Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2724/23.5T8PDL.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO DESPORTIVA
VALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. O contrato de representação ou de intermediação desportiva deve ser outorgado por empresário desportivo registado na Federação correspondente à modalidade a que respeita o contrato.
II. Tal registo deve reportar-se ao momento da celebração do contrato representação ou de intermediação desportiva, bem como perdurar durante todo o tempo de execução deste, sob pena de nulidade.
III. Na matéria importa não confundir o tempo de execução do contrato de representação ou de intermediação desportiva com as condições de pagamento do serviço que integra tal contrato.
IV. Do mesmo modo, cumpre não confundir a duração do contrato de intermediação desportiva e a duração do contrato de trabalho desportivo
V. O contrato de representação desportiva é válido e eficaz mesmo que consigne um período de vigência superior a dois anos desde que a prestação do representante desportivo ocorra integralmente no período de dois anos.
VI. A falta de envio do contrato de representação ou de intermediação desportiva à FPF e à LPFP, com o seu subsequente depósito naquelas entidades, não invalida o referido contrato, tendo apenas efeitos sancionatórios, a considerar por tais entidades.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
A A., A …, LDA, intentou processo comum de declaração contra a R., B …, SAD., pedindo que esta seja condenada a pagar à A. a quantia de €5.800,00.
Como fundamento do seu pedido, a A. alegou, em suma, que se dedica à atividade de intermediação desportiva em Portugal, ao passo que a R. é uma sociedade anónima desportiva que tem como objeto social a participação nas competições profissionais de futebol.
Referiu também que no exercício daquelas atividades sociais, em 01.07.2018 as partes celebraram entre si um contrato de intermediação desportiva, relativamente ao jogador C …, sendo que nos termos de tal contrato a R. ainda não pagou à A. a quantia de €5.800,00, com IVA incluído.
A R. contestou, arguindo a nulidade do referido contrato, (i) por o tempo de duração deste exceder o legalmente prescrito, (ii) por falta de habilitação da A. para representar a R., (iii) por não ter sido feita a via destinada à LPFP, (iv) por não ter sido depositada a via destinada à FPF, (v) por o contrato não conter o número de registo do intermediário e (vi) por conter a cláusula de confidencialidade.  
Alegou também que o montante peticionado pela A. não corresponde a qualquer serviço prestado por esta, estando vedado ao clube de futebol ceder a terceiras entidades direitos económicos pertencentes àquele, sendo que o direito de remuneração do A. estava dependente da sua válida matrícula, registo e cadastro junto dos organismos de futebol profissional para todo o período de duração do contrato, o que não sucedeu, o que tudo acarreta a invalidade do contrato celebrado pelas partes e em causa nestes autos.
A R. referiu igualmente que a remuneração excede os limites legais pelo que, no limite, haveria de ser reduzida.
Nestes termos, concluiu pela improcedência da ação.
A A. pronunciou-se quanto à contestação, pedindo a improcedências das exceções invocadas pela R.
As partes juntaram diversos documentos.
O Tribunal solicitou diversos elementos à FPF e à LPFP.
Juntos elementos por aquelas entidades, o Tribunal entendeu estar habilitado a proferir saneador-sentença e notificou as partes para apresentarem as respetivas alegações, o que a A. fez, concluindo como na petição inicial.
Em 02.05.2024 o Juízo Local Cível de Ponta Delgada proferiu sentença que decidiu:
«Condenar a Ré (…) a pagar à Autora (…) a quantia de €5.000,00 [cinco mil euros], acrescida de IVA, à taxa legal em vigor na Região Autónoma dos Açores, contra a simultânea apresentação/entrega por esta da correspondente factura».
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a R., tendo apresentado as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida em 02.05.2024, a qual julgou a presente ação procedente, condenando a Ré no pagamento do valor de €5.800,00, contra a simultânea apresentação/entrega da factura correspetiva.
B. Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento espelhado na sentença em crise, certo é que a Recorrente não se pode conformar com tal sufrágio e entende que a decisão em apreço incorreu em erro de julgamento e concomitante violação de lei.
