Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23651/20.2T8LSB.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: AUTORIDADE DE CASO JULGADO
DESTINO DA CAUÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGAR PROVIMENTO
Sumário: I - O caso julgado material, além do efeito negativo da inadmissibilidade de repetição da causa, tem um efeito positivo, a autoridade do caso julgado, que implica, na eventualidade de uma segunda ação entre as mesmas partes, ainda que sem identidade de pedidos e causas de pedir, que a primeira decisão a respeito de determinada questão prejudicial opere como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.
II - Tendo sido conhecido em acórdão transitado em julgado do mérito do pedido de condenação da aí ré (ora Autora), na qualidade de fiadora de contrato de arrendamento (celebrado com uma sociedade de que era sócia), a pagar à aí autora (ora Ré), na qualidade de senhoria, a quantia de 17.953,00€ a título de rendas e indemnização prevista no art.º 1045.º do CC, impõe-se respeitar a autoridade do caso julgado na presente ação em que a Autora, com fundamento no enriquecimento sem causa, reclama a condenação da Ré no pagamento do valor da caução prestada no procedimento especial de despejo que excede o valor das rendas que nesse acórdão foram consideradas devidas e pagas.
III - Tendo ficado decidido, na primeira ação, que a ora Autora não estava obrigada a pagar à ora Ré a quantia ali peticionada, uma vez que (i) quanto às rendas devidas no valor total de 7.500€, uma parte estava paga (face aos pagamentos parciais no valor total de 3.650,00€) e o valor remanescente em dívida de 3.850€ podia ser considerado liquidado com parte do valor da caução prestada no PED de 8.875,00€, e (ii) quanto à indemnização do art.º 1045.º do CC não estava abrangida pelo objeto da fiança, não se deverá, na presente ação, indagar do valor dos pagamentos parciais e das rendas em dívida à data da resolução do contrato de arrendamento, pois trata-se de questão que estava definitivamente decidida por acórdão transitado em julgado.
IV - Como esse acórdão não se pronunciou sobre o “destino” a dar ao restante valor da caução, não é nula por excesso de pronúncia, nem afronta a autoridade do caso julgado, a sentença proferida na presente ação que, ao apreciar se estavam verificados os pressupostos do enriquecimento, veio a considerar que tal quantia se podia destinar à satisfação do valor da indemnização prevista no art.º 1045.º do CC, embora afirmando que a mesma não era devida pela Autora, enquanto fiadora, conforme havia sido decidido pela Relação de Lisboa.
V - Admitindo que o empréstimo foi contraído pela Autora, a título pessoal, e que esta usou o dinheiro em benefício da sociedade de que era sócia, efetuando o pagamento da caução que era devida para que a oposição pudesse ser deduzida (cf. art.º 15.º-F, n.º 4, da Lei n.º 6/2006), um tal empobrecimento da Autora apenas implicou um correlativo enriquecimento da sociedade de que era sócia, na medida em que a mesma viu ser paga a caução devida no âmbito do PED em que era demandada, considerando a oposição que aí deduziu.
VI - Não decorrendo dos factos provados - em particular do teor da sentença proferida na ação/oposição que, no âmbito do PED, correu termos no Juízo Local - qual o destino dado ou a dar ao montante remanescente da caução ora em apreço que ficou depositado à ordem daquele Tribunal, é incorreto estar a assumir que tal importância serviu para pagar a indemnização que pudesse ser devida pela sociedade arrendatária nos termos do art.º 1045.º do CC.
VII - Era ao Tribunal à ordem do qual o depósito foi efetuado que competia decidir qual o destino a dar ao mesmo, nada permitindo assumir, nos presentes autos, seja o que for quanto ao destino dessa verba, designadamente que a sociedade requerida no PED não pode reaver essa importância ou que a mesma foi entregue à senhoria, a qual, nessa medida, teria enriquecido, muito menos, nesta última hipótese, que um (eventual) enriquecimento esteja desprovido de causa justificativa.
VIII - Não se identifica, assim, uma efetiva deslocação patrimonial geradora do enriquecimento da Ré à custa da Autora, considerando que não ficou provado (i) ter a caução sido paga pela Autora na qualidade de fiadora (apenas se podendo entender que foi paga pela sociedade de que era sócia) e, sobretudo, (ii) ter a parte que excede o valor das rendas sido recebida pela Ré (na qualidade de senhoria).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
TP interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a ação declarativa de condenação que, sob a forma de processo comum, intentou contra MS.
Na Petição Inicial, apresentada em 09-11-2020, a Autora peticionou que a Ré fosse condenada:
1) a pagar-lhe, a título de valores pagos a mais de rendas e não restituídos, o montante de 6.400€;
2) Em alternativa, a pagar-lhe o montante de 6.400€, a título de enriquecimento sem causa;
3) Em qualquer caso, a pagar-lhe os juros moratórios vencidos, à taxa legal comercial, no valor de 1.989,92€;
4) Em alternativa ao peticionado em 3), a pagar-lhe o montante de 1.137,62€, a título de juros moratórios vencidos, à taxa civil;
5) E ainda a pagar-lhe os juros vincendos até integral pagamento.
A Autora alegou, para tanto e em síntese, que:
- A Ré é proprietária de um imóvel que deu de arrendamento à sociedade NSSP, Lda., da qual a Autora era sócia, constituindo-se a Autora fiadora nesse contrato;
- A Ré resolveu tal contrato de arrendamento através de notificação efetuada em 25-05-2016, por falta de pagamento de rendas desde janeiro de 2016;
- A Ré intentou depois um procedimento especial de despejo contra a sociedade, no âmbito do qual a Autora depositou caução no montante de 8.875€, nos termos do n.º 3 do art.º 15.º-F da Lei n.º 6/2006;
- Nesse procedimento, o imóvel veio a ser entregue em 13-02-2017;
- À data da resolução do contrato, encontravam-se em dívida rendas no montante de 6.000€, e, face a diversos pagamentos realizados posteriormente (no total de 3.525€), ficou a faltar a quantia de 2.475,00€, que veio a ser regularizada através de parte da caução prestada no PED;
- A ora Ré intentou uma ação declarativa contra a ora Autora peticionando o pagamento das rendas em dívida até à devolução do imóvel, acrescidas de indemnização, mas o Tribunal decidiu que, sendo fiadora, não era responsável pelo pagamento da indemnização prevista no art.º 1045.º do CC;
- Assim, e porque o valor da caução que a Autora pagou excede o valor das rendas pelas quais era responsável, a Ré mantém indevidamente na sua posse e deverá restituir à Autora o montante de 6.400,00€.
A Ré apresentou Contestação, em que se defendeu por impugnação de facto e de direito, pugnando pela improcedência da ação, peticionando ainda a condenação da Autora como litigante de má-fé. Alegou designadamente que:
- A arrendatária NSSP, Lda. ficou a dever à Ré a quantia de 35.875,00 €, correspondente às rendas vencidas e não pagas, bem como à indemnização prevista no art.º 1045.º do CC;
- A caução prestada no âmbito do procedimento especial de despejo não permitiu liquidar a totalidade dos montantes em dívida;
- O procedimento especial de despejo foi intentado apenas contra a arrendatária e não contra a fiadora, pelo que quem depositou a caução, com a oposição aí deduzida, foi a arrendatária, não tendo a fiadora tido qualquer intervenção naqueles autos.
A Autora veio responder, sustentando que há muito que a sociedade arrendatária não tinha capacidade para o pagamento das rendas, que vinha sendo efetuado pela Autora, enquanto fiadora, o que sucedeu igualmente com o pagamento da caução.
Foi proferido despacho saneador.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, em que a Autora prestou declarações de parte e foi ouvida a testemunha que arrolou.
