Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALEXANDRA VEIGA | ||
Descritores: | DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA COIMA DIREITO DE DEFESA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/22/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIMENTO | ||
Sumário: | I - Uma decisão administrativa que aplica uma coima não carece do rigor de uma sentença penal, nos termos do artº 374º do C.P.P.; basta a descrição factual que interpretada à luz das garantias do direito de defesa, seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e defender-se adequadamente. II - Diferente da culpa em sentido jurídico-penal, nas contraordenações está em causa uma responsabilidade social. III - «Se o arguido na impugnação judicial que deduziu não coloca em causa nem a imputação objetiva, nem a imputação subjetiva formuladas pelas autoridade administrativa, tendo revelado perfeita compreensão dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa e do título a que o foram, a fundamentação da decisão foi suficiente para permitir o seu exercício do direito de defesa» | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: 1.RELATÓRIO No Processo: 3978/23.2T9ALM, Do Tribunal Judicial Da Comarca De Lisboa Juízo Local Criminal De Almada – Juiz 1 – foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, decido declarar a nulidade da decisão administrativa proferida pela PSP, que aplicou ao recorrente AA a coima no valor de € 700,00 (setecentos euros) pela prática da contra-ordenação prevista no art.º 29.º, n.º 1, do RJAM e nas custas processuais. Não são devidas custas, atento o disposto pelo artigo 94.º, n.ºs 3 e 4 do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro.» * Inconformado, recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: A. O presente recurso versa matéria de Direito – artigo 412.º n.º 2 do CPP. B. Por decisão administrativa, a PSP – Comando Distrital de ... – decidiu condenar o arguido AA, pela prática de uma contraordenação prevista pelo artigo 29.º, n.º 1 do RJAM, na coima de 700,00€ (setecentos euros). C. O arguido AA impugnou judicialmente tal decisão administrativa. D. O Tribunal a quo proferiu decisão, por despacho, considerando, em suma, que a decisão administrativa não cumpre os requisitos formais previstos no artigo 58.º, n.º 1 do RGCO, designadamente na descrição dos factos no que ao elemento subjetivo concerne, concluindo, em consequência, que a decisão administrativa padece de nulidade. E. Considera o Ministério Público que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 32.º, 41.º e 58.º, n.º 1 do RGCO. F. O sentido em que o Tribunal a quo interpretou cada uma das referidas normas violadas foi o de considerar que o facto de o elemento subjetivo não constar nos factos provados mas antes na motivação faz a decisão administrativa padecer de nulidade, interpretando o sentido do artigo 58.º do RGCO tal qual, e sem as devidas adaptações ao processo contraordenacional, o disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 3 e 379.º, n.º 1 do CPP no que diz respeito às sentenças condenatórias e, bem assim, sem observar e aplicar verdadeiramente o disposto nos artigos 32.º, 41.º e 58.º do RGCO – artigo 412.º, n.º 2, alínea b), 1.ª parte. G. Tais normas violadas, deveriam antes ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido que passo a expor – artigo 412.º, n.º 1, alínea b), 2.ª parte: H. Nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 1 do RGCO “a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas (…)”. I. O artigo 58.º do RGCO pretende, precisamente, salvaguardar a possibilidade de exercício efetivo dos direitos de defesa do arguido, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que se pode impugnar judicialmente aquela decisão. J. No entanto, na senda do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/10/2023, no âmbito do processo 483/21.5T8VLN.G1, cujo relator foi Paulo Correia Serafim, disponível em www.dgsi.pt, a decisão condenatória em matéria contraordenacional, apesar de ter uma estrutura semelhante à decisão em direito penal “distintamente do que sucede na sentença condenatória (art.