017.
Aliás, na contagem do prazo da prescrição há que considerar a Lei n.º 1-A/2020, de 19.3, que estabeleceu medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, consignando nos seus n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º que a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, prevalecendo sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
Deve, assim, confirmar-se a decisão que julgou improcedente a exceção da prescrição.

Do período de cobertura e da inclusão ou exclusão do sinistro do contrato de seguro

A Apelante coloca em causa a vigência do contrato e a inclusão do sinistro no âmbito do seguro, convocando, para o efeito, as cláusulas contratuais de exclusão, ora descritas na alínea e) da factualidade provada.
O Apelado refuta todos os argumentos, fazendo, para o efeito, a exegese das cláusulas contratuais.
A empreiteira da obra em apreço – O, S.A. - celebrou com a Requerida um contrato «Todos os riscos empreiteiros construção», nos termos do qual foi para si por aquela transferida a responsabilidade civil de natureza extracontratual, «limitada às indemnizações que legalmente possam ser exigidas ao Segurado pela reparação de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais involuntariamente causados a terceiros em consequência de acidente directamente relacionado com a execução dos trabalhos de construção ou montagem objecto do seguro e ocorridos no local do risco, durante o período do seguro, e até aos limites fixados nas Condições Particulares» (alíneas e) e iv) dos factos provados).
Como é sabido, o contrato de seguro é um contrato pelo qual o segurador assume a cobertura de determinados riscos, comprometendo-se a satisfazer as indemnizações ou a pagar o capital seguro em caso de ocorrência de sinistro, nos termos acordados.
A prestação devida pela seguradora pode ser efetuada à pessoa no interesse da qual o seguro é celebrado (o segurado) ou a terceiro designado pelo tomador do seguro (o beneficiário) ou ainda a uma terceira pessoa que tenha sofrido prejuízos que o segurado deva indemnizar (o terceiro lesado) - cf. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 15.4, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (doravante, LCS).
O sinistro corresponde, na definição do artigo 99.º da LCS, à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco previsto no contrato.
O contrato em análise é um seguro de responsabilidade civil, pelo qual o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros, conforme flui do disposto no artigo 137.º da LCS.
O contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, embora com os limites estatuídos na Secção II do Capítulo I deste diploma (artigo 11.º), na qual se elencam as normas imperativas.
São, assim, aplicáveis no caso vertente as condições particulares, especiais e gerais do contrato em tudo que não contrarie normas de cariz imperativo consagradas da LCS.
Começando pelo tema do período de cobertura do contrato de seguro, o artigo 4.º das condições gerais do contrato prevê que a cobertura cesse com o término dos trabalhos de montagem e de construção.
Preceitua o artigo 139.º, n.º 1, da LCS que «Salvo convenção em contrário, a garantia cobre a responsabilidade civil do segurado por factos geradores de responsabilidade civil ocorridos no período de vigência do contrato, abrangendo os pedidos de indemnização apresentados após o termo do seguro».
Ora, a cláusula contratual em apreço não estabelece nenhum regime contrário a esta norma supletiva.
No caso, as manifestações dos danos foram observadas a partir de 2012 e, posteriormente, em 2015, 2017 e 2020.
Apesar destas últimas manifestações se situarem fora do alcance temporal do contrato de seguro, referem-se a factos (danos) produzidos no decurso da obra - ou seja, anteriormente a 11.3.2014, pelo que estão cobertos pelo seguro.
E o que dizer das invocadas exclusões do contrato de seguro?
A Apelante invoca as seguintes exclusões:
- Da reparação ou substituição necessária devido a faltas, defeitos, erros ou omissões do projeto, desenho, cálculo ou especificação (art.º 3.º, 2., a) das condições gerais);
- Dos danos legalmente imputáveis a proprietário, subempreiteiros do segurado, outros empreiteiros ou subempreiteiros que trabalham no local do risco ou seus empregados efetivos ou contratados temporariamente (art.º 3.º, 2., a) das condições especiais);
- Dos danos devidos a vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações ou alterações do nível freático (art.º 3.º, 2., b) das condições especiais).
