Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
658/22.0PGPDL.L1-9
Relator: PAULA CRISTINA BIZARRO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PENA RELATIVAMENTE INDETERMINADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I. Critério decisivo para o preenchimento do crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25º do DL 15/93 de 22/1, é que as circunstâncias concretas traduzam uma gravidade tão acentuadamente diminuída ao nível da ilicitude, que as mesmas não se coadunem nem se ajustem à previsão do que o legislador definiu para o tipo-legal base de tráfico: que a imagem global do facto, resultante das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão atenuada e esbatida, que seja razoável supor-se que o legislador não previu tal hipótese quando estatuiu os limites da moldura penal abstracta aplicável ao tipo-legal base.
II. À aplicação da pena relativamente indeterminada não basta o risco de reincidência, pois que este risco é comum a todos aqueles que já foram condenados em várias penas sucessivas e que voltam a delinquir.
III. Terá de constatar-se um perigo acrescido, sendo necessária formulação de um juízo de prognose negativo quanto ao comportamento futuro do agente, um juízo de perigosidade fundado, e insusceptível de ser eficaz e suficientemente prevenido pela aplicação da pena de prisão qua tale, tornando necessária a aplicação de uma medida de segurança que prolonga a detenção, assim se visando prevenir a concretização desse perigo da prática de novo crime grave da mesma ou de outra natureza.
IV. O delinquente por tendência, fora do quadro da toxicodependência ou do alcoolismo, será aquele agente que vive do crime e para o crime, alheado das mais elementares regras da convivência social, insensível ao mínimo ético, que interiorizou prática criminal como modo habitual de vida, revelando assim uma personalidade distorcida.
V. Serão essas as circunstâncias que, além de permitirem formular um juízo de prognose negativo de que o mesmo reincidirá na prática criminal, justificam a aplicação de uma medida de ressocialização reforçada, uma resposta vigorosa do sistema jurídico-penal, consistindo esta numa medida de segurança, a acrescer à pena de prisão concretamente determinada e que, por isso, vai além do quadro sancionatório penal normal.
VI. Tratando-se de uma pena em que coexistem os fundamentos da aplicação da pena e os fundamentos da aplicação de uma medida de segurança, na ponderação da aplicação da pena relativamente indeterminada, não poderá deixar de aplicar-se ainda, funcionando como seu limite, o princípio da proporcionalidade, expressamente previsto no n.º 3 do citado art.º 40º do Código Penal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes da 9ª secção criminal deste Tribunal da Relação

I. RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão datado de 23-04-2024, depositado nessa mesma data, nestes autos de processo comum com intervenção de tribunal colectivo com o n.º 658/22.0PGPDL, vindo do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada - Juiz 3, veio o arguido
AA, também conhecido por "AA", filho de BB e de MC, natural dos ..., nascido a .../.../1957, viúvo, lavrador, residente na ..., sujeito à medida de prisão preventiva à ordem dos presentes autos,
interpor recurso de tal decisão, na qual se decidiu nos seguintes termos (transcrição):
1. Absolver AA pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d) da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro;
2. Absolver AA pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) do Código Penal;
3. Condenar AA pela prática, como delinquente por tendência, de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela II-A anexa, na pena relativamente indeterminada de 6 anos de prisão (mínimo) e 15 anos de prisão (máximo);
4. Determinar a recolha de amostra de ADN ao arguido e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro.
5. Quanto aos bens apreendidos:
• Declarar perdidas a favor do Estado as substâncias estupefacientes apreendidas e subsequente destruição (artigos 35º, nº 1 e 2 e 62º, nº6 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro);
• Declarar perdidas a favor do Estado as quantias monetárias apreendidas, as quais terão o destino a que alude o artigo 39º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro;
• Declarar perdido a favor do Estado o veículo automóvel (artigo 35º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro).
• Declarar perdidos a favor do Estado o telemóvel e os plásticos (artigo 35º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro), o primeiro a ser entregue à Direção de Serviços do Património, da Direção Regional do Orçamento e Tesouro, no âmbito da Vice-Presidência do Governo Regional [artigo 24º, alínea h), § 2º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores] e os segundos a serem destruídos;
• Declarar todas as armas perdidas a favor do Estado, incluindo as algemas e o crachá, a ficarem depositadas à guarda da Polícia de Segurança Pública, a qual lhes dará o respetivo destino (artigo 78º, nº1 do Regime Jurídico das Armas e Munições);
(…)
(fim de transcrição)
*
As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da motivação do recurso e que em seguida se transcrevem:
I - O Recorrente foi condenado pela prática, como autor material, na forma consumada de um crime de tráfico estupefacientes, previsto no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela II-A anexa, na pena de 9 anos de prisão, com condenação como delinquente por tendência na pena relativamente indeterminada de 6 anos de prisão (mínimo) e 15 anos de prisão (máximo)
II- Sucede que, no que diz respeito aos pontos 1, 2, 8, 9, 10, 11, 12, 14 e 15 dos factos provados, verifica-se que estes foram incorretamente julgados, sendo que, o erro de julgamento é patente.
III - Na verdade, foram incorrectamente julgados os factos dados como provados relativos, quer ao crime em causa quer à verificação de delinquente por tendência.
IV - No que diz respeito ao crime de tráfico de estupefacientes em que o Recorrente foi condenado, os factos incorrectamente julgados são os que se encontram os já mencionados nos pontos 1,2, 8, 9, 10, 11, 12, 14 e 15.
V - Por se entender que os mesmos, ora por não resultarem suficientemente demonstrados da prova carreada nos autos, quer por inexistência de prova, quer por contradição dos testemunhos obrigaria o Tribunal, segundo o princípio do In Dúbio Pró Reo, perante tal dúvida, favorecer o Recorrente não sendo devendo dar como provados os factos que são aqui impugnados, apenas, com base nas regras da livre apreciação da prova e das regras de experiência comum.
VI - Com efeito a prova que o Tribunal a quo dá como provada para condenar o Recorrente é produzida, apenas, pelas declarações da testemunha CC, efectuadas perante magistrado do ministério público, aquando do inquérito e pelo testemunho de DD, uma vez que as restantes testemunhas da Acusação nada acrescentaram com a certeza que se espera para a condenação havida.
VII - As contradições, incoerências, falsidades e duvidas da actuação do arguido que resultaram dos testemunhos de CC e DD são de tamanha grandeza que necessariamente teriam que ter levado ao Tribunal a quo a desconsidera-las e perante a falta de credibilidade das mesmas, não as ter valorado.
VIII - Todavia, mesmo que o Tribunal a quo as valorasse, a dúvida criada pelos testemunhos contraditórios entre os prestados em fase de inquérito e a de julgamento, exigiriam que se impusesse a favor do arguido o princípio do In Dubio Pró Reo, na apreciação dos factos a ele imputados, como não provados.
IX - Assim, o Tribunal a quo deu como provado, e que se discorda, concretamente no ponto 1, que o arguido começou a dedicar-se à venda de produto estupefaciente a partir de meados de 2021 por ter constatado elevada procura deste produto por consumidores de produtos estupefacientes já dependentes de tal substância, tendo o arguido acesso à compra de tal droga por conhecer traficantes.
X - A prova deste facto não assenta em qualquer depoimento, testemunha ou outro meio de prova que não a mera conclusão do Tribunal a quo uma vez que, o testemunho de CC e a ausência de demais prova contrariou, quase na totalidade, o que constituía a principal fonte e prova da acusação.
XI - Com ligação directa à impugnação que se faz do nº 1 dos factos provados, e da inexistência de prova para tal, e cujos argumentos são os mesmos, é o exemplo também do facto 9, onde se refere que “Por vezes, CC acompanhava o arguido na sua carrinha, enquanto este fazia distribuição de droga sintética, entre 20 a 200 gramas, por várias vezes, entre junho de 2021 e março de 2023, a outros traficantes de produtos estupefacientes de S. Miguel, como EE, nas ..., FF, no ..., ou GG, dos ....”
XII - Da prova produzida resulta inequivocamente o erro de julgamento na prova destes factos.
XIII - Nenhuma das pessoas indicadas no facto 9 dado como provado, que constituiriam ser outros traficantes de quem o arguido traficava e distribuía droga, foram testemunhas no processo ou foi produzida qualquer prova que afirmasse neste sentido.
XIV - CC afirmou ter prestado falsas declarações tendo utilizado nomes do seu conhecimento, enquanto consumidora de drogas, bem como do passado do arguido para incriminar o companheiro em troca da PSP lhe ajudar nos inúmeros processos pendentes contra a mesma por furto.
XV - Não tendo o M.P. arrolado qualquer daquelas pessoas mencionadas no facto provado 9, nem o agente da PSP concretizando quais as provas obtidas da intervenção dos mesmos com o arguido, tal facto não podia ter sido dado como provado.
XVI - O único elemento que o Tribunal a quo se baseou, aparentemente, e que nem consta da motivação, aliás, salvo devido respeito, genericamente efectuada sem concreta e precisa fundamentação com os factos provados, foram as declarações da testemunha CC.
XVII - Resulta assim que a prova produzida em sede de audiência de julgamento, que é aquela que assume maior relevância e momento por excelência da produção de prova, embora contraditória e mesmo oposta das declarações iniciais da testemunha CC, não devia ter sido suficiente para que o Tribunal a quo desse como provado o ponto 9, quanto à venda de droga por parte do Recorrente entre junho de 2021 e março de 2023 a diversos outros traficantes como EE, FF e GG.
XVIII - Com efeito não foi produzida qualquer prova que o Recorrente conhecesse as pessoas que a CC referiu, muito menos produzida qualquer prova testemunhal, documental, escutas ou qualquer outra que estabelecesse a ligação daquele com outros traficantes. Simplesmente é INEXISTENTE a prova neste sentido que não apenas a valoração do testemunho inicial da CC.
XIX - Entendemos que o Tribunal a quo de facto valora e aprecia a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção, todavia não se pode afastar desta mesma prova, o que no caso em apreço fê-lo claramente.
XX - No caso em apreço, perante duas versões tão contraditórias dos factos, não vislumbramos, em concreto, a razão devidamente fundamentada para o Tribunal a quo dar como provados os factos 1 e 9.
XXI - Resulta assim a enorme fragilidade da prova produzida quanto aos factos dados como provados em 9, que em nosso entender padecem de erro de julgamento face à incerteza dos mesmos associado à inexistência de demais prova naquele sentido.
XXII - De igual modo discorda-se do facto provado nº 8 em que se refere que o arguido AA também começou a fornecer outros traficantes de produtos estupefacientes de “Alpha - PHP”, o que sucedeu designadamente com DD, residente em S. ..., ao qual forneceu uma grama de droga sintética, por 50 euros, de 15 em 15 dias, entre meados de 2021 a 26 de abril de 2022, data em que a testemunha foi presa; esta testemunha ligava para o telemóvel do arguido AA, com o n.º 914019496, e o arguido AA ia entregar os pacotes de droga sintética a casa daquele.
XXIII - O Tribunal a quo estribou a sua convicção nas declarações da testemunha DD, o que em nosso entender, não foram credíveis e foram insuficientes para a prova do facto provado em 8, quer pela postura deste em tribunal quer pelas incoerências entre o que depôs em inquérito e as em sede de julgamento.
XXIV- Quando começaram a ser lidas as declarações da testemunha esta acabou por referir que comprava droga sintética ao Recorrente em pouca coisa e fê-lo durante aproximadamente 1 mês, negando todos os demais factos.
XXV - Que credibilidade tem esta testemunha para que, sem qualquer outra prova, possa o Tribunal a quo dar como provado aquele facto 8?
XXVI - Nenhuma escuta telefónica foi junta ao processo, nem muito menos qualquer apreensão, vigilância ou outro meio probatório foi produzido em audiência de julgamento que não a versão atabalhoada de uma testemunha com a credibilidade questionável como aquela que foi apresentada na pessoa de DD.
XXVII - Entendemos que o Tribunal a quo julgou mal quando deu como provada toda a factualidade quer no que toca ao hiato temporal em causa (meados de 2021 a 26 de Abril de 2022, quer pelos meios utilizados (carrinha e por telemóvel) quer onde era entregue o produto estupefaciente (casa da testemunha).
XXVIII - Relativamente aos factos provados em 10, o Tribunal a quo deu como assente que a 12 de julho de 2023, pelas 08:00h o arguido foi revistado tendo em seu poder um telemóvel Alcatel que usava para o tráfico de estupefacientes, bem como 320 euros da mesma proveniência.
XXIX -Todavia, questionamos de onde retirou o Tribunal a quo esta conclusão? Não retirou certamente do depoimento de nenhuma das testemunhas nem tão pouco de qualquer outro elemento probatório.
XXX - O mesmo se diga relativamente aos factos provados em 11, pois nenhuma prova foi produzida que pudesse levar a que o Tribunal a quo desse como provado que a droga encontrada na carrinha Toyota Hilux fosse para venda a 3ºs e que os 940 euros em dinheiro, fosse proveniente das vendas de produtos estupefacientes que estava efectuando.
XXXI - Entendeu o Tribunal retirar a conclusão da prática daqueles factos, desconhecendo-se como, pois, nem da motivação nem das testemunhas ou mesmo de qualquer meio probatório se extraiu tal.
XXXII - Todavia, tal conclusão na extensão e modo como foi efectuada padece de erro de julgamento uma vez que o arguido sempre afirmou que detinha em sua posse droga para ceder à sua companheira, CC, adquirindo 50 gramas de sintética de cada vez por ser mais barato, o que foi confirmado pela testemunha CC.
XXXIII - Por outro lado dinheiro que foi encontrado no carro, é produto do trabalho que o Recorrente desempenha de compra e venda de gado e não da traficância como ficou provado.
XXXIV - O Recorrente apesar de não se encontrar inscrito nas finanças não auferindo rendimentos declarados, trabalha por conta do irmão KK, proprietário de uma lavoura, recebendo em média 2.000,00 a 3.000,00 euros mensais.
XXXV - Perante a ausência total de prova no sentido em que interpretou o Tribunal a quo para dar como provado o nº 11, confrontado com a prova produzida da actividade profissional exercida e confirmada de lavrador por parte do recorrente com testemunhas e que tais negócios eram celebrados com pagamentos em numerário, não podia nem devia ter ficado provado aqueles factos da maneira como o foram.
XXXVI - Impugnados também foram os factos provados em 12, quando se refere que os sacos de plástico recortados em círculos eram do arguido que usava para acondicionar droga sintética quando da prova produzida ficou bem patente que tal habitação também era residência da testemunha CC, ela consumidora, não havendo qualquer prova da titularidade daqueles sacos e seu fim.
XXXVII - Com directa consequência e com os mesmos argumentos com que se impugnou os factos 9 e 10, vêm também impugnados os factos 14 e 15 uma vez que são factos que emergem directamente da prova que o Tribunal a quo efectuou daqueles outros factos, também eles impugnados.
XXXVIII - Vai impugnado também o facto 2, na parte em que refere que “era oferecida pelo arguido para manter relacionamento sexual com a mesma quando resultou do depoimento da testemunha que o Recorrente comprava e posteriormente cedia a droga à CC para evitar que esta saísse de casa para “roubar” e não a troco de relações sexuais.
XXXIX - Perante a inexistência de qualquer outra prova e na dúvida criada pela discrepância de depoimentos da CC, teria que o Tribunal perante a dúvida criada, ceder a favor do Recorrente o que, uma vez mais, não o fez como, aliás, foi a tendência geral em todo o acórdão.
XL - Podia e devia a prova produzida em audiência de julgamento e mesmo a ausência dela, ter criado a dúvida da actuação do Recorrente na verificação dos factos imputados, impondo-se que se cumprisse com o princípio do “In dúbio pró reo”.
XLI - O Tribunal a quo perante a ausência de demais prova e perante tantas contradições na própria fase de inquérito por parte da CC e DD, duvidas ter-se-iam que colocar sobre toda a actuação e participação do Recorrente no crime a que foi condenado.
XLII - O princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos: em tal situação, impõe-se que o Tribunal decida pro reo, a favor do arguido.
XLIII - O tribunal a quo ao dar como provados, designadamente, aqueles factos do acórdão, ora objeto de recurso, os quais não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento com a certeza exigida, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127º, os quais, para efeitos da alínea a) do nº 3 do art.º412º ambos do Código de Processo Penal.
XLIV - O tribunal a quo, condenando o recorrente, violou, ainda, o princípio do “in dúbio pro reo”, consagrado no nº 2 do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa, o qual devia ter sido interpretado e aplicado no sentido em seu favor.
XLV - Assim, os factos impugnados deviam ter sido dados como provados com a seguinte redacção:
1- O arguido AA, tem antecedentes criminais pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. no artigo 21.º. n. 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro, tendo sido condenado em pena de prisão efetiva, e estando em liberdade condicional desde 12-10-2020 até 19-06-2025, no processo 1525/09.8PBPDL.
2- O arguido AA começou em junho de 2021, um relacionamento de namoro, primeiro, e, depois, de coabitação, com uma consumidora de produto estupefaciente, CC, à qual começou a ceder 1 grama de “Alpha - PHP", vulgo droga sintética, e, posteriormente. 5 aramas por dia que lhe era oferecida pelo arguido AA para evitar que a mesma praticasse crimes de furto.
10- A 12 de julho de 2023, pelas 08:00 horas, o arguido foi revistado, tendo em seu poder um telemóvel Alcatel, bem como 320 euros.
11- A carrinha do arguido, marca ‘‘Toyota Hilux”, de matrícula ..-..-MN, foi buscada no mesmo dia, pelas 8:20 horas, sendo encontrado no seu interior uma bolsa para óculos onde o arguido detinha 43,550 aramas de “Alpha - PHP”, para cedência à companheira CC, e 940 euros em dinheiro.
12- Buscada a residência que o arguido usava na ... 15, Ponta Delgada, pelas 8:35 horas do mesmo dia 12 de julho de 2023, ali foram encontrados sacos de plástico recortados e círculos de plástico provenientes do consumo daquela.
XLVI - Os Não Provados deviam ter a seguinte redacção
8- Não se provou que o arguido AA começou a fornecer outros traficantes de produtos estupefacientes de ‘‘Alpha - PHP”, o que sucedeu designadamente com DD, residente em S. ..., ao qual forneceu uma grama de droga sintética, por 50 euros, de 15 em 15 dias, entre meados de 2021 a 26 de abril de 2022, data em que a testemunha foi presa; esta testemunha ligava para o telemóvel do arguido AA com o n.º ..., e o arguido AA ia entregar os pacotes de droga sintética a casa daquele.
9- Por vezes, CC acompanhava o arguido na sua carrinha, enquanto este fazia distribuição de droga sintética, entre 20 a 200 gramas, por várias vezes, entre junho de 2021 e março de 2023, a outros traficantes de produtos estupefacientes de S. Miguel, como EE, nas ..., FF, no ..., ou GG, dos ....
14- Não se provou que o arguido destinava as substâncias que lhe foram apreendidas à venda ou entrega a indivíduos que os contactassem a fim de adquirirem ou receberem as mesmas para posterior venda a consumidores das referidas substâncias.
15- Não se provou que AA vendeu a “Alpha-PHP" a 50 € cada grama, a quantidade de droga apreendida ao arguido (43,550 gramas) iria render ao arguido a quantia de 2.177,50 €,
XLVII - O arguido também recorre de direito, concretamente da qualificação jurídica do crime que aquele foi condenado.
XLVIII - Resultou provado, e disso o Recorrente sempre confessou, que cedia o produto estupefaciente constante da tabela II A anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro e neste sentido, não pode deixar de ser condenado pela prática dos factos correspondentes ao período em que durante a relação com CC, cedeu “Alpha - PHP” à sua companheira.
XLIX - Conforme se impugnou na matéria de facto, a actuação do Recorrente limitou-se à cedência e com a explicação dada, quer pela testemunha CC quer do próprio Recorrente.
L - Com efeito, a droga que era cedida pelo Recorrente à CC tinha como propósito, apenas, evitar que a mesma cometesse crimes de furto e para sustento do seu vício.
LI - Ao Recorrente apenas foi encontrado 43,55 gramas de Alpha- PHP, quantidade que este comprou por ser mais barato e porque a companheira consumia em média 5g por dia, o que em bom rigor só duraria para uma semana e meia.
LII - Muito embora a conduta do Recorrente seja censurável, a verdade é que a ilicitude do mesmo se mostra diminuída face ao propósito da cedência do produto estupefaciente.
LIII - A conduta do Recorrente extraída dos factos provados e agora impugnados, exigem do Tribunal a quo uma concreta ponderação sobre a correcta qualificação jurídica do crime a aplicar àquele e face à prova produzida, este podia e devia ter procedido à alteração da qualificação do crime, alterando-o para o de tráfico de menor gravidade p.e p. art.º 25º do já mencionado Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro.
LIV - O art.º 25º do DL aplicável, tem como previsão que “se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI: “
LV - Conforme já aludido, face ao comportamento do Recorrente e actuação do mesmo, a quantidade de droga apreendida, droga esta que se encontra definida na tabela II A e não IV, não considerada “drogas duras”, a inexistência de qualquer lucro e o modo em que se processou tais cedências, entendemos que existia condições para que ao arguido fosse aplicado e se procedesse à alteração da qualificação do crime para a previsão do art.º 25 e não o do 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro o que se pugna.
LVI - O Tribunal a quo ao não ponderar esta mesma alteração da qualificação jurídica violou o art.º 25º do mencionado Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro.
LVII - Devia e deve, assim, ser alterada a qualificação jurídica do crime do 21º para o crime do 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro tráfico de menor gravidade, com a condenação numa pena abstrata entre o mínimo de 1 e o máximo de 5 anos.
LVIII - O Recurso também versa de direito quanto à aplicação da pena relativamente indeterminada 6 anos de prisão (mínimo) e 15 anos de prisão máximo aplicada ao arguido por verificação da delinquência por tendência.