º 374º, nº2, do CPP), a lei não exige que da decisão administrativa condenatória constem formalmente os factos provados ou não provados, satisfazendo-se com a descrição dos factos imputados.” K. Continua o aresto, referindo que “o que verdadeiramente importa para que a fundamentação da decisão administrativa cumpra cabalmente a sua função é que da mesma se possam apreender as razões de facto e de direito que, no entendimento do decisor, conferem arrimo à condenação, de modo a que seja possibilitado ao arguido formular um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, uma vez na fase judicial do processo, permitir ao tribunal conhecer o processo lógico da formação da decisão administrativa.” L. Como também menciona o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.01.2019, Processo nº 257/18.0T8SRT.C1, disponível em www.dgsi.pt, “A decisão administrativa não é uma sentença, nem tem que obedecer ao formalismo da sentença penal. É entendimento pacífico que na fase administrativa do processo de contra-ordenação, caracterizada pela celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal, comportando a decisão administrativa um modo sumário de fundamentar, desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu.” M. No caso em apreço, da decisão administrativa resulta que a PSP, na qualidade de autoridade administrativa, enunciou os factos que considerou provados, simplesmente fê-lo em vários segmentos ao longo daquela, com a motivação de facto associada, pelo que da globalidade da fundamentação exposta na decisão administrativa, ainda que de modo não exemplar, retira-se, de modo suficiente e idóneo, a factualidade provada suscetível de preencher o elemento subjetivo do tipo de contraordenação imputada ao arguido, na forma de negligência. N. Com efeito, na decisão administrativa, no que ao elemento subjetivo diz respeito pode ler-se o seguinte, em vários segmentos da mesma: “16. Após ter sido notificado o arguido, no dia 13-01-2023, nos termos do disposto no n.º 2 da Lei n.º 6/2021, de 19 de fevereiro, para proceder à aquisição de cofre ou armário não portátil para a arma de sua propriedade, no prazo de 30 dias a contar da data da referida notificação, sob pena de não o fazendo, lhe ser aplicada a coima (de €700 a €7000) prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 99.º da Lei n.º 50/2019, de 24 de julho, o arguido não adquiriu/nem apresentou o cofre ou armário de segurança não portátil, com nível de segurança mínima (…). 17. Ressalta do comportamento do arguido um comportamento negligente, pois não procedeu com o cuidado de que era capaz e que lhe era exigido de, atempadamente, regularizar a situação na Polícia de Segurança Pública. 18. Fica provado a omissão do dever de cuidado ou diligência por parte do infrator, conferindo-lhe censurabilidade à conduta. 19. A negligência é punível de acordo com o artigo 104.º, n.º 1 do RJAM. 22. Que a culpa atribuída ao arguido resulta do facto do arguido não ter agido com a diligência necessária a que está obrigado e de que é capaz para o estrito cumprimento da lei que regula a sua atividade, sendo por isso merecedor de um juízo de censura, não havendo circunstâncias que afastem a sua culpa. 23. O arguido praticou os factos de forma negligente. 29 – O arguido foi desatento e descuidado nas suas obrigações legais. 30 – Pelo que, em concreto, podemos afirmar que está preenchido o conteúdo de culpa própria da negligência que fundamenta a punição. (…) Determinação da medida concreta da coima (…) Culpa: (…) a culpa atribuída ao arguido resulta do facto de não ter agido com a diligência necessária a que está obrigado e de que era capaz para o estrito cumprimento da lei que regula a sua atividade, sendo por isso merecedora de um juízo de censura, não havendo circunstâncias que afastem a culpa.” O. De facto, retira-se da decisão impugnada que o arguido estava consciente da obrigação legal que sobre si recaía, pois que o comportamento devido do arguido era o de proceder à aquisição de cofre ou armário não portátil para a arma de sua propriedade, tendo sido notificado para o efeito sob pena de incorrer na prática de uma contraordenação e que, mesmo disso sabendo, não o fez (parágrafos 5, 21, 22 e 23 da decisão administrativa), não tendo adotado a conduta a que estava adstrito no sentido de adquirir o mencionado cofre ou armário, tendo agido com indiferença e conformando-se, referindo a decisão que o mesmo foi “desatento e descuidado nas suas obrigações legais” (parágrafos 17, 20, 24, 25, 26, 29 e 30 da decisão administrativa), comportamento esse que lhe era exigido e de que era capaz (parágrafos 16, 23 e 19). P. Assim, estão perfeitamente explícitos na decisão administrativa em apreço os factos referentes ao elemento objetivo da contraordenação e os factos do elemento subjetivo mostram-se suscetíveis de direta apreensão, retirando-se a forma/motivação como o agente autuou não só dos factos objetivos, bem como estão bem expressos na parte da motivação da decisão. Q. A par com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães supramencionado, revemo-nos igualmente no expendido no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/01/2022, no âmbito do processo n.