Em 03-10-2022, foi proferida a sentença recorrida cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
Em face do exposto, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, o Tribunal julga a acção totalmente improcedente, por não provada, e em consequência absolve a ré do pedido formulado pela autora.
Absolve a autora do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Custas pela autora (cfr. artigo 527º, nºs 1 do NCPC).
Registe e notifique.”
Inconformada com esta decisão de improcedência da ação, veio a Autora interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (que, embora extensas, ora se reproduzem na parte útil, omitindo a transcrição de algumas passagens da Petição Inicial e da sentença, bem como das declarações e depoimento prestados em audiência, não se justificando convidar a Apelante ao aperfeiçoamento das conclusões, já que assim podem ser entendidas sem assinalável esforço):
1. As presentes alegações dão corpo ao recurso da decisão sobre a matéria de facto, com a qual se discorda.
2. A douta Sentença aqui em crise, considerou um único facto como não provado: “1. A caução prestada no âmbito do PED foi paga pela autora, na qualidade de fiadora.”.
3. Salvo melhor entendimento, prova existe para que o Tribunal a quo, tivesse dado como assente o facto que agora enuncia – o único – como não provado.
4. A convicção do Tribunal a quo assentou no seguinte:
“(...)”
5. Ora, discorda-se do douto entendimento, porquanto se considera existirem concretos meios probatórios constantes do processo, nomeadamente as gravações dos depoimentos prestados, que impunham, salvo melhor entendimento, uma outra decisão, diversa da proferida.
6. Alguns excertos das declarações e depoimentos prestados, conduzem a conclusões inevitáveis, sendo a mais relevante, a de que os pagamentos foram efetuados pela autora na qualidade de fiadora do contrato de arrendamento, agindo em nome pessoal.
7. Assim, alguns excertos que demonstram a conclusão supra: “(...)”
8. A autora afirma ser a própria quem se encontrava a fazer pagamentos a título pessoal, porquanto a empresa já não o poderia fazer.
9. Acrescem: “(...)”
10. A autora afirma ter sido ela quem pediu dinheiro emprestado para acorrer às dívidas que a empresa tinha
Acresce,
11. “(...)”
12. A autora declara ter sido a própria (e não a empresa) quem pagou o empréstimo da amiga.
Acresce ainda,
13. “(...)”
14. O que a autora refere expressamente, é que a empresa de quem se tornou fiadora, estava impossibilitada de cumprir com as obrigações financeiras inerentes, nomeadamente pagar as rendas onde funcionava o cabeleireiro,
15. Tendo confirmado mesmo, que a empresa não gerava lucros, razão pela qual, teve de ser aquela, a título pessoal, a providenciar alguns empréstimos para fazer face à dívida.
Mais,
16. Por outro, também a amiga da autora, a quem emprestou dinheiro, testemunhou em Tribunal, tendo confirmado as declarações da autora.
E assim,
17. “(...)”
18. Ora, a testemunha tem a consciência, até porque lhe foi perguntado, que o empréstimo feito à autora, o foi a título pessoal, e não à empresa, ou à sócia, ou a qualquer outra entidade.
19. Na realidade, a testemunha sabe a quem emprestou dinheiro, e em que condições e circunstâncias. Afirma mesmo, ter emprestado a título pessoal, à TP, o valor então em causa, e não sob qualquer outro título.
20. Pelo que, face ao exposto, discordamos da decisão tomada pelo Tribunal a quo, em determinar, como não provado, o facto nº 1, aliás único em matéria não provada: “B – Matéria de Facto Não Provada - 1. A caução prestada no âmbito do PED foi paga pela Autora, na qualidade de fiadora”.
21. O que deveria ter sido considerado, ao invés, era que tal facto se encontrava provado e assente, e não o contrário! Até porque nos presentes autos, não há prova, declarações, afirmações ou o mais leve indício e/ou sinal, de que a autora tenha contraído empréstimos em nome da empresa.
22. Refere a douta sentença em crise: “(...) ainda que tenha sido provada a origem do valor para pagamento de caução, considera-se que os depoimentos prestados foram insuficientes para demonstrar que o pagamento foi feito pessoalmente pela autora, na qualidade de fiadora.”.
23. Sucede, o entendimento para a autora é o de ter ficado claro, que a empresa já nada produzia, nem auferia rendimentos para cobrir despesas, e que foi aquela, a título pessoal (fiadora, claro), quem resolveu solicitar empréstimos a uma amiga, com os quais, foi resolvendo as situações com que se deparava.
24. Mais; a autora afirmou ter sido a própria quem tinha conseguido pagar à amiga o empréstimo efetuado.
25. Razão pela qual se entende concluir, face ao exposto, merecer todo este enquadramento, uma outra decisão: a de considerar o facto não provado como provado, conduzindo a outra decisão, inevitável, de ter a autora pago valores a mais, à ré, devendo esta, proceder à respetiva devolução de tudo o que foi pago a mais!
26. Foi, aliás, este o pedido peticionado em sede de PI.
27. O presente recurso incide também sobre matéria de direito, nomeadamente sobre a violação da norma contida no Artigo 615º-1-al. d) do CPC, que refere: “1 - É nula a sentença quando: (...) d) O juiz (...) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
Ora,
28. Em sede de petitório, a autora peticionou os seguintes pedidos:
“(...)”
29. Ou seja, foram formulados diversos pedidos, alguns deles em alternativa, requerendo a condenação da Ré, ao pagamento de determinado montante sob determinado título.
30. A Ré, por sua vez, contestou, impugnando os factos, requerendo a condenação da Autora por litigância de má-fé.
31. Ora, não se vislumbra, à luz de um contraditório aparentemente simples, a dedução de outros pedidos – nem pela Autora, nem pela Ré.
32. Não obstante, o Tribunal a quo conhece de questões que não poderia ter conhecido. Tal, consubstancia uma nulidade da sentença proferida que aqui se deduz, e cujo reconhecimento se requer.
33. Na realidade, considerando a causa de pedir e os pedidos formulados e deduzidos, que balizam a apreciação e a decisão, a verdade é que o Tribunal a quo profere e fixa matéria que não foi julgada nem decidida – e muito menos foi peticionada.
34. Vejamos então, alguns excertos da douta sentença, que demonstram e dão razão aos argumentos e fundamentos, pelos quais, aqui se requer a respetiva nulidade:
“(...) Ora, no presente caso, o contrato foi resolvido em 25 de Maio de 2016 e o imóvel apenas foi entregue à senhoria em 13 de fevereiro de 2017, ou seja, neste período a arrendatária é responsável pela indemnização prevista no artigo 1045º do C.C.
Uma vez que, nos termos do artigo 1087º do CC, dispunha de um mês para entregar o imóvel, constitui-se em mora a partir de 25 de Junho de 2016, considera-se a NSSP, Lda. responsável pela indemnização correspondente a um mês de renda e sete meses de renda elevada ao dobro, no total de €22.500,00 (...),
(...) E, verificando-se que valor depositado excede o valor das rendas devidas até à resolução do contrato, deve tal valor ser imputado no pagamento da indemnização prevista no artigo 1045º do CC.
Estamos, portanto, perante o pagamento de uma obrigação existente (correspondente à indemnização prevista no artigo 1045º do CC), ainda que não da responsabilidade da autora, pelo que não tem aplicação o artigo 476º.
O artigo 477º do CC prevê as situações em que o autor cumpre uma obrigação alheia porque julga que a dívida é sua e, nestes casos, apenas goza do direito de repetição se houver erro desculpável.”.
35. Ora, com todo o respeito, discorda-se da fundamentação invocada e alegada. Na realidade, não estamos perante o cumprimento de obrigações alheias, uma vez que foi a Autora, quem, a título pessoal e sabendo da sua qualidade de fiadora, solicitou empréstimos pessoais, a fim de pagar as dívidas da empresa – e foi o que fez!