LIX - Todavia, entendemos que o Tribunal a quo ajuizou mal de direito quando aplicou ao Recorrente a previsão do art.º 83º do C.P. na escolha do regime da pena relativamente indeterminada, nomeadamente ao considerar, para fundamentar essa opção, que o arguido, aliado ao seu modo de vida, sem inserção profissional e social, sem projecto de vida, nem ressonância crítica quanto aos mesmos revelam uma acentuada predisposição para a prática de crimes.
LX - Ajuizou mal o Tribunal a quo não tendo em consideração os factos provados das condições socioeconómicas, porquanto ficou provado que este se encontra inserido em termos familiares, sociais e profissionais, encontra-se inscrito no Centro de Emprego, foi mantendo actividade profissional na agropecuária, primeiramente junto de outros lavradores e por fim com o seu irmão, proprietário de uma lavoura e mantém uma boa relação com os filhos, (factos provados 38 e 39)
LXI - Em liberdade condicional tinha diversas obrigações e cumpriu-as, nomeadamente testes de despiste dos consumos de bebida e drogas, as quais realizou pontualmente, sempre com resultados negativos, (facto 41 provado)
LXII - Actualmente em meio prisional, em prisão preventiva, desenvolve actividade laborai, não integra programa terapêutico ao nível de tratamento às dependências, não regista infracções, e recebe as visitas dos filhos, o que coloca em causa, o juízo de perigosidade traçado no acórdão recorrido, apenas e só em consideração às condenações anteriores sofridas pelo arguido e alheado das verdadeiras condições pessoais, familiares e profissionais entretanto reveladas no momento em que é decretada a condenação do mesmo.
LXIII - O Tribunal não ponderou nem equacionou a avançada idade do Recorrente com 68 anos de idade, sendo que com a aplicação da pena relativamente indeterminada pode o mesmo vir a cumprir 15 anos de cadeia o que, em bom rigor está este Tribunal a condená-lo a uma pena de prisão para o
LXIV - Sendo inerente à escolha e determinação da medida da pena um juízo de razoabilidade e proporcionalidade, revela-se, in casu, e tendo em conta a factualidade considerada como provada e não provada pelo Tribunal a quo com a impugnação que ora se efectuou, excessiva e desproporcional, a aplicação de uma pena relativamente indeterminada.
LXV- O Tribunal a quo violou um dos princípios estruturantes da escolha e aplicação das penas em direito penal: o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 40º, nº 2 e 3 do Código Penal.
LXVI - Ao aplicar uma pena relativamente indeterminada ao recorrente, não pelo crime de que vinha acusado e pelos quais foi condenado, mas apenas e só pelos seus antecedentes criminais, não relevando o facto de o recorrente ter deixado, com grande sacrifício e penosidade, de consumir estupefacientes e se ter esforçado por alterar os seus comportamentos e ímpetos mais radicais que lhe eram tão característicos, conforme é sobejamente reconhecido pelos familiares mais próximos, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal.
LXVII - Também violou o Tribunal a quo o artigo 25º da CRP na medida em que a aplicação da pena relativamente indeterminada, no caso vertente, em que o Recorrente conta com 68 anos de idade, colocará o mesmo a cumprir uma pena de prisão sem um fim à vista, condenando-o para além da sua vida activa e útil.
LXVIII - Em suma, não existem, quaisquer factos que pudessem conduzir a um juízo de perigosidade, pelo que a pena escolhida pelo Tribunal recorrida é manifestamente exagerada e desproporcional, na medida em que ultrapassa a medida da culpa do arguido, para além de não atender às necessidades de prevenção especial que o caso requer, nomeadamente de ressocialização, violando os arts. 40º, nº 1 e 2 e 71º e artigo 83º todos do C.P.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente Recurso ser recebido e uma vez aceite a sua fundamentação, conceder-se integral provimento e, por via deste:
a) alterar-se a matéria de facto provada nos pontos 1,2,8, 9, 10, 11, 12, 14 e 15, com a nova redacção no sentido com que se impugnou, como provados e não provados;
b) alterar a qualificação jurídica do crime em que foi condenado o arguido AA, de trafico de estupefacientes, previsto no nº1 do art.º 21º, para o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. na alínea a) do nº 1 do art.º 25º, ambos do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, devendo a condenação e correspondente pena ser fixada entre o mínimo de 1 e o máximo de 5 anos.
c) Revogar a verificação de delinquente por tendência que foi aplicado ao arguido, com a consequente condenação na pena relativamente indeterminada, fixada de 6 anos de prisão (mínimo) e 15 anos de prisão máximo.
Assim decidindo, será feita
Justiça.
(fim de transcrição)
*
O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
1. O recorrente não fez uma verdadeira impugnação da matéria de facto. Na verdade, aquilo que a Recorrente faz é expor o seu julgamento dos factos, divergente daquele que foi feito pelo Tribunal.
2. E, tendo, como se verificou, formado a sua convicção com provas não proibidas por lei e seguindo todo um processo lógico e de acordo com as regras da experiência comum, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formula a Recorrente.
3. Não fazendo, o recorrente uma verdadeira impugnação da matéria de facto. Não é o recorrente que analisa a prova, e não é a sua versão que prevalece sobre a decisão do tribunal a não ser que ataque especificadamente cada afirmação e diga por que razão está mal julgado e condenado, apresentando os factos que na verdade provam o contrário.
4. Não basta dizer que não há prova, que a que há está erradamente analisada, ou que não se deveria ter aprovado o que se aprovou, é necessário que se indiquem os meios de prova produzidos em audiência e juntos aos autos, os factos provados que demonstram exatamente o contrário do apurado pelo Tribunal que impliquem uma decisão completamente diferente da obtida.
5. Entender a defesa que os depoimentos das testemunhas, não foram claros nem esclarecedores, não sendo merecedores de qualquer valoração, é apenas uma forma diferente de valorar a prova que não tem de prevalecer sobre o juízo e análise feitos pelo tribunal.
6. O Tribunal não cometeu qualquer violação às regras da apreciação da prova, nomeadamente da prova documental conforme a recorrente refere tendo tido em conta as regras da experiência e da lógica.
7. Para além disso legitimou a sua decisão fundamentando-a de forma percetível e lógica.
8. Não há qualquer insuficiência da matéria de facto provada para a decisão atingida nem qualquer erro na apreciação da mesma.
9. Na verdade, aquilo que a Recorrente faz é expor o seu julgamento dos factos, divergente daquele que foi feito pelo Tribunal.
10. E, tendo, como se verificou, formado a sua convicção com provas não proibidas por lei e seguindo todo um processo lógico e de acordo com as regras da experiência comum, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formula a Recorrente.
11. Ao contrário do que o recorrente alega a matéria dada como provada resulta do exame critico da prova analisada em sede de audiência de julgamento pelo Tribunal a quo, e não deixa qualquer dúvida que o recorrente praticou o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, pelo que deve improceder a pretensão do recorrente, como o supra referido da avaliação global da atividade do arguido não poderá justificar uma diminuição da ilicitude da sua conduta, atendendo à frequência e à persistência no prosseguimento do tráfico à proximidade que tinha com os consumidores, ao tipo de estupefacientes comercializados e à sua danosidade para a saúde (já que se tratava de uma droga com efeitos nefasto à saúde - Alpha Php), à quantidade do estupefaciente comercializado que não poderá ser considerada diminuta, ao período de tempo em que desenvolveu esta atividade, embora alguns agricultores tenham dito que já compraram e venderam gado, não sendo conhecida qualquer outro meio de subsistência, os seus antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo de crime, tendo colocado em perigo, ainda que num grau médio, os bens jurídicos protegidos pela sua incriminação. Bem como facilmente se conclui que dos factos expostos, constata-se que as condenações anteriores não serviram de suficiente advertência contra o crime.
12. Por fim último está em causa a venda de chamada "droga sintética", Apha PHP - de forte potencial aditivo, e grave perigosidade para a saúde dos consumidores, e para a saúde pública, o bem jurídico tutelado, o que à partida tende a deixar a ilicitude da ação acima dos patamares mínimos. O arguido vinha procedendo, à venda de droga sintética em pleno período de concessão da liberdade condicional. As vendas aqui em causa se situam num quadro de atividade única de obtenção de meios de vida, não podem encarar-se os factos cometidos pelo arguido numa perspetiva redutora, de pequenas vendas de menor ilicitude.
13. A venda diária e regular, ainda que de doses individuais, de Apha PHP a consumidores, assumida como atividade constante a que o arguido se dedica, ainda que distante das grandes transações, não é, exatamente pela constância da introdução do estupefaciente no tecido social, conduta de menor ilicitude.
14. Pelo que não existem dúvidas de que o recorrente praticou o crime tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.1, por referência às Tabelas I-C anexa ao mesmo diploma legal.
15. Quanto à medida da pena o Ministério Público entende que, o arguido foi agora condenado, em pleno período de liberdade condicional, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de janeiro, sendo que já foi anteriormente, condenado não só pela prática de um crime de homicídio qualificado [previsto e punido pelo artigo 132º, nº 1 e 2, alínea g) do Código Penal], como por dois crimes de tráfico de estupefacientes (artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro), sendo um deles agravado artigo [24º, nº 1, alínea h) do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de janeiro].
16. Ora, tal demonstra uma a acentuada e indesmentível inclinação para o crime, sobretudo para o tráfico de estupefacientes que neste momento ainda persiste, sendo que, apesar de ter cumprido pena efetiva pela prática de tal crime, e de se encontrar em liberdade condicional, voltou, após ser libertado, a cometer outro crime de tráfico, fazendo dessa atividade modo de vida e exteriorizando indiferença pela especial vulnerabilidade das vítimas (consumidores de tal droga).
17. Em suma, da personalidade do arguido, com acentuada propensão para a prática de crimes, da gravidade global dos factos cometidos, do conjunto dos seus antecedentes criminais, da evidente insensibilidade perante as sucessivas condenações anteriores, da despreocupação em relação às consequências penais e reais dos seus atos e da ausência de projeto de vida, pelo que bem andou o Tribunal recorrido em condená-lo como delinquente por tendência.
18. Assim, pugna-se por uma a pena relativamente indeterminada de 6 anos de prisão (mínimo) e 15 anos de prisão (máximo), com decidiu o Tribunal a quo, e face das circunstâncias expostas, mostra-se adequada, justa e consentânea quer com as finalidades ínsitas à punição, quer com a medida da culpa e da consciência da ilicitude, aplicar ao arguido uma pena de prisão determinada pelo Tribunal recorrido.
19. Face ao exposto, o Ministério Público entende que se deve negar provimento ao recurso ora interposto, devendo manter-se a douta decisão nos seus exatos termos,
Vossas Excelências, melhor saberão fazendo, JUSTIÇA!
(fim de transcrição)
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Neste Tribunal da Relação, pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, foi emitido parecer com o seguinte o teor (transcrição parcial):
(…) Sufragamos, na totalidade, a posição do Ministério Público, que identificou com precisão o objeto do recurso, e que, pela sua correção jurídica e clareza, merece a nossa inteira adesão, acrescentando que o douto Acórdão recorrido mostra-se bem fundamentado, de forma lógica e conforme às regras da experiência comum, sendo fruto de uma adequada e criteriosa apreciação da prova, tendo feito correta qualificação jurídica e aplicado pena adequada, não merecendo qualquer censura.
Somos, por isso, de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente.
(fim de transcrição)
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
Daí o entendimento unânime de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo que apenas as questões aí resumidas deverão ser apreciadas pelo tribunal de recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente os vícios previstos no n.º 2 do art.º 410º do mesmo Código.
Em conformidade, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes (sem prejuízo de ficar prejudicada a apreciação de alguma(s) em função do que se venha a decidir sobre outras):
- nulidade da decisão recorrida por falta de exame crítico da prova;
- se ocorre erro de julgamento com violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da livre apreciação da prova;
- da subsunção dos factos provados ao crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo art.º 25º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro;
- dos pressupostos da aplicação de pena relativamente indeterminada.
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II. DO ACÓRDÃO RECORRIDO
2.1. No acórdão recorrido, foram julgados provados e não provados os seguintes factos (transcrição):
1. Factos Provados
Com interesse para a causa, provaram-se os seguintes factos:
1. O arguido AA, a partir de meados de 2021, apesar de ter antecedentes criminais pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. no artigo 21.º, n. 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro, tendo sido condenado em pena de prisão efetiva, e estando em liberdade condicional desde 12-10-2020 até 19-06-2025, no processo 1525/09.8PBPDL, resolveu começar a traficar produtos estupefacientes, em S. Miguel, designadamente "Alpha - PHP", vulgo droga sintética, por ter constatado a elevada procura deste produto por consumidores de produtos estupefacientes já dependentes de tal substância; tendo também o arguido acesso à compra de tal droga por conhecer traficantes.
2. O arguido AA começou também, em junho de 2021, um relacionamento de namoro, primeiro, e, depois, de coabitação, com uma consumidora de produto estupefaciente, CC, à qual começou a ceder 1 grama de "Alpha - PHP", vulgo droga sintética, por cada vez que tinham relações sexuais, e, posteriormente, 5 gramas por dia que lhe era oferecida pelo arguido AA para manter o relacionamento sexual, com a mesma.
3. Apesar de o arguido AA fornecer diariamente droga a CC, por vezes esta furtava droga ao arguido, altura em que este, quando descobria os furtos, agredia CC com socos, provocando-lhe dores fortes e lesões no corpo.
4. No dia 8 de outubro de 2022, pelas 17H00 horas, o arguido AA, com a ajuda de dum casal que não foi possível identificar, levou CC da ..., até à ..., na ..., local onde o arguido obrigou a ofendida a sair do táxi puxando-lhe pelos cabelos com força e levando-a para a sua carrinha.
5. A 23 de outubro de 2022, pelas 15:15 horas, o arguido encontrava-se a intimidar a sua namorada CC num terreno sito no ..., tentando que a mesma entrasse para a sua carrinha de matrícula ..-..-MN, estando aquela aos gritos, quando surgiu a P.S.P., que a auxiliou, levando-a para casa de familiares; não sem antes a polícia ter apreendido uma soqueira ou boxer, que o arguido detinha na consola do seu veículo e um canivete.
6. A 25 de outubro de 2022 a P.S.P. deparou com a namorada do arguido CC no ..., tendo esta entregue aos agentes um panfleto de "Alpha -PHP" com o peso de 0,023 gramas.
7. No dia 22 de abril de 2023, pelas 18H00, em ..., CC detinha na sua posse dois pacotes de substância "Alpha - PHP" com os pesos de 4,192 gramas e 5,323 gramas, droga esta que tinha retirado ao arguido AA, consigo residente, e que pretendia consumir.
8. O arguido AA também começou a fornecer outros traficantes de produtos estupefacientes de "Alpha - PHP", o que sucedeu designadamente com DD, residente em S. ..., ao qual forneceu uma grama de droga sintética, por 50 euros, de 15 em 15 dias, entre meados de 2021 a 26 de abril de 2022, data em que a testemunha foi presa; esta testemunha ligava para o telemóvel do arguido AA, com o n.º ..., e o arguido AA ia entregar os pacotes de droga sintética a casa daquele.
9. Por vezes, CC acompanhava o arguido na sua carrinha, enquanto este fazia distribuição de droga sintética, entre 20 a 200 gramas, por várias vezes, entre junho de 2021 e março de 2023, a outros traficantes de produtos estupefacientes de S. Miguel, como EE, nas ..., FF, no ..., ou GG, dos ....
10. A 12 de julho de 2023, pelas 08:00 horas, o arguido foi revistado, tendo em seu poder um telemóvel Alcatel que usava para o tráfico de estupefacientes, bem como 320 euros, da mesma proveniência
11. A carrinha do arguido, marca "Toyota Hilux", de matrícula ..-..-MN, foi buscada no mesmo dia, pelas 8:20 horas, sendo encontrado no seu interior uma bolsa para óculos onde o arguido detinha 43,550 gramas de "Alpha - PHP", para venda a terceiros, e 940 euros em dinheiro, proveniente das vendas de produtos estupefacientes que estava efetuando.
12. Buscada a residência que o arguido usava na ..., pelas 8:35 horas do mesmo dia 12 de julho de 2023, ali foram encontrados sacos de plástico recortados e círculos de plástico, que o arguido usava para acondicionar droga sintética que vendia e cedia.
13. A "Alpha - PHP" é uma substância que faz parte da Tabela II-A anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, e o arguido não se encontra autorizado a deter, vender ou ceder tal substância.
14. O arguido destinava as substâncias que lhe foram apreendidas à venda ou entrega a indivíduos que os contactassem a fim de adquirirem ou receberem as mesmas para posterior venda a consumidores das referidas substâncias.
15. Porque AA vendeu a "Alpha-PHP" a 50 € cada grama, a quantidade de droga apreendida ao arguido (43,550 gramas) iria render ao arguido a quantia de 2 177,50 €.
16. Em todas as situações acima descritas o arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que não podia deter, vender ou ceder a referida substância e que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente puníveis.
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17. No âmbito do processo 490/93 - 508/93.2TBPDL. que correu termos no 2.º Juízo 1.ª Secção do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, por acórdão proferido em 15 de dezembro de 1993, transitado em julgado em 17-12-1993, foi o arguido AA condenado pela prática em 1993 como autor de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.º 132.º, n.º 1 e 2, al. g), na pena de 16 anos de prisão, como autor material de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, p. e p. pelo art.º 144.º, n.º 1 e 2, do C.P., na pena de 7 meses de prisão, como autor material de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, p. e p. pelo art.º 144.º, n.º 1 e 2, do C.P., na pena de 13 meses de prisão, e como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 260.º, do C.P. na pena de 3 meses de prisão, tendo sido condenado na pena única de cúmulo de 18 anos de prisão.
18. O arguido AA esteve privado da liberdade à ordem do processo 490/93 - 508/93.2TBPDL desde o dia 1992, em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no referido processo, tendo sido libertado condicionalmente no dia 12 de outubro de 2020 e a pena declarada extinta no dia 24 de março de 2020.
19. No âmbito do processo 17/01.8JAPDL que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada - J3, por acórdão proferido em 16 de março de 2005, transitado em julgado em 12 de abril de 2005, foi o arguido AA condenado pela prática, entre pelo menos Fevereiro de 2001 e 24 de abril de 2001, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, e 24.º, n.º 1, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/23, de 22-01, como reincidente, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão.
20. O arguido AA esteve privado da liberdade à ordem do processo 17/01.8JAPDL desde o dia 25 de novembro de 2004, em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no referido processo 17/01.8JAPDL. Interrompeu o cumprimento da pena à ordem deste processo em 25 de Abril de 2009. Foi novamente ligado a este processo em 11 de março de 2013 tendo o fim da pena ocorrido em 8 de abril de 2017.
21. No âmbito do processo 230/09.0PEPDL. que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada – J1, por acórdão proferido em 26 de janeiro de 2011, transitado em julgado em 4 de Julho de 2011, foi o referido arguido AA condenado pela prática, entre data anterior a 16 de Setembro de 2009 e 23 de Setembro de 2009, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/23, de 22-01, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, como autor de um crime de coação agravada, p. e p. pelos arts. 154, 155.º, n.º 1, al. a) e 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e co o autor de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, tendo sido condenado na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.
22. O arguido AA esteve privado da liberdade à ordem do processo 230/09.0PEPDL desde o dia 23 de setembro de 2009, primeiramente detido, depois sujeito à medida de coação de prisão preventiva e depois em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no referido processo 230/09.0PEPDL, tendo sido desligado do referido processo em 25 de fevereiro de 2013 a fim de ser ligado ao PCC n.º 17/01.8JAPDL para ali cumprir o remanescente da pena que lhe foi aplicada.
23.Entre a data em que o arguido AA praticou os factos pelo qual foi condenado no processo 490/93 - 508/93.2TBPDL e os dias da prática do crime pelo qual foi condenado no processo 17/01.8JAPDL; e os dias da prática do crime pelo qual foi condenado no âmbito do processo 17/01.8JAPDL e os dias da prática do crime pelo qual foi condenado no processo 230/09.0PEPDL; e entre a data em que o arguido praticou os factos pelo qual foi condenado no processo 230/09.0PEPDL e os dias da prática dos factos que constituem os crimes que ora se imputam ao arguido, descontados os períodos de privação da liberdade sofridos pelo arguido respeitantes a detenções, medidas de coação privativas da liberdade e cumprimento de penas, decorreram menos de 5 anos.
24. O arguido AA estava ciente das anteriores condenações que sofreu, bem como dos factos que as motivaram, das penas de prisão em que foi condenado e dos períodos em que esteve preso em cumprimento das referidas penas de prisão e outras medidas processuais privativas da liberdade.
25. Não obstante, o arguido AA não interiorizou que tem de pautar a sua conduta pelas regras básicas da convivência social, traduzidas nas normas penais, não cometendo novos crimes, mormente da mesma natureza daqueles que levaram às anteriores condenações, relativamente às quais se encontrava em liberdade condicional, e, totalmente insensível às penas de prisão que cumpriu nas ocasiões acima indicadas, praticou os factos acima descritos, resultando dos autos que o mesmo revela, atualmente, uma personalidade com elevada inclinação para a prática de crimes de tráfico de estupefacientes.
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Das condições socioeconómicas do arguido:
26. AA é natural dos ... e o terceiro de uma fratria de nove elementos, de um agregado de nível sociocultural baixo. O ambiente no seio do agregado de origem norteava-se pela existência de conflitos entre os seus elementos, dos quais se destacava o progenitor como figura de autoridade e liderança, em relação a todos os elementos da família. A progenitora, doméstica, sempre demonstrou um papel passivo, submetendo- se às regras impostas pelo marido, o qual, foi preso em 1992 (conjuntamente com alguns dos filhos, inclusive o arguido), pela prática de crimes contra a vida, altura em que a mesma pediu para ser acolhida num Lar, como forma de se sentir mais segura e manter afastada do marido.