º 231/21.0T8SSSB.E1, disponível em www.dgsi.pt, pois que consideramos que é “de um rigor excessivo (e sem qualquer justificação legal) afirmar um vício omissivo apenas porque determinado elemento da decisão condenatória em contra-ordenação não se encontra descrito no ponto da fundamentação de facto, sendo apenas descrito mais à frente num ponto posterior ao juízo subsuntivo. R. Com efeito, o que “importa nuclearmente é que a “descrição dos factos imputados” (art.º 58.º, n.º 1, a) do RGCO) conste da decisão condenatória, havendo que desconsiderar o seu arrumo sistemático dentro daquela, desde que a “descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos 16 de 17 16 que lhe são imputados e poder, como base nessa percepção, defender-se adequadamente.» S. Ora, a fundamentação e concretização factual constante da decisão administrativa sub judice foi suficiente para que o arguido tenha exercido todos os seus direitos de defesa, não sendo omissa em qualquer facto integrante do elemento do tipo objetivo ou subjetivo e, por consequência, não padece de qualquer nulidade. T. O arguido na impugnação judicial que deduziu não colocou em causa nem a imputação objetiva, nem a imputação subjetiva formuladas pelas autoridade administrativa, tendo revelado perfeita compreensão dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa e do título a que o foram, o que demonstra que a fundamentação da decisão foi suficiente para permitir o seu exercício do direito de defesa, pelo que conclui-se que a mesma observou as exigências do artigo 58.º, n.º 1 do RGCO, não padecendo a mesma de qualquer nulidade. Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo. O arguido não contra-alegou. * Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer, sustentando, em resumo, que no essencial no recurso interposto pelo Ministério Público sustenta-se que a douta Decisão de 16/1/2024 do Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Almada que considerou que a decisão administrativa padece de nulidade, deve ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos com os seus subsequentes trâmites, na medida em que a decisão administrativa não padece de qualquer nulidade nem de qualquer outro vício, nos termos conjugados dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 alínea a), ambos do Código de Processo Penal, ex vi artigos 41.º e 58.º, n.º 1 do RGCO.(…) O que se prescreve é que a descrição factual que consta da decisão administrativa, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e defender-se adequadamente. Ora, no caso em apreço, o arguido na impugnação judicial que deduziu não colocou em causa nem a imputação objetiva, nem a imputação subjetiva formuladas pelas autoridade administrativa, tendo revelado perfeita compreensão dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa e do título a que o foram, o que demonstra que a fundamentação da decisão foi suficiente para permitir o seu exercício do direito de defesa. Pelo exposto, somos do parecer de que o Recurso interposto pelo Ministério Público junto da 1ª Instância deve ser julgado procedente e, consequentemente, a Decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que que ordene o prosseguimento dos autos com os seus subsequentes trâmites, na medida em que a decisão administrativa não padece de qualquer nulidade nem de qualquer outro vício, nos termos conjugados dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 alínea a), ambos do Código de Processo Penal, ex vi artigos 41.º e 58.º, n.º 1 do RGCO. * Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer. * Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. * OBJECTO DO RECURSO Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995] Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: se a decisão administrativa padece dos vícios apontados na sentença do Tribunal a quo, por não conter factos reportados ao elemento subjetivo e se se impõe à decisão administrativa exigência de fundamentação idêntica às sentenças proferidas em processo penal. DA SENTENÇA RECORRIDA Da sentença recorrida consta a seguinte fundamentação: «Da nulidade da decisão administrativa por falta de descrição factual. Dado o contraditório suscitou-se pelo Tribunal a nulidade da decisão por a mesma não conter factos reportados ao elemento subjectivo. Ora, cumpre apreciar e decidir. Prescreve o artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (doravante designado por RGCO) que o processo das contra-ordenações obedecerá ao princípio da legalidade. Significa isto que este tipo de processo deve obediência à lei e ao direito, não se limitando ao dever de acatamento da lei em sentido estrito, abrangendo também a subordinação a todos os valores jurídicos. A vinculação ao princípio da legalidade implica que no decorrer de todo o processo, desde o seu início até ao seu termo, se cumpram as imposições legais e os princípios gerais do direito. A consagração de um regime de nulidades processuais visa, exactamente, garantir esse cumprimento. É hoje absolutamente pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, o dever de a Administração fundamentar os actos por si proferidos que possam afectar os direitos ou interesses dos administrados, dever esse que decorre quer do texto constitucional, como da legislação ordinária. Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa). O dever de fundamentação é um dos pilares da clarificação das relações mantidas entre o Estado e os contribuintes, dado que através da fundamentação se consagram e aprofundam, em sede de procedimento, os princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e dos interesses dos cidadãos, entre os quais se podem destacar, a título meramente aleatório, as garantias da igualdade, da proporcionalidade, da colaboração e da tutela da confiança. O dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória. Esse dever de fundamentação tem por escopo permitir ao destinatário do acto conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo deste, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram a Administração à sua prática e a razão por que se decidiu nesse sentido e não noutro, importando, assim, constar de tal decisão a ponderação, análise e decisão – refutando ou aceitando – dos argumentos relevantes trazidos pelo destinatário do acto. Torna-se assim necessário concluir que o conceito legal de fundamentação não se basta com uma qualquer declaração sumária sobre as razões do acto, exigindo que ela se traduza numa exposição lógica, ordenada, precisa, incondicional e suficientemente idónea para justificar a adopção da decisão administrativa e de permitir que um destinatário normal fique a conhecer os motivos por que foi aquela a determinação sufragada. Dispõe o art.º 58.º do RGCC que “a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a identificação dos arguidos; b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias”. Face ao disposto na alínea b) do n.º 1 do citado preceito legal, a decisão condenatória deve especificar quais os factos que considera provados, bem como a prova em que eles assentam. Deste modo, não deve a autoridade administrativa substituir a descrição dos factos por conceitos jurídicos, designadamente os que constam da norma incriminadora, ou por expressões conclusivas. A este respeito veja-se o mencionado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 344/19.8T9MFR.L1-9, em 31.10.2019, relator Filipa Costa Lourenço, disponível em www.dgsi.pt, onde se refere que “I- A decisão administrativa, deve obedecer a um limite apropriado no que concerne quer à descrição, que há-de ser concreta e precisa, dos factos praticados que objetivamente integrem a contraordenação em causa na sua vertente objetiva ou material, quer à natureza dolosa ou negligente da atuação a que aqueles factos se reconduzem na sua vertente subjetiva ou culposa; II- Ou seja, a imputação de factos tem de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que são relevantes para caracterizarem o comportamento contraordenacional, incluindo as circunstâncias de tempo e de lugar, e deve, além disso, conter os elementos do tipo subjectivo do ilícito contra-ordenacional e tendo de conter os elementos mínimos exigíveis a uma acusação; III- Estando em falta, na Decisão Administrativa, a narração de factualidade concretizadora do tipo subjetivo da contra-ordenação que é imputada ao arguido, esse hiato, à luz da jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015 de 27 de Janeiro, não pode ser integrada em julgamento, ou neste caso no recurso de contraordenação interposto para o Tribunal de 1ª instância e logo na sua decisão final, mesmo com recurso ao disposto no art.º 358º do CPP”. A consequência processual da inobservância destes requisitos não se encontra prevista em nenhum preceito do RGCO, pelo que a sua solução deve ser encontrada no direito subsidiário, ou seja, nos preceitos reguladores do processo criminal (cf. artigo 41.º do RGCO). Assim, de harmonia com o preceituado nos artigos 374.º, n.ºs 2 e 3 e 379.º, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Penal a falta dos requisitos previstos no n.º 1 do citado artigo 58.º constitui, no entender deste Tribunal, uma nulidade da decisão administrativa. A nulidade decorrente da preterição do artigo 58.º do RGCO é uma nulidade de conhecimento oficioso, por força do disposto no artigo 379.