Porém, nenhuma destas exclusões foi sequer aventada em sede de oposição ao requerimento inicial.
No conhecimento do objeto do recurso é primordialmente apreciada a legalidade da decisão recorrida, em concreto o juízo de facto e de direito que incidiu sobre pretensão submetida ao veredito judicial, naquele único e singular circunstancialismo, e não a tomada em consideração (pelo tribunal superior) de questões novas não suscitadas nem discutidas em 1.ª instância (cf. Luís Espírito Santo, Recursos Civis, O sistema recursório português. Fundamentos. Regime e Actividade Judiciária, Cedis, 2020, p. 7).
Como salienta Rui Pinto, «O sistema recursório português vigente em Portugal caracteriza-se por (...) ser de reponderação pois não admite nem factos, nem questões novas, mas já com traços de reexame na medida em que admite a renovação e ampliação da prova e factos novos ao abrigo dos artigos 5º, nº 2 e 662º» (in O Recurso Civil. Uma teoria geral. Noção, objecto, natureza, fundamentos, pressupostos e sistema, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 261).
Está em causa a avaliação em segundo grau de uma decisão judicial pré-existente e não a possibilidade de iniciar uma nova e diversa discussão sobre temas não versados anteriormente.
Trata-se de sindicar a valoração do juízo de facto e de direito emitidos pelo juiz de 1.ª instância e não o conhecimento de novos factos ou de novas questões de direito que as partes, podendo fazê-lo, entenderam não apresentar, nem configurar ou esgrimir no processo que decorreu na primeira instância.
De todo o modo, e constituindo um desvio a este regime-regra, haverá que tomar em consideração a necessidade de apreciação pelo tribunal superior de matérias que sejam do conhecimento oficioso, nomeadamente as relacionadas com juízos de constitucionalidade; com a declaração de nulidade de atos jurídicos, movida por razões de interesse público (artigo 286.º do Código Civil); o conhecimento das cláusulas contratuais estabelecidas no interesse do consumidor (cf. Decreto-lei n.º 446/85, de 25.10); questões de inobservância da forma legal, quando seja exigida imperativamente (artigo 220.º do Código Civil); e o instituto do abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil) (cf. Luís Espírito Santo, obra citada, pp. 10 e 11).
Regressando ao caso concreto, a Apelante invoca questões novas que se prendem com a exclusão do sinistro do âmbito de recurso e não são de conhecimento oficioso.
Verifica-se, sem dúvida, a preclusão da defesa no que concerne a estas exceções impeditivas do direito do segurado à indemnização, cuja alegação e prova compete ao segurador (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil) e não são de conhecimento oficioso – cf. artigo 573.º do CPC.
Naturalmente, se a Requerida o tivesse feito, a Requerente teria tido oportunidade de se pronunciar sobre esta matéria de exceção (artigo 3.º, n.º 4, do CPC).
As partes teriam logrado produzir prova com vista a ser conhecida a sua vontade real e o Tribunal recorrido teria apreciado a questão, interpretando a declaração ou declarações negociais em causa. Nada disso aconteceu, sendo agora este Tribunal de recurso confrontado com estas questões que não foram oportunamente colocadas nos autos.
Conclui-se, assim, que as questões relacionadas com a exclusão do seguro são questões novas que não foram alegadas oportunamente, nem resolvidas pelo tribunal nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, pelo que não podem por ser levadas em conta, estando vedada a sua apreciação por este Tribunal de Recurso.

Da natureza da indemnização prevista no contrato de seguro e análise da providência decretada

A Apelante alega que não se pode descurar a natureza indemnizatória e limites do contrato de seguro celebrado entre a Recorrente e a O…, S.A., conforme o disposto nos artigos 128.º, 137.º e 138.º da LCS, e como consta das Condições Particulares, Condições Gerais e Condições Especiais do contrato.