27. O arguido iniciou o trajeto escolar em idade própria, não tendo apresentado no percurso problemas específicos. Após ter concluído o 4º ano, abandonou os estudos, começando a desempenhar atividades na área da agropecuária, juntamente com o progenitor. AA principiou atividade laborai com 12 anos de idade, como tratador de gado. Mais tarde, estabeleceu-se por conta própria, adquirindo cabeças de gado que aquando da sua reclusão vieram a ser tratadas pelos filhos.
28. AA contraiu matrimónio aos 18 anos de idade, do qual teve quatro filhos, ao mesmo tempo que estabeleceu uma relação extraconjugal, com uma jovem à data com 14 anos de idade e da qual teve outros quatro filhos.
29. O arguido residia com a cônjuge e filhos (dois rapazes e duas raparigas) e em termos laborais dedicava-se ao cultivo de campos agrícolas e criação de gado, atividade que desenvolvia por conta própria, contanto com o apoio dos filhos, possuindo terrenos próprios. Porém, face a marcadas dificuldades económicas do agregado, o mesmo beneficiava da concessão do Rendimento Social de Inserção.
30. Em dezembro de 1993, AA foi condenado na pena única de 18 anos de prisão pela prática dos crimes de homicídio qualificado, ofensas corporais com dolo de perigo e detenção de arma proibida (beneficiou de perdão com a aplicação das Leis 16/86, 23/91, 15/94 e 29/99), ficando a pena em 14 anos, 10 meses e 15 dias de prisão. No mesmo processo também foram condenados vários irmãos e o pai.
31. Todo o grupo familiar não era bem aceite pela comunidade local, conhecidos pela alcunha de ..., tendo a privação de liberdade dos mesmos constituído um alívio para a freguesia.
32. Após a sua detenção verificada em 03 de julho de 1992, AA foi transferido para o Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, tendo regressado ao de Ponta Delgada em agosto de 1997. Em agosto de 2001 foi transferido para o Estabelecimento Prisional do Funchal, após ter sido indiciado da prática do crime de tráfico de estupefacientes.
33. Aquando da sua permanência em Ponta Delgada, era visitado pela mulher e filhas, cuja relação era percecionada como muito condicionada às pressões e exigências do arguido.
34. Por sentença transitada em julgado em 12 de abril de 2005 no processo nº 17/01.8JAPDL, AA foi condenado na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (à data cumpria pena no Estabelecimento Prisional do Funchal).
35. No âmbito do cumprimento sucessivo das referidas penas, foi-lhe concedida liberdade condicional em abril de 2009, vindo a ser novamente detido em setembro desse mesmo ano, indiciado da prática do crime de tráfico de estupefacientes. A liberdade condicional veio a ser revogada.
36. Entretanto, por sentença transitada em julgado em 08 de julho de 2011, o arguido foi condenado no processo 230/09.0PEPDL, na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes, coação agravada e detenção de arma proibida.
37. Efetuada liquidação das penas e revogação da então liberdade condicional, o seu termo ocorre em 19 de junho de 2025, tendo AA sido libertado condicionalmente 12 de outubro de 2020.
38. Aquando da concessão da liberdade condicional, AA passou a residir com a mulher e uma filha maior de idade. Mantinha relação próxima com o filho LL, ex-recluso, o qual lhe prestava suporte mais direto, nomeadamente, em deslocações à DGRSP e no âmbito do cumprimento das obrigações fixadas.
39. AA efetuou inscrição na Agência para a Qualificação e Emprego em novembro de 2020, mas foi mantendo atividade na agropecuária, inicialmente por conta de lavradores da sua freguesia, depois por conta de um irmão, KK, proprietário de terrenos agrícolas e gado, como forma de colmatar algumas dificuldades económicas e como complemento ao Rendimento Social de Inserção que usufruíam.
40. A filha, entretanto, autonomizou-se e a mulher veio a falecer em ..., ficando o tutelado a residir sozinho.
41. AA tinha como obrigações, entre outras, no âmbito da concessão da liberdade condicional, realizar testes de despiste dos consumos de bebidas alcoólicas e de estupefacientes, os quais, realizou pontualmente, sempre com resultados negativos.
42. Após o falecimento da esposa passou a viver maritalmente com CC, de 29 anos, natural da ..., toxicodependente, custeando a dependência desta.
43. Em meio prisional, o arguido desenvolve atividade laboral desde janeiro de 2024, não integra qualquer programa terapêutico ao nível do tratamento às dependências, não regista infrações disciplinares e recebe visitas dos filhos.
44. Já foi julgado e condenado:
• Por sentença de .../.../1982, pela prática de um crime de falsificação de géneros alimentícios, na pena de multa;
• Por sentença de .../.../1984, pela prática de um crime de ofensas corporais voluntárias, na pena de multa;
• Por sentença de .../.../1987, pela prática de um crime de injúrias na pena de 45 dias de prisão substituída por multa;
• Por sentença de .../.../1988, pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público e de um crime de dano, na pena de 40 dias de prisão substituída por multa;
• Por sentença de .../.../1989, pela prática de um crime de desobediência a .../.../1988, na pena de 4 meses de prisão substituída por multa;
• Por sentença de .../.../1992, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de multa;
• Por acórdão de .../.../1993, pela prática de um crime de ofensas corporais graves e um crime de dano, na pena única de 22 meses de prisão, perdoada;
• Por acórdão de .../.../1993, pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de furto simples a .../.../1987, na pena única de 26 meses de prisão;
• Por sentença de .../.../1993, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão a .../.../1992, na pena de 6 meses de prisão substituída por multa;
• Por acórdão de .../.../1993, pela prática de um crime de homicídio qualificado, ofensas corporais e detenção de arma proibida, na pena única de 18 anos de prisão;
• Por sentença de .../.../1994, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão a .../.../1991, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
• Por sentença de .../.../1994, pela prática de um crime de abata clandestino a .../...91, na pena de 11 meses de prisão e multa, perdoada;
• Por sentença de .../.../1994, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão a .../.../1992, na pena de 12 meses de prisão;
• Por sentença de .../.../1995, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão a .../.../1992, na pena de 39 dias de multa;
• Por acórdão de .../.../2005, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado a .../.../2000, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão;
• Por acórdão de .../.../2011, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, um crime de detenção de arma proibida e um crime de coação agravada a .../.../2009, na pena de 10 anos de prisão;
• Por sentença de .../.../2021, pela prática de um crime de recetação a .../.../2009, na pena de 6 meses de prisão.
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2. Factos Não Provados
Com interesse para a boa decisão da causa, não se provou que:
a) O arguido adquiria ALPHA PHP às embalagens de 1 quilo, 1/2 quilo ou trezentas gramas.
b) O arguido passou a controlar todos os movimentos de CC, telefonando-lhe pouco a pouco e pagando-lhe as refeições.
c) Em data não concretamente apurada, mas entre junho de 2021 e Março de 2023, porque CC não quis manter com o arguido AA relações sexuais, o mesmo agrediu violentamente a sua namorada com vários socos e pontapés em várias partes do corpo, provocando dores fortes e lesões no corpo de CC, não tendo esta deslocado ao hospital para receber tratamento médico por receio de voltar a ser agredida ou morta por AA, atento o seu passado de prática de crimes violentos contra as pessoas.
d) No dia seguinte à agressão, a fim de evitar que CC apresentasse queixa-crime contra si, AA entregou à sua namorada 20 gramas de "Alpha-PHP".
e) O canivete apreendido em 5.) foi usado para ameaçar CC.
f) Na situação referida em 6.), o estupefaciente havia sido oferecido pelo arguido AA no mesmo dia, tendo aquela visto o arguido AA, no dia anterior, com um pacote grande de droga sintética que ia distribuir.
g) O arguido AA começou também, desde junho de 2021, a obrigar CC a acompanhá-lo na sua carrinha, o que ela fazia por ter já sido agredida pelo arguido e com medo do seu passado de homicida.
(fim de transcrição)
*
2.2. No acórdão recorrido, a decisão sobre a matéria de facto foi motivada nos seguintes termos (transcrição):
O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade à luz das regras de experiência comum (artigo 127º do Código de Processo Penal).
Tendo o arguido se remetido ao silêncio, foram lidas as suas declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial e inquiridas as testemunhas NN, OO, PP e QQ (agentes da Polícia de Segurança Pública), CC (companheira do arguido), DD (em cumprimento de pena pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes), RR (taxista), KK (irmão do arguido) e SS, TT, UU e VV (lavradores já venderam/compraram gado ao arguido).
Quanto à prova documental o Tribunal teve em consideração o auto de notícia de fls. 2 e 3, o auto de apreensão de fls. 4 v, o auto de pesagem e despistagem de fls. 5, as fotografias de fls. 6 e 32, a guia de entrega de fls. 54 v., o auto de apreensão de fls. 64 e 65 (telemóvel e notas), o termo de consentimento para visualização de telemóvel de fls. 66, o auto de busca e apreensão de fls. 68 a 70 (notas e substâncias), o auto de pesagem e despistagem de fls. de fls. 71, as fotografias de fls. 72, 74, e 76, o comprovativo do depósito do dinheiro apreendido de fls. 78, o auto de busca e apreensão de fls. 81 a 82 (plásticos), a fotografia de fls. 84, o auto de notícia por detenção (fls. 100 a 103), o auto de apreensão do veículo ..-..-MN de fls. 144, o auto de apreensão de fls. 146 e informação de fls. 148, as fotografias fls. 150 a 151, a informação sobre o registo de propriedade de fls. 157, as guias de entrega de fls. 164 v. e 176, o relatório de dados telemáticos de fls. 199 a 200, o termo de entrega de fls. 201, a informação da Segurança Social de fls. 210, a informação da ... de fls. 211, a informação do Banco de Portugal de fls. 213 e 214, as certidões de fls. 236, 258, 287, o auto de exame e avaliação de veículo ..-..-MN de fls. 353, o ficheiro nacional de matrículas de fls. 355 a 356, a guia de remessa de fls. 363, a informação dos serviços agrários de fls. 392. No apenso 274 tivemos em consideração o auto de notícia de fls. 2 a 3, o auto de apreensão de fls. 4, o termo de consentimento de busca de fls. 7, o auto de revista e apreensão de fls. 8, o auto de busca e apreensão em viatura de fls. 9, o teste rápido de pesagem de fls. 10, a fotografia de fls. 11 e o termo de consentimento de fls. 12. No apenso 655 atendeu-se ao auto de notícia por detenção de fls. 2 a 4, aos autos de apreensão de fls. 5 e 10 (armas), ao auto de busca e apreensão em viatura de fls. 12, à fotografia de fls. 13, ao auto de exame e avaliação do boxer de fls. 14, ao termo de entrega de fls. 16 e à lista de objetos apreendidos de fls. 70. Por fim, no apenso 2363 atendemos ao auto de notícia de fls. 2 a 4, à comunicação de notícia de crime de fls. 6 e à ficha de registo automóvel de fls. 18.
Por fim, e quanto à prova pericial, atendeu-se aos relatórios de exame pericial do Laboratório de Polícia Científica juntos a fls. 169, 182, 185 verso, 286, 360, 365 e 433.
Concretizando, disse o arguido, em primeiro interrogatório judicial, que se limitava a comprar cinquenta gramas de sintética de cada vez, por ser mais barato, e que a ia entregando, faseadamente, à sua companheira CC, pois se não o fizesse ela saía de casa para roubar e ficava louca. Quanto ao dinheiro que lhe foi apreendido, referiu ser proveniente dos negócios que fazia com gado e, quanto à soqueira, foi colocada no seu carro pela referida companheira.
Já CC, companheira do arguido, e apesar da advertência legal, declarou querer prestar declarações para afirmar que no inquérito prestou falsas declarações e que agiu assim porque os agentes da Polícia de Segurança Pública lhe prometeram que, se os ajudasse a por o AA na prisão, eles a ajudariam com os processos onde aquela é acusada de furtos. Diga-se que o Tribunal não acreditou nesta versão de CC, pelas razões que se vão passar a explicar. Em primeiro lugar, perguntada pelo motivo pelo qual uma jovem de vinte e poucos anos se envolve com um homem quase com setenta anos, referiu que aquele foi a única pessoa que a ajudou, tendo-lhe dado um teto, roupa e comida, motivo pelo qual lhe está extremamente grata. Ora, estando assim tão grata, não se entende o motivo pelo qual mentiu quando prestou as declarações no passado mês de setembro, sendo certo que não passou assim tanto tempo. Por outro lado, tendo o Tribunal determinado a acareação da testemunha com o agente NN, este negou categoricamente as afirmações da testemunha, tendo acrescentando, inclusive, que foi aquela que os procurou a pedir ajuda. Já a testemunha, confrontada com tal acareação, ficou nitidamente atrapalhada, não conseguindo manter qualquer discurso lógico e coerente. Mais nos disse NN que as testemunhas deste processo têm pavor do arguido (o que a testemunha não negou e resultou bem patente quando o Tribunal inquiriu DD, o qual se levantou de repente e abandonou a sala onde estava a ser ouvido por videoconferência). Não podemos ainda ignorar que a testemunha se esqueceu que as declarações foram presididas por magistrado do Ministério Público e que as que prestou na altura (e que foram lidas), ao contrário das atuais, mostram-se corroboradas por outros meios de prova (DD acabou por conformar que comprava sintética ao arguido numa base quinzenal, OO assistiu ao arguido a puxar os braços da testemunha enquanto ela gritava por ajuda e RR descreveu o estado de pânico de CC quando viu a carrinha do arguido e a forma como foi puxada, pelos braços e cabelos, de dentro do carro). Acresce que, caso a versão agora apresentada fosse verdadeira, que o arguido lhe comprava droga para aquela não furtar, porque motivo afinal tem processos pela prática de crimes de furto? Assim, e conjugando as declarações anteriormente prestadas por CC com a demais prova testemunhal e ainda com os elementos documentais (nomeadamente os autos de apreensão) e periciais juntos aos autos, apenas poderíamos considerar os factos como provados e não provados da forma supra elencada.
Quanto ao dinheiro apreendido ao arguido, e atentas as vendas efetuadas, bem como o acondicionamento do mesmo, não temos quaisquer dúvidas em como provinha do tráfico, não tendo as suas declarações sido corroboradas por qualquer outro meio de prova: repara- se que o irmão KK disse que ele é que controlava o dinheiro da venda do gado e falou sempre em quantias bem mais avultadas que as apreendidas e as testemunhas a quem o arguido vendeu ou comprou gado não situaram qualquer negócio perto da altura da apreensão (não esquecendo ainda que, de acordo a documentação da segurança social e das finanças, o arguido não declarava quaisquer rendimentos, sendo beneficiário do rendimento social de inserção).
Já quanto à soqueira, o arguido admitiu que sabia que a mesma estava no seu carro.
Relativamente ao elemento subjetivo, e estando demonstrados os factos supra descritos, atendeu-se às regras da normalidade e da experiência comum, conjugadamente com todos os meios de prova produzidos, ficando o Tribunal convencido de que o arguido, enquanto "Homem médio" sabe perfeitamente que não podem pode adquirir, deter, guardar, transportar, vender, ceder produto estupefaciente e que fazendo-o está a praticar um crime, tanto mais que já foi condenado duas vezes pelo mesmo tipo de crime. Acresce que em situações como a dos autos, dizem-nos as regras da experiência comum e da normalidade, que o agente age de forma livre, voluntária e consciente.
Os factos referentes à tendência para a delinquência resultam não só da prova documental (certidões judiciais e certificado de registo criminal), como das regras da normalidade e da experiência comum, conjugadas com o relatório da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, donde se infere que as condenações anteriores (e que são já muitas) não serviram de suficiente advertência ao arguido, que, em plena liberdade condicional, repete os mesmos atos, revelando uma acentuada inclinação para o crime.
Para a situação pessoal e económica do arguido, o Tribunal relevou o relatório elaborado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, conjugado com as declarações do seu irmão KK.
Por fim, atendeu-se ao certificado de registo criminal junto aos autos.
(fim de transcrição)
*
2.3. No acórdão recorrido, o enquadramento jurídico-penal dos factos foi fundamentado nos termos que a seguir se transcrevem (transcrição parcial na parte relevante):
Dispõe o artigo 21, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, que quem, sem para ta! estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com prisão de 4 a 12 anos.
O bem jurídico fundamentalmente tutelado por esta incriminação é a saúde pública, donde deriva que a ilicitude se verifica não só com a venda, a cedência a terceiro ou o transporte, mas também com a simples detenção das substâncias previstas nas tabelas anexas (fora dos casos previstos no artigo 40º), na medida em que da nocividade destas para a saúde decorre que essa simples detenção tem caráter de perigosidade, deparando-se- nos, portanto, com um crime de dano quanto à lesão do interesse coletivo em impedir a circulação de estupefacientes e um crime de perigo abstrato em relação à saúde das vítimas.
Ora, atentos os factos provados, não podem deixar de se dar como preenchidos os elementos típicos integradores do crime de tráfico de estupefacientes por do arguido, sendo que as quantidades vendidas e/ou cedidas, o período temporal de tal atividade e a natureza do produto em questão não permite, de todo, ponderar qualquer diminuição da ilicitude.
O produto ALPHA PHP encontra-se na tabela II-A.
Não se apuraram causas de exclusão da ilicitude nem da culpa, pelo que o arguido será condenado pela prática deste crime.
(fim de transcrição)
*
2.4. No acórdão recorrido, a determinação concreta da medida da pena e a aplicação da pena relativamente indeterminada foram fundamentadas pela forma seguinte (transcrição):
Cumpre determinar a medida das penas a aplicar ao arguido, uma vez que a todo o crime corresponde uma reação penal, pela qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada pelo agente.
A determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal aplicável ao caso (medida abstrata da pena); na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição do legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida (Figueiredo Dias, Direito Penal - As consequências jurídicas do crime, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 229).
Vejamos, em concreto, estas diversas etapas.
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O crime de tráfico de estupefacientes é punido com pena de 4 a 12 anos de prisão (artigo 21º, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro).
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Uma vez que o crime de tráfico é apenas punível com pena de prisão, não há que proceder à escolha da pena nos termos explanados no artigo 70º, nº 1 do Código Penal, passando-se, de imediato, à determinação da medida daquela pena, que se mostre adequada ao comportamento do arguido, atendendo-se, nos termos do artigo 71º, nº 1, do Código Penal, à culpa do agente e às exigências de prevenção, não olvidando que a medida da pena jamais pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º, nº 2 do Código Penal).
Nesses moldes, a prevenção geral positiva ou de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar.
Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (artigo 40º, nº 2 do Código Penal).
Ora, dentro desses limites, cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente, considerando ainda as demais circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao arguido na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para as exigências preventivas, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, como preceitua o artigo 71º, nº 2, do Código Penal, encontrando-se assim a pena adequada e justa.
No caso em análise, as exigências de prevenção geral são extremamente elevadas, devido à frequência com que este tipo de crime é praticado. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de 2022, o tráfico de estupefacientes continua a ser um dos crimes mais frequentes no nosso país. Acresce referir que, em particular nesta comarca dos Açores, o tráfico de estupefacientes assume valores cada vez mais preocupantes, sendo do conhecimento geral da população esta realidade e causando grande alarme social. Dada a grande incidência deste tipo de crime, como são expressão os dados referidos, são acentuadas as exigências de prevenção geral no sentido de fazerem apelo a uma maior necessidade de sancionamento para que se restabeleça a confiança, validade e eficácia na norma jurídico-penal violada, sendo ainda premente uma eficaz proteção e tutela do bem jurídico violado.
No que concerne às exigências de prevenção especial ou individual do arguido AA, há que atender ao grau de ilicitude da conduta, que, para além do que já é valorado pelo tipo legal de crime e respetiva moldura abstrata, é acentuado em face do tipo de droga, a mais nociva atualmente. Quanto à intensidade da culpa, a mesma é elevada, porquanto o arguido agiu com dolo direto. Por fim, não podemos ignorar que o mesmo praticou o crime em pleno período de liberdade condicional no âmbito de um processo em que foi condenado exatamente pelo mesmo tipo de crime. Não podemos ainda ignorar os seus longos antecedentes criminais (dois deles pelo mesmo tipo legal de crime), sendo que, a seu favor, nada abona.
Face ao exposto, decide o Tribunal condenar o arguido em 9 anos de prisão.
*
Aqui chegados, importa descortinar a verificação da delinquência por tendência com previsão legal no artigo 83º do Código Penal.
Nos termos do artigo 83º, nº 1 do Código Penal Quem praticar crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efetiva por mais de 2 anos e tiver cometido anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais tenha sido ou seja aplicada prisão efetiva também por mais de 2 anos, é punido com uma pena relativamente indeterminada, sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.
Analisemos se tais pressupostos se encontram reunidos.
Em primeiro lugar, é então necessário que o agente pratique crime doloso a que deva aplicar-se, concretamente, prisão efetiva por mais de dois anos, o que se verifica.
É ainda necessário que o agente tenha cometido anteriormente, dois ou mais crimes dolosos, a cada um tenha sido ou seja aplicada pena de prisão efetiva também por mais de dois anos, o que também se verifica (factos provados 17 a 23).