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Analisada a decisão administrativa proferida, mormente os factos dados como provados, concluímos que se deu como provado matéria objectiva todavia é totalmente omissa, na materia de facto dada como provada quanto a elementos subjectivos demonstrativos de dolo ou negligência. Veja-se que a decisão administrativa na sua fundamentação de facto deve mencionar quais os factos que se consideraram como provados quais se consideraram como não provados, especificando-os, ainda que de forma concisa, e, de seguida, deverá explanar os elementos de prova que foram determinantes para tal decisão, por forma a ser possível, após, proceder-se à subsunção dos factos provados ao direito aplicável. Ora, para que estejamos na presença de uma contra-ordenação é necessário, atento o disposto nos arts. 1.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, para além do mais, que estejamos perante um facto ilícito praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência. De referir que não cabe ao arguido alegar e provar que actuou sem dolo ou negligência, antes cabendo à entidade administrativa alegar os factos dos quais se depreende que a actuação daquele foi dolosa ou negligente. Para que se faça prova desse dolo ou dessa negligência, necessário se torna que estejam alegados factos que, uma vez provados e demonstrados, permitam concluir ter existido, em concreto, dolo ou negligência. Não basta, para o referido efeito, que se teçam considerações doutrinárias ou jurisprudenciais quanto ao elemento subjectivo, sendo necessário que em concreto se atribua determinado comportamento ao recorrente susceptível de preencher a exigência subjectiva da norma. E, repetimos, tal imputação tem de constar da matéria de facto dada como provada, pois, que de outro modo o arguido nunca se poderá dela defender (o arguido defende-se de factos e não de considerações subjectivas). É que, como é sabido, a negligência supõe o poder/dever de o responsável, embora não pretendendo cometer a infracção, actuar de modo diferente, de forma a impedir que a mesma se verifique. Assim, para que haja negligência basta que o agente omita ou se demita do exercício dos seus deveres/prerrogativas, designadamente de assegurar que o trabalho seja executado com observância das necessárias condições de segurança e observância do normativo legal que a isso se destina, cabendo-lhe adoptar as medidas adequadas ao cumprimento da lei. De igual modo, a actuação com dolo, em qualquer das suas modalidades, carece de ser factualizada na decisão administrativa, para que, em cada caso, se retire do comportamento praticado a prática do ilícito que à arguida/recorrente é imputado e para que esta dele se possa defender. Destarte, na decisão administrativa condenatória deverão estar presentes os factos necessários e suficientes para que se integrem e preencham os conceitos de dolo ou, caso seja essa a situação e a lei assim o permita, a negligência. No caso concreto, a prática da contra-ordenação foi imputada ao recorrente a título de dolo eventual, mas tal imputação não surge nos factos provados e vem desacompanhada de elementos de facto que nos possam elucidar como é que o arguido actuou. Reiteramos: compulsada a decisão administrativa e os factos que foram dados como provados, nada nos é dito acerca desse elemento subjectivo em que se traduz o dolo. Ele é simplesmente afirmado na motivação, e nada mais. Ora, dispõe o art.º 58.º do Decreto-Lei n.º 433/82 que da decisão administrativa deve constar a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas. Analisando-se a decisão em questão, constata-se que nada é dito acerca destas questões. Por outro lado, não sendo esses factos alegados não poderão oficiosamente ser dados como provados, na medida em que o que delimita o objecto processual é a matéria factual descrita pela decisão administrativa e pelo próprio recurso de impugnação judicial. Assim, e abreviando razões, somos da convicção que os factos descritos na decisão administrativa, não são suficientes para que se dê por provados os elementos objectivo e subjectivo da infracção, o que sempre levará à nulidade da decisão administrativa e à absolvição da recorrente. A decisão desta questão torna inútil a apreciação do mérito da causa em si e as demais questões suscitadas, porquanto ficam prejudicadas pela procedência da referida nulidade.» * 2. FUNDAMENTAÇÃO. Nos termos do art.º 75.º, n.º 1, do regime geral das contraordenações, aprovado pelo D.L 433/82, de 27 de outubro (doravante RGCOC) e em regra, «(…) a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões». As questões que importam decidir é se a decisão administrativa é absolutamente omissa no que concerne ao elemento subjetivo do tipo e, correlativamente, se uma decisão administrativa que aplica uma coima carece do rigor de uma sentença penal, nos termos do art.