36. Razão pela qual, não se reconhece a imputação de tal enquadramento, supra, bem como o invocado direito de repetição que a douta sentença profere.
37. Bem como, se rejeita e se releva o extravasar de pronúncia do Tribunal a quo, ao julgar uma questão que não lhe foi submetida:
· Havia lugar a uma indemnização, tal como prevista no artigo 1045º CC, a pagar pela empresa NSSP à Ré?
· É a empresa NSSP, responsável pelo pagamento de tal indemnização?
· Pagou a Autora tal indemnização com a ideia errónea de estar a pagar uma dívida sua?
38. Na realidade, não foram submetidas tais questões para apreciação do Tribunal a quo, nem a empresa NSSP é parte no presente processo.
39. Mais, não foram invocados factos que permitissem ao Tribunal a quo, concluir com segurança, da existência de um direito indemnizatório.
40. A passar tal conclusão, sem conceder, estar-se-ia a declarar o Direito sobre uma questão que nunca foi levantada pela Ré perante os tribunais nacionais; e muito menos, em tempo algum, intentou a Ré ação declarativa contra a empresa NSSP, para que esta fosse condenada a pagar àquela, a indemnização que agora, o Tribunal a quo, parece pretender afirmar.
41. Acresce, tal como consta dos factos provados e assentes (vide Facto Provado nº 10), a única ação que a ré intentou e que reclamava a tal indemnização com fundamento no nº 2 do artigo 1045º do CC, por força do mesmo contrato de arrendamento, foi contra a aqui recorrente e autora nos presentes autos – Diga-se que a autora foi absolvida, constituindo sobre tal matéria caso julgado.
42. Assim sendo, não nos parece aceitável que se possa concluir e fixar o direito à indemnização a favor de uma empresa que nem é parte nos presentes autos, cuja causa de pedir não foi deduzida e cujo pedido não foi formulado.
43. Aliás, tal conclusão prejudica o direito da Autora na ação, que viu, à luz desse argumento e fundamentos supra, negado o direito que reclamava.
44. Acresce, igualmente não se pode aceitar a imputação efetuada pelo Tribunal a quo, relativa aos montantes pagos a mais pela autora, afetando-os a uma suposta indemnização que esta não tem de pagar, nem o Tribunal de reconhecer ou declarar.
45. Dir-se-á ainda, a douta sentença proferida, viola igualmente, o disposto no artigo 580º do CPC, porquanto o Tribunal a quo, ao declarar um direito indemnizatório, e ao imputar o excesso de pagamentos a mais, efetuados pela autora à ré, à indemnização que resolveu fixar, eliminando com tal cálculo o direito reclamado nos presentes autos, pela autora, está, ao mesmo tempo, a apreciar questões que foram já julgadas e apreciadas.
46. Tanto os autos que correram seus termos no processo identificado em 10) dos Factos Provados, bem como o Acórdão que resultou do recurso que a recorrida, à data, interpôs, apreciaram e julgaram a natureza dos pagamentos efetuados a título de rendas em atraso, bem como a caução depositada no âmbito do PED, ocorrido entre as partes (as mesmas dos presentes autos) -cfr. Documento nº 2/Junto com a Petição Inicial.
47. Na realidade, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu o seguinte entendimento (fls. 37 e segs do documento 2/PI: “(...) A autora reclama, a título de rendas vencidas até à cessação da vigência do contrato, a quantia de € 7.500,00, respeitante às rendas vencidas nos meses de janeiro a maio de 2016, inclusive.
Ora, resulta do teor dos pontos 14 e 15 dos factos provados que entre janeiro e junho de 2016, a ré efetuou pagamentos, por conta da renda, no valor global de €2.550; e que desde 21.06.2016, efetuou ainda mais três pagamentos, num total de € 1.100,00. Nos termos do disposto no art.º 784, nº 1 do CC, estes pagamentos no valor global de €3.650,00 devem imputar-se primeiro nas rendas mais antigas, e depois nas mais recentes, o que significa que, totalizando as rendas em apreço a quantia global de €7.500 (€1.500 x 5), persistiu em dívida o valor de €3.850,00 (7.500,00-3.650,00). Ora, resultou igualmente provado que no âmbito do procedimento especial de despejo que conduziu à entrega do locado à autora, foi depositada, a título de caução, a quantia global de €8.875,00.
Nos termos do disposto no art.º 15-F nº 3 do NRAU, tal caução garante o pagamento das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao máximo correspondente a seis rendas.
Sendo este montante de valor muito superior ao das rendas em falta à data da resolução do contrato dos autos, e devendo o mesmo ser imputado, em primeiro lugar, nas rendas mais “antigas”, forçoso é concluir que nenhuma quantia se encontra por liquidar a este título.”.
48. Ou seja, tal matéria já fora apreciada naquelas sedes, estando vedada agora ao Tribunal a quo, a redefinição da natureza dos valores pagos a mais pela autora à ré.
49. Por outro, igualmente se verifica com tal douto entendimento, a violação de uma terceira norma que, contribui, para todo o normativo em crise, gerador da nulidade da sentença em crise.
50. Na realidade, dispõe o nº 3 do Artigo 15º-F/NRAU, que, com a oposição, “(...) deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e nos casos previstos nos nºs 3 e 4 do artigo 1083° do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas (...)”.
51. Pelo que, se afigura correto sublinhar que a natureza da caução a prestar no âmbito de um PED, é configurável para efeitos de pagamento de rendas, encargos ou despesas em atraso; mas não, para ser atribuído a eventuais indemnizações.
52. Ora, a sentença em crise, é nula, por violação das normas contidas no Artigo 615º-1-e) do CPC, bem como por violação do disposto no Artigo 580º/CPC, e ainda, por violação da norma contida no nº 3 do Artigo 15º-F do NRAU.
53. Assim sendo, face a todo o exposto, se requer a V. Exas. Venerandos Desembargadores, a apreciação dos argumentos e fundamentos constantes das presentes alegações de recurso, determinando a nulidade da douta Sentença em crise, e julgando procedentes os pedidos peticionados em sede de petição inicial, pela autora, e ora recorrente, condenando-se a ré e recorrida ao pagamento e devolução dos valores pagos a mais, tal como deduzidos e alegados nos presentes autos, com a atualização devida dos juros de mora à presente data.
54. Assim, se fará, a já costumada e esperada Justiça!
Foi apresentada alegação de resposta, em que a Ré-Apelada, além de criticar a extensão das conclusões, afirmando que lhe parece justificar-se aplicar o disposto no n.º 3 do art.º 639.º do CPC, se limita a reiterar a bondade da sentença recorrida, acrescentando que não se compreende o alegado vício de nulidade invocado no penúltimo parágrafo das chamadas “conclusões”, não se vislumbrando onde exista qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, nem qualquer obscuridade ou ambiguidade da mesma,  sentença que, aliás, prima pela sua clareza, pelo que bem andou em julgar a ação totalmente improcedente.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto (dando como provado o facto que foi considerado não provado);
2.ª) Se a sentença é nula, designadamente por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento (a de saber se o valor depositado a título de caução que excede o valor das rendas devidas até à resolução do contrato deve ser imputado no pagamento da indemnização prevista no art.º 1045.º do CC);
3.ª) Se a sentença, ao conhecer dessa questão, afronta o caso julgado do acórdão da Relação de Lisboa proferido na ação que a ora Ré intentou contra a ora Autora;
3.ª) Se a Ré está obrigada a pagar à Autora a quantia peticionada (estando a sentença errada ao imputar o valor depositado a título de caução que excede o valor das rendas devidas até à resolução do contrato ao pagamento da indemnização prevista no art.1045.º do CC).