Argumenta que a segurada O… não transferiu para a ora Recorrente a obrigação de proceder a trabalhos de construção civil, mas apenas e tão-só a obrigação de indemnizar, verificados que estejam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do contrato de seguro celebrado, e provados que estejam os danos e a sua quantificação.
Conclui que o decretamento da providência nos termos que constam da sentença não tem cobertura contratual e legal.
Na sua alegação de resposta, o Recorrido faz apelo à argumentação por si sustentada nos seus articulados relativamente ao teor e abrangência dos pedidos que formulou contra a Recorrente.
Considera que existindo, tal como demonstrou, indícios suficientes de que os trabalhos realizados no âmbito de tal empreitada determinaram situação de derrocada iminente do prédio dos autos, a Requerida G… responde por via do contrato de seguro, pelos danos sofridos no prédio em questão, sobretudo os que, presentemente, ditam uma situação de perigosidade extrema quanto à sua estabilidade.
Objeta que a Requerida, apesar de não ser empresa de construção civil, suportou, de sua iniciativa, toda a estrutura de contenção do prédio dos autos, que se estimou em mais de 150 000,00 €, sem que alguma vez tenha argumentado que não o poderia fazer, por ser uma seguradora, e não um empreiteiro.
Conclui que, no fundo, estamos perante uma questão de «conversão monetária do pedido», cujo alcance é claramente definido no acórdão do TRL de 14.7.2020 (p. 101/17.6T8PDL.L1-6, in www.dgsi.pt), de cujo sumário retira os seguintes passos:
«IV- O sinistro equivale à verificação, total ou parcial, dos factos compreendidos no risco assumido pelo segurador (art 99º da LCS), reporta-se, pois, à ocorrência daquele facto ou conjunto de factos que, desencadeando a garantia contratual de cobertura de risco, origina, para o segurador o dever de realizar a prestação convencionada.
V - A obrigação da ré seguradora é apenas uma obrigação pecuniária pelo que a conversão monetária do pedido formulado não implica a condenação em pedido diverso, configurando sim a concretização dos danos a ressarcir
Apreciando:
a) Na sequência de pedido formulado pelo Requerente nesse sentido, o Tribunal a quo julgou procedente o procedimento cautelar e condenou a Requerida a proceder às medidas necessárias e adequadas para eliminar os deslocamentos verticais verificados na estrutura do prédio do Requerente, designadamente proceder ao reforço da estrutura de contenção instalada em agosto de 2020 e proceder aos trabalhos que se mostrem necessários para o reforço e consolidação das suas fundações.
O Tribunal recorrido apreciou esta questão da seguinte forma:
«No que diz respeito à obrigação de indemnizar a que a Requerida se obrigou através do contrato de seguro celebrado com a empreiteira O…, como é sabido, o direito à indemnização consiste na reposição da situação em que o lesado se encontrava antes da lesão, pelo que as actuações necessárias a assegurar que o prédio do lesado mantenha a sua integralidade compreendem necessariamente essa obrigação de indemnizar, seja essa actuação traduzida em obras ou não
Porém, esta afirmação não encontra apoio na Lei e no contrato.
O artigo 128.º da LCS, relativo ao princípio indemnizatório, estatui que a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro.
No seguro de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros, conforme resulta do artigo 137.º da LCS.
Nos termos do artigo 138.º, n.º 1, da LCS, «O seguro de responsabilidade civil garante a obrigação de indemnizar, nos termos acordados, até ao montante do capital seguro por sinistro, por período de vigência do contrato ou por lesado».