º 374º do C.P.P. ou se basta a descrição factual que interpretada à luz das garantias do direito de defesa, seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e defender-se adequadamente. Dispõe o art.º 58.º do RGCC que “a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a identificação dos arguidos; b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias”. Vertendo ao caso que nos ocupa vejamos, pois, o teor da decisão administrativa, nas partes relevantes para a questão a decidir: “no dia 22 /02/2023 pela 10h e 30m… o infrator, detentor de uma arma de fogo curta da classe B1 pistola declarada B1, número de arma… marca… calibre 6,35, registada sob o livrete de manifesto de armas… não possuía cofre ou armário de segurança não portáteis para guarda das armas e por isso não submeteu o comprovativo da sua existência para a plataforma da P.S.P. Após ter sido notificado o arguido, no dia 13-01-2023, nos termos do disposto no n.º 2 da Lei n.º 6/2021, de 19 de fevereiro, para proceder à aquisição de cofre ou armário não portátil para a arma de sua propriedade, no prazo de 30 dias a contar da data da referida notificação, sob pena de não o fazendo, lhe ser aplicada a coima (de €700 a €7.000) prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 99.º da Lei n.º 50/2019, de 24 de julho, o arguido não adquiriu/nem apresentou o cofre ou armário de segurança não portátil, com nível de segurança mínima (…). Sob a epigrafe «DO DIREITO» refere a mesma decisão: 17. Ressalta do comportamento do arguido um comportamento negligente, pois não procedeu com o cuidado de que era capaz e que lhe era exigido de, atempadamente, regularizar a situação na Polícia de Segurança Pública. Sob a epigrafe “DA CULPA” ressalta ainda da decisão administrativa: «18. Fica provado a omissão do dever de cuidado ou diligência por parte do infrator, conferindo-lhe censurabilidade à conduta. 19. A negligência é punível de acordo com o artigo 104.º, n.º 1 do RJAM. 22. Que a culpa atribuída ao arguido resulta do facto do arguido não ter agido com a diligência necessária a que está obrigado e de que é capaz para o estrito cumprimento da lei que regula a sua atividade, sendo por isso merecedor de um juízo de censura, não havendo circunstâncias que afastem a sua culpa. 23. O arguido praticou os factos de forma negligente. 29 – O arguido foi desatento e descuidado nas suas obrigações legais. 30 – Pelo que, em concreto, podemos afirmar que está preenchido o conteúdo de culpa própria da negligência que fundamenta a punição. (…) Determinação da medida concreta da coima (…) Culpa: (…) a culpa atribuída ao arguido resulta do facto de não ter agido com a diligência necessária a que está obrigado e de que era capaz para o estrito cumprimento da lei que regula a sua atividade, sendo por isso merecedora de um juízo de censura, não havendo circunstâncias que afastem a culpa» Notificado desta decisão veio o arguido impugnar a decisão administrativa dizendo… entre o mais que … «após desenvolver diligências para adquirir o cofre constatei que os preços dos cofres com as normas exigidas eram demasiado altos para as minhas posses e decidi que entregaria a arma. Dirigi-me aos serviços de armas e explosivos da esquadra da PSP de Almada para entregar a arma e foi-me dito que o processo tinha transitado para ... e tinha que esperar a notificação. Assim venho pedir a Vossa Excelência que se digne proferir decisão para que a multa de €700,00 seja substituída pela entrega da arma, até porque não tenho como paga-la, pois os meus rendimentos são inferiores ao ordenado mínimo.» No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de Março de 2011, Processo n.º 583/09.0T2BR.C1, relatado por Paulo Guerra, pode ler-se o seguinte“ As contraordenações não respeitam à tutela de bens jurídicos ético-penalmente relevantes, mas apenas e tão-só à tutela de meras conveniências de organização social e económica e à defesa de interesses da mais variada gama, que ao Estado incumbe regular através de uma atuação de pendor intervencionista, que nos últimos anos se vem acentuando com progressiva visibilidade, impondo regras de conduta dos mais variados domínios de relevo para a organização e bem-estar social. Estas normas ditas de mera ordenação social (que não devem validar a afirmação de que estaremos perante um «direito de bagatelas penais»), não têm a ressonância ética das normas penais mas não deixam de ter a sua tutela assegurada através da descrição legal de ilícitos que tomam o nome de contraordenações, cuja violação é punível com a aplicação de coimas, a que podem, em determinados casos, acrescer sanções acessórias. A execução da vertente sancionatória pressupõe um processo previamente determinado, de pendor não tão marcadamente garantístico como o processo penal (que por força da gravosa natureza das sanções que por seu intermédio podem ser aplicadas, exige a observância de apertadas garantias de defesa), mas que assegure, ainda assim, os direitos de audiência e de defesa (artigo 32º, n.