Por último, da avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente o Tribunal tem de concluir que revelam uma acentuada inclinação para o crime, que ainda persista no momento da condenação. Ora, o arguido é agora condenado, em pleno período de liberdade condicional, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de janeiro, sendo que já foi anteriormente, condenado não só pela prática de um crime de homicídio qualificado [previsto e punido pelo artigo 132º, nº1 e 2, alínea g) do Código Penal], como por dois crimes de tráfico de estupefacientes (artigo 21º, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro), sendo um deles agravado artigo [24º, nº1, alínea h) do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de janeiro]. Ora, tal demonstra uma a acentuada e indesmentível inclinação para o crime, sobretudo para o tráfico de estupefacientes que neste momento ainda persiste, sendo que, apesar de ter cumprido pena efetiva pela prática de tal crime, e de se encontrar em liberdade condicional, voltou, após ser libertado, a cometer outro crime de tráfico, fazendo dessa atividade modo de vida e exteriorizando indiferença pela especial vulnerabilidade das vítimas (consumidores de tal droga).
Por conseguinte, deverá concluir-se que as condenações anteriores aplicadas ao arguido não foram suficientes para o afastar do cometimento de novos crimes e operar a sua recuperação social, resultando ainda claro que os factos ilícitos que reiteradamente praticou, aliados ao seu modo de vida, sem inserção profissional e social, nem ressonância crítica quanto aos mesmos, revelam uma acentuada predisposição para o cometimento de crimes.
Em suma, da personalidade do arguido, com acentuada propensão para a prática de crimes, da gravidade global dos factos cometidos, do conjunto dos seus antecedentes criminais, da evidente insensibilidade perante as sucessivas condenações anteriores, da despreocupação em relação às consequências penais e reais dos seus atos e da ausência de projeto de vida, será o mesmo condenado como delinquente por tendência.
Deste modo, fixa-se a pena relativamente indeterminada de 6 anos de prisão (mínimo) e 15 anos de prisão (máximo).
(fim de transcrição)
*
III. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.1. Da nulidade da decisão recorrida por falta de exame crítico da prova
Argumenta o recorrente no ponto 28 da motivação de recurso que:
- O único elemento que o Tribunal a quo se baseou, aparentemente, e que nem consta da motivação, aliás, salvo devido respeito, genericamente efectuada sem concreta e precisa fundamentação com os factos provados, foram as declarações da testemunha CC.
Considerando que tal argumentação se reconduz à alegação de uma deficiente fundamentação da matéria de facto, a qual poderá conduzir à nulidade da decisão recorrida, importa agora dela conhecer.
Preceitua o art.º 374º/2 do Código de Processo Penal que:
Requisitos da sentença
1 – (…)
2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A obrigação de fundamentar as decisões judiciais constitui um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto, sendo garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões, bem como uma garantia da possibilidade de controlo democrático do exercício do poder judicial em face dos cidadãos e do próprio Estado, exigência do princípio do Estado de Direito (art.º 2º da Constituição) (Ac. n.º 281/2005 do Tribunal Constitucional de 25-05-2005, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt).
Acrescenta-se em tal acórdão que a fundamentação das sentenças penais – especialmente das sentenças condenatórias, pela repercussão que podem ter na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas – deve ser susceptível de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador, devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida.
Nesse sentido, dispõe o art.º 205º/1 da Constituição da República Portuguesa que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Consequentemente, a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto terá de explicitar o percurso lógico-dedutivo e o raciocínio desenvolvido pelo julgador para concluir como concluiu.
O dever de fundamentação impõe que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido (in Ac. do STJ de 23-02-2011, proferido no processo n.º 241/08.2GAMTR.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt, assim como os demais acórdãos que se citarão infra).
Como se esclarece no Ac. da Relação de Lisboa de 18-01-2011, proferido no processo n.º 1670/07.4TAFUN-A.L1-5: O exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram, ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.
Igualmente no Ac. da Relação de Coimbra de 24-04-2019, proferido no processo n.º 708/15.6T9CBR.C1: O exame crítico das provas corresponde à indicação das razões pelas quais e em que medida o tribunal valorou determinados meios de prova como idóneos e credíveis e entendeu que outros em sentido diverso não eram atendíveis, explicitando os critérios lógicos e racionais que utilizou na sua apreciação valorativa, e que permite, assim, aferir a concreta utilização que o julgador fez do princípio da livre apreciação da prova.
Também o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 253/92 (publicado do Diário da República, II série, de 27 de Outubro de 1992), decidiu que a garantia do duplo grau de jurisdição sobre o facto tem fatalmente – como faz notar o Ministério Público – que circunscrever-se ‘a uma verificação pelo tribunal de recurso da coerência interna e da concludência de tal decisão; e sendo certo que a efectividade de tal reapreciação do acerto da decisão sobre a matéria de facto pelo tribunal ad quem depende, de forma decisiva, da circunstância de ela estar substancialmente fundamentada ou motivada – não através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios, mas de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto relevante como provado ou não provado’.
Ora, todos os passos da actividade de valoração probatória vêm descritos na motivação do acórdão recorrido, nele sendo explicitado o percurso lógico-dedutivo que conduziu à formação da convicção do tribunal a quo nos termos plasmados na decisão, quanto à matéria de facto provada e não provada.
Da análise da fundamentação da decisão da matéria de facto exarada no acórdão recorrido acima transcrita, é patente que o tribunal a quo, não só descreveu sinteticamente o relatado pelo arguido em sede de inquérito e pelas testemunhas cujo depoimento valorou, como explicitou de forma clara, crítica e esclarecedora, os motivos pelos quais não conferiu credibilidade ao depoimento prestado em audiência pela testemunha CC, em argumentação lógica e racional, conforme às regras da experiência, justificando de forma adequada os motivos e a formação da sua convicção no sentido exposto na descrição da factualidade provada.
O que determina o n.º 2 do art.º 374º citado é que a motivação deverá conter uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão. (destacado nosso)
A obrigação de fundamentação da decisão de facto estatuída no citado art.º 374º do Código de Processo Penal apenas exige que a fundamentação se apresente como suficientemente clara e explícita quanto às razões e aos meios de prova considerados para efeitos da formação da convicção do tribunal, assim permitindo aos destinatários da decisão e ao tribunal de recurso apreender quais os concretos meios probatórios valorados e o porquê da sua concreta valoração.
Consequentemente, para que se cumpra o dever de fundamentação ali prescrito, basta que, com a referência a um determinado conjunto de factos, se indiquem as provas valoradas e os motivos pelos quais a convicção do tribunal se formou em determinado sentido.
Dir-se-á ainda que a exigência de fundamentação não exige que se proceda na sentença à reprodução dos depoimentos prestados ou à transcrição de documentos, relatórios periciais ou de outros meios de prova valorados em concreto.
Além disso, a obrigação de fundamentação da matéria de facto é susceptível de assumir vários graus de exigência, diferenciados entre si, desde uma mera referência a um determinado documento ou depoimento que, por incontroverso ou incontestado, nessa situação será suficiente ao seu cumprimento, até às situações em que é necessária uma explanação rigorosa, minuciosa e profundamente crítica, designadamente nas situações em que tenham sido produzidos depoimentos contraditórios entre si, quando inexista prova directa do facto a provar e seja necessário o apelo a presunções.
Ora, analisada a fundamentação plasmada na decisão recorrida, é perceptível de forma clara quais os concretos meios de prova valorados e as razões que conduziram às conclusões de facto alcançadas pelo tribunal a quo.
O tribunal a quo explicita todos os meios de prova que valorou, quer de natureza pessoal, quer de natureza documental, quer pericial, para fundar a sua convicção nos termos vertidos na decisão de facto, indicando os fundamentos pelos quais conferiu credibilidade a determinados depoimentos e declarações e não relativamente a outros, de modo perceptível, lógico e de acordo com as regras da experiência comum.
Consequentemente, a motivação da decisão recorrida contém as razões de facto e as provas que serviram de base à formação da convicção do tribunal nos termos expostos na descrição da factualidade provada e não provada, pelo que não padece de ausência de fundamentação, nem de deficiente fundamentação, quanto à decisão da matéria de facto.
E, analisada a fundamentação, não se vislumbra que algum dos factos provados se encontre carecido de motivação ou enferme de motivação deficiente.
Em conformidade, e em face do exarado no acórdão recorrido, mostrando-se nele manifestamente explicitado o percurso lógico-dedutivo empreendido pelo tribunal colectivo para formar a sua convicção nos termos em que o fez, ponderando em conjunto toda a prova produzida e apreciando-a de acordo com as regras da experiência e da lógica, não se verifica qualquer omissão ou deficiência de fundamentação, nem a violação do citado art.º 374º/2 do Código de Processo Penal.
Não ocorre, assim, qualquer nulidade do acórdão recorrido com tal fundamento.
Em conformidade, neste segmento, improcede necessariamente o recurso interposto.
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3.2. Se ocorre erro de julgamento com violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da livre apreciação da prova
Cumpre agora apreciar o erro de julgamento invocado pelo recorrente.
Ocorre erro de julgamento sempre que o tribunal julgue como provado determinado facto que, face às provas produzidas, deveria ter sido julgado como não provado, ou quando, inversamente, se julgue como não provado um certo facto, o qual, de harmonia com os meios probatórios produzidos, deveria ser julgado como provado.
Relativamente à reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal de recurso, importa referir, como é jurisprudência firmada, que esta não se destina à realização de um segundo julgamento, com base na audição de gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida (in Ac. da Relação de Guimarães de 4-06-2018, proferido no processo n.º 121/15.5GAVFL.G1).
Em sede de reapreciação da matéria de facto, ao tribunal de recurso importará apreciar se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido tem suporte adequado naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si e, consequentemente, a Relação só pode alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais, de manifesto erro na apreciação da prova. O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade. (...). Por outro lado, reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão (Ac. da Relação de Coimbra de 12-09-2012, proferido no processo n.º 245/09.8 GBACB.C1).
No mesmo sentido, pronunciou-se o Ac. da Relação de Évora de 16-12-2021, proferido no processo n.º 60/20.8GBETZ.E1: A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem (cf. al. b) do n.º 3 do referenciado artigo 412º). É que a decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tem de respeitar o princípio da livre apreciação da prova do julgador, estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal e a sua relação com os princípios da imediação e a oralidade (…).
Também no Ac. do STJ de 19-05-2010, proferido no processo n.º 696/05.7TAVCD.S1, se decidiu que: O uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.
Ou seja, as provas indicadas pelo recorrente quanto aos pontos da matéria de facto impugnados terão necessariamente de impor decisão diferente da proferida, não bastando que sugiram ou permitam diversa convicção, na medida em que, como se salienta no Ac. do STJ por último citado: A utilização do verbo impor, com o sentido de «obrigar a», não é anódina. Por aí, se limita, ainda, o recurso em matéria de facto aos casos de valoração de provas proibidas ou de valoração das provas admissíveis em patente desconformidade com as regras impostas para a sua valoração.
Por outro lado, preceitua o art.º 127º do Código de Processo Penal, que: salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
No entanto, é sabido que livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária dos meios de prova, nem com a impressão que estes geram no espírito do julgador, pressupondo o respeito pelos critérios da experiência comum e da lógica do homem médio (v. Maia Gonçalves, CPP Anotado, 17ª ed., pág. 354).
Consequentemente, existirá violação do princípio da livre apreciação da prova se, na apreciação da prova e nas ilações extraídas, o julgador não respeitar os princípios em que se consubstancia o direito probatório e as regras da experiência comum, da lógica e de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório (in Ac. Relação de Évora de 13-07-2021, proferido no processo 149/19.9PBSTR.E1).
Daí a exigência da motivação na sentença quanto ao sentido da decisão sobre a matéria de facto, a qual terá de traduzir o percurso lógico- dedutivo e o raciocínio desenvolvido pelo julgador para concluir como concluiu, impondo-se o dever de fundamentação no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido (in Ac. do STJ de 23-02-2011, proferido no processo nº 241/08.2GAMTR.P1.S2).
Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss., cit. no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, em www.tribunalconstitucional.pt), na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art.º 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis- como a intuição.
Ora, como atrás se salientou já, a actividade valorativa empreendida pelo tribunal a quo quanto ao juízo de valoração dos meios probatórios produzidos, vem descrita na motivação da decisão recorrida, nela sendo explicitado o percurso lógico-dedutivo que esteve na base da formação da convicção nos termos em que o fez.
Face ao exarado na motivação atrás transcrita, a convicção do tribunal a quo formou-se com base na prova produzida em audiência, livremente apreciada de acordo com as regras da experiência e da lógica, no contexto e circunstancialismo do caso concreto.
No entanto, tendo-se procedido à audição integral da prova produzida em audiência, desde já se adianta assistir parcialmente razão ao recorrente quanto ao erro de julgamento que invocou.
Passemos então a analisar os concretos pontos de facto provados impugnados pelo recorrente, designadamente os pontos 1, 2, 8, 9, 10, 11, 12, 14 e 15 dos factos provados, os quais, recorde-se, são os seguintes:
1. O arguido AA, a partir de meados de 2021, apesar de ter antecedentes criminais pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. no artigo 21.º, n. 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro, tendo sido condenado em pena de prisão efetiva, e estando em liberdade condicional desde 12-10-2020 até 19-06-2025, no processo 1525/09.8PBPDL, resolveu começar a traficar produtos estupefacientes, em S. Miguel, designadamente "Alpha - PHP", vulgo droga sintética, por ter constatado a elevada procura deste produto por consumidores de produtos estupefacientes já dependentes de tal substância; tendo também o arguido acesso à compra de tal droga por conhecer traficantes.
2. O arguido AA começou também, em junho de 2021, um relacionamento de namoro, primeiro, e, depois, de coabitação, com uma consumidora de produto estupefaciente, CC, à qual começou a ceder 1 grama de "Alpha - PHP", vulgo droga sintética, por cada vez que tinham relações sexuais, e, posteriormente, 5 gramas por dia que lhe era oferecida pelo arguido AA para manter o relacionamento sexual, com a mesma.

8. O arguido AA também começou a fornecer outros traficantes de produtos estupefacientes de "Alpha - PHP", o que sucedeu designadamente com DD, residente em S. ..., ao qual forneceu uma grama de droga sintética, por 50 euros, de 15 em 15 dias, entre meados de 2021 a 26 de abril de 2022, data em que a testemunha foi presa; esta testemunha ligava para o telemóvel do arguido AA, com o n.º ..., e o arguido AA ia entregar os pacotes de droga sintética a casa daquele.
9. Por vezes, CC acompanhava o arguido na sua carrinha, enquanto este fazia distribuição de droga sintética, entre 20 a 200 gramas, por várias vezes, entre junho de 2021 e março de 2023, a outros traficantes de produtos estupefacientes de S. Miguel, como EE, nas ..., FF, no ..., ou GG, dos ....
10. A 12 de julho de 2023, pelas 08:00 horas, o arguido foi revistado, tendo em seu poder um telemóvel Alcatel que usava para o tráfico de estupefacientes, bem como 320 euros, da mesma proveniência.
11. A carrinha do arguido, marca "Toyota Hilux", de matrícula ..-..-MN, foi buscada no mesmo dia, pelas 8:20 horas, sendo encontrado no seu interior uma bolsa para óculos onde o arguido detinha 43,550 gramas de "Alpha - PHP", para venda a terceiros, e 940 euros em dinheiro, proveniente das vendas de produtos estupefacientes que estava efetuando.
12. Buscada a residência que o arguido usava na ..., pelas 8:35 horas do mesmo dia 12 de julho de 2023, ali foram encontrados sacos de plástico recortados e círculos de plástico, que o arguido usava para acondicionar droga sintética que vendia e cedia.
...
14.O arguido destinava as substâncias que lhe foram apreendidas à venda ou entrega a indivíduos que os contactassem a fim de adquirirem ou receberem as mesmas para posterior venda a consumidores das referidas substâncias.
15. Porque AA vendeu a "Alpha-PHP" a 50 € cada grama, a quantidade de droga apreendida ao arguido (43,550 gramas) iria render ao arguido a quantia de 2.177,50 €.
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Alega o recorrente para fundamentar a sua impugnação, concretamente quanto aos pontos de facto 1. e 9., em síntese, que:
- O Tribunal a quo deu como provado em 1º, e que se discorda, concretamente que o Recorrente tenha a partir de meados de 2021,começado a traficar produtos estupefacientes em ... por ter constatado elevada procura deste produto por consumidores de produtos estupefacientes já dependentes de tal substância, tendo o arguido acesso à compra de tal droga por conhecer traficantes;
- Sucede que a prova deste facto não assenta em qualquer depoimento, testemunha ou outro meio de prova que não a mera conclusão do Tribunal a quo uma vez que, conforme infra se demonstrará, o testemunho de CC e a ausência de demais prova contrariou, quase na totalidade, o que constituía a principal fonte e prova da acusação;
- Da transcrição supra, resulta que os outros traficantes que constam do facto provado em 9, não foram arroladas como testemunhas para delas se extrair a prova por depoimento directo, tendo o representante do Ministério Público referido que é ele o titular da acusação e as testemunhas estão ou não em julgamento por sua escolha;
- Não há dúvida que não tendo o M.P. arrolado qualquer daquelas pessoas mencionadas no facto provado 9, nem o agente da PSP concretizando quais as provas obtidas da intervenção dos mesmos com o arguido, tal facto não podia ter sido dado como provado;
- O único elemento que o Tribunal a quo se baseou, aparentemente, e que nem consta da motivação, aliás, salvo devido respeito, genericamente efectuada sem concreta e precisa fundamentação com os factos provados, foram as declarações da testemunha CC;
- Esta testemunha em sede de audiência de julgamento referiu que mentiu aquando das declarações em sede de inquérito, mais explicando que as pessoas que identificou e que constam dos factos provados em 9, foram “inventadas” por ela;
- A prova produzida em sede de audiência de julgamento, que é aquela que assume maior relevância e momento por excelência da produção de prova, embora contraditória e mesmo oposta das declarações iniciais, não devia ter sido suficiente para que o Tribunal a quo desse como provado o ponto 9, quanto à venda de droga por parte do Recorrente entre junho de 2021 e março de 2023 a diversos outros traficantes como EE, FF e GG;
- Na verdade não conseguiu, nem foi produzida pelo M.P., qualquer prova em sede de audiência de julgamento, quer por via testemunhal quer por recurso a vigilâncias, quer por escutas, prova documental ou outro meio probatório que levasse a que o Tribunal a quo, mesmo segundo o princípio da livre apreciação da prova e das regras de experiencia comum, a dar como provado a factualidade do nº 9;
- O Tribunal a quo não acreditou na versão da testemunha trazida para a audiência de julgamento, todavia, a versão que a testemunha apresentou em sede de inquérito, enferma de muitas contradições e falsidades;
- Resulta sem margem para dúvidas que o que a testemunha CC fez, foi juntar factos dos quais tinha conhecimento por ser consumidora activa há mais de dois anos de produto estupefaciente e, fruto deste seu conhecimento directo, imputar falsamente ao Recorrente a prática de trafico de estupefacientes;
- A testemunha utilizou o conhecimento pessoal da sua pequena traficância e consumo para apresentar nomes de pessoas que foram utilizadas para fundamentar o crime de tráfico com o Recorrente quando na verdade nenhuma prova foi careada para o processo sobre todos os nomes que aquela referiu, quer testemunhal, quer documental;
- Com efeito não foi produzida qualquer prova que o Recorrente conhecesse as pessoas que a CC referiu, muito menos produzida qualquer prova testemunhal, documental, escutas ou qualquer outra que estabelecesse a ligação daquele com outros traficantes;
- Simplesmente é INEXISTENTE a prova neste sentido que não apenas a valoração do testemunho inicial da CC;
- No caso em apreço, perante duas versões tão contraditórias dos factos, não vislumbramos, em concreto, a razão devidamente fundamentada para o Tribunal a quo dar como provados os factos 1 e 9.
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Basta atentar em tal argumentação para perceber que o recorrente, na realidade, não aponta qualquer meio de prova que imponha decisão oposta à proferida quanto à generalidade dos factos elencados naqueles pontos 1. e 9. da matéria provada.
O que faz o recorrente é discordar da valoração dada pelo tribunal a quo ao depoimento prestado pela testemunha CC em sede de inquérito, lido em audiência de julgamento, em detrimento do depoimento que prestou em audiência e no qual negou os factos que anteriormente relatou como verdadeiros.
E, na verdade, tendo-se procedido à audição de tal depoimento, não vemos como poderia ter sido outra a opção do tribunal a quo.
É que foi manifesta a falta de credibilidade, assertividade ou verosimilhança das suas declarações prestadas em audiência, pretendendo atribuir total falsidade ao anteriormente declarado no inquérito perante o Senhor Procurador da República.
Foi notória a preocupação em afirmar, pouco após o início do depoimento, que: “prestei falsas declarações à polícia, tudo o que está aí é tudo falso, é tudo mentira”.
De qualquer modo, a opção efectuada pelo tribunal colectivo, alicerçada nas regras da experiência comum, e descredibilizando o testemunho prestado em audiência por esta testemunha, na sua presença, beneficiando da imediação e da oralidade, não nos merece qualquer censura, sendo, aliás, insindicável por este tribunal ad quem, na medida em que se mostra conforme às regras da lógica e da experiência, sobretudo quando conjugada com os demais meios de prova que elencou, tal como bem explanado na motivação da decisão recorrida atrás transcrita.
Recorde-se o depoimento da testemunha CC, prestado em 1-09-2023 na fase de inquérito:
Foi advertida nos termos do art.º 133 nº 2 do CPP e 134 nº 1 do mesmo diploma, dizendo que queria prestar declarações, mas não quer ser confrontada com o AA, por ter medo dele e da sua família (...)
Que foi consumidora de substância estupefacientes, até ser presa preventiva há cerca de um mês, tendo começado a consumir há cerca de dois anos, logo a consumir droga sintética, sem passar pelo consumo de Heroína.
Para consumir esta droga, e como não queria fazer furtos para arranjar dinheiro, tendo conhecido o AA, conhecido pela alcunha de “AA”, no verão de 2021, aproximou-se dele, porque sabia que este vendia droga sintética e naquela altura trocaram ambos de número de telemóvel; tendo conversado, ficou combinado que o “AA” entregava droga sintética, à depoente, por troca de relações sexuais. Não começaram logo a morar juntos, e só se encontravam para terem relações sexuais contra a entrega de droga sintética, à depoente, pelo AA.