As cláusulas contratuais não afastam este princípio e regras, como ressalta do seu teor:
- «1. Nos termos, condições e exclusões do presente contrato e relativamente aos períodos, local e objectos seguros expressamente designados nas Condições Particulares, a Seguradora obriga-se ao ressarcimento dos prejuízos resultantes de sinistro abrangido no âmbito da cobertura da apólice.» - art. 2.º das condições gerais do contrato;
- «3.2. Âmbito da Cobertura de Responsabilidade Civil Extracontratual
Mediante convenção expressa nas Condições Particulares esta apólice poderá garantir as indemnizações que, em conformidade com a lei vigente, o Segurado seja legalmente obrigado a pagar a Terceiros no âmbito da RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL, por motivo de acidente directamente relacionado com o objecto seguro, de harmonia com o disposto na respectiva Condição Especial.» - ponto 3.2. do art. 2.º das condições gerais do contrato;
- «A responsabilidade civil, de natureza extracontratual, assumida pela Seguradora, através desta Condição Especial, é limitada às indemnizações que legalmente possam ser exigidas ao Segurado pela reparação de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais involuntariamente causados a terceiros em consequência de acidente directamente relacionado com a execução dos trabalhos de construção ou montagem objecto do seguro e ocorridos no local de risco, durante o período do seguro, e até aos limites fixados nas Condições Particulares.» - art. 1.º das condições especiais do contrato;
- «1. A quantia fixada nas Condições Particulares que a Seguradora se compromete a satisfazer é o máximo da soma de todas as indemnizações e despesas procedentes de sinistros ocorridos durante a vigência do seguro, salvo o disposto no n.º 1 do Art.º 18.º, independentemente do montante das reclamações apresentadas.» - art. 2.º das condições especiais do contrato.
O Requerente/Apelado e o Tribunal recorrido não atenderam à diferente fonte da responsabilidade da seguradora e da empreiteira (declarada insolvente e, portanto, não demandada).
Na verdade, a Requerida/Seguradora apenas pode ser demandada tendo por base o contrato de seguro celebrado e o âmbito de cobertura do mesmo.
Ao invés, a empreiteira é que assume a responsabilidade extracontratual, nos termos dos artigos 483.º e 493.º, n.º 2, do Código Civil.
Tal premissa não fica afastada ante a possibilidade de o Requerente poder demandar a seguradora diretamente (questão decidida pelo Tribunal recorrido em sede de apreciação da legitimidade das partes).
Como se escreveu no citado acórdão do TRL de 14.7.2020, seguindo de perto o estudo de Pedro Pais de Vasconcelos intitulado «Seguro de responsabilidade civil: o “dente” da responsabilidade civil ou a distribuição do risco» (in Responsabilidade Civil cinquenta anos em Portugal, quinze anos no Brasil, Vol. II, pp. 255 e ss.), a responsabilidade civil e o seguro têm similitudes funcionais, mas partem de duas perspetivas diferentes: aquela serve de base ao seguro e o seguro pode reforçar a eficácia funcional da responsabilidade civil.
Como bem refere o Autor, das duas realidades «nasce uma distinção ética fundamental entre a ilicitude do agir e a ilicitude do acontecer. Da ilicitude do agir decorre a responsabilidade moral, e dela a responsabilidade civil (e a responsabilidade criminal); da ilicitude do acontecer nasce o risco e o dano injusto, a necessidade de o atribuir ou de o distribuir, a sua transferência, a sua mutualização, a sua socialização. Se a teoria da responsabilidade civil nasce do livre arbítrio e da ilicitude da ação, o seguro nasce da consideração da inexorabilidade do risco do evento e da ilicitude do dano.» (ibidem).
Chegados a este ponto, é de concluir que a sentença recorrida oferece a dificuldade de não concluir pela providência adequada, ao condenar a seguradora à prática de atos que extravasam o âmbito e a essência do contrato de seguro.

b) Mas antes de prosseguir na análise da providência decretada, há que atentar na casuística que emergiu do julgamento, via adequada a apurar-se o conceito de lesão grave e dificilmente reparável do direito do Requerente – segundo requisito para o decretamento da providência cautelar não especificada.