º 10 da CRP e artigo 50º do RGCO). Para essa finalidade, o legislador adotou um procedimento consideravelmente mais simplificado e menos formal do que o processo penal, cujo quadro geral consta dos artigos 33º e seguintes do RGCO.” Por seu turno no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11 de Janeiro de 2016, Processo nº 1812/12.8EAPRT.G2, relatado por João Lee Ferreira, refere-se o seguinte o seguinte “No âmbito do processo contraordenacional a jurisprudência tem sido unânime em considerar que a decisão administrativa, embora apresente alguma homologia com a sentença condenatória penal, tem uma estrutura semelhante a esta última, se bem que mais concisa, possui um nível de exigência e de compreensão inferior, devido à sua menor incidência na liberdade das pessoas.” Conforme refere Beça Pereira, Regime Geral Das Contra-Ordenações e Coimas, 12ª Edição, anotação ao artº 58º. «No caso da decisão condenatória não respeitar alguma das exigências que figuram neste artigo, não se deverá aplicar, subsidiariamente, o disposto no artigo 379.º do Código de Processo Penal uma vez que, se o arguido interpuser recurso dessa decisão, nos termos do artigo 62.º, n.º 1, ela converter-se-á em acusação. Também não se deve recorrer ao que dispõe o artigo 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal visto que, se não for interposto recurso da decisão condenatória, esta não chega a assumir a natureza de acusação. Por outro lado, não se pode esquecer que se estivéssemos perante alguma nulidade, então o respetivo regime teria que ser um só; ele não poderia variar consoante fosse ou não interposto recurso da decisão condenatória da autoridade administrativa. Finalmente, há que considerar que o artigo 118.º, n.º 1 do Código de Processo Penal estabelece o princípio de que só são nulidades aquelas que como tal estiverem expressamente previstas. Então, resultando do artigo 118.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que "nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular", deverá concluir-se que a inobservância dos requisitos estabelecidos para a decisão condenatória da autoridade administrativa consiste apenas numa irregularidade e será segundo as regras deste instituto que se apurará da possibilidade de aproveitamento, ou não, do processado desde a decisão administrativa (inclusive)». Em causa e determinante para a declaração da nulidade, está a falta do elemento subjetivo. Ora, conforme refere o Ministério Público, pese embora não com o rigor de uma sentença, a decisão contem todos os requisitos, inclusive a imputação subjetiva a título negligente. Acresce que o destinatário da decisão compreendeu o conteúdo da mesma, tanto que veio impugna-la. Conforme se escreve no Acórdão da Relação de Guimarães, relatado por António Teixeira processo 453/18.8 VLN, G2 de 26 de fevereiro de 2020 b (IGFEJ, Jurisprudência) «De acordo com o Artº 1º do RGCOC, “Constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima.”. Prescrevendo, por seu turno, o Art.º 8º, nº 1, do mesmo regime geral, que “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.”. Ora, da conjugação dos transcritos preceitos legais decorre, sem margem para dúvidas, que não pode existir responsabilidade contra-ordenacional sem culpa, o que significa que o princípio da culpa tem plena vigência no direito de mera ordenação social. Porém, como bem assinala o Prof. Augusto Silva Dias, in “Direito das Contra-Ordenações”, Almedina, Reimpressão, 2019, págs. 65/66, o princípio da culpa no direito das contra-ordenações conhece uma maior flexibilidade dogmática e probatória relativamente ao direito penal. Com efeito - sustenta o mencionado Autor - “Para esta flexibilidade concorre a circunstância de o parâmetro normativo no Direito das Contra-Ordenações ser constituído pelo papel social: no centro da imputação subjectiva e da censura estão as representações, procedimentos e comportamentos típicos do papel em cada sector da actividade económica e social: o empresário, o contribuinte, o condutor, o intermediário financeiro, etc., diligentes e criteriosos. O papel é densificado mediante o conjunto de deveres, práticas e usos que regulam