Dos Factos

Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (aditámos o que se encontra entre parenteses retos, por estar plenamente provado – art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, 662.º, n.º 1, e 663.º, n.º 2, do CPC):
1. A Ré é proprietária de uma fração autónoma designada pelas letras “AV”, correspondente ao r/c loja frente do prédio urbano sito na Alameda …, … inscrita na matriz predial da União das Freguesias de Algés, Linda-a-Velha e Cruz Quebrada-Dafundo sob o artigo …, e que por contrato de 15 de julho de 2012, aquela deu, de arrendamento à sociedade comercial NSSP, Lda.
2. Por força do contrato supra, a Autora, sócia da NSSP, Lda., constituiu-se como fiadora no âmbito dos termos celebrados.
3. Foi convencionada a renda mensal de 1.500,00€.
4. A Ré promoveu a resolução do contrato de arrendamento mediante notificação efetuada em 25 de maio de 2016 por Agente de Execução, tendo a notificação sido concretizada na pessoa da Autora, TP.
5. Em 18-08-2016, a Ré deu entrada no Balcão Nacional do Arrendamento de um Procedimento Especial de Despejo visando a desocupação do local e a cobrança coerciva de rendas e demais encargos [estando indicado no requerimento de despejo que importavam em 8.875€ à data daquela comunicação], que correu termos sob o n.º …/… [(BNA) e n.º …/… do Juízo Local de Oeiras, Juiz 2 - conforme doc. 1 junto com a Contestação].
6. No âmbito do procedimento judicial de despejo, em 28-09-2016, a ali requerida, NSSP, Lda. [deduziu Oposição, que veio a ser julgada improcedente por sentença de 04-01-2017, conforme certidão junta com a Contestação como doc. 1, e] prestou caução, no valor de 8.926,00€.
7. O depósito foi realizado através da conta de PF, amigo da Autora, a quem esta pediu o dinheiro emprestado.
8. O locado foi entregue em 13-02-2017.
9. Por conta das rendas de janeiro a maio de 2016, no período entre janeiro e junho de 2016, a Autora realizou pagamentos parciais no total de 3.425,00€.
10. A Ré intentou ação contra a Autora, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no Juízo Local Cível de Oeiras – J1, sob o processo n.º …/…, peticionando a condenação da Autora no pagamento da quantia de 24.000,00€, a título de indemnização reclamada no n.º 2 do artigo 1045.º do Código Civil [peticionando inicialmente a quantia de 12.575,00€, dos quais 3.575,00€ de rendas vencidas e 9.000,00€ de indemnização nos termos do art.º 1045.º do CC, pedido que ampliou, pretendendo, além do mais, o pagamento da quantia de 17.953,00€ de rendas e indemnização nos termos do art.º 1045.º – cf. doc. 2 junto com a Petição Inicial].
11. A sentença proferida nesse processo, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa [cuja certidão foi junta com a Petição Inicial como doc. 2, aqui se dando por reproduzido o seu teor], transitado em julgado, julgou a ação totalmente improcedente e absolveu a Ré, TP, do pedido, por entender que a fiadora não podia ser responsabilizada pela indemnização prevista no art.º 1045.º do CC; e porque foi considerado que lhe era apenas imputável a responsabilidade pelo pagamento de rendas até à data da resolução do contrato de arrendamento, sendo que já se encontrava depositada como caução prestada pela arrendatária no PED quantia superior àquela responsabilidade.
12. O montante da caução é superior ao valor rendas devidas até à data da resolução do contrato.