Depois de terem relações sexuais, o AA entregava-lhe cerca de uma grama, de droga sintética, que a depoente consumia posteriormente; o AA, residia então na freguesia de ..., junto ao quartel militar e a ora depoente em casa do EE no ....
Foi se apercebendo que o AA ficou apaixonado por si, mas começou a controlar os movimentos da depoente, ligava-lhe pouco a pouco, bem como todos os dias pagava-lhe o almoço e o jantar; mas ainda não moravam juntos, continuando a depoente em casa do EE.
No decurso da relação que mantinham, apercebeu-se que o AA tinha vários indivíduos que o contactavam, para adquirir droga sintética, para revenderem mais tarde, entre os quais o ZZ conhecido por “ZZ” trinta e que reside no ...; o BBB, irmão do CCC; o GG, conhecido por “GG”, entre outros.
Viu o AA entregar a estes indivíduos, entre 20 a 200 gramas de droga sintética, de cada vez, sendo que muitas vezes acompanhou o AA em algumas destas entregas; viu o AA a ir buscar droga sintética ao EEE, que tinha sido companheiro da filha do AA e morava no .... As entregas de droga sintética ao AA eram feitas nas pastagens do AA, pelo EEE, ou no parque estacionamento da empresa "..."; também o AA recebia droga sintética do arquipélago da ..., de um tal GGG, brasileiro, novo, com cerca de um metro e oitenta, e também musculoso, como o EEE. Estas entregas do GGG, eram menos pesadas do que as do GGG # este entregava cerca de um quilo, e embalado a vácuo # tendo cerca de meio quilo ou trezentas gramas; o GGG vinha a ... só para apresentar amostras da droga sintética, e as entregas ao AA eram feitas por outras pessoas.
Sabe disto não só por estar frequentemente com o AA, como também há cerca de um ano e tal, ter começado a morar com ele, na casa do FF, na ..., casa esta que o FF tinha arrendado ao AA.
Esta casa servia de passagem da droga sintética, ou seja, o AA guardava a maioria da droga sintética, na sua casa nos ..., sendo que apenas leva para a casa do II, a droga que era para entregar aos seus revendedores.
Neste espaço de tempo, o AA continuou sempre a fornecer droga sintética, à depoente, numa base diária, cerca de 5 gramas por dia. Esta droga causava problemas à depoente, na cabeça, tendo por hábito andar pelas ruas a furtar, sem necessidade porque o AA, dava-lhe droga todos os dias, para consumir, bem como comprava bens alimentares, e roupas para a depoente. A depoente embora de início se tenha aproximado do AA, só para consumir droga de graça, contra a pratica de sexo, foi afeiçoando pelo AA por este a proteger, embora fosse um homem violento, que por vezes lhe batia com socos, quando descobria que a depoente lhe estava a roubar droga para consumir.
Esta situação manteve-se até à data em que a casa do AA foi buscada, ou seja, o AA era a pessoa que lhe fornecia sempre droga sintética, enquanto estiveram próximos e mais tarde a habitarem juntos.
Quanto ao dinheiro do AA, não sabe onde ele o guardava, embora tenha assistido a diversas conversas entre o AA e a filha JJ, apercebendo-se a depoente que se tratava de esconder ou entregar maços de notas.
Quanto às declarações que acabou de prestar, pede encarecidamente para não ser confrontada com AA, seus familiares e outros arguidos no processo, porque sabe que certamente ao terem conhecimento do que disse irão atentar contra a sua vida.
Ora, tal depoimento confirma inequivocamente a factualidade provada vertida no ponto 2., bem assim a factualidade vertida sob o ponto 1. no segmento O arguido AA, a partir de meados de 2021 (…) resolveu começar a traficar produtos estupefacientes, em S. Miguel, designadamente "Alpha - PHP", vulgo droga sintética; tendo também o arguido acesso à compra de tal droga por conhecer traficantes.
Por outro lado, confirma igualmente o ponto 9. julgado provado, com excepção do segmento em que neste se refere o indivíduo FF, no ....
Com efeito, o que afirma a testemunha CC é que: apercebeu-se que o AA tinha vários indivíduos que o contactavam, para adquirir droga sintética, para revenderem mais tarde, entre os quais o ZZ conhecido por “ZZ” trinta e que reside no ...; o BBB, irmão do CCC; o GG, conhecido por “GG”, entre outros. Viu o AA entregar a estes indivíduos, entre 20 a 200 gramas de droga sintética, de cada vez. (sublinhados nossos)
Reporta-se a testemunha ao indivíduo FF apenas como senhorio do aqui arguido: Sabe disto não só por estar frequentemente com o AA, como também há cerca de um ano e tal, ter começado a morar com ele, na casa do FF, na ..., casa esta que o FF tinha arrendado ao AA. Esta casa servia de passagem da droga sintética, ou seja, o AA guardava a maioria da droga sintética, na sua casa nos ..., sendo que apenas leva para a casa do II, a droga que era para entregar aos seus revendedores. (sublinhados nossos)
Em nenhum momento afirma a testemunha que o indivíduo FF recebia do arguido droga sintética.
Consequentemente, inexiste qualquer meio de prova que fundamente a referência a FF no ponto 9. dos Factos Provados, impondo-se a sua alteração em conformidade.
Do mesmo modo, nem aquela testemunha, nem outro meio de prova, sustenta o que consta do ponto 1., no seguinte segmento: por ter constatado a elevada procura deste produto por consumidores de produtos estupefacientes já dependentes de tal substância.
Na verdade, não vem confirmada a motivação que terá presidido à decisão do arguido.
Assim, os pontos 1. e 9. dos Factos Provados passarão a ter a seguinte redacção:
1. O arguido AA, a partir de meados de 2021, apesar de ter antecedentes criminais pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. no artigo 21.º, n. 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro, tendo sido condenado em pena de prisão efetiva, e estando em liberdade condicional desde 12-10-2020 até 19-06-2025, no processo 1525/09.8PBPDL, resolveu começar a traficar produtos estupefacientes, em S. Miguel, designadamente "Alpha - PHP", vulgo droga sintética; tendo também o arguido acesso à compra de tal droga por conhecer traficantes.
9. Por vezes, CC acompanhava o arguido na sua carrinha, enquanto este fazia distribuição de droga sintética, entre 20 a 200 gramas, por várias vezes, entre junho de 2021 e março de 2023, a outros traficantes de produtos estupefacientes de S. Miguel, como EE, nas ..., ou GG, dos ....
Passará a elencar os factos não provados o seguinte:
- que o que consta no ponto 1 ocorreu por o arguido ter constatado a elevada procura deste produto por consumidores de produtos estupefacientes já dependentes de tal substância;
- que FF, no ..., era um dos traficantes a quem o arguido fazia distribuição de droga sintética.
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Insurge-se ainda o recorrente quanto ao ponto 8. dos Factos Provados.
No entanto, quanto a este, após audição da prova produzida, não se descortina que o tribunal a quo tenha violado as regras da experiência, ou que tenha proferido uma decisão ilógica ou destituída de substracto probatório bastante.
Com efeito, como consta da motivação da decisão de facto: (DD acabou por confirmar que comprava sintética ao arguido numa base quinzenal …).
O depoimento da testemunha DD prestado na fase de inquérito em diligência presidida pelo Senhor Procurador da República foi lido em sede de audiência de julgamento.
Invoca o recorrente a este respeito essencialmente que:
- Neste facto em concreto, o Tribunal a quo estribou a sua convicção nas declarações da testemunha DD, o que em nosso entender, não foram credíveis e foram insuficientes para a prova do facto provado em 8, senão vejamos;
- Após o Meritíssimo juiz do Tribunal a quo começar a ler o auto de interrogatório das declarações da testemunha DD, o mesmo acabou por referir que comprava droga sintética ao Recorrente em pouca coisa e fê-lo durante aproximadamente 1 mês;
- O Tribunal a quo julgou mal quando deu como provada toda a factualidade quer no que toca ao hiato temporal em causa (meados de 2021 a 26 de Abril de 2022, quer pelos meios utilizados (carrinha e por telemóvel) quer onde era entregue o produto estupefaciente (casa da testemunha).
Recorde-se o teor do depoimento da testemunha prestado em 20-10-2022, conforme a fls. 119 a 120 dos autos, na parte que aqui releva:
Quanto à droga sintética, começou a consumir há cerca de três anos, e parou o consumo de Subutex (…).Quanto à origem da droga sintética que teve em seu poder, desde 2019, diz que começou por a comprar ao HHH, mais conhecido por "HHH", o que teve lugar desde que ele saiu da cadeia, há cerca de quatro anos; O HHH vendia a droga sintética em conjunto com o JJJ, e o preço estabelecido era de 50 Euros por grama. (…)
Também quer esclarecer que também comprava droga sintética a AA, de alcunha "AA", que no seu telemóvel tem gravado co o "AA", com o telemóvel ...; este individuo não tem nada a haver com o HHH, KKK e JJJ, sendo um negócio em separado.
Quando o HHH, KKK e JJJ, não lhe entregavam a droga sintética a tempo ou o HHH não lhe atendia o telefone, o depoente falava com o AA, sempre por chamada de telemóvel, e o AA vendia também 1 grama de droga sintética por 50 Euros; a entrega também era feita em casa do depoente, e o AA costumava aparecer numa carrinha de marca Toyota Hilux de cor verde.
Quanto às compras que fazia as uns e ao AA, esclarece que o seu fornecedor principal era o HHH, e o depoente usava o AA só quando se queria desenrascar, o que tinha lugar em média de 15 em 15 dias.
O depoimento desta testemunha em audiência iniciou-se com a total negação: negou inclusive conhecer o arguido.
Como refere o tribunal a quo na motivação da decisão da matéria de facto: o Tribunal inquiriu DD, o qual se levantou de repente e abandonou a sala onde estava a ser ouvido por videoconferência.
Regressada a testemunha passados vários minutos, a mesma prosseguiu a negação de que alguma vez tivesse adquirido droga ao aqui recorrente.
Apenas depois de confrontado com o seu depoimento prestado no inquérito, acabou por confirmar que era verdade que comprava “sintética” ao “AA”, bem como que tinha o seu número gravado no seu telemóvel como “AA”, mas negando que ele a ia entregar a sua casa.
Referiu ainda a testemunha que “isto durou pouco tempo” e que “era mais ou menos de quinze em quinze dias”.
Perante o comportamento desta testemunha em audiência, é uma evidência que a mesma pretendia afastar qualquer declaração que incriminasse o arguido, pelo que nenhuma censura nos merece o tribunal a quo quando conferiu total credibilidade ao depoimento por ela prestado em sede de inquérito, apenas parcialmente confirmado em audiência, de certo devido ao pavor que as testemunhas têm do aqui arguido, como salientou a testemunha NN, agente da PSP, sensivelmente ao minuto 6.50 do seu depoimento.
Aliás, a testemunha apresentou-se da segunda vez a tremer a perna, como constatou o Senhor Juiz Presidente do Colectivo.
Improcede, pois, a impugnação do ponto 8. dos Factos Provados.
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Insurge-se ainda o recorrente quanto aos factos provados sob os pontos 10., 11., 14. e 15., mormente no que respeita à origem do dinheiro apreendido e ao destino da droga que lhe foi apreendida.
Invoca o recorrente para fundamentar a sua impugnação, em síntese, o seguinte:
- O Recorrente comprava a droga e mantinha-a consigo para evitar que a CC lhe “roubasse” e cometesse furtos, daí que quando foi detido tivesse na sua posse 43,550 gramas que havia adquirido;
- O dinheiro que foi encontrado no carro, é produto do trabalho que o Recorrente desempenha de compra e venda de gado;
- O Recorrente apesar de não se encontrar inscrito nas finanças não auferindo rendimentos declarados, trabalha por conta do irmão KK, proprietário de uma lavoura, recebendo em média 2.000,00 a 3.000,00 euros mensais;
- É habitual o Recorrente comprar e vender gado, sendo também normal que tais negócios sejam efectuados em numerário, conforme diversas testemunhas, também elas lavradores, vieram testemunhar;
- Perante a ausência total de prova no sentido em que interpretou o Tribunal a quo para dar como provado o nº 11, confrontado com a prova produzida da actividade profissional de lavrador por parte do recorrente com testemunhas que confirmaram reconhecer aquele como lavrador tendo inclusive celebrado negócios com o mesmo e que é habitual que tais negócios sejam celebrados com pagamentos em numerário, não podia nem devia ter ficado provado aqueles factos da maneira como o foram.
A este propósito, recorde-se o seguinte excerto da motivação exarada no acórdão recorrido:
Quanto ao dinheiro apreendido ao arguido, e atentas as vendas efetuadas, bem como o acondicionamento do mesmo, não temos quaisquer dúvidas em como provinha do tráfico, não tendo as suas declarações sido corroboradas por qualquer outro meio de prova: repara- se que o irmão KK disse que ele é que controlava o dinheiro da venda do gado e falou sempre em quantias bem mais avultadas que as apreendidas e as testemunhas a quem o arguido vendeu ou comprou gado não situaram qualquer negócio perto da altura da apreensão (não esquecendo ainda que, de acordo a documentação da segurança social e das finanças, o arguido não declarava quaisquer rendimentos, sendo beneficiário do rendimento social de inserção).
Ora, o recorrente não indica qualquer meio de prova que imponha decisão diferente da recorrida.
Tendo-se por assente que o arguido vendia droga, considerando os montantes apreendidos, em maços de notas e parte delas acondicionadas junto da droga apreendida, não se vê que outra conclusão poderia retirar o tribunal a quo.
Note-se que a testemunha CC afirmou que: Quanto ao dinheiro do AA, não sabe onde ele o guardava, embora tenha assistido a diversas conversas entre o AA e a filha JJ, apercebendo-se a depoente que se tratava de esconder ou entregar maços de notas. (sublinhado nosso)
O conjunto dos meios de prova produzidos, analisados de harmonia com as regras da experiência comum, apenas poderiam conduzir à conclusão a que chegou o tribunal a quo, merecendo total acolhimento as considerações expendidas a esse respeito na fundamentação plasmada na decisão recorrida acima transcrita.
A testemunha SS afirmou que fez um negócio com o arguido “aí em 2021”.
A testemunha TT afirmou que o último negócio com o arguido terá sido “há três, quatro anos”.
A testemunha UU situou o último negócio com o arguido há “um ano, umas novilhas que lhe vendi”.
A testemunha PPP não soube situar o último negócio celebrado, apenas dizendo que “foi depois do Covid”.
A testemunha KK, irmão do arguido, afirmou que “a gente sempre foi sócios”, na compra e venda de rezes, afirmando ainda que era ele (testemunha) que controlava o dinheirinho, não havendo notícia nos autos que o mesmo se tenha insurgido quanto às apreensões de dinheiro efectivadas, reclamando ser seu proprietário.
Em conformidade, nenhum meio de prova impõe decisão oposta à proferida, sendo certo que as circunstâncias em que ocorreram as apreensões e concatenados e conjugados entre si os vários meios de prova produzidos, não poderia ser outra a conclusão de facto a retirar, senão aquela que retirou o tribunal a quo, através de um juízo de inferência a partir dos factos demonstrados por prova directa.
Improcede, pois, igualmente a impugnação quanto a estes pontos de facto.
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Impugna ainda o recorrente o facto provado sob o ponto 12., designadamente na parte em que se dá como provado que os sacos de plástico recortados e círculos de plástico apreendidos, era o arguido que os usava para acondicionar droga sintética que vendia e cedia.
Porém, mais uma vez cumpre afirmar que nenhuma prova vem indicada pelo recorrente que imponha decisão diferente da recorrida.
Afirma a este respeito o recorrente na motivação de recurso que:
- Muito embora os referidos círculos de plástico tenham sido encontrados na casa do Recorrente, a verdade é que a testemunha CC testemunhou e foi confirmado pelo agente da PSP NN, que tal habitação também era residência daquela;
- Mais afirmou que conhecia a CC por ser consumidora de droga sintética.
Ora, é precisamente por a CC ser consumidora que é legítimo inferir, como fez o tribunal a quo, que os círculos não foram recortados pela mesma testemunha CC, pois que essa é uma actividade própria de quem vende e acondiciona previamente para vender, e não de quem meramente é consumidor.
De qualquer modo, não indicou o recorrente sobre este concreto ponto de facto, qualquer meio de prova impositivo de decisão contrária, sendo certo que a conclusão de facto a que chegou o tribunal a quo é perfeitamente consentânea com as regras da experiência comum, é a conclusão lógica a extrair do conjunto dos factos provados, a partir dos meios de prova produzidos, apreciados e valorados no seu conjunto.
E tal conclusão não importa qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova, nem do princípio in dubio pro reo, ou do princípio da presunção de inocência consagrado no art.º 32º da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, o princípio do in dubio pro reo só poderá ser invocado quando, depois de analisada toda a prova produzida no seu conjunto, de harmonia com a lógica e a normalidade do acontecer, o julgador permanecer num estado de dúvida insanável quanto à realidade ou não do facto sujeito a prova.
O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa (Ac. STJ de 12-03-2009, proferido no processo nº 07P1769).
Contudo, como lapidarmente se esclarece no Ac. do STJ de 5-07-2007, proferido no processo n.º 07P2279: o princípio in dubio pro reo (…) é antes uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
Invoca o recorrente:
- Se por um lado entendemos não ter sido feita qualquer prova no sentido de dar como provados os factos que ora se impugnam, por outro, sempre se dirá que, da prova produzida podia e devia o Tribunal a quo, sustentado no princípio do in dúbio pro reo, ter decidido a favor do Recorrente;
- Pelo contrário em todas as situações que manifestamente foi criada a dúvida, o Tribunal decidiu os factos em desfavor do Recorrente;
- Pelo exposto, o tribunal a quo, condenando o recorrente, violou, ainda, o princípio do “in dúbio pro reo”, consagrado no nº 2 do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa, o qual devia ter sido interpretado e aplicado no sentido em seu favor.
No entanto, no caso concreto, como resulta do conteúdo da fundamentação constante da decisão recorrida atrás transcrita, é inequívoco que nenhuma dúvida subsistiu no espírito do tribunal a quo ao julgar como provados os factos impugnados pelo recorrente.
A violação do princípio in dubio pro reo só se verificaria caso se concluísse ter existido erro na valoração da prova de forma a que, ao condenar o recorrente com base na prova e na sua valoração, o tribunal a quo teria contrariado as regras da lógica e da experiência comum, na medida em que deveria ter permanecido num estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor do recorrente.
Contudo, face ao que decorre do supra mencionado, a valoração da prova produzida nos termos efectuados pelo tribunal a quo, mostra-se consentânea com a regras da experiência comum, tendo o tribunal recorrido decidido de acordo com a sua livre convicção, de forma objectivamente fundada e sustentada nos concretos meios probatórios que apreciou e valorou, pelo que, como se aduziu já, não ocorreu violação do princípio da livre apreciação da prova.
Do mesmo modo, atenta a prova produzida, encontra-se arredada a possibilidade de que o tribunal a quo deveria ter permanecido num estado de dúvida razoável e fundada em termos de valoração da prova, em relação aos factos que deu como provados e impugnados pelo recorrente.
Assim, nenhuma violação se verificou do princípio in dubio pro reo nos termos invocados no recurso.
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Atentas as alterações acima decididas quanto aos pontos 1. e 9., na procedência parcial da impugnação da matéria de facto, os factos provados e não provados passam, em consequência, a ser os seguintes (assinalando-se a negrito as alterações efectuadas nos factos não provados, aos quais se acrescentam duas alíneas):
1. O arguido AA, a partir de meados de 2021, apesar de ter antecedentes criminais pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. no artigo 21.º, n. 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro, tendo sido condenado em pena de prisão efetiva, e estando em liberdade condicional desde 12-10-2020 até 19-06-2025, no processo 1525/09.8PBPDL, resolveu começar a traficar produtos estupefacientes, em S. Miguel, designadamente "Alpha - PHP", vulgo droga sintética; tendo também o arguido acesso à compra de tal droga por conhecer traficantes.
2. O arguido AA começou também, em junho de 2021, um relacionamento de namoro, primeiro, e, depois, de coabitação, com uma consumidora de produto estupefaciente, CC, à qual começou a ceder 1 grama de "Alpha - PHP", vulgo droga sintética, por cada vez que tinham relações sexuais, e, posteriormente, 5 gramas por dia que lhe era oferecida pelo arguido AA para manter o relacionamento sexual, com a mesma.
3. Apesar de o arguido AA fornecer diariamente droga a CC, por vezes esta furtava droga ao arguido, altura em que este, quando descobria os furtos, agredia CC com socos, provocando-lhe dores fortes e lesões no corpo.
4. No dia 8 de outubro de 2022, pelas 17H00 horas, o arguido AA, com a ajuda de dum casal que não foi possível identificar, levou CC da ..., até à ..., na ..., local onde o arguido obrigou a ofendida a sair do táxi puxando-lhe pelos cabelos com força e levando-a para a sua carrinha.
5. A 23 de outubro de 2022, pelas 15:15 horas, o arguido encontrava-se a intimidar a sua namorada CC num terreno sito no ..., tentando que a mesma entrasse para a sua carrinha de matrícula ..-..-MN, estando aquela aos gritos, quando surgiu a P.S.P., que a auxiliou, levando-a para casa de familiares; não sem antes a polícia ter apreendido uma soqueira ou boxer, que o arguido detinha na consola do seu veículo e um canivete.
6. A 25 de outubro de 2022 a P.S.P. deparou com a namorada do arguido CC no ..., tendo esta entregue aos agentes um panfleto de "Alpha -PHP" com o peso de 0,023 gramas.