Relativamente ao requisito do justo receio de lesão dificilmente reparável, o Tribunal recorrido decidiu o seguinte:
«No que diz respeito aos restantes requisitos de procedência da providência, não há grandes dúvidas de que o reforço da estrutura de contenção do edifício, em especial da empena, se mostra adequado a evitar o agravamento dos danos e em especial de derrocada do edifício, mesmo que não se mostre de imediato suficiente para permitir o regresso dos habitantes das fracções. Tal como se mostra adequado que se determine que a ré proceda aos trabalhos necessários para consolidação das fundações de forma a eliminar os deslocamentos verticais que se mantém activos.
O “periculum in mora” que também se exige é manifesto atento tudo o que já e em particular pelo facto de os deslocamentos continuarem a verificar-se, no sentido do seu agravamento, o que pode significar com o arrastar da situação, um gradual agravamento do risco de derrocada.
Por fim, diremos que pesando as necessidades cautelares e o prejuízo resultante da procedência da providência, não podemos deixar de concluir que o dano que com esta se pretende evitar excede de fora significativa aquele
Sendo insofismável o periculum in mora, pela abundante factualidade apurada nesse sentido, verifica-se o preenchimento dos dois requisitos para o decretamento da providência.

c) Entrando no âmbito da adequação da providência cautelar decretada, há que atentar no disposto no artigo 376.º, n.º 3, do CPC que prevê que «o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida
Esta mitigação do princípio do pedido no domínio da tutela cautelar é apanágio do procedimento cautelar comum, mas não deixa de ser um exemplo claro da «flexibilização do pedido à luz do moderno Processo Civil» de que nos dá conta Miguel Mesquita, in Revista de Legislação de Jurisprudência, Ano 143.º, nov./dez. de 2013, p. 138.
Será possível a adequação da providência decretada?
No que respeita à ação, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do CPC, «A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde uma ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação».
Sem embargo, «a composição provisória realizada através das providências cautelares pode prosseguir uma de três finalidades: ela pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela pretendida ou requerida. No primeiro caso, tomam-se providências que garantem a utilidade da composição definitiva; no segundo as providências definem uma situação provisória ou transitória; no terceiro, por fim, as providências atribuem o mesmo que se pode obter na composição definitiva […] A diferença qualitativa entre a composição provisória e a tutela atribuída pela acção principal decorre dos seus pressupostos específicos e, nomeadamente da suficiência da probabilidade da existência do direito acautelado» Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pp. 227 e 228.
Nesse quadro de princípios, expressa a lei, a propósito do âmbito das providências cautelares não especificadas, por um lado, que se alguém mostrar fundado receio de que outrem lhe cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito pode requerer uma providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado, e que o procedimento cautelar é dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado (artigos 362.º, n.º 1, e 364.º, n.º 1, do CPC).
As providências conservatórias visam acautelar o efeito útil da ação principal, assegurando a permanência da situação existente quando se espoletou o litígio ou aquando da verificação de periculum in mora.
As providências antecipatórias visam, atenta a urgência da situação carecida de tutela, a antecipação da realização do direito que previsivelmente será reconhecido na ação principal e será objeto de execução.
Na situação em apreço, foi decretada uma providência cautelar antecipatória, a qual se integra na previsão da lei.
A propósito do artigo 381.º do CPC de 1961 (atual artigo 362.º), Lopes do Rego escreveu que a redação do preceito inculca expressamente que a matriz essencial da justiça cautelar é o asseguramento do princípio da efetividade da tutela jurisdicional, considerando mesmo que as providências cautelares não especificadas são uma verdadeira «acção cautelar geral», visando a tutela provisória de quaisquer situações de «periculum in mora» (cf. Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra: Almedina, 1999, p. 274).
Perante as diferentes formas de indemnização de que as lesões podem ser objeto, quais se devem subsumir, afinal, no conceito de dificilmente reparáveis?