Na sentença foi considerado não provado que:
1. A caução prestada no âmbito do PED foi paga pela Autora, na qualidade de fiadora.

Da modificação da decisão da matéria de facto

A Autora-Apelante defende que o facto que foi considerado não provado deverá ser dado como provado, invocando, em prol da sua pretensão, as declarações que prestou e o depoimento da testemunha TL, que resumiu nos seguintes termos: a Autora afirmou ser a própria quem se encontrava a fazer pagamentos a título pessoal, porquanto a empresa, de quem era fiadora, já não o poderia fazer; e ter sido ela quem pediu dinheiro emprestado para acorrer às dívidas que a empresa tinha, tendo sido a própria (e não a empresa) quem pagou o empréstimo da amiga; e que tal empresa não gerava lucros e estava impossibilitada de cumprir com as obrigações financeiras, nomeadamente pagar as rendas onde funcionava o cabeleireiro, razão pela qual teve de ser a Autora, a título pessoal, a providenciar alguns empréstimos para fazer face à dívida; a testemunha disse que emprestou dinheiro à Autora, a título pessoal.
Na motivação da decisão da matéria de facto foram tecidas, no que ora importa, as seguintes considerações:
“A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada da prova testemunhal e documental produzida nos autos, de acordo com regras da experiência comum e juízos de normalidade, bem como na posição processual assumida pelas partes, sempre à luz do princípio da prova livre ou da livre convicção que guiou o Tribunal no suporte da decisão de facto.
Concretizando:
(…) Quanto ao facto não provado, importa salientar que o que está em causa não é a origem do dinheiro utilizado para pagar a caução mas se o mesmo foi solicitado e entregue à autora na qualidade de fiadora do contrato de arrendamento ou enquanto sócia e representante da sociedade arrendatária.
A autora prestou declarações de parte, nas quais relatou que a sociedade arrendatária estava a passar dificuldades, pelo que alguns dos pagamentos realizados por conta das rendas em dívida foram feitos por si e concretamente o pagamento da caução do procedimento especial de despejo.
Esclareceu que para o efeito solicitou dinheiro emprestado a amigos, que já restituiu.
A testemunha TL, amiga da autora, confirmou que a mesma lhe solicitou um empréstimo para fazer face ao pagamento da caução, o que fez através da conta do marido, PF, directamente através da referência que aquela lhe forneceu.
Ora, da análise destes depoimentos não é possível concluir que ao solicitar o dinheiro emprestado, a autora agiu pessoalmente, na qualidade de fiadora e não como representante da sociedade arrendatária.
A confusão de patrimónios entre a sociedade e os respectivos sócios ou gerentes é comum no âmbito das pequenas e micro empresas, como seria a sociedade da autora, sendo muitas vezes de difícil percepção para os sócios quais os valores da sociedade e quais os seus, realizando amiúde pagamentos da responsabilidade da sociedade com dinheiro próprio, ou o inverso, utilizando dinheiro da sociedade para fazer face a responsabilidades próprias.
Porém, tais movimentos devem encontrar sempre justificação contabilística, carecendo de ser contabilizados como entradas ou saídas e com o respectivo fundamento. E, no caso, desconhece-se se este valor deu entrada nas contas da sociedade e em que termos, nomeadamente como empréstimo ou suprimento de sócio, ou como empréstimo de terceiro.
Ficou provado que foi a autora que solicitou a uma amiga dinheiro emprestado para fazer face à prestação da caução, porém não ficou claro que o tenha feito em nome pessoal, enquanto fiadora no contrato de arrendamento ou que o tenha em nome da sociedade, como sua sócia. Nem tal ficou demonstrado, nem transpareceu do depoimento da autora, que tal distinção (face à referida confusão de patrimónios) seja para si clara.
Foi também a autora que devolveu o dinheiro que pediu emprestado à amiga, porém desconhece-se igualmente se com dinheiro próprio, proveniente de rendimentos próprios (por exemplo de vencimentos auferidos ou recebimentos em actividade desenvolvida em nome individual) ou se com dinheiro da sociedade.
Não ficou assim demonstrado que tenha sido a autora, na qualidade de fiadora que prestou tal caução.
Pelo contrário, veja-se que, no procedimento especial de despejo é parte, na qualidade de requerida, apenas a arrendatária e não a fiadora, que não tem intervenção nesse procedimento. E a caução é prestada, nos termos do artigo 15º do NRAU, como pressuposto de admissão da oposição deduzida pela arrendatária (e não pela fiadora), pelo que a caução é prestada pela arrendatária, no caso, pela sociedade NSSP, Lda.
Assim, ainda que tenha sido provada a origem do valor para pagamento da caução, considera-se que os depoimentos prestados foram insuficientes para demonstrar que o pagamento foi feito pessoalmente pela autora, na qualidade de fiadora.”
Apreciando.
Foram ouvidos na íntegra neste Tribunal da Relação as declarações prestadas pela Autora e o depoimento da testemunha TL, sua amiga.
A alegação fáctica que ora releva não é tanto a proveniência do dinheiro, que se provou ter sido emprestado por uma amiga da Autora, a qual confirmou que o nome que figura na ordem de transferência que foi efetuada é o do seu marido (cf. ponto 7 do elenco dos factos provados), nisto se esgotando, aliás, a relevância probatória desse depoimento.
Ao contrário do que a Apelante defende, o facto de o empréstimo lhe ter sido feito, a título pessoal, não significa necessariamente que tenha sido ela, a título de fiadora, a pagar a caução, sendo certo que, mesmo que se tenha comprometido junto da sua amiga, a restituir a quantia emprestada, não há motivo para pensar que, ao efetuar o pagamento da caução devida no PED, estivesse a agir na qualidade de fiadora, considerando que nem sequer tinha sido demandada nesse procedimento, e sempre podia, naturalmente, pretender disponibilizar essa quantia à sociedade de que era sócia (com ou sem a intenção de vir a reaver desta sociedade um tal “financiamento”).
Das declarações prestadas pela Autora resulta muito claro que esta não quis (e não nos parece que fosse incapaz de o fazer, considerando ser licenciada em gestão de empresas, conforme resulta do acórdão proferido na ação que a ora Ré lhe moveu – doc. 2 junto com a PI) destrinçar devidamente a sua atuação “em nome pessoal” (ou por conta própria) da desenvolvida em representação da sociedade NSSP, Lda., tanto assim que logo começou por dizer que conhecia a Ré como sendo “a senhoria de um estabelecimento comercial que eu tive”, descurando que do estabelecimento comercial fazia parte o direito ao arrendamento da fração autónoma arrendada, como resulta inequívoco do contrato de arrendamento. Muito embora a Autora tenha dito, nas suas declarações, que quando pagava rendas ou a caução, era ela que o fazia, “a título pessoal”, não podemos deixar de constatar como isso difere do que antes foi alegado na Oposição deduzida no PED (proc. n.º …/…) pela sociedade NSSP de que era sócia, como se alcança do doc. 1 junto com a Contestação. Seja como for, é evidente que uma coisa são as rendas, obrigação de que se tinha constituída fiadora, outra coisa, bem diferente, é a caução no PED.
Em nosso entender, as afirmações feitas pela Autora mostram-se comprometidas com a tese em que estriba a sua pretensão, não se compreendendo que tenha esquecido nas suas declarações o facto de, além de fiadora, ser também sócia da sociedade arrendatária, como se isso fosse indiferente para o caso. De salientar que a própria comunicação atinente à resolução do contrato foi efetuada na sua pessoa (cf. ponto 4) e que a Autora subscreveu a procuração forense que a sociedade NSSP, Lda. juntou com a Oposição que deduziu no âmbito PED em 29-09-2016 (com a qual juntou comprovativo do pagamento da causação), conforme se verifica pela certidão que a Ré juntou aos autos com a sua Contestação (doc. 1), tudo apontando para que estivesse a agir nessa qualidade, e não na de fiadora.
Ainda quanto às suas declarações, a Autora, quando interpelada sobre o pagamento da caução, disse que o pagamento da mesma foi efetuado porque estava a ser solicitada a sua liquidação, dizendo ter sido a quantia emprestada que “me permitiu fazer a liquidação daquilo que me estava a ser solicitado, não é?” Tendo, logo de seguida, sido instada pela Sr.ª Juíza, nos seguintes termos Diga-me uma coisa. Este valor foi para este Processo, foi-lhe solicitado. Quem é que lhe deu conhecimento do valor que devia entregar?”, a Autora respondeu Então, foi uma carta, não é? Uma notificação, creio eu.” E quando, logo de imediato, a Sr.ª Juíza lhe perguntou Chegou-lhe esta carta, a senhora foi arranjar o dinheiro, é isso?”, respondeu a Apelante “E eu fui arranjar o dinheiro para fazer essa liquidação.”
Em face destas declarações, conjugadas com os documentos acima referidos, não vemos motivo para entender que a Autora estivesse, no que ao pagamento da caução concerne, a agir na qualidade de fiadora, antes se nos afigurando que atuou na qualidade de representante da sociedade NSSP, Lda., tanto assim que foi notificada do requerimento de despejo no PED, constituiu mandatário judicial e, por certo em conformidade com as instruções recebidas, mormente dos seus advogados (que lhe terão explicado que a oposição se teria por não deduzida se não fosse paga a caução), diligenciou pelo pagamento da caução por parte dessa sociedade.
A Autora, nas suas declarações, ainda afirmou que, apesar de ter sido comunicada a resolução do contrato em 2016, foram efetuados pagamentos porque havia “negociações para poder ficar com o imóvel”, deixando claro que havia todo o interesse em atrasar a entrega do locado, como, aliás, a oposição deduzida no PED bem evidencia (cf. doc. 1 junto com a Contestação), sendo aí afirmado que a (sociedade) requerida continuou a efetuar pagamentos da renda após ter sido comunicada a resolução do contrato (em maio de 2016) porque “é S/ intenção continuar a exercer a S/profissão no local arrendado, daí o investimento que fez no mesmo a nível de adaptação do espaço e que rondam os €38.806,07”.
Tudo ponderado, parece-nos que o pagamento da caução foi efetuado pela Autora, em representação da sociedade arrendatária, dado o interesse em que esta sociedade pudesse continuar a explorar o estabelecimento comercial (cabeleireiro) instalado no locado, fosse pela manutenção do contrato de arrendamento, conforme se almejava com a oposição deduzida, fosse tendo em vista uma eventual aquisição do imóvel.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso, mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto.