7. No dia 22 de abril de 2023, pelas 18H00, em ..., CC detinha na sua posse dois pacotes de substância "Alpha - PHP" com os pesos de 4,192 gramas e 5,323 gramas, droga esta que tinha retirado ao arguido AA, consigo residente, e que pretendia consumir.
8. O arguido AA também começou a fornecer outros traficantes de produtos estupefacientes de "Alpha - PHP", o que sucedeu designadamente com DD, residente em S. ..., ao qual forneceu uma grama de droga sintética, por 50 euros, de 15 em 15 dias, entre meados de 2021 a 26 de abril de 2022, data em que a testemunha foi presa; esta testemunha ligava para o telemóvel do arguido AA, com o n.º ..., e o arguido AA ia entregar os pacotes de droga sintética a casa daquele.
9. Por vezes, CC acompanhava o arguido na sua carrinha, enquanto este fazia distribuição de droga sintética, entre 20 a 200 gramas, por várias vezes, entre junho de 2021 e março de 2023, a outros traficantes de produtos estupefacientes de S. Miguel, como EE, nas ..., ou GG, dos ....
10. A 12 de julho de 2023, pelas 08:00 horas, o arguido foi revistado, tendo em seu poder um telemóvel Alcatel que usava para o tráfico de estupefacientes, bem como 320 euros, da mesma proveniência
11. A carrinha do arguido, marca "Toyota Hilux", de matrícula ..-..-MN, foi buscada no mesmo dia, pelas 8:20 horas, sendo encontrado no seu interior uma bolsa para óculos onde o arguido detinha 43,550 gramas de "Alpha - PHP", para venda a terceiros, e 940 euros em dinheiro, proveniente das vendas de produtos estupefacientes que estava efetuando.
12. Buscada a residência que o arguido usava na ..., pelas 8:35 horas do mesmo dia 12 de julho de 2023, ali foram encontrados sacos de plástico recortados e círculos de plástico, que o arguido usava para acondicionar droga sintética que vendia e cedia.
13. A "Alpha - PHP" é uma substância que faz parte da Tabela II-A anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, e o arguido não se encontra autorizado a deter, vender ou ceder tal substância.
14. O arguido destinava as substâncias que lhe foram apreendidas à venda ou entrega a indivíduos que os contactassem a fim de adquirirem ou receberem as mesmas para posterior venda a consumidores das referidas substâncias.
15. Porque AA vendeu a "Alpha-PHP" a 50 € cada grama, a quantidade de droga apreendida ao arguido (43,550 gramas) iria render ao arguido a quantia de 2.177,50 €.
16. Em todas as situações acima descritas o arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que não podia deter, vender ou ceder a referida substância e que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente puníveis.
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17. No âmbito do processo 490/93 - 508/93.2TBPDL. que correu termos no 2.º Juízo 1.ª Secção do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, por acórdão proferido em 15 de dezembro de 1993, transitado em julgado em 17-12-1993, foi o arguido AA condenado pela prática em 1993 como autor de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.º 132.º, n.º 1 e 2, al. g), na pena de 16 anos de prisão, como autor material de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, p. e p. pelo art.º 144.º, n.º 1 e 2, do C.P., na pena de 7 meses de prisão, como autor material de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, p. e p. pelo art.º 144.º, n.º 1 e 2, do C.P., na pena de 13 meses de prisão, e como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 260.º, do C.P. na pena de 3 meses de prisão, tendo sido condenado na pena única de cúmulo de 18 anos de prisão.
18. O arguido AA esteve privado da liberdade à ordem do processo 490/93 - 508/93.2TBPDL desde o dia 1992, em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no referido processo, tendo sido libertado condicionalmente no dia 12 de outubro de 2020 e a pena declarada extinta no dia 24 de março de 2020.
19. No âmbito do processo 17/01.8JAPDL que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada - J3, por acórdão proferido em 16 de março de 2005, transitado em julgado em 12 de abril de 2005, foi o arguido AA condenado pela prática, entre pelo menos Fevereiro de 2001 e 24 de abril de 2001, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, e 24.º, n.º 1, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/23, de 22-01, como reincidente, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão.
20. O arguido AA esteve privado da liberdade à ordem do processo 17/01.8JAPDL desde o dia 25 de novembro de 2004, em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no referido processo 17/01.8JAPDL. Interrompeu o cumprimento da pena à ordem deste processo em 25 de Abril de 2009. Foi novamente ligado a este processo em 11 de março de 2013 tendo o fim da pena ocorrido em 8 de abril de 2017.
21. No âmbito do processo 230/09.0PEPDL. que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada – J1, por acórdão proferido em 26 de janeiro de 2011, transitado em julgado em 4 de Julho de 2011, foi o referido arguido AA condenado pela prática, entre data anterior a 16 de Setembro de 2009 e 23 de Setembro de 2009, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/23, de 22-01, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, como autor de um crime de coação agravada, p. e p. pelos arts. 154, 155.º, n.º 1, al. a) e 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e co o autor de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, tendo sido condenado na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.
22. O arguido AA esteve privado da liberdade à ordem do processo 230/09.0PEPDL desde o dia 23 de setembro de 2009, primeiramente detido, depois sujeito à medida de coação de prisão preventiva e depois em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no referido processo 230/09.0PEPDL, tendo sido desligado do referido processo em 25 de fevereiro de 2013 a fim de ser ligado ao PCC n.º 17/01.8JAPDL para ali cumprir o remanescente da pena que lhe foi aplicada.
23.Entre a data em que o arguido AA praticou os factos pelo qual foi condenado no processo 490/93 - 508/93.2TBPDL e os dias da prática do crime pelo qual foi condenado no processo 17/01.8JAPDL; e os dias da prática do crime pelo qual foi condenado no âmbito do processo 17/01.8JAPDL e os dias da prática do crime pelo qual foi condenado no processo 230/09.0PEPDL; e entre a data em que o arguido praticou os factos pelo qual foi condenado no processo 230/09.0PEPDL e os dias da prática dos factos que constituem os crimes que ora se imputam ao arguido, descontados os períodos de privação da liberdade sofridos pelo arguido respeitantes a detenções, medidas de coação privativas da liberdade e cumprimento de penas, decorreram menos de 5 anos.
24. O arguido AA estava ciente das anteriores condenações que sofreu, bem como dos factos que as motivaram, das penas de prisão em que foi condenado e dos períodos em que esteve preso em cumprimento das referidas penas de prisão e outras medidas processuais privativas da liberdade.
25. Não obstante, o arguido AA não interiorizou que tem de pautar a sua conduta pelas regras básicas da convivência social, traduzidas nas normas penais, não cometendo novos crimes, mormente da mesma natureza daqueles que levaram às anteriores condenações, relativamente às quais se encontrava em liberdade condicional, e, totalmente insensível às penas de prisão que cumpriu nas ocasiões acima indicadas, praticou os factos acima descritos, resultando dos autos que o mesmo revela, atualmente, uma personalidade com elevada inclinação para a prática de crimes de tráfico de estupefacientes.
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Das condições socioeconómicas do arguido:
26. AA é natural dos ... e o terceiro de uma fratria de nove elementos, de um agregado de nível sociocultural baixo. O ambiente no seio do agregado de origem norteava-se pela existência de conflitos entre os seus elementos, dos quais se destacava o progenitor como figura de autoridade e liderança, em relação a todos os elementos da família. A progenitora, doméstica, sempre demonstrou um papel passivo, submetendo- se às regras impostas pelo marido, o qual, foi preso em 1992 (conjuntamente com alguns dos filhos, inclusive o arguido), pela prática de crimes contra a vida, altura em que a mesma pediu para ser acolhida num Lar, como forma de se sentir mais segura e manter afastada do marido.
27. O arguido iniciou o trajeto escolar em idade própria, não tendo apresentado no percurso problemas específicos. Após ter concluído o 4º ano, abandonou os estudos, começando a desempenhar atividades na área da agropecuária, juntamente com o progenitor. AA principiou atividade laborai com 12 anos de idade, como tratador de gado. Mais tarde, estabeleceu-se por conta própria, adquirindo cabeças de gado que aquando da sua reclusão vieram a ser tratadas pelos filhos.
28. AA contraiu matrimónio aos 18 anos de idade, do qual teve quatro filhos, ao mesmo tempo que estabeleceu uma relação extraconjugal, com uma jovem à data com 14 anos de idade e da qual teve outros quatro filhos.
29. O arguido residia com a cônjuge e filhos (dois rapazes e duas raparigas) e em termos laborais dedicava-se ao cultivo de campos agrícolas e criação de gado, atividade que desenvolvia por conta própria, contanto com o apoio dos filhos, possuindo terrenos próprios. Porém, face a marcadas dificuldades económicas do agregado, o mesmo beneficiava da concessão do Rendimento Social de Inserção.
30. Em dezembro de 1993, AA foi condenado na pena única de 18 anos de prisão pela prática dos crimes de homicídio qualificado, ofensas corporais com dolo de perigo e detenção de arma proibida (beneficiou de perdão com a aplicação das Leis 16/86, 23/91, 15/94 e 29/99), ficando a pena em 14 anos, 10 meses e 15 dias de prisão. No mesmo processo também foram condenados vários irmãos e o pai.
31. Todo o grupo familiar não era bem aceite pela comunidade local, conhecidos pela alcunha de ..., tendo a privação de liberdade dos mesmos constituído um alívio para a freguesia.
32. Após a sua detenção verificada em 03 de julho de 1992, AA foi transferido para o Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, tendo regressado ao de Ponta Delgada em agosto de 1997. Em agosto de 2001 foi transferido para o Estabelecimento Prisional do Funchal, após ter sido indiciado da prática do crime de tráfico de estupefacientes.
33. Aquando da sua permanência em Ponta Delgada, era visitado pela mulher e filhas, cuja relação era percecionada como muito condicionada às pressões e exigências do arguido.
34. Por sentença transitada em julgado em 12 de abril de 2005 no processo nº 17/01.8JAPDL, AA foi condenado na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (à data cumpria pena no Estabelecimento Prisional do Funchal).
35. No âmbito do cumprimento sucessivo das referidas penas, foi-lhe concedida liberdade condicional em abril de 2009, vindo a ser novamente detido em setembro desse mesmo ano, indiciado da prática do crime de tráfico de estupefacientes. A liberdade condicional veio a ser revogada.
36. Entretanto, por sentença transitada em julgado em 08 de julho de 2011, o arguido foi condenado no processo 230/09.0PEPDL, na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes, coação agravada e detenção de arma proibida.
37. Efetuada liquidação das penas e revogação da então liberdade condicional, o seu termo ocorre em 19 de junho de 2025, tendo AA sido libertado condicionalmente 12 de outubro de 2020.
38. Aquando da concessão da liberdade condicional, AA passou a residir com a mulher e uma filha maior de idade. Mantinha relação próxima com o filho LL, ex-recluso, o qual lhe prestava suporte mais direto, nomeadamente, em deslocações à DGRSP e no âmbito do cumprimento das obrigações fixadas.
39. AA efetuou inscrição na Agência para a Qualificação e Emprego em novembro de 2020, mas foi mantendo atividade na agropecuária, inicialmente por conta de lavradores da sua freguesia, depois por conta de um irmão, KK, proprietário de terrenos agrícolas e gado, como forma de colmatar algumas dificuldades económicas e como complemento ao Rendimento Social de Inserção que usufruíam.
40. A filha, entretanto, autonomizou-se e a mulher veio a falecer em ..., ficando o tutelado a residir sozinho.
41. AA tinha como obrigações, entre outras, no âmbito da concessão da liberdade condicional, realizar testes de despiste dos consumos de bebidas alcoólicas e de estupefacientes, os quais, realizou pontualmente, sempre com resultados negativos.
42. Após o falecimento da esposa passou a viver maritalmente com CC, de 29 anos, natural da ..., toxicodependente, custeando a dependência desta.
43. Em meio prisional, o arguido desenvolve atividade laborai desde janeiro de 2024, não integra qualquer programa terapêutico ao nível do tratamento às dependências, não regista infrações disciplinares e recebe visitas dos filhos.
44. Já foi julgado e condenado:
• Por sentença de .../.../1982, pela prática de um crime de falsificação de géneros alimentícios, na pena de multa;
• Por sentença de .../.../1984, pela prática de um crime de ofensas corporais voluntárias, na pena de multa;
• Por sentença de .../.../1987, pela prática de um crime de injúrias na pena de 45 dias de prisão substituída por multa;
• Por sentença de .../.../1988, pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público e de um crime de dano, na pena de 40 dias de prisão substituída por multa;
• Por sentença de .../.../1989, pela prática de um crime de desobediência a .../.../1988, na pena de 4 meses de prisão substituída por multa;
• Por sentença de .../.../1992, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de multa;
• Por acórdão de .../.../1993, pela prática de um crime de ofensas corporais graves e um crime de dano, na pena única de 22 meses de prisão, perdoada;
• Por acórdão de .../.../1993, pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de furto simples a .../.../1987, na pena única de 26 meses de prisão;
• Por sentença de .../.../1993, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão a .../.../1992, na pena de 6 meses de prisão substituída por multa;
• Por acórdão de .../.../1993, pela prática de um crime de homicídio qualificado, ofensas corporais e detenção de arma proibida, na pena única de 18 anos de prisão;
• Por sentença de .../.../1994, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão a .../.../1991, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
• Por sentença de .../.../1994, pela prática de um crime de abata clandestino a .../...91, na pena de 11 meses de prisão e multa, perdoada;
• Por sentença de .../.../1994, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão a .../.../1992, na pena de 12 meses de prisão;
• Por sentença de .../.../1995, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão a .../.../1992, na pena de 39 dias de multa;
• Por acórdão de .../.../2005, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado a .../.../2000, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão;
• Por acórdão de .../.../2011, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, um crime de detenção de arma proibida e um crime de coação agravada a .../.../2009, na pena de 10 anos de prisão;
• Por sentença de .../.../2021, pela prática de um crime de recetação a .../.../2009, na pena de 6 meses de prisão.
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2. Factos Não Provados
Com interesse para a boa decisão da causa, não se provou que:
a) O arguido adquiria ALPHA PHP às embalagens de 1 quilo, 1/2 quilo ou trezentas gramas.
b) O arguido passou a controlar todos os movimentos de CC, telefonando-lhe pouco a pouco e pagando-lhe as refeições.
c) Em data não concretamente apurada, mas entre junho de 2021 e Março de 2023, porque CC não quis manter com o arguido AA relações sexuais, o mesmo agrediu violentamente a sua namorada com vários socos e pontapés em várias partes do corpo, provocando dores fortes e lesões no corpo de CC, não tendo esta deslocado ao hospital para receber tratamento médico por receio de voltar a ser agredida ou morta por AA, atento o seu passado de prática de crimes violentos contra as pessoas.
d) No dia seguinte à agressão, a fim de evitar que CC apresentasse queixa-crime contra si, AA entregou à sua namorada 20 gramas de "Alpha-PHP".
e) O canivete apreendido em 5.) foi usado para ameaçar CC.
f) Na situação referida em 6.), o estupefaciente havia sido oferecido pelo arguido AA no mesmo dia, tendo aquela visto o arguido AA, no dia anterior, com um pacote grande de droga sintética que ia distribuir.
g) O arguido AA começou também, desde junho de 2021, a obrigar CC a acompanhá-lo na sua carrinha, o que ela fazia por ter já sido agredida pelo arguido e com medo do seu passado de homicida.
h)- que o que consta no ponto 1 ocorreu por o arguido ter constatado a elevada procura deste produto por consumidores de produtos estupefacientes já dependentes de tal substância;
i)- que FF, no ..., era um dos traficantes a quem o arguido fazia distribuição de droga sintética.
Procede, assim, parcialmente o recurso quanto ao invocado erro de julgamento.
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3.3. Da subsunção dos factos provados ao crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo art.º 25º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro
Insurgindo-se contra o enquadramento jurídico-penal realizado na decisão recorrida, entende o recorrente que os factos se subsumem à previsão do art.º 25.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
Argumenta o recorrente em síntese que:
- conforme se impugnou na matéria de facto supra, a actuação do Recorrente limitou-se à cedência e com a explicação dada, quer pela testemunha CC quer do próprio Recorrente;
- Com efeito, a droga que era cedida pelo Recorrente à CC tinha como propósito, apenas, evitar que a mesma cometesse crimes de furto para sustento do seu vício;
- Ficou claro pela produção de prova feita em audiência de julgamento que CC era consumidora de droga sintética e, fruto desta dependência já tinha diversos processos pendentes, inclusive, agora, já com julgamentos marcados, pela prática precisamente destes crimes de furto;
- O Recorrente, conforme resulta do relatório social, perdeu a mulher por doença, tendo estado preso uma grande parte da sua vida pelo que, iniciando a relação amorosa com a testemunha, mulher mais nova com 28 anos de idade, dependente de droga, acabou por ver-se envolvido na pressão que esta efectuou para que este sustentasse o seu vício;
- O Recorrente assumiu que aceitou sustentar o vício da CC como meio de evitar que esta continuasse a furtar e, por conseguinte, ser alvo de processos crime;
- Ao Recorrente apenas foi encontrado 43,55 gramas de Alpha-PHP, quantidade que este comprou por ser mais barato e porque a companheira consumia em média 5g por dia, o que em bom rigor só duraria para uma semana e meia.
Como resulta de tal argumentação, a mesma assenta, no essencial, em matéria de facto não provada, bem como no pressuposto da procedência da impugnação dos pontos de facto questionados pelo recorrente, e já atrás decidida.
Ora, as alterações à matéria de facto introduzidas em nada alteram o quadro fáctico global apurado, que subjaz ao seu enquadramento jurídico-penal, pelo que, analisada a factualidade provada atrás definitivamente fixada, desde já se adianta não assistir razão ao recorrente.
Preceitua o art.º 21º/1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, que tipifica o crime base de tráfico de estupefacientes, pelo qual foi condenado o recorrente no acórdão recorrido, que:
Tráfico e outras actividades ilícitas
1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
Preceitua o art.º 25º do mesmo diploma legal que:
Tráfico de menor gravidade
Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;
b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.
O crime de tráfico de estupefacientes constitui um crime de perigo abstracto ou presumido, consumando-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico-penalmente protegido (a saúde pública, quer física quer moral), não se exigindo assim para a sua consumação a existência de um dano real e efectivo.
Por outro lado, para preenchimento da tipicidade contida no art.º 21º do DL 15/93 de 22/1 basta a ilícita detenção do produto estupefaciente, a sua distribuição, compra, ou cedência a outra pessoa, ainda que gratuitamente.
Deste modo, são irrelevantes as finalidades visadas com a sua detenção, nomeadamente se com ela se pretende uma finalidade lucrativa ou a obtenção de vantagens de outra natureza.
Tratando-se de um crime de perigo, na estruturação do tipo de crime em questão, pretendeu o legislador responder a diversos graus de ilicitude, em função do grau da intensidade do perigo para os bens jurídicos protegidos, pelo que, paralelamente ao tipo matricial base previsto no art.º 21º/1, se encontram-se previstos graus de ilicitude diversa, nomeadamente nos art.º s 24º e 25º do mesmo diploma legal, nos quais se prevê, respectivamente, a agravação das penas aplicáveis nos termos dos art.º s 21º e 22º, e o tráfico de menor gravidade.
Por outro lado, como se expôs no Ac. STJ de 2/12/2013, proferido no processo n.º 116/11.8JACBR.S1: Os casos excepcionalmente graves estão previstos no art.º 24.º, pela indicação taxativa das várias circunstâncias agravantes, de natureza heterogénea e, por isso, insubsumíveis a uma teoria unificadora, que se estendem pelas diversas alíneas do art.º 24.º, enquanto que os casos de considerável diminuição da ilicitude estão previstos no art.º 25.º. (…) A razão de ser do art.º 25.º é justamente a de repor a proporcionalidade das penas em atenção à ilicitude menos acentuada do facto. (…) se a ilicitude correspondente ao facto já não se enquadraria na ilicitude pressuposta pelo tipo-base, de tal forma que a moldura penal nele prevista seria desde logo desajustada face ao princípio da proporcionalidade das penas constitucionalmente consagrado no art.º 18.º, n.º 2 da Constituição, e daí que o legislador tenha consagrado uma moldura penal autónoma para o que designou de «tráfico de menor gravidade» no art.º 25.º do DL 15/93, então, a aplicação deste último tem precedência sobre a do art.º 24.º, quer porque inexiste o pressuposto inicial que ele exige, quer por força da actuação daquele princípio constitucional.
As circunstâncias susceptíveis de reconduzir a conduta à previsão do art.º 25º, por determinarem uma menor ilicitude, respeitam nomeadamente à natureza e quantidade da substância que seja detida pelo agente, aos meios utilizados e às circunstâncias da acção, sendo para o efeito relevante a menor perigosidade desta e em que a ofensa ao bem jurídico protegido se mostre atenuado em termos significativos (v. Ac. STJ de 17/03/2010, no processo n.º 291/09.1TBALM.L1.S1).
No entanto, as circunstâncias previstas em tal normativo têm carácter exemplificativo, podendo haver outras que determinem a integração da conduta nesse tipo privilegiado em casos que, embora assumam gravidade significativa, não revistam a gravidade objectiva justificativa do ilícito previsto no citado art.º 21º (v. Ac. STJ de 2/03/2011, no processo n.º 58/09.7GBBGC.S1).
Assim, a integração da conduta no tipo legal de tráfico de menor gravidade do art.º 25º citado “implica uma compreensão global do facto”, para o que deverão ser valoradas todas as concretas circunstâncias do caso, nomeadamente a intenção lucrativa, a sua intensidade, assim se podendo distinguir o tipo de traficante (grande, médio, pequeno, ou consumidor), sendo para o efeito relevante ainda a personalidade do agente, se este era um simples dealer de apartamento ou de rua, se era um simples intermediário, se não era consumidor ocasional ou tóxico-dependente (v. Ac. STJ de 29/03/2006, no processo n.º 06P466).