C. Com efeito, entende modestamente a Recorrente que houve errada apreciação e interpretação do direito aplicável, sendo que a remuneração peticionada não é legalmente devida, até porque sempre seria nula/anulável (por ofensa de lei) a disposição do contrato que obrigaria ao pagamento à Autora.
D. Note-se que o alegado direito de remuneração contratual em disputa emerge de facto que respeita à época desportiva 2020/2021, sendo que dos factos provados nem sequer consta que a Recorrida estivesse legalmente inscrita e matriculada junto da F.P.F. para exercer a sua atividade, como conditio sine qua non,
E. Ou seja, o Tribunal errou, pois que não cuidou de saber se a Recorrida dispunha da necessária e pressuposta competência/qualidade de intermediário registado na F.P.F., para todo o período de execução do contrato, em particular para este interregno temporal, tal como a Ré em sede de contestação assinalou.
F. Da leitura conjugada dos artigos 4.º. 5.º e 6.º do Regulamento de Intermediários da F.P.F. (cf. Comunicado Oficial n.º 310, de 01.04.2015, da Direção da F.P.F.) resulta inequívoco que para a legislação desportiva que regula privativamente tal matéria, os contratos de intermediação, para granjearem validade legal, devem ser realizados unicamente com intermediários registados e apenas estes dispõem dos devidos poderes e faculdades de exercício reconhecidos, e naturalmente que para toda a duração do contrato em causa.
G. Ora, não tendo cumprido a Recorrida com tal condição fundamental e essencial - sendo que reclama remuneração por tal período (época desportiva 2020/2021), por razões atinentes exclusivamente a si, que apenas a esta responsabilizam, nunca poderá reclamar validade e eficácia a tal instrumento contratual, ao menos, para efeitos de remuneração.
H. Sendo que a lei não poderia ser mais impressiva e clara quanto a tal aspeto, quando se menciona perifrasticamente que “(…) o dever de pagamento apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor” – cf. n.º 3 do artigo 38.º do diploma referenciado).
I. Destarte, com fundamento na violação dos preceitos normativos citados, deve ser conhecida e julgada a nulidade do presente contrato de intermediação desportiva, e assim se determinando, rejeitar-se qualquer direito da Autora à remuneração contratual, assim se absolvendo a Ré do pedido contra si formulado.
J. No que concretamente respeita ao contrato de representação, o mesmo foi elaborado para usufruir de uma vigência entre 01.07.2018 a 30.06.2021 (cf. artigo 38.º, n.º 4, da Lei n.º 54/2017, i.e., insuscetível inclusivamente de renovação automática (cf. n.º 5 do artigo 38.º da citada lei), 
K. E na prática, a Recorrida forçou a sobrevigência de um contrato de intermediação desportiva depois do seu término (após a ultrapassagem do período máximo legal) - pois mesmo após esse término, o referido contrato continuaria a produzir efeitos e a garantir um direito de remuneração àquela, em manifesta violação de inciso normativo injuntivo.
L. Sendo que a lei não poderia ser mais impressiva e clara quanto a tal aspeto, quando se menciona perifrasticamente que “(…) o dever de pagamento apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor” – cf. n.º 3 do artigo 38.º do diploma referenciado).
M. Nos termos do preconizado no artigo 5., n.º 1, do Regulamento de Intermediários - Comunicado Oficial n.º 310, de 01.04.2015 da F.P.F., “O jogador e o clube podem contratar os serviços de um Intermediário quando negoceiem e celebrem contratos de trabalho desportivo ou contratos de transferência, incluindo eventuais alterações ou renovações”.
N. Ou seja, e neste sentido, o dispositivo normativo doméstico está perfeitamente alinhado com os normativos FIFA sobre intermediação desportiva; ou seja, o intermediário apenas pode patrocinar uma das partes na relação contratual (jogador ou clube), assim como os seus serviços apenas se podem destinar à (i) contratação de um atleta e eventuais alterações/renovações desse contrato de trabalho ou (ii) negociação de transferência do atleta (definitiva ou temporária).