o exercício de cada sector de actividade e se espera que cada participante cumpra ou adopte (...). No plano da imputação subjectiva, em particular na negligência, o papel fornece o padrão de cuidado cujo incumprimento constitui o desvalor da acção. No plano da culpa, a censura tem o sentido de uma admonição ou reprimenda social, de um “... mandato ou especial advertência conducente à observância de certas proibições ou imposições legislativas” (...) e o conteúdo ou objecto da censura é o desempenho defeituoso do papel, ou seja, o desvio relativamente ao procedimento-padrão no sector da actividade em causa (...). A intensidade da reprimenda variará consoante esse desvio seja maior ou menor” (sublinhado nosso]. Não se trata aqui “de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima” (FIGUEIREDO DIAS em “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in “Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, I, pág. 331, da ed. de 1983, do Centro de Estudos Judiciários). Na verdade, como assertivamente se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 20/06/2017, proferido no âmbito do Proc. nº 127/16.7-TNLSB.L1-5, in www.dgsi.pt, as exigências formais no processamento das contra-ordenações não podem equiparar-se às do processo penal, apresentando aquelas autonomia decorrente da valoração e opção política do legislador em resultado da diversidade ontológica entre o direito de mera ordenação social e o direito penal, da natureza da censura ético-penal correspondente a cada um e da distinta natureza dos órgãos decisores. Determinante, em relação à decisão administrativa - sublinha-se no mesmo douto aresto - é que a sua leitura permita compreender, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais o agente é condenado, de modo a que este possa adequadamente impugnar os fundamentos dessa condenação» Ao contrário do decidido, afigura-se-nos que uma leitura atenta da decisão administrativa proferida leva à conclusão que embora do ponto de vista formal a peça apresentada não esteja completamente perfeita, na medida em que não existe uma sistematização cronológica do que se pretende, pois misturam-se factos que constituem ilícito contraordenacional, com conclusões jurídicas, o que é certo, é que se aborda de uma forma perfeitamente aceitável o elemento subjetivo, acabando por se considerar que o arguido agiu negligentemente e porque assim o fez. Acresce que como Refere a Digna Procuradora «O arguido na impugnação judicial que deduziu não colocou em causa nem a imputação objetiva, nem a imputação subjetiva formuladas pelas autoridade administrativa, tendo revelado perfeita compreensão dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa e do título a que o foram, o que demonstra que a fundamentação da decisão foi suficiente para permitir o seu exercício do direito de defesa, pelo que conclui-se que a mesma observou as exigências do artigo 58.º, n.º 1 do RGCO, não padecendo a mesma de qualquer nulidade” Sendo aqui secundada pelo Parecer do Sr. Procurador Geral Adjunto deste tribunal que refere bem que «O que se prescreve é que a descrição factual que consta da decisão administrativa, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e defender-se adequadamente. Ora, no caso em apreço, o arguido na impugnação judicial que deduziu não colocou em causa nem a imputação objetiva, nem a imputação subjetiva formuladas pelas autoridade administrativa, tendo revelado perfeita compreensão dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa e do título a que o foram, o que demonstra que a fundamentação da decisão foi suficiente para permitir o seu exercício do direito de defesa» Nessas circunstâncias, entendemos merecer provimento o recurso interposto pelo Ministério Público, por se considerarem suficientemente descritos na decisão administrativa os factos relativos ao elemento subjetivo da infração imputada ao arguido, devendo revogar-se a sentença recorrida e determinar-se que, na primeira instância, se profira nova decisão na qual aprecie todas as questões ínsitas no recurso de impugnação interposto visando a decisão da autoridade administrativa em causa. * 3. DECISÃO Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revogando a decisão recorrida determina-se que seja proferida nova sentença na qual aprecie todas as questões suscitadas no recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa, ficando definitivamente decidida, nos moldes supra mencionados, a questão oficiosamente suscitada pela primeira instância atinente à nulidade por omissão de descrição do elemento subjetivo da infração. Sem custas. Lisboa, 22 de outubro de 2024 Alexandra Veiga Ana Cristina Cardoso Paulo Barreto |