Como se decidiu igualmente no Acórdão do STJ de 7/11/2012, proferido no processo n.º 72/07.7JACBR.C1.S1, nessa avaliação assumem relevo, entre outros eventuais factores: a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o grau de adesão a essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte (e em que medida) dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas, a duração e a intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores contactados, a posição do agente na rede de distribuição clandestina dos estupefacientes, o modo de actuação do agente, nomeadamente se actuava isoladamente ou com colaboradores dele dependentes.
A jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem assim densificando o conteúdo do conceito da acentuada diminuição da ilicitude do facto a que se reporta o citado art.º 25º, apontando vários factores a atender, visando a possível uniformidade de critérios na integração típica da conduta em apreciação.
Nesse sentido, no Ac. do STJ de 13-03-2019, proferido no processo n.º 227/17.6PALGS.S1, explicitou-se que: assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade:
- a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração nomeadamente a distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”;
- a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim;
- a dimensão dos lucros obtidos;
- o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida;
- a afetação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas;
- a duração temporal, a intensidade e a persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida;
- a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes;
- o número de consumidores contactados;
- a extensão geográfica da atividade do agente;
- o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente. É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, de menor gravidade, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art.º 21º do DL nº 15/93.
No Ac. do STJ de 2-10-2014 proferido no processo n.º 45/12.8SWSLB.S1, decidiu-se que: tem-se considerado que será a partir de uma análise global dos factos que se procederá à atribuição de um significado unitário quanto à ilicitude do comportamento (neste sentido, ac. do STJ, proc. n.º 111/10.4PESTB.E1.S1, de 07.12.2011), avaliando não só a quantidade, como a qualidade do produto vendido, o lucro obtido, o facto de a atividade constituir ou não modo de vida, a utilização do produto da venda para a aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da atividade desenvolvida, o número de consumidores/clientes contactados e o “posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina” (ac. do STJ, proc. n.º 17/09.0PJAMD.L1.S1, de 15.04.2010; cf. também ac. do STJ, proc. n.º 17-09.0PJAMD.L1.S1, de 15.04.2010). No fundo, tudo isto constitui aspectos da prática do crime (entre outros) que de algum modo serviram ao legislador para construir o tipo qualificado previsto no art.º 24.º, do DL n.º 15/93.
Por outro lado, no Ac. STJ de 14-04-2021, proferido no processo n.º 143/19.7PEPDL.L1, enfatiza-se a natureza do estupefaciente traficado: a qualidade do estupefaciente é uma das circunstâncias que o legislador catalogou para ajuizar do grau da ilicitude consideravelmente diminuída do tráfico. Se o legislador manda atender a esse facto, não pode o intérprete desconsiderar a indicação legislativa e conferir igual tratamento a todo e qualquer estupefaciente, e, reportando-se ao direito penal internacional e o direito penal europeu (nomeadamente à Decisão-Quadro 2004/757/JAI ), considera circunstância agravante da punibilidade, a qualidade do estupefaciente traficado, designadamente, no caso aí sob apreciação, a heroína, a qual, como droga psicoactiva, assim como as drogas estimulantes, criam adição e, por isso, são especialmente daninhas para a saúde dos consumidores e, reflexamente, para a saúde pública.
Pressuposto da integração da conduta do recorrente no art.º 25º citado, como decorre do normativo legal em causa, que prevê o trafico de menor gravidade é que a sua ilicitude se mostre significativamente reduzida, uma vez que a ilicitude exigida neste tipo legal tem de ser, não apenas diminuta, mas mais do que isso, consideravelmente diminuta, pelo desvalor da acção e do resultado (in Ac. do STJ de 12-03-2015, proferido no processo n.º 7/10.OPEBJA.S1).
Assim, como se salienta no Ac. do STJ de 12-12-2018, proferido no processo n.º 394/17.9T8PTM.S1: Como o STJ tem entendido, o tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade procura dar resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que, sem atingirem a gravidade pressuposta no tráfico simples, merecem reprovação, sendo injusto, sem se lançar mão de atenuação especial, não eficazes métodos para se atingir o tráfico no seu escalão médio e de maior dimensão. (…) e citando o Ac. do STJ de 26-09-2012 no processo n.º 139/02.8TASPS.S1: Valerá o tipo privilegiado ou atenuado para os casos menos graves e equivale aos casos de pouca importância do facto da lei italiana, sendo de assinalar a similitude e paralelismo com os pressupostos gerais da atenuação especial da pena, mas quedando-se aqui a “atenuação” em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente e da necessidade de pena, presentes no artigo 72.º do Código Penal, pois o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.».
Pretende-se deste modo evitar a paridade entre situações de diminuta gravidade e situações de tráfico de gravidade já significativa e a aplicação àquelas de penas desproporcionadas.
Assim, critério decisivo para o preenchimento do crime de tráfico de menor gravidade é que as circunstâncias concretas traduzam uma gravidade tão acentuadamente diminuída ao nível da ilicitude, que as mesmas não se coadunem nem se ajustem à previsão do que o legislador definiu para o tipo-legal base de tráfico: que a imagem global do facto, resultante das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão atenuada e esbatida, que seja razoável supor-se que o legislador não previu tal hipótese quando estatuiu os limites da moldura penal abstracta aplicável ao tipo-legal base.
Como resulta da fundamentação atrás transcrita, no acórdão recorrido a aplicação do art.º 25º no caso em apreço foi afastada nos seguintes termos: atentos os factos provados, não podem deixar de se dar como preenchidos os elementos típicos integradores do crime de tráfico de estupefacientes por do arguido, sendo que as quantidades vendidas e/ou cedidas, o período temporal de tal atividade e a natureza do produto em questão não permite, de todo, ponderar qualquer diminuição da ilicitude.
Não podemos deixar de concordar com o ali decidido.
A factualidade provada não aponta de modo algum para uma acentuada diminuição da ilicitude, bem pelo contrário: aponta no sentido de uma ilicitude já significativa.
Note-se que se provou que o arguido fornecia outros traficantes de estupefacientes, ou seja, o arguido situava-se num nível superior da escala, não se limitando a vender ao consumidor final.
O grau de ilicitude dos factos cometidos não se situa assim a um nível acentuadamente reduzido nos termos exigidos no citado art.º 25º, antes se situa no patamar do médio tráfico, ainda enquadrável no tipo base do art.º 21º do DL 15/93 nos termos em que concluiu no acórdão recorrido.
Nestes termos, entende-se que a conduta do recorrente integra o crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível nos termos do art.º 21º do DL 15/93, pelo que nenhuma censura merece nessa parte o acórdão recorrido.
Assim, improcede neste segmento o recurso.
*
3.4. Se se verificam os pressupostos da aplicação de pena relativamente indeterminada ao recorrente
Argumenta o recorrente na sua motivação de recurso, em síntese, que:
- Na escolha do regime da pena relativamente indeterminada, errou o Tribunal a quo, nomeadamente ao considerar, para fundamentar essa opção, que o arguido, aliado ao seu modo de vida, sem inserção profissional e social, nem ressonância crítica quanto aos mesmos revelam uma acentuada predisposição para a prática de crimes;
- Mais fundamentou que o arguido não tinha qualquer projecto de vida;
- Todavia, ajuizou mal o Tribunal a quo não tendo em consideração os factos provados das condições socioeconómicas, porquanto ficou provado que este se encontra inserido em termos familiares, sociais e profissionais;
- Com efeito, o Recorrente a par de se ter inscrito no Centro de Emprego, foi mantendo actividade profissional na agropecuária, primeiramente junto de outros lavradores e por fim com o seu irmão, proprietário de uma lavoura, (facto provado 39);
- O Recorrente mantém uma boa relação com os filhos, principalmente com uma deles, LL (facto provado 38);
- O Recorrente, ao contrário do que fundamenta o Tribunal a quo, tem actividade profissional na agropecuária, conforme atestaram diversas testemunhas, também elas lavradores que compareceram em tribunal, também de aqui se retirando a sua inserção social;
- O Recorrente tinha diversas obrigações no âmbito da liberdade condicional e cumpriu-as, nomeadamente testes de despiste dos consumos de bebida e drogas, as quais realizou pontualmente, sempre com resultados negativos (facto 41 provado);
- O Recorrente após um período difícil de da sua vida e com a avançada idade que já tem, já é uma pessoa mais ponderada e sem consumos associados de espécie alguma;
- O Recorrente, actualmente em meio prisional, em prisão preventiva, desenvolve actividade laboral, não integra programa terapêutico ao nível de tratamento às dependências, não regista infracções, e recebe as visitas dos filhos, o que coloca em causa, o juízo de perigosidade traçado no acórdão recorrido, apenas e só em consideração às condenações anteriores sofridas pelo arguido e alheado das verdadeiras condições pessoais, familiares e profissionais entretanto reveladas no momento em que é decretada a condenação do mesmo;
- Mais, o Tribunal não ponderou nem equacionou a avançada idade Recorrente com 68 anos de idade, sendo que com a aplicação da pena relativamente indeterminada pode o mesmo vir a cumprir 15 anos de cadeia a que acresce a pena por cumprir da liberdade condicional o que, em bom rigor está este Tribunal a condená-lo a uma pena de prisão para o resto da sua vida;
- Pelo que, violou o Tribunal a quo os artigos 40º, nº 1 a 3, 70º e 71º e 83º do CP e 25º CRP.;
- Não existem, no caso sub judice, quaisquer factos que pudessem conduzir a um juízo de perigosidade, pelo que a pena escolhida pelo Tribunal recorrida é manifestamente exagerada e desproporcional, na medida em que ultrapassa a medida da culpa do arguido, para além de não atender às necessidades de prevenção especial que o caso requer, nomeadamente de ressocialização, violando os arts. 40º, nº1 e 2 e 71º e artigo 83º do C.P.
Não questionando no âmbito do presente recurso a pena concreta de nove anos de prisão que lhe foi aplicada, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art.º 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, insurge-se o arguido relativamente à sua condenação numa pena relativamente indeterminada.
Vejamos.
Preceitua o art.º 83º/1 e 2 do Código Penal que:
1 - Quem praticar crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efectiva por mais de 2 anos e tiver cometido anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais tenha sido ou seja aplicada prisão efectiva também por mais de 2 anos, é punido com uma pena relativamente indeterminada, sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.
2 - A pena relativamente indeterminada tem um mínimo correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de 6 anos, sem exceder 25 anos no total.
Importa no caso atender ainda ao disposto no art.º 40º/3 do Código Penal:
3- A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
Daquele primeiro normativo resulta que a aplicação de uma pena relativamente indeterminada tem como pressupostos cumulativos:
- que o agente pratique crime doloso a que deva aplicar-se prisão efectiva superior a dois anos;
- que o mesmo tenha cometido, anteriormente, dois ou mais crimes dolosos, e a cada um tenha sido ou seja aplicada pena de prisão efectiva também por mais de dois anos;
- que a avaliação conjunta dos factos e a personalidade do agente revelem uma acentuada inclinação para o crime, que ainda persista no momento da condenação. (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2019, proferido no Processo n.º 114/14.0JACBR.S1 [Relator: Vinício Ribeiro]).
No acórdão recorrido a aplicação da pena relativamente indeterminada foi fundamentada, recorde-se, nos seguintes termos:
(…) o arguido é agora condenado, em pleno período de liberdade condicional, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de janeiro, sendo que já foi anteriormente, condenado não só pela prática de um crime de homicídio qualificado [previsto e punido pelo artigo 132º, nº 1 e 2, alínea g) do Código Penal], como por dois crimes de tráfico de estupefacientes (artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro), sendo um deles agravado artigo [24º, nº1, alínea h) do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de janeiro]. Ora, tal demonstra uma a acentuada e indesmentível inclinação para o crime, sobretudo para o tráfico de estupefacientes que neste momento ainda persiste, sendo que, apesar de ter cumprido pena efetiva pela prática de tal crime, e de se encontrar em liberdade condicional, voltou, após ser libertado, a cometer outro crime de tráfico, fazendo dessa atividade modo de vida e exteriorizando indiferença pela especial vulnerabilidade das vítimas (consumidores de tal droga).
Por conseguinte, deverá concluir-se que as condenações anteriores aplicadas ao arguido não foram suficientes para o afastar do cometimento de novos crimes e operar a sua recuperação social, resultando ainda claro que os factos ilícitos que reiteradamente praticou, aliados ao seu modo de vida, sem inserção profissional e social, nem ressonância crítica quanto aos mesmos, revelam uma acentuada predisposição para o cometimento de crimes.
Em suma, da personalidade do arguido, com acentuada propensão para a prática de crimes, da gravidade global dos factos cometidos, do conjunto dos seus antecedentes criminais, da evidente insensibilidade perante as sucessivas condenações anteriores, da despreocupação em relação às consequências penais e reais dos seus atos e da ausência de projeto de vida, será o mesmo condenado como delinquente por tendência. (destacados nossos)
É no caso indesmentível que o arguido, face aos seus impressionantes antecedentes criminais, se revela indiferente às sucessivas penas em que foi condenado, designadamente em pesadas penas de prisão.
Apesar delas, o arguido não se coibiu de cometer os factos em causa nos presentes autos, constituindo-se autor de um crime de tráfico de estupefacientes, em pleno período de liberdade condicional que lhe havia sido concedida depois de ter já sido condenado pela prática do mesmo tipo de crime.
O arguido iniciou o seu percurso criminal no longínquo ano de 1982, em que sofreu a sua primeira condenação, contava então 25 anos de idade.
Desde aí, o arguido foi condenado em sucessivas penas, pela prática de crimes de diversa índole, atingindo bens jurídicos de natureza pessoal e patrimonial, como evidenciam os seus antecedentes criminais, alguns deles de extrema violência.
Além disso, encontra-se provado sob o ponto 25. que: Não obstante, o arguido AA não interiorizou que tem de pautar a sua conduta pelas regras básicas da convivência social, traduzidas nas normas penais, não cometendo novos crimes, mormente da mesma natureza daqueles que levaram às anteriores condenações, relativamente às quais se encontrava em liberdade condicional, e, totalmente insensível às penas de prisão que cumpriu nas ocasiões acima indicadas, praticou os factos acima descritos, resultando dos autos que o mesmo revela, atualmente, uma personalidade com elevada inclinação para a prática de crimes de tráfico de estupefacientes.
Por isso, não merecerá qualquer contestação que as exigências de prevenção especial assumem no caso presente uma intensidade elevadíssima.
Daí que seja legítimo concluir que o perigo de reincidência não poderá de modo algum ser excluído, porquanto o que aqueles antecedentes criminais demonstram de forma inequívoca é que sempre assim sucedeu: não obstante as sucessivas condenações em sucessivas penas de prisão, nunca o arguido foi capaz de inverter o seu percurso de vida reiteradamente criminoso, reincidindo sempre na prática criminal.
No entanto, não poderá este tribunal de recurso deixar de notar que o segmento constante daquele ponto 25. - resultando dos autos que o mesmo revela, atualmente, uma personalidade com elevada inclinação para a prática de crimes de tráfico de estupefacientes - não poderá ser considerado como facto demonstrado.
É que facto é uma realidade perceptível pelos sentidos, não se reconduzindo a facto um juízo de valor.
Esse juízo de valor não poderá ter-se por directamente provado como facto, devendo antes ser extraído de outros factos concretos que se encontrem provados.
Consequentemente, aquele segmento do ponto 25. dos factos provados ter-se-á aqui como não escrito e irrelevante para a apreciação da questão que nos ocupa.
Por outro lado, afirma-se na decisão recorrida que o arguido voltou, após ser libertado, a cometer outro crime de tráfico, fazendo dessa atividade modo de vida.
Porém, não se descortina quais sejam os concretos factos que alicerçam tal conclusão.
Afirma-se ainda na decisão recorrida que os factos ilícitos que reiteradamente praticou, aliados ao seu modo de vida, sem inserção profissional e social, nem ressonância crítica quanto aos mesmos, revelam uma acentuada predisposição para o cometimento de crimes.
Contudo, os factos provados não demonstram uma total desinserção profissional e social do arguido.
De igual modo, não se alcança qual seja a ausência de projeto de vida a que se alude na decisão recorrida.
Com efeito, encontram-se provados os factos seguintes:
38. Aquando da concessão da liberdade condicional, AA passou a residir com a mulher e uma filha maior de idade. Mantinha relação próxima com o filho LL, ex-recluso, o qual lhe prestava suporte mais direto, nomeadamente, em deslocações à DGRSP e no âmbito do cumprimento das obrigações fixadas.
39. AA efetuou inscrição na Agência para a Qualificação e Emprego em novembro de 2020, mas foi mantendo atividade na agropecuária, inicialmente por conta de lavradores da sua freguesia, depois por conta de um irmão, KK, proprietário de terrenos agrícolas e gado, como forma de colmatar algumas dificuldades económicas e como complemento ao Rendimento Social de Inserção que usufruíam.
40. A filha, entretanto, autonomizou-se e a mulher veio a falecer em ..., ficando o tutelado a residir sozinho.
41. AA tinha como obrigações, entre outras, no âmbito da concessão da liberdade condicional, realizar testes de despiste dos consumos de bebidas alcoólicas e de estupefacientes, os quais, realizou pontualmente, sempre com resultados negativos.
42. Após o falecimento da esposa passou a viver maritalmente com CC, de 29 anos, natural da ..., toxicodependente, custeando a dependência desta.
43. Em meio prisional, o arguido desenvolve atividade laboral desde janeiro de 2024, não integra qualquer programa terapêutico ao nível do tratamento às dependências, não regista infrações disciplinares e recebe visitas dos filhos.
O arguido mantinha relação próxima pelo menos com um dos filhos, residia com a mulher, entretanto falecida, e com uma filha, ao que acresce que, actualmente preso preventivamente, recebe as visitas dos filhos.
Por outro lado, efetuou inscrição na Agência para a Qualificação e Emprego em novembro de 2020, mas foi mantendo atividade na agropecuária, inicialmente por conta de lavradores da sua freguesia, depois por conta de um irmão, KK, proprietário de terrenos agrícolas e gado, como forma de colmatar algumas dificuldades económicas e como complemento ao Rendimento Social de Inserção que usufruíam.
Perante tal factualidade, poderá afirmar-se que o arguido beneficia de apoio familiar e gozava, antes de preso, de inserção social e mesmo profissional.
Ponderando tal factualidade, com todo o respeito, as conclusões vertidas no acórdão recorrido atrás referenciadas mostram-se destituídas de substracto factual bastante.
À aplicação da pena relativamente indeterminada não basta o risco de reincidência, pois que este risco é comum a todos aqueles que já foram condenados em várias penas sucessivas e que voltam a delinquir.
Terá de constatar-se um perigo acrescido, sendo necessária formulação de um juízo de prognose negativo quanto ao comportamento futuro do agente, um juízo de perigosidade fundado, e insusceptível de ser eficaz e suficientemente prevenido pela aplicação da pena de prisão qua tale, tornando necessária a aplicação de uma medida de segurança que prolonga a detenção, assim se visando prevenir a concretização desse perigo da prática de novo crime grave da mesma ou de outra natureza.
Por isso, se exige no normativo legal citado, não apenas a inclinação para o crime, mas também que essa inclinação seja acentuada.
Igualmente por isso, a pena relativamente indeterminada é aplicada a delinquentes por tendência, aqueles para quem a prática criminal é habitual, inata ou adquirida.
A pena relativamente indeterminada não aparece como uma forma normal de punição do delinquente, mas sim como uma reacção criminal com destinatários determinados - aqueles cuja perigosidade está ligada ou é indicada pela reiteração criminosa em crimes dolosos de certa gravidade ou pelo uso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes e em relação aos quais se admite maior probabilidade de uma reincidência grave - e isto perante a ausência de outras medidas, que não a prorrogação da pena, que possam prevenir tal perigosidade (Ac. STJ de 02-11-2006, no Processo n.º 3157/06 - 5.ª, Oliveira Rocha (relator), citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2018, proferido no Processo n.º 133/14.6T9VIS.C2.S1 (Relator: Vinício Ribeiro).
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias: “Decisivo é sempre que da avaliação conjunta dos factos e da personalidade resulte a imagem de um delinquente inserido numa carreira criminosa, para a continuação da qual se tornam determinantes não apenas as circunstâncias da sua vida anterior, mas a sua situação familiar, o seu comportamento profissional, a utilização dos seus tempos livres, em suma, o quadro total da sua inserção social” (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 572).
Assim, o delinquente por tendência, fora do quadro da toxicodependência ou do alcoolismo, será aquele agente que vive do crime e para o crime, alheado das mais elementares regras da convivência social, insensível ao mínimo ético, que interiorizou prática criminal como modo habitual de vida, revelando assim uma personalidade distorcida.
Serão essas as circunstâncias que, além de permitirem formular um juízo de prognose negativo de que o mesmo reincidirá na prática criminal, justificam a aplicação de uma medida de ressocialização reforçada, uma resposta vigorosa do sistema jurídico-penal, consistindo esta numa medida de segurança, a acrescer à pena de prisão concretamente determinada e que, por isso, vai além do quadro sancionatório penal normal.
A pena relativamente indeterminada traduz-se, assim, numa pena com características especiais, de natureza mista, direccionada a delinquentes especiais, porque demonstraram ser dotados de uma personalidade que foge aos padrões da normalidade.
Note-se que à aplicação da pena relativamente indeterminada não se exige, como requisito, que o agente tenha antecedentes criminais, podendo não os ter e tal pena ser aplicada no primeiro processo em que é julgado por vários crimes, sendo assim óbvio, que a existência de antecedentes criminais não constitui, por si só, indício bastante da necessária acentuada inclinação para o crime.