Em última análise, trata-se de saber quais os direitos que devem ser, ou não, imediatamente acautelados.
Rita Lynce de Faria, citando Paolo Biavati, indicou duas categorias de direitos subjetivos: os tuteláveis e os não tuteláveis em sede de urgênciaA Tutela Cautelar Antecipatória no Processo Civil Português, Um difícil equilíbrio entre a Urgência e a Irreversibilidade», Universidade Católica Editora, Lisboa, 2016, p. 147).
Ser titular dos primeiros significa poder reagir imediata e eficazmente perante uma violação eventual; ser titular dos segundos significa dever esperar pacientemente que a máquina da justiça exerça o seu papel.
A dúvida persiste quando estejam em causa situações em que a lesão só possa ser compensada através do pagamento de uma indemnização sucedânea do valor do dano que não permite a plena restitutio in integrum.
Uma interpretação mais restritiva conduzirá à exclusão do âmbito da tutela cautelar daquelas lesões suscetíveis de reintegração por equivalente pecuniário.
Deverá ser admitida providência cautelar para evitar um dano suscetível de, posteriormente à lesão, ser reparado através de indemnização em dinheiro?
Neste contexto, alguma jurisprudência tem aderido, para este efeito, a um critério de difícil reparação subjetivo, assente, não apenas no tipo de direito, mas, sobretudo, em elementos referentes à situação concreta a acautelar.
Em particular, a jurisprudência tem fundado o respetivo critério de difícil reparação na análise da capacidade económica do requerido.
Neste sentido, vide os acórdãos do TRL de 1.2.2007 (p. 9500/06-2), de 26.6.2008 (p. 4959/2008-2), de 19.10.2010 (p. 1600/10.6TBCSC-A.L1-1), e de 27.7.2009 (p. 1004/07.8TYLSB.L1-8) e o acórdão do TRC de 28.4.2010 (p. 319/10.2BPBL.C1), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Em sentido contrário se pronunciou o acórdão do STJ de 18.3.2010 (p. 1004/07.8 TYLSB.L1.S1, www.dgsi.pt), que chama a atenção, para além de outros fatores, para a dificuldade que tal prova negativa implicaria.
A propósito, Rita Lynce de Faria dá-nos conta dos exemplos brasileiro, italiano e francês (ibidem, p. 148).
Também no Brasil, no âmbito da tutela cautelar antecipatória, tem prevalecido este entendimento subjetivo referente à capacidade económica do requerido (cf. Frederico Almeida Neves, Tutela jurisdicional antecipada, p. 74).
Embora não colocando o acento tónico na situação patrimonial do requerido, doutrina e jurisprudência italianas também têm considerado de excluir a concessão da tutela cautelar em caso de obrigações pecuniárias ou no caso de danos suscetíveis de serem reparados por ressarcimento pecuniário (cf. Edoardo Ricci, Interventi, pp. 107 e 108).
Por seu turno, o exemplo francês do référé-provision vai no sentido contrário, ao admitir a concessão de tutela cautelar com conteúdo de intimação de pagamento de uma certa quantia pecuniária.
Tal como a Autora (ibidem, p. 149), aderimos totalmente ao acórdão do STJ de 18.3.2010, assim sumariado:
«Nada na lei autoriza a que se exija do requerente do procedimento cautelar comum que faça prova de que o Requerido não poderá pagar-lhe uma indemnização correspondente ao bem ou direito lesado, sob pena de recusa das providências requeridas, por falta do elemento “dificuldade de reparação”. Se assim fosse, ficariam sem tutela da ordem jurídica bens, serviços e direitos de relevantíssimo interesse social, não apenas por dificuldade de tal prova, mas também porque o lesante, em geral, poderia cobrir, mediante uma presumida importância pecuniária e segundo um juízo de probabilidade, todos os prejuízos materiais advenientes da lesão».