Da nulidade da sentença

Na fundamentação de direito da sentença, foram tecidas as seguintes considerações:
«A autora intentou a presente acção e fundamentou a sua pretensão na obrigação de restituição de valores pagos em excesso ou, subsidiariamente, no instituo do enriquecimento sem causa.
Ambas as formulações se reconduzem à verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa, traduzido no primeiro caso no pagamento do indevido, a que se referem os artigos 476º a 478º do CC; e no segundo caso, na verificação dos pressupostos gerais do artigo 473º do CC.
O pagamento do indevido pode ocorrer em três situações distintas: casos em que se cumpre uma obrigação objectivamente inexistente (artigo 476º); hipóteses de cumprimento de uma obrigação alheia, na convicção errónea de que se trata de dívida própria (artigo 477º) ou de que se está vinculado para com devedor a esse cumprimento (artigo 478º).
No caso, a autora alega ter procedido a um pagamento à ré, através da prestação da caução prevista no artigo 15º-F, n.º 3 do NRAU, que excedeu o valor das rendas pelas quais era responsável enquanto fiadora no contrato de arrendamento.
Decidiu-se no processo n.º …/… que a autora só era responsável pelas rendas vencidas até à resolução do contrato de arrendamento e não pela indemnização devida nos termos do artigo 1045º do CC e que, os valores já pagos e o valor da caução excediam tal montante.
Porém, os montantes assim apurados são insuficientes para se considerar liquidada a indemnização prevista no artigo 1045º do C.C.
O artigo 1045º do C.C. dispõe quanto à indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, e prescreve que:
“1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.”
O artigo 1087º, a este propósito, prescreve que: “A desocupação do locado, nos termos do artigo 1081.º, é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes”.
Ora, no presente caso, o contrato foi resolvido em 25 de Maio de 2016 e o imóvel apenas foi entregue à senhoria em 13 de Fevereiro de 2017, ou seja, neste período a arrendatária é responsável pela indemnização prevista no artigo 1045º do C.C.
Uma vez que, nos termos do artigo 1087º do CC, dispunha de um mês para entregar o imóvel, constituiu-se em mora a partir de 25 de Junho de 2016, considera-se a NSSP, Lda. responsável pela indemnização correspondente a um mês de renda e sete meses de renda elevada ao dobro, no total de €22.500,00.
Foi este valor que foi parcialmente liquidado através do valor da caução.
A caução tem o valor correspondente às rendas vencidas e pretende assegurar a realização de pagamentos que se encontrem em falta. Entendemos que estes valores em falta não têm que corresponder às rendas que à data da entrada do procedimento especial de despejo se encontravam em dívida, podendo abranger outras que se tenham entretanto vencido ou a indemnização devida nos termos do artigo 1045º do CC, referente ao período entre a resolução do contrato e a data da entrega do imóvel.
No caso, no dia 28.09.2016, foi prestada caução no montante de €8.926,00. Porém, àquela data, considerando os pagamentos parciais realizados entre Janeiro e Junho (facto provado n.º 9), o montante em divida referente a dívidas vencidas até Maio de 2016 (data da resolução do contrato) ascendia apenas a €4.075,00.
O valor da caução deve ser imputado, em primeiro lugar, no pagamento das rendas mais antigas, que no caso são apenas a renda parcial de Março e as rendas de Abril e Maio.
E, verificando-se que valor depositado excede o valor das rendas devidas até à resolução do contrato, deve tal valor ser imputado no pagamento da indemnização prevista no artigo 1045º do CC.
Estamos, portanto, perante o pagamento de uma obrigação existente (correspondente à indemnização prevista no artigo 1045º do CC), ainda que não da responsabilidade da autora, pelo que não tem aplicação o artigo 476º.
O artigo 477º do CC prevê as situações em que o autor cumpre uma obrigação alheia porque julga que a dívida é sua e, nestes casos, apenas goza do direito de repetição se houver erro desculpável.
No caso, a autora nada alega quanto ao à motivação para cumprimento da obrigação, não esclarece que considerava tratar-se de dívida sua, nem alega qualquer facto que permita considerar que houve erro desculpável.
Já o artigo 478º prevê as situações em que é cumprida uma obrigação alheia na convicção errónea de se estar obrigado para com o devedor a cumpri-la. Aqui o autor sabe que a dívida é não é sua mas julga ter obrigação de cumprir.
Nestes casos, não há direito de repetição mas apenas direito de agir contra o devedor exonerado.
No presente caso, ficou demonstrado que a obrigação satisfeita através do pagamento da caução não era integralmente da responsabilidade da autora. Porém, não ficou demonstrado que tenha sido a autora, pessoalmente, a proceder ao seu pagamento, ou seja, a cumprir a obrigação, prova que lhe cabia, nos termos do artigo 342º do C.C.
Veja-se, ainda, que mesmo que a autora tivesse logrado demonstrar que o pagamento foi realizado por si a título pessoal, não foram alegados, nem demonstrados factos passíveis de integrar os demais pressupostos subjacentes à repetição do indevido, previstos nos artigos 477º e 478º do CC, pelo que também não se verificava a obrigação de restituição com este fundamento.
Assim, resta concluir pela improcedência da acção, absolvendo-se a ré do pedido.»
A Apelante defende que, considerando a causa de pedir e os pedidos formulados e deduzidos, que balizam a apreciação e a decisão, o Tribunal a quo profere e fixa matéria que não foi julgada nem decidida, e muito menos foi peticionada.
Apreciando.
Conforme preceitua o art.º 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC, é nula a sentença quando:
“(…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Como é sabido, o estatuído na alínea d) deve ser conjugado com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, nos termos do qual “(O) juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Diga-se, ainda que, como é absolutamente pacífico, as questões a decidir não se confundem com os meros argumentos fáctico-jurídicos invocados pelas partes em defesa das teses que sustentam, sem olvidar que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. art.º 5.º, n.º 3, do CPC).
Já a alínea e) constitui um afloramento do princípio dispositivo, em particular do princípio do pedido consagrado no art.º 609.º, n.º 1, do CPC, nos termos do qual “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
Ao contrário do que a Apelante defende, não foram, em bom rigor, formulados pedidos alternativos, pelo menos nos termos do art.º 553.º do CPC; antes nos deparamos com um pedido principal (o pagamento da quantia de 6.400€) e um pedido acessório de juros, com aparentes causas de pedir subsidiárias. E dizemos “aparentes”, já que, na verdade, os factos em que se estriba a pretensão da Autora são os mesmos (há uma única causa de pedir), podendo, quanto muito, discutir-se o respetivo enquadramento jurídico. No entanto, sem prejuízo de maior desenvolvimento ulterior, parece-nos que o objeto do litígio se reconduz, conforme afirmado na sentença, à pretensão de restituição da quantia peticionada com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.
Tendo a Ré sido absolvida do pedido, é óbvio que a sentença não condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do que foi pedido, não se verificando esta causa de nulidade da sentença, sendo uma inaceitável deturpação da sentença afirmar, como faz a Apelante, que aí se decidiu “fixar o direito à indemnização a favor de uma empresa que nem é parte nos presentes autos, cuja causa de pedir não foi deduzida e cujo pedido não foi formulado”.
Quanto ao suposto conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, tão pouco nos parece que tal tenha razão de ser no tocante ao elenco dos factos que foram considerados provados na sentença, sendo certo que uma eventual discordância a esse nível haveria de ter sido suscitada em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, com a especificação dos concretos pontos de facto que, no entender da Apelante, deveriam ser eliminados, tendo em atenção que o Tribunal, na sua decisão, apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir (ou as exceções) alegados pelas partes, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art.º 5.º do CPC).
Quanto ao mais, a Apelante formula várias interrogações que parece qualificar como questões de que a sentença conheceu indevidamente. Porém, parece-nos que o Tribunal recorrido se limitou a apreciar se estavam verificados os requisitos do enriquecimento sem causa: tendo a Autora alegado, conforme consta da sua alegação de recurso, que a título pessoal e sabendo da sua qualidade de fiadora, solicitou empréstimos pessoais, a fim de pagar as dívidas da empresa”, o Tribunal limitou-se a apreciar (bem ou mal, é o que adiante se verá) se, efetivamente, assim era, isto é, se existiam dívidas da sociedade NSSP à Ré cujo pagamento tivesse sido efetuado pela Autora sem que fosse devido e, nessa medida, se lhe assistia o direito à restituição da quantia peticionada, apreciando se o caso configurava uma situação de pagamento do indevido ou outra passível de configurar um enriquecimento sem causa.
Como resulta bem claro da alegação de recurso, a Apelante, invocando a prova do facto visado pela sua impugnação da decisão da matéria de facto, discorda do enquadramento jurídico feito na sentença, considerando-o ofensivo do caso julgado material do acórdão proferido na ação em que a ora Autora foi demandada pela ora Ré e, além disso, errado.
Assim, não se está perante uma causa de nulidade da sentença, mas antes face a uma divergência quanto ao efeito do caso julgado da anterior sentença e à invocação de um (suposto) erro de julgamento, como se passa a apreciar.