Como se elucida no Acórdão do STJ de 14-07-2004, proferido no Processo n.º 1619/04 (Relator Armindo Monteiro): O excesso de pena, enquanto sanção superior, há-de ir buscar-se numa sanção com a natureza de uma autêntica medida de segurança, relevantemente se apresentando não a existência de uma culpa agravada, de uma culpa de personalidade, mas unicamente a persistência, no momento da condenação, da perigosidade do agente, ou seja, o substracto que dá, em geral, fundamento à aplicação de uma medida de segurança. De pena mista, compósita, se trata, pois. A filosofia da pena relativamente indeterminada nutre-se da ideia de que a perigosidade social de certos delinquentes não pode ser tratada nos quadros da prisão normal, pelo que haverá que procurar formas mais dilatadas de internamento onde a ideia de segurança logre expressão fundamental e por outro lado de que à desejável reabilitação não pode assinalar-se um prazo por antecipação, em presença dos tipos legais de crime ou da gravidade de certas formas de vida, dando à prisão um sentido reeducador e pedagógico (…).
A natureza mista da pena relativamente indeterminada é expressa no art.º 90º do Código Penal, sendo executada como pena até que se encontre cumprida a pena concreta que caberia ao crime cometido, e sendo posteriormente executada como medida de segurança desde esse momento até ao termo do seu limite máximo.
Consequentemente, tratando-se de uma pena em que coexistem os fundamentos da aplicação da pena e os fundamentos da aplicação de uma medida de segurança, na ponderação da aplicação da pena relativamente indeterminada, não poderá deixar de aplicar-se ainda, funcionando como seu limite, o princípio da proporcionalidade, expressamente previsto no n.º 3 do citado art.º 40º do Código Penal (v. neste sentido, Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., pág. 156).
Assim, a parte da pena relativamente indeterminada que excede a pena de prisão que concretamente cabe ao crime cometido, traduzindo-se numa medida de segurança, tem essencialmente por função satisfazer as exigências de prevenção especial, visando neutralizar a perigosidade do agente e, concomitantemente, alcançar a sua recuperação ou ressocialização (v. P. Pinto de Albuquerque, Comentário do CP, 4ª ed., pág. 429).
Ora, olhando para o percurso de vida do arguido e o quadro global da sua inserção social e profissional antes de preso, bem como ponderando que o mesmo conta já com 67 anos de idade, não se nos afigura que em concreto a prisão que excede a pena concretamente aplicada de nove anos de prisão, seja proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente, como exige o n.º 3 do citado art.º 40º do Código Penal.
De certo, no termo da pena de nove anos de prisão em concreto aplicada, a inclinação para o crime não será já tão acentuada que justifique, num juízo actual de perigosidade, uma medida de segurança que se prolongue para lá desses nove anos.
Pelos fundamentos expostos, não só as conclusões de facto vertidas na fundamentação do acórdão recorrido para alicerçar a aplicação da pena relativamente indeterminada não encontram sustentação factual bastante, como, ainda que assim se não entendesse, a pena relativamente indeterminada se revela em concreto desproporcional ao grau de perigosidade que, num juízo de prognose, seria em concreto de considerar.
Cumpre, pois, revogar o acórdão recorrido na parte relativa à condenação em pena relativamente indeterminada, confirmando no mais a condenação do recorrente na pena de nove anos de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
Nestes termos, procede neste segmento o recurso.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência:
1. Alteram a matéria de facto nos termos acima decididos, passando os factos provados e não provados a ser os seguintes:
1. O arguido AA, a partir de meados de 2021, apesar de ter antecedentes criminais pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. no artigo 21.º, n. 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro, tendo sido condenado em pena de prisão efetiva, e estando em liberdade condicional desde 12-10-2020 até 19-06-2025, no processo 1525/09.8PBPDL, resolveu começar a traficar produtos estupefacientes, em S. Miguel, designadamente "Alpha - PHP", vulgo droga sintética; tendo também o arguido acesso à compra de tal droga por conhecer traficantes.
2. O arguido AA começou também, em junho de 2021, um relacionamento de namoro, primeiro, e, depois, de coabitação, com uma consumidora de produto estupefaciente, CC, à qual começou a ceder 1 grama de "Alpha - PHP", vulgo droga sintética, por cada vez que tinham relações sexuais, e, posteriormente, 5 gramas por dia que lhe era oferecida pelo arguido AA para manter o relacionamento sexual, com a mesma.
3. Apesar de o arguido AA fornecer diariamente droga a CC, por vezes esta furtava droga ao arguido, altura em que este, quando descobria os furtos, agredia CC com socos, provocando-lhe dores fortes e lesões no corpo.
4. No dia 8 de outubro de 2022, pelas 17H00 horas, o arguido AA, com a ajuda de dum casal que não foi possível identificar, levou CC da ..., até à ..., na ..., local onde o arguido obrigou a ofendida a sair do táxi puxando-lhe pelos cabelos com força e levando-a para a sua carrinha.
5. A 23 de outubro de 2022, pelas 15:15 horas, o arguido encontrava-se a intimidar a sua namorada CC num terreno sito no ..., tentando que a mesma entrasse para a sua carrinha de matrícula ..-..-MN, estando aquela aos gritos, quando surgiu a P.S.P., que a auxiliou, levando-a para casa de familiares; não sem antes a polícia ter apreendido uma soqueira ou boxer, que o arguido detinha na consola do seu veículo e um canivete.
6. A 25 de outubro de 2022 a P.S.P. deparou com a namorada do arguido CC no ..., tendo esta entregue aos agentes um panfleto de "Alpha -PHP" com o peso de 0,023 gramas.
7. No dia 22 de abril de 2023, pelas 18H00, em ..., CC detinha na sua posse dois pacotes de substância "Alpha - PHP" com os pesos de 4,192 gramas e 5,323 gramas, droga esta que tinha retirado ao arguido AA, consigo residente, e que pretendia consumir.
8. O arguido AA também começou a fornecer outros traficantes de produtos estupefacientes de "Alpha - PHP", o que sucedeu designadamente com DD, residente em S. ..., ao qual forneceu uma grama de droga sintética, por 50 euros, de 15 em 15 dias, entre meados de 2021 a 26 de abril de 2022, data em que a testemunha foi presa; esta testemunha ligava para o telemóvel do arguido AA, com o n.º ..., e o arguido AA ia entregar os pacotes de droga sintética a casa daquele.
9. Por vezes, CC acompanhava o arguido na sua carrinha, enquanto este fazia distribuição de droga sintética, entre 20 a 200 gramas, por várias vezes, entre junho de 2021 e março de 2023, a outros traficantes de produtos estupefacientes de S. Miguel, como EE, nas ..., ou GG, dos ....
10. A 12 de julho de 2023, pelas 08:00 horas, o arguido foi revistado, tendo em seu poder um telemóvel Alcatel que usava para o tráfico de estupefacientes, bem como 320 euros, da mesma proveniência
11. A carrinha do arguido, marca "Toyota Hilux", de matrícula ..-..-MN, foi buscada no mesmo dia, pelas 8:20 horas, sendo encontrado no seu interior uma bolsa para óculos onde o arguido detinha 43,550 gramas de "Alpha - PHP", para venda a terceiros, e 940 euros em dinheiro, proveniente das vendas de produtos estupefacientes que estava efetuando.
12. Buscada a residência que o arguido usava na ..., pelas 8:35 horas do mesmo dia 12 de julho de 2023, ali foram encontrados sacos de plástico recortados e círculos de plástico, que o arguido usava para acondicionar droga sintética que vendia e cedia.
13. A "Alpha - PHP" é uma substância que faz parte da Tabela II-A anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, e o arguido não se encontra autorizado a deter, vender ou ceder tal substância.
14. O arguido destinava as substâncias que lhe foram apreendidas à venda ou entrega a indivíduos que os contactassem a fim de adquirirem ou receberem as mesmas para posterior venda a consumidores das referidas substâncias.
15. Porque AA vendeu a "Alpha-PHP" a 50 € cada grama, a quantidade de droga apreendida ao arguido (43,550 gramas) iria render ao arguido a quantia de 2.177,50 €.
16. Em todas as situações acima descritas o arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que não podia deter, vender ou ceder a referida substância e que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente puníveis.
17. No âmbito do processo 490/93 - 508/93.2TBPDL. que correu termos no 2.º Juízo 1.ª Secção do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, por acórdão proferido em 15 de dezembro de 1993, transitado em julgado em 17-12-1993, foi o arguido AA condenado pela prática em 1993 como autor de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.º 132.º, n.º 1 e 2, al. g), na pena de 16 anos de prisão, como autor material de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, p. e p. pelo art.º 144.º, n.º 1 e 2, do C.P., na pena de 7 meses de prisão, como autor material de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, p. e p. pelo art.º 144.º, n.º 1 e 2, do C.P., na pena de 13 meses de prisão, e como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 260.º, do C.P. na pena de 3 meses de prisão, tendo sido condenado na pena única de cúmulo de 18 anos de prisão.
18. O arguido AA esteve privado da liberdade à ordem do processo 490/93 - 508/93.2TBPDL desde o dia 1992, em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no referido processo, tendo sido libertado condicionalmente no dia 12 de outubro de 2020 e a pena declarada extinta no dia 24 de março de 2020.
19. No âmbito do processo 17/01.8JAPDL que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada - J3, por acórdão proferido em 16 de março de 2005, transitado em julgado em 12 de abril de 2005, foi o arguido AA condenado pela prática, entre pelo menos Fevereiro de 2001 e 24 de abril de 2001, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, e 24.º, n.º 1, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/23, de 22-01, como reincidente, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão.
20. O arguido AA esteve privado da liberdade à ordem do processo 17/01.8JAPDL desde o dia 25 de novembro de 2004, em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no referido processo 17/01.8JAPDL. Interrompeu o cumprimento da pena à ordem deste processo em 25 de Abril de 2009. Foi novamente ligado a este processo em 11 de março de 2013 tendo o fim da pena ocorrido em 8 de abril de 2017.
21. No âmbito do processo 230/09.0PEPDL. que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada – J1, por acórdão proferido em 26 de janeiro de 2011, transitado em julgado em 4 de Julho de 2011, foi o referido arguido AA condenado pela prática, entre data anterior a 16 de Setembro de 2009 e 23 de Setembro de 2009, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/23, de 22-01, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, como autor de um crime de coação agravada, p. e p. pelos arts. 154, 155.º, n.º 1, al. a) e 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e co o autor de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, tendo sido condenado na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.
22. O arguido AA esteve privado da liberdade à ordem do processo 230/09.0PEPDL desde o dia 23 de setembro de 2009, primeiramente detido, depois sujeito à medida de coação de prisão preventiva e depois em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no referido processo 230/09.0PEPDL, tendo sido desligado do referido processo em 25 de fevereiro de 2013 a fim de ser ligado ao PCC n.º 17/01.8JAPDL para ali cumprir o remanescente da pena que lhe foi aplicada.
23.Entre a data em que o arguido AA praticou os factos pelo qual foi condenado no processo 490/93 - 508/93.2TBPDL e os dias da prática do crime pelo qual foi condenado no processo 17/01.8JAPDL; e os dias da prática do crime pelo qual foi condenado no âmbito do processo 17/01.8JAPDL e os dias da prática do crime pelo qual foi condenado no processo 230/09.0PEPDL; e entre a data em que o arguido praticou os factos pelo qual foi condenado no processo 230/09.0PEPDL e os dias da prática dos factos que constituem os crimes que ora se imputam ao arguido, descontados os períodos de privação da liberdade sofridos pelo arguido respeitantes a detenções, medidas de coação privativas da liberdade e cumprimento de penas, decorreram menos de 5 anos.
24. O arguido AA estava ciente das anteriores condenações que sofreu, bem como dos factos que as motivaram, das penas de prisão em que foi condenado e dos períodos em que esteve preso em cumprimento das referidas penas de prisão e outras medidas processuais privativas da liberdade.
25. Não obstante, o arguido AA não interiorizou que tem de pautar a sua conduta pelas regras básicas da convivência social, traduzidas nas normas penais, não cometendo novos crimes, mormente da mesma natureza daqueles que levaram às anteriores condenações, relativamente às quais se encontrava em liberdade condicional, e, totalmente insensível às penas de prisão que cumpriu nas ocasiões acima indicadas, praticou os factos acima descritos, resultando dos autos que o mesmo revela, atualmente, uma personalidade com elevada inclinação para a prática de crimes de tráfico de estupefacientes.
Das condições socioeconómicas do arguido:
26. AA é natural dos ... e o terceiro de uma fratria de nove elementos, de um agregado de nível sociocultural baixo. O ambiente no seio do agregado de origem norteava-se pela existência de conflitos entre os seus elementos, dos quais se destacava o progenitor como figura de autoridade e liderança, em relação a todos os elementos da família. A progenitora, doméstica, sempre demonstrou um papel passivo, submetendo- se às regras impostas pelo marido, o qual, foi preso em 1992 (conjuntamente com alguns dos filhos, inclusive o arguido), pela prática de crimes contra a vida, altura em que a mesma pediu para ser acolhida num Lar, como forma de se sentir mais segura e manter afastada do marido.
27. O arguido iniciou o trajeto escolar em idade própria, não tendo apresentado no percurso problemas específicos. Após ter concluído o 4º ano, abandonou os estudos, começando a desempenhar atividades na área da agropecuária, juntamente com o progenitor. AA principiou atividade laborai com 12 anos de idade, como tratador de gado. Mais tarde, estabeleceu-se por conta própria, adquirindo cabeças de gado que aquando da sua reclusão vieram a ser tratadas pelos filhos.
28. AA contraiu matrimónio aos 18 anos de idade, do qual teve quatro filhos, ao mesmo tempo que estabeleceu uma relação extraconjugal, com uma jovem à data com 14 anos de idade e da qual teve outros quatro filhos.
29. O arguido residia com a cônjuge e filhos (dois rapazes e duas raparigas) e em termos laborais dedicava-se ao cultivo de campos agrícolas e criação de gado, atividade que desenvolvia por conta própria, contanto com o apoio dos filhos, possuindo terrenos próprios. Porém, face a marcadas dificuldades económicas do agregado, o mesmo beneficiava da concessão do Rendimento Social de Inserção.
30. Em dezembro de 1993, AA foi condenado na pena única de 18 anos de prisão pela prática dos crimes de homicídio qualificado, ofensas corporais com dolo de perigo e detenção de arma proibida (beneficiou de perdão com a aplicação das Leis 16/86, 23/91, 15/94 e 29/99), ficando a pena em 14 anos, 10 meses e 15 dias de prisão. No mesmo processo também foram condenados vários irmãos e o pai.
31. Todo o grupo familiar não era bem aceite pela comunidade local, conhecidos pela alcunha de ..., tendo a privação de liberdade dos mesmos constituído um alívio para a freguesia.
32. Após a sua detenção verificada em 03 de julho de 1992, AA foi transferido para o Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, tendo regressado ao de Ponta Delgada em agosto de 1997. Em agosto de 2001 foi transferido para o Estabelecimento Prisional do Funchal, após ter sido indiciado da prática do crime de tráfico de estupefacientes.
33. Aquando da sua permanência em Ponta Delgada, era visitado pela mulher e filhas, cuja relação era percecionada como muito condicionada às pressões e exigências do arguido.
34. Por sentença transitada em julgado em 12 de abril de 2005 no processo nº 17/01.8JAPDL, AA foi condenado na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (à data cumpria pena no Estabelecimento Prisional do Funchal).
35. No âmbito do cumprimento sucessivo das referidas penas, foi-lhe concedida liberdade condicional em abril de 2009, vindo a ser novamente detido em setembro desse mesmo ano, indiciado da prática do crime de tráfico de estupefacientes. A liberdade condicional veio a ser revogada.
36. Entretanto, por sentença transitada em julgado em 08 de julho de 2011, o arguido foi condenado no processo 230/09.0PEPDL, na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes, coação agravada e detenção de arma proibida.
37. Efetuada liquidação das penas e revogação da então liberdade condicional, o seu termo ocorre em 19 de junho de 2025, tendo AA sido libertado condicionalmente 12 de outubro de 2020.
38. Aquando da concessão da liberdade condicional, AA passou a residir com a mulher e uma filha maior de idade. Mantinha relação próxima com o filho LL, ex-recluso, o qual lhe prestava suporte mais direto, nomeadamente, em deslocações à DGRSP e no âmbito do cumprimento das obrigações fixadas.
39. AA efetuou inscrição na Agência para a Qualificação e Emprego em novembro de 2020, mas foi mantendo atividade na agropecuária, inicialmente por conta de lavradores da sua freguesia, depois por conta de um irmão, KK, proprietário de terrenos agrícolas e gado, como forma de colmatar algumas dificuldades económicas e como complemento ao Rendimento Social de Inserção que usufruíam.
40. A filha, entretanto, autonomizou-se e a mulher veio a falecer em ..., ficando o tutelado a residir sozinho.
41. AA tinha como obrigações, entre outras, no âmbito da concessão da liberdade condicional, realizar testes de despiste dos consumos de bebidas alcoólicas e de estupefacientes, os quais, realizou pontualmente, sempre com resultados negativos.
42. Após o falecimento da esposa passou a viver maritalmente com CC, de 29 anos, natural da ..., toxicodependente, custeando a dependência desta.
43. Em meio prisional, o arguido desenvolve atividade laborai desde janeiro de 2024, não integra qualquer programa terapêutico ao nível do tratamento às dependências, não regista infrações disciplinares e recebe visitas dos filhos.
44. Já foi julgado e condenado:
• Por sentença de .../.../1982, pela prática de um crime de falsificação de géneros alimentícios, na pena de multa;
• Por sentença de .../.../1984, pela prática de um crime de ofensas corporais voluntárias, na pena de multa;
• Por sentença de .../.../1987, pela prática de um crime de injúrias na pena de 45 dias de prisão substituída por multa;
• Por sentença de .../.../1988, pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público e de um crime de dano, na pena de 40 dias de prisão substituída por multa;
• Por sentença de .../.../1989, pela prática de um crime de desobediência a .../.../1988, na pena de 4 meses de prisão substituída por multa;
• Por sentença de .../.../1992, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de multa;
• Por acórdão de .../.../1993, pela prática de um crime de ofensas corporais graves e um crime de dano, na pena única de 22 meses de prisão, perdoada;
• Por acórdão de .../.../1993, pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de furto simples a .../.../1987, na pena única de 26 meses de prisão;
• Por sentença de .../.../1993, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão a .../.../1992, na pena de 6 meses de prisão substituída por multa;
• Por acórdão de .../.../1993, pela prática de um crime de homicídio qualificado, ofensas corporais e detenção de arma proibida, na pena única de 18 anos de prisão;
• Por sentença de .../.../1994, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão a .../.../1991, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
• Por sentença de .../.../1994, pela prática de um crime de abata clandestino a .../...91, na pena de 11 meses de prisão e multa, perdoada;
• Por sentença de .../.../1994, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão a .../.../1992, na pena de 12 meses de prisão;
• Por sentença de .../.../1995, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão a .../.../1992, na pena de 39 dias de multa;
• Por acórdão de .../.../2005, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado a .../.../2000, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão;
• Por acórdão de .../.../2011, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, um crime de detenção de arma proibida e um crime de coação agravada a .../.../2009, na pena de 10 anos de prisão;
• Por sentença de .../.../2021, pela prática de um crime de recetação a .../.../2009, na pena de 6 meses de prisão.
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2. Factos Não Provados
Com interesse para a boa decisão da causa, não se provou que:
a) O arguido adquiria ALPHA PHP às embalagens de 1 quilo, 1/2 quilo ou trezentas gramas.
b) O arguido passou a controlar todos os movimentos de CC, telefonando-lhe pouco a pouco e pagando-lhe as refeições.
c) Em data não concretamente apurada, mas entre junho de 2021 e Março de 2023, porque CC não quis manter com o arguido AA relações sexuais, o mesmo agrediu violentamente a sua namorada com vários socos e pontapés em várias partes do corpo, provocando dores fortes e lesões no corpo de CC, não tendo esta deslocado ao hospital para receber tratamento médico por receio de voltar a ser agredida ou morta por AA, atento o seu passado de prática de crimes violentos contra as pessoas.
d) No dia seguinte à agressão, a fim de evitar que CC apresentasse queixa-crime contra si, AA entregou à sua namorada 20 gramas de "Alpha-PHP".
e) O canivete apreendido em 5.) foi usado para ameaçar CC.
f) Na situação referida em 6.), o estupefaciente havia sido oferecido pelo arguido AA no mesmo dia, tendo aquela visto o arguido AA, no dia anterior, com um pacote grande de droga sintética que ia distribuir.
g) O arguido AA começou também, desde junho de 2021, a obrigar CC a acompanhá-lo na sua carrinha, o que ela fazia por ter já sido agredida pelo arguido e com medo do seu passado de homicida.
h) - que o que consta no ponto 1 ocorreu por o arguido ter constatado a elevada procura deste produto por consumidores de produtos estupefacientes já dependentes de tal substância;
i) - que FF, no ..., era um dos traficantes a quem o arguido fazia distribuição de droga sintética.
2. Revogam o acórdão recorrido na parte relativa à condenação em pena relativamente indeterminada, confirmando no mais a condenação do arguido AA pela prática de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela II-A anexa, na pena de nove anos de prisão.
Sem custas, atento o vencimento parcial (art.º 513º/1 do Código de Processo Penal).
Notifique e comunique à primeira instância.

Lisboa, 10 de Outubro de 2024
(anterior ortografia, salvo transcrições ou citações, em que é respeitado o original)
Elaborado e integralmente revisto pela relatora (art.º 94.º n.º 2 do C. P. Penal)
Paula Cristina Bizarro
Ana Marisa Arnedo
Diogo Coelho de Sousa Leitão