O. No caso presente, a Recorrida veio a impor à Ré no clausulado por si unilateralmente redigido, uma sucessão de pagamentos (ilegais) devidos por força da manutenção da relação laboral com o atleta em causa, quando na verdade os seus serviços contratados foram-no apenas para a contratação do jogador, não tendo havido qualquer prorrogação/alteração contratual no decurso das várias épocas desportivas seguintes.
P. Ou seja, não tendo a Recorrida efetuado qualquer serviço de intermediação desportiva relacionado com a renovação/alteração contratual do contrato de trabalho desportivo do atleta, fatalmente que está em falta o pressuposto legal do seu direito de remuneração por tais circunstâncias, que está em violação de lei imperativa.
Q. Pelo que, legalmente, apenas lhe pode ser devido, em tese, o pagamento pela representação aquando da contratação do atleta em causa (e até ao termo do contrato – 30.06.2020 – termo legal improrrogável do contrato de intermediação desportiva), e não como pretende a Recorrida e o Tribunal a quo acedeu, constituindo essa a sua causa de pedir,
R. Não lhe sendo assim legalmente devido quantias associadas à manutenção do contrato de trabalho desportivo do atleta, exatamente porquanto nenhum serviço, desde logo, foi prestado quanto a tal facto ou resultado circunstancial – que aliás, a lei não prevê como fundamento do direito de remuneração do intermediário, como é bom de ver (exceto, claro está, se tiver efetivamente tido ativa participação e intervenção na referida (se a tivesse havido) prorrogação do contrato – o que não existiu.
S. Note-se até a este propósito que o pagamento pelo clube futebol (no caso, a Recorrente) ao intermediário desportivo (no caso, a Recorrida) de quaisquer quantias sem esse nexo de causalidade legal, sempre importaria uma camuflada e indireta cessão de direitos económicos sobre o atleta a entidades terceiras – prática expressa e veementemente proibida, que ofende direta e materialmente o conteúdo dos artigos 18bis e 18ter do Regulamento do Estatuto e Transferência dos Jogadores (FIFA).
T. Caso fosse atendível a pretensão da Recorrida pagamento das quantias reclamadas por esta e relacionadas exclusivamente com a permanência do atleta ao serviço do clube (para mais fora do
período de vigência do contrato de intermediação desportiva – 31.08.2020), então tal colide frontalmente com a regra pública citada, fulminando de ilegal o conteúdo do alegado contrato de representação desportiva.
U. De outro ângulo, se a remuneração do intermediário desportivo (tendo na sua génese um contrato de prestação de serviços) pressupõe que este preste necessariamente um serviço [concreto e tangível], qualquer remuneração só pode advir desse serviço prestado,
V. Então não se pode admitir qualquer direito a perceber uma remuneração depois de 31.08.2020 dado que nenhum serviço pode ter sido, desde logo, prestado, - o contrato está findo desde 30.06.2020, não produzindo mais quaisquer efeitos.
W. Designadamente, a continuidade ou não do atleta ao serviço da Recorrente após 31.08.2020 nunca esteve dependente (não podia) de qualquer atividade prosseguida pela Recorrida, donde também aqui incorreu a sentença em erro de julgamento.
X. Deste modo, a continuidade do atleta ao serviço da aqui Recorrente após 31.08.2020 não procedeu de qualquer atividade ou serviço da Recorrida, até porque tal permanência resulta automática do cumprimento do contrato de trabalho desportivo, não tendo sido a intermediária desportiva a garantir tal resultado – por nenhuma ação sua.
Y. Acresce ainda a existência de uma multiplicidade de outros motivos que determinam a irregularidade e invalidade formal e substantiva do contrato de representação sub iudicio, e que, como tal, obstam à procedência do pedido, os quais não foram devidamente atendidos pela sentença recorrida.
Z. O contrato de representação ou intermediação é definido pelo o n.º 1 do artigo 38.º da citada Lei, como sendo um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e, nomeadamente, uma entidade empregadora desportiva. Impõe o n.º 2 do mesmo artigo, além do mais, que no seu clausulado seja “definido com clareza o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe será devida”.