Do caso julgado material

Defende a Autora-Apelante que, tendo sido absolvida do pedido na ação anteriormente intentada pela Ré, em que esta reclamava o pagamento de rendas e indemnização com fundamento no n.º 2 do art.º 1045.º do CC, não se podia, nos presentes autos, “concluir e fixar o direito à indemnização a favor de uma empresa que nem é aqui parte” e vir imputar a essa indemnização o montante pago a mais pela Autora à Ré.
Assim, quanto à questão concreta de saber se o valor depositado no âmbito do PED a título de caução que excede o valor das rendas deve ser imputado no pagamento da indemnização do art.º 1045.º do CC, impõe-se apreciar se a sentença recorrida desconsiderou o anteriormente decidido no acórdão transitado em julgado (cf. ponto 11), afrontando a autoridade do caso julgado. Isto é, se já foi decidida na primeira ação uma questão concreta que não possa ser entendida diversamente na presente ação, por constituir um pressuposto lógico a considerar no conhecimento da questão de fundo atinente à verificação dos requisitos do enriquecimento sem causa.
Vejamos.
Dispõe o art.º 619.º do CPC que “(T)ransitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.”  Preceitua ainda o art.º 621.º, 1.ª parte, do CPC, sobre o alcance do caso julgado, que “(A) sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)”. O que, obviamente, implica uma cuidadosa interpretação da sentença, em ordem a percecionar claramente que limites e termos são esses.
Vem sendo entendido que a força obrigatória do caso julgado material se desdobra numa dupla (ou até tripla, relacionada com o princípio da preclusão da defesa) eficácia:
- um efeito negativo - pela exceção dilatória, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação;
- e um efeito positivo - a autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito; verifica-se quando o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial da segunda ação.
Lembramos, a propósito, os ensinamentos de Rui Pinto, no artigo “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, publicado na Julgar Online, novembro de 2018, págs. 6-7, explicando o autor que:
“O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem.
O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior [8 Assim, TEIXEIRA DE SOUSA, O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual), BMJ 325, 159].
Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur.
Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão.
(…) Explicado de outro modo, enquanto com o efeito negativo um ato processual decisório anterior obsta a um ato processual decisório posterior, com o efeito positivo um ato processual decisório anterior determina (ou pode determinar) o sentido de um ato processual decisório posterior.
II. O efeito negativo tem por destinatário os tribunais e apresenta natureza processual. Traduz-se na exceção dilatória de caso julgado.
O efeito positivo tem por destinatário as partes e os tribunais e apresenta diversa natureza, em razão do objeto da decisão. Assim, nas decisões que têm por objeto a relação processual o efeito positivo é estritamente processual; já nas decisões sobre o mérito da causa o efeito positivo é material – a sentença é título bastante de efeitos materiais”.
Na jurisprudência, sobre esta matéria, veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ de 05-12-2017, proferido na Revista n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 - 1.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt
II - Ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (“autoridade do caso julgado”) e uma função negativa (“exceção do caso julgado”). 
III - A função positiva opera por via de “autoridade de caso julgado”, que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda – não possa voltar a ser discutida. 
IV - A função negativa opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações – contendo uma delas decisão já transitada em julgado – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. 
Situações há em que, não obstante esta tríplice identidade não ocorra, designadamente por não existir uma coincidência de pedidos, se impõe a dita autoridade ou efeito positivo do caso julgado, na medida em que a decisão da causa tem como pressuposto o julgamento feito numa anterior ação sobre determinada questão concreta. Assim, como se explica no acórdão da Relação de Évora de 06-04-2017, proferido no processo n.º 5416/16.8T8STB-B.E1, disponível em www.dgsi.pt: I. A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil, o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. II. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da identidade de sujeitos, de pedido e da causa de pedir, prevista no artigo 581º do Código de Processo Civil.
Não se olvida a problemática a respeito da extensão do caso julgado material, se abrange apenas a decisão final ou também os respetivos fundamentos, incluindo o raciocínio lógico que conduziu à mesma. Neste último sentido, veja-se, a título exemplificativo, o acórdão da Relação de Lisboa de 15-03-2011, no processo n.º 956/10.5TVLSB-B.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, em que se considerou que o caso julgado abrange a parte decisória da sentença ou despacho, bem como os fundamentos de facto e de direito pressupostos da parte dispositiva, funcionando como exceção dilatória, quando os objetos de ambos os processos coincidem integralmente, ou como autoridade, quando existe uma relação de dependência ou prejudicialidade entre os dois.
Parece-nos, contudo, que uma coisa é certa: não é possível retirar apenas da fundamentação (de facto e/ou de direito) de uma sentença um qualquer efeito negativo ou positivo, pois o caso julgado só se verifica em relação a questões suscitadas e apreciadas numa ação e que devam considerar-se abrangidas, ainda que de forma não expressa, nos precisos limites e termos em que julga. Daí que, como se decidiu no acórdão do STJ de 07-03-2017, proferido na Revista n.º 740/10.6TBPRG.G1.S1 - 2.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt:
“I - Em tese geral, o caso julgado forma-se sobre a decisão proferida na acção e não sobre os fundamentos de facto da decisão. 
II - Os fundamentos de facto, isto é, as decisões proferidas sobre as concretas questões de facto colocadas numa acção não valem por si mesmas, não são vinculativas quando desligadas da respectiva decisão; valem apenas enquanto fundamentos dessa decisão e em conjunto com ela. 
III - Se a decisão proferida numa acção não constitui caso julgado impeditivo da decisão de outra, a eventual contradição entre factos provados (e não provados) numa e noutra será irrelevante e, como tal, nunca legitimará a anulação do julgamento posterior para eliminação dessa incompatibilidade factual constatada entre processos diferentes.”
Na mesma linha, veja-se ainda, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 14-03-2017, na Revista n.º 3154/15.8T8PRT.S1- 1.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt:
(…)  II - A autoridade de caso julgado «tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica», pressupondo a vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda) não possa voltar a ser discutida.”
(…) IV - Não se verifica a autoridade do caso julgado se na primeira ação não se mostra decidida qualquer questão que possa modificar ou desaparecer o fundamento da segunda: (…)”
Transpondo estas considerações para o caso dos autos, começamos por salientar que, apesar da identidade de sujeitos processuais (Autora e Ré) e da existência de um leque de factos comuns - relacionados com o (in)cumprimento do aludido contrato de arrendamento -, a causa de pedir de ambas as ações é diferente, tendo o acórdão proferido na primeira ação confirmado a sentença da 1.ª instância, mas com diferente fundamentação, apreciando, no que agora importa, o mérito do pedido de condenação da aí ré a pagar à aí autora a quantia de 17.953,00 € a título de rendas e indemnização nos termos previstos no art.º 1045.º do Código Civil.
Nessa ação, que foi julgada improcedente, o Tribunal de 1.ª instância considerou que tendo a ré sido demandada na qualidade de fiadora, não respondia pelo pagamento da indemnização a que se reporta o art.º 1045.º, n.º 2, do CC, e que as rendas estavam pagas por força dos pagamentos parcelares que a inquilina foi efetuando, bem como através da caução prestada no âmbito do Procedimento Especial de Despejo que a aí autora havia instaurado. A Relação de Lisboa, no acórdão de 27-11-2018, concordou com a decisão de absolvição do aludido pedido de condenação, desenvolvendo, no que ora releva, a seguinte fundamentação de direito:
«Concordamos com a conclusão a que chegou a Mmª Juíza a quo, no que tange à indemnização referida no nº 2 do art.º 1045º do CC, mas cremos que no caso em apreço não podemos deixar de ter em conta também a indemnização a que se reporta o nº 1 do mesmo preceito, sendo certo que é nossa convicção que a chave para a dilucidação desta questão não reside na exegese do preceito legal em apreço, mas sim na interpretação da cláusula contratual nos termos da qual a ora ré se constituiu fiadora.
Na verdade, o caso relatado no ac. RL de 09-07-2009 (Ilídio Sacarrão Martins), p.  7762/04.4TBCSC-8, citado na decisão recorrida, reporta-se a uma situação em que a responsabilidade do fiador foi delimitada pelos outorgantes do contrato de arrendamento de forma muito ampla. Ali, o objeto da fiança era “tudo quanto venha a ser devido ao Primeiro Outorgante” (o senhorio).
(…) Já no caso dos autos o âmbito da fiança foi definido de forma mais precisa e restrita: ela garante “o cumprimento de todas as obrigações exigíveis enquanto durar o presente contrato, incluindo as suas renovações e modificações, sem limite de tempo, bem como as actualizações da renda sem necessidade de nova convenção, renunciando ao benefício de excussão prévia, assumindo solidariamente a obrigação do pagamento das rendas e da indemnização decorrente de eventuais prejuízos do locado”.
Como já se referiu, na interpretação da declaração negocial deve atender-se à vontade real do declaratário, se a mesma for conhecida (art.º 236º, nº 2 do CC); e não se conhecendo tal vontade, terá a declaração negocial de valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, exceto se não poder razoavelmente contar com aquele (n° 2 do mesmo preceito).
No caso vertente, nada se retira de útil da factualidade provada que permita apurar a vontade real da ré quando outorgou o contrato de arrendamento dos autos na qualidade de fiadora.
Assim sendo, resta-nos o critério interpretativo do declaratário normal.
Ora, face ao teor da cláusula nona do contrato dos autos, cremos que da mesma decorre claramente que a única obrigação abrangida pela fiança que perdura para além da cessação da vigência do contrato é a obrigação do pagamento da “indemnização de eventuais prejuízos do locado”.
E por “indemnização de eventuais prejuízos do locado” deveremos entender a que visa ressarcir o senhorio dos danos decorrentes de estragos ou outras formas de deterioração do locado imputáveis ao inquilino.
Nesta conformidade, concluímos que, face ao teor da citada cláusula contratual, a fiança prestada pela ré não garante o pagamento das indemnizações previstas no art.º 1045º, nºs 1 e 2 do CC, que consagram indemnizações pelo uso do locado após a cessação do contrato de arrendamento e pela mora na restituição do mesmo ao senhorio.
Aqui chegados, cumpre apenas determinar se se acham em falta quaisquer quantias a título de rendas vencidas na vigência do contrato, ou seja, respeitantes ao período decorrido até à data em que o mesmo cessou.
Conforme resulta do ponto 7. dos factos provados, a vigência do contrato de arrendamento dos autos cessou por resolução no dia 27-05-2016.
A autora reclama, a título de rendas vencidas até à cessação da vigência do contrato, a quantia de € 7.500,00, respeitante às rendas vencidas nos meses de janeiro a maio de 2016, inclusive.
Ora, resulta do teor dos pontos 14. e 15. dos factos provados que entre janeiro e junho de 2016, a ré efetuou pagamentos, por conta da renda, no valor global de €2.550; e que desde 21-06-2016 efetuou ainda mais três pagamentos, num total de €1.100,00. Nos termos do disposto no art.º 784º, nº 1 do CC, estes pagamentos, no valor global de € 3.650,00 devem imputar-se primeiro nas rendas mais antigas, e depois nas mais recentes, o que significa que, totalizando as rendas em apreço a quantia global de €7.500 (€1.500 x 5), persistiu em dívida o valor de €3.850,00 (7.5000,00 – 3.650,00).
Ora, resultou igualmente provado que no âmbito do procedimento especial de despejo que conduziu à entrega do locado à autora, foi depositada, a título de caução, a quantia global de €8.875,00. Nos termos do disposto no art.º 15º-F nº 3 do NRAU, tal caução garante o pagamento das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor de máximo correspondente a seis rendas.
Sendo este montante de valor muito superior ao das rendas em falta à data da resolução do contrato dos autos, e devendo o mesmo ser imputado, em primeiro lugar, nas rendas mais “antigas”, forçoso é concluir que nenhuma quantia se encontra por liquidar a este título.»
Portanto, o que ficou decidido, na primeira ação, e se impõe respeitar nos presentes autos é que a ora Autora não estava obrigada a pagar à ora Ré a quantia ali peticionada, uma vez que:
(i) quanto às rendas devidas (no valor global de 7.500€), uma parte estava paga (face aos pagamentos parciais no valor total de 3.650,00€) e o valor remanescente em dívida de 3.850 € podia ser considerado liquidado com parte do valor da caução prestada de 8.875,00 €;
(ii) quanto à indemnização do art.º 1045.º do CC não estava abrangida pelo objeto da fiança.
Nessa medida, há que reconhecer que, na presente ação, não tinha que se estar a indagar o valor dos pagamentos parciais e das rendas em dívida à data da resolução do contrato de arrendamento, pois tratava-se de questão que estava definitivamente decidida pelo acórdão de 27-11-2018, transitado em julgado.
Mas, note-se, foi a própria Autora quem veio, desconsiderando (em parte) o que estava decidido, alegar na sua Petição Inicial que a quantia das rendas em dívida à data da resolução do contrato de arrendamento era de 6.000€ e que a quantia que ficou regularizada através de parte da caução prestada no PED era de 2.475€, face ao total de pagamentos parcelares efetuados de 3.525€.
Portanto, temos que assumir – e assim o faremos – que o valor das rendas em dívida era de 3.850€ (e não 4.075€, como se entendeu na sentença recorrida). Mas, de resto, já não nos parece que a sentença tenha contrariado a autoridade do caso julgado do aludido acórdão. Com efeito, a Relação de Lisboa não se pronunciou (nem tinha que se pronunciar) sobre o “destino” a dar ao restante valor da caução. E, defendendo a Autora, na presente ação, que a Ré tinha que lhe pagar o valor da caução que excedia o das rendas devidas, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, o Tribunal a quo limitou-se a apreciar (resta saber se bem) se estavam verificados tais pressupostos, tendo considerado, além do mais, que tal quantia se podia destinar à satisfação do valor da indemnização prevista no art.º 1045.º do CC, afirmando claramente que a mesma não era devida pela Autora, enquanto fiadora, conforme havia sido decidido pela Relação de Lisboa.
Assim, procedem apenas em parte as conclusões da alegação de recurso, havendo que indagar, face ao valor da caução que, nos presentes autos, se provou ter sido prestada, deduzido do valor de 3.850€ de rendas que foram consideradas satisfeitas por via da caução, se estão verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa.