Neste âmbito, a Autora não deixou de entrar numa reflexão que se aproxima mais do presente caso, ao afirmar o seguinte:
«Note-se que, ao contrário do que acontecer nesta situação, muitas vezes a indemnização em dinheiro constitui a forma de restauração natural, já que a obrigação original devida se traduzia, ela própria, numa obrigação pecuniária. Não obstante, casos existem em que, apesar disso, a antecipação cautelar se justifica, pois, o pagamento adiado daquela quantia pode vir a provocar danos que, esses sim, são insuscetíveis de restauração natural. Nesse caso, a providência cautelar, para evitar o dano dificilmente reparável, antecipa essa quantia, como forma de evitar danos decorrentes do atraso no pagamento. Assim acontece, nomeadamente, com os alimentos provisórios ou o arbitramento de reparação provisória(…)» ibidem, p. 153, nota 346).
Preceitua o artigo 20.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa que:
«Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos
Assim, imperativos de ordem constitucional convidam o intérprete e aplicador do direito a adotar uma posição mais flexível que permita o recurso, com maior amplitude, à tutela cautelar, que não pode mais ser vista como uma tutela excecional.
O direito a uma tutela jurisdicional efetiva tem de traduzir-se numa eficácia plena da decisão judicial na esfera jurídica do particular.
Assim, podem considera-se dificilmente reparáveis aquelas lesões que não sejam suscetíveis de reintegração específica ou cuja reintegração in natura seja difícil, nomeadamente, porque a valoração dos danos é muito difícil ou porque, devido à situação económica do lesante, não é possível obter a reconstituição no caso concreto (ibidem, p. 163).
O artigo 362.º, n.º 1, do CPC exige que a providência seja «concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado».
Daqui resulta que a adequação da providência cautelar apenas é constatável em concreto, dependendo da natureza do pedido a que o direito do requerente esteja sujeito.
A importância deste requisito da adequação cautelar aumenta exponencialmente num sistema jurídico cautelar como o nosso, em que grande parte da tutela cautelar é concedida ao abrigo da cláusula geral do citado artigo 362.º.
Aí se atribui ao juiz, subsidiariamente, um poder cautelar geral, contrariamente ao que sucede com as diversas medidas cautelares nominadas, em que se prevê, para cada periculum in mora em concreto, uma providência específica adequada para garantir aquela situação, no âmbito da tutela cautelar não especificada o juízo de ponderação desempenha um papel fundamental na escolha da providência concreta.
Como escreveu Rita Lynce de Faria, «Muito embora o recurso à tutela cautelar comum apenas tenha lugar subsidiariamente, quando ao caso não caiba uma medida especificada, a verdade é que a ideia de que aquela aplicação será residual é totalmente ilusória. Na prática, o âmbito de atuação daquelas providências é extremamente alargado, dada a panóplia de situações que permite cobrir na sociedade atual, em que as hipóteses de risco se multiplicam a um ritmo desenfreado, ultrapassando com frequência a previsibilidade das restantes estatuições concretas. Em suma, pode afirmar-se que a tutela cautelar não especificada possui um conteúdo caracterizado pela elasticidade.» (ibidem, p. 168).
Perante um sistema cautelar misto como o nosso, em que o legislador não tem a pretensão de abarcar todas as realidades carecidas de tutela e em que a ponderação pelo juiz da adequação da medida solicitada ao afastamento da situação de perigo é fundamental, o artigo 376.º, n.º 3, do CPC, permite a concessão de medida diferente da requerida, precisamente no sentido de possibilitar uma real adequação à situação de perigo existente.
O julgador goza assim de um poder de adequação material que lhe permite aferir da idoneidade da medida requerida para afastar o periculum in mora concreto e, em caso negativo, escolher uma medida apta àquela função.
Estamos perante um poder-dever de decretar a providência mais adequada.