Da obrigação de pagamento da quantia peticionada

A Apelante defende, em síntese, estar errada a imputação feita pelo Tribunal a quo, do montante remanescente da caução (alegadamente) pago pela Autora (como fiadora), afetando-o a uma suposta indemnização que esta não tem de pagar, até porque, de harmonia com o disposto no art.º 15.º-F, n.º 3, do NRAU, a caução apenas pode servir para efeitos de pagamento de rendas, encargos ou despesas em atraso.
Vejamos.
Tal como entendeu o Tribunal a quo, o pedido e a causa de pedir invocados pela Apelante, juridicamente enquadrados apenas justificam convocar a figura do enriquecimento sem causa, consagrado nos artigos 473.º a 482.º do CC.
Sem embargo das situações especificamente consideradas na lei (cf. artigos 476.º a 478.º), importa que tenhamos presentes os requisitos gerais de que depende a obrigação de restituir fundada nesse instituto, lembrando as palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, págs. 454-456:
“A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento.
O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista. Umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do activo patrimonial (…); outras numa diminuição do passivo (…); outras, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária (…); outras, ainda, na poupança de despesas (…);
b) A obrigação de restituir pressupõe, em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido. (…)
c) A obrigação de restituir pressupõe, finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. Ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponde o empobrecimento de outra.”
A jurisprudência vem reconhecendo a necessidade de verificação destes requisitos, destacando-se, a título meramente exemplificativo, os acórdãos do STJ de:
- 07-11-2017, na revista n.º 2140/12.4TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt, de que citamos parte do respetivo sumário:
“I - O enriquecimento sem causa pressupõe que ocorra um enriquecimento (i.e. a obtenção de uma vantagem de cariz patrimonial), que este seja desprovido de causa justificativa (porque nunca a teve, por não se ter verificado o escopo pretendido ou, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido, devido à supressão posterior desse fundamento) e que o mesmo haja sido obtido à custa de quem requer a restituição. O enriquecimento reputa-se sem causa quando o Direito não o aprove ou não consinta por inexistir uma relação ou um facto apto a justificar a deslocação patrimonial.
II - A obrigação de restituir tem como objeto a medida do enriquecimento, a qual corresponderá à diferença entre a situação real e atual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada.”
- 29-01-2014, na revista n.º 3354/05.9TBAGD.C2.S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt:
“II - Pode formular-se para o caso de improcedência do pedido principal de restituição de uma quantia com fundamento na nulidade do mútuo o subsidiário de restituição de uma dada importância fundamentada no enriquecimento sem causa, instituto de cariz subsidiário. 
(…) IV - O requisito da «ausência de causa no enriquecimento» perfila-se como constitutivo do direito do autor que terá de o alegar e provar, a isto não obstando a circunstância de estarmos perante um facto negativo. 
V - O instituto do «enriquecimento sem causa» não visa reparar o dano sofrido pelo lesado (que é o escopo da responsabilidade civil) mas apenas o de eliminar o enriquecimento que o beneficiado obteve à custa deste; e tal enriquecimento corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada.”
No caso dos autos, atentando no elenco dos factos provados, inalterado face à improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto, já se vê que a pretensão da Autora-Apelante não poderá assentar no facto, que invocou, atinente ao pagamento da caução ter sido efetuado por si, na qualidade de fiadora.
Por isso, qualquer consideração adicional que se possa fazer será sempre tendo em conta, apenas e só, que a caução, no âmbito do PED (em que, apesar do pedido de pagamento de rendas, a Autora não foi, nem podia ter sido demandada – cf. art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 07-01) foi paga (naturalmente nos termos do art.º 10.º da Portaria n.º 9/2013, de 10-01) mediante depósito realizado através da conta de PF, amigo da Autora, a quem esta pediu o dinheiro emprestado.
Ora, não resulta absolutamente claro do elenco dos factos provados se o empréstimo foi concedido à Autora, a título pessoal (e tão pouco está provado que a própria Autora tenha restituído ao mutuante a quantia assim emprestada), razão pela qual não é sequer seguro afirmar que aquela tenha suportado um determinado sacrifício patrimonial.
Mas podemos prosseguir a nossa análise, admitindo que o empréstimo foi contraído pela Autora, a título pessoal, e que esta usou o dinheiro em benefício da sociedade de que era sócia, efetuando o pagamento da caução que era devida para que a oposição pudesse ser deduzida (cf. art.º 15.º-F, n.º 4, da Lei n.º 6/2006).
A essa luz, e ante os factos provados, este (suposto) empobrecimento da Autora apenas implicou um correlativo enriquecimento da sociedade de que era sócia, na medida em que a mesma viu ser paga a caução devida no âmbito do PED em que era demandada, considerando a oposição que aí deduziu.
Na verdade, não decorre dos factos provados - em particular, do teor da sentença proferida na ação/oposição que, no âmbito do PED, correu termos no Juízo Local de Oeiras - qual o destino dado ou a dar ao montante remanescente da caução ora em apreço (isto é, descontado o que foi imputado ao pagamento das rendas devido pela Autora na qualidade de fiadora) que ficou depositado à ordem daquele Tribunal, sendo, a nosso ver, incorreto (e nisto não acompanhamos a sentença recorrida) estar a assumir que tal importância serviu para pagar a indemnização que pudesse ser devida pela arrendatária nos termos do art.º 1045.º do CC, tanto mais que nas duas sentenças anteriormente proferidas (tanto no âmbito do PED, como na ação já finda que opôs as partes) nada consta a esse respeito. Aliás, nem sequer foi condenada a sociedade requerida no PED no pagamento de tal indemnização, apesar de ter sido reclamada no requerimento de despejo (“com pedido de pagamento de rendas em atraso, encargos ou despesas”), e não sabemos se lhe foi exigida em outra ação (declarativa ou executiva).
De salientar ainda, que, em nosso entender, só ao Tribunal à ordem do qual o depósito foi efetuado competia decidir qual o destino a dar ao mesmo, nada permitindo assumir, nos presentes autos, seja o que for quanto ao destino dessa verba, designadamente que a sociedade requerida no PED não pode reaver essa importância ou que a mesma foi entregue à senhoria, a qual, nessa medida, teria enriquecido, muito menos, nesta última hipótese, que um (eventual) enriquecimento esteja desprovido de causa justificativa.
Em suma, não se pode considerar que a Ré esteja obrigada a restituir à Autora uma importância (correspondente ao valor da caução que excede o das rendas devidas) quando não ficou provado (i) ter sido paga pela Autora na qualidade de fiadora (apenas se podendo entender que foi paga pela sociedade de que era sócia) e, sobretudo, (ii) ter a parte que excede o valor das rendas sido recebida pela Ré (na qualidade de senhoria). Portanto, não se identifica uma efetiva deslocação patrimonial geradora do enriquecimento da Ré à custa da Autora.
De qualquer modo, a ter sido recebida pela Ré a importância remanescente da caução (ou seja, a parte que excede o montante que foi, por acórdão transitado em julgado, imputado às rendas em dívida), faltaria ainda demonstrar que tal deslocação patrimonial carecia de causa justificativa.
Os factos provados apenas consentem a conclusão de que a Autora cumpriu voluntariamente uma obrigação alheia, da sociedade de que era sócia, pelo que poderá, se assim o entender, reclamar dessa sociedade a restituição a que se julga com direito.
Tudo ponderado, improcedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual não pode deixar de ser negado provimento.

Vencida a Autora-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

***

III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.
Mais se decide condenar a Autora-Apelante no pagamento das custas do recurso.

D.N.

Lisboa, 11-05-2023
Laurinda Gemas
Arlindo Crua
António Moreira