O entendimento deste poder-dever de convolação da medida requerida, atribuído pelo artigo 376.º, n.º 3, do CPC, não é pacífico na doutrina.
Como explica Rita Lynce de Faria, «a não adstrição do tribunal à medida concretamente requerida pode ser interpretada como uma derrogação do princípio do dispositivo em matéria cautelar, ou pode ser vista como uma simples manifestação da regra geral do iura novit curia que permite ao julgador alterar a qualificação jurídica no sentido de viabilizar o pedido cautelar.» (ibidem, p. 170)
«Não faria sentido a disposição do preceito se a intenção do legislador não fosse a de consagrar, em matéria cautelar, solução diferente da já resultante do artigo 5.º, n.º 3.» (ibidem)
Entendemos que, ainda que o juiz não esteja vinculado pelo pedido concreto de providência cautelar, ele está, no entanto, vinculado pelo sentido do pedido, ou seja, pela vontade manifestada pelo Requerente no sentido do afastamento de uma situação de perigo concreta.
Neste sentido, Rui Pinto designa este limite ao poder de regulação do juiz de «finalidade concreta do pedido» (A questão de mérito na tutela cautelar -  A Obrigação Genérica de não Ingerência e os Limites da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2009, pp. 642 e 643).
Revertendo ao caso concreto, à luz das considerações expendidas, perante a ameaça de derrocada iminente do prédio do Requerente e tudo o que de muito grave e irreparável tal significa, em face da insolvência da empreiteira que, por isso, não é demandada para a reparação in natura dos danos do prédio, consideramos que é de decretar a providência cautelar, mas reduzindo-a e adequando-a ao objeto da obrigação de indemnizar da seguradora.
Isto sem olvidar que o Requerente atribuiu ao procedimento cautelar o valor de 750 000,00 €, que considera corresponder a um cálculo provável dos custos da reparação do edifício necessários a evitar o periculum in mora.
d) Deve, assim, reduzir-se e adequar-se o comando da providência cautelar ao seguinte:
- Condenação da Requerida a custear as obras de reparação necessárias e adequadas à eliminação dos deslocamentos verticais verificados na estrutura do prédio do Requerente, designadamente através do reforço da estrutura de contenção instalada em agosto de 2020 e dos trabalhos que se mostrem necessários para o reforço e a consolidação das suas fundações, mediante a entrega das quantias monetárias necessárias, dentro dos limites do seguro e até ao montante de 750 000,00 € indicado pelo Requerente no requerimento inicial.

Do sentido do recurso e das custas

Perante as considerações de facto e de Direito supra expendidas, a apelação deve proceder parcialmente apenas no segmento em que reduz e adequa a providência decretada, nos termos supra determinados.
Dado que ambas as partes ficaram vencidas, Recorrente e Recorrido são responsáveis pelo pagamento das custas do procedimento cautelar e do recurso, na proporção de 4/5 para aquela e de 1/5 para este - cf. artigos 527.º, n.º 1, 529.º e 607.º, n.º 6, do CPC.
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IV - Decisão

Nestes termos, julga-se a apelação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
a) revogar parcialmente a decisão recorrida;
b) substitui-la por outra que:
- condena a Requerida a custear as obras de reparação necessárias e adequadas à eliminação dos deslocamentos verticais verificados na estrutura do prédio do Requerente, designadamente através do reforço da estrutura de contenção instalada em agosto de 2020 e dos trabalhos que se mostrem necessários para o reforço e a consolidação das suas fundações;
- mediante a entrega das quantias monetárias necessárias ao Requerente, dentro dos limites do seguro e até ao montante de 750 000,00 € (setecentos e cinquenta mil euros) indicado no requerimento inicial.
Mais se decide condenar a Apelante e o Apelado no pagamento das custas do recurso e do procedimento cautelar, na proporção de 4/5 para aquela e de 1/5 para este.
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Lisboa, 29.4.2021


Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira


(assinaturas eletrónicas)