AA. O reconhecimento desta premissa legal importa desde logo que a quantia abonada ao “empresário desportivo” será devida a título de remuneração pelo serviço concreto prestado, o que no caso reconduz à contratação do atleta e não a qualquer negociação de renovação/alteração contratual (que não existiram), que essas sim podiam desencadear outro direito remuneratório adicional/acrescido/autónomo, mas nada disto se passou – donde resulta a clamorosa nulidade de tal clausulado contratual.
BB. Determinando taxativamente a lei a forma de atuação do intermediário desportivo, fixando a sua remuneração em função de típicos negócios concretizados: (i) contratação de atleta, (ii) renovação do contrato de trabalho desportivo, (iii) cedência dos direitos do atleta – económicos e federativos (definitiva ou temporária), não está deferida ao intermediário a faculdade de remuneração por qualquer outra causa – designadamente porque o contrato de trabalho desportivo do atleta se mantém em execução/vigor durante o período da sua normal vigência!
CC. Ora, esta própria cláusula (remuneração adicional e crescente do intermediário em função da permanência do atleta dentro da duração inicial do contrato de trabalho celebrado) que constitui a causa de pedir dos presentes autos é absolutamente nula, dado que nenhum serviço é prestado pelo intermediário desportivo para que o contrato de trabalho do atleta seja mantido durante o período normal da sua vigência, como é lógico.
DD. Por outro lado, ainda, são diversas as desconformidades substantivas, formais e procedimentais do contrato do qual emergem os direitos da Requerente, quando analisado à luz do artigo 9.º do Regulamento da FPF, incorretamente desatendidas pelo tribunal a quo.
EE. E não custa advertir que vale aqui a inadmissibilidade da tese de consagração implícita de elementos essenciais (isto é, identitários ou que constituem a essência do contrato): conforme resulta do n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento, pois que estes elementos sempre “constam expressamente do contrato de representação”.
FF. Segue-se a falta de previsão, independentemente do enunciado adotado, da habilitação, pelo clube, do intermediário para o representar, quer se entenda que está em causa uma representação em sentido próprio (artigo 258.º do Cód. Civil), quer se entenda que se trata de uma “representação de interesses” – cf., por exemplo, os artigos 4.º, 5.º, n.º 2, e 9.º (epigrafado de contrato de representação), n.ºs 1, 2, proémio, 3 e 4, do Regulamento da FPF.
GG. Adiciona-se ainda outro argumento que conduz à ilegalidade do contrato, pois não terão sido feitas as vias exigidas, uma destinada à Liga Portuguesa de Futebol Profissional (artigo 9.º, n.º 2,
proémio, do Regulamento da FPF). A terceira via, destinada à Federação Portuguesa de Futebol também não terá sido depositada nesta federação pelo intermediário, aqui Recorrida, como imposto pelo n.º 3 do artigo 9.º do Regulamento.
HH. Igualmente, o contrato dos autos não conterá o número de registo de intermediário (artigo 9.º, n.º 2, al. a), do Regulamento da FPF), não se podendo confundir o seu representante legal, necessariamente também intermediário (artigo 7.º n.º 4, do RIFPF), com o intermediário interveniente no contrato.
II. Ainda o contrato padece de frontal nulidade porque a cláusula quarta, sempre por exigência da Recorrida, obrigará as partes a manter total confidencialidade com o seu conteúdo, quando é exigência imperativa que seja dada a devida publicidade daquele, desde logo pelo depósito junto dos organismos competentes.
JJ. Na verdade, são obrigatoriamente comunicados à FPF e à LPFP (artigo 9.º, n.º 2, do Regulamento da FPF), devendo ser depositados junto daquela entidade (artigo 9.º, n.º 3), que divulga a posteriori alguns dos seus elementos essenciais (artigo 10.º, n.º 7,), sendo que é da sua natureza, considerando o seu escopo essencial – a representação (de interesses) –, a possibilidade de revelação a terceiros, em ordem a justificar os poderes representativos do intermediário, e a sua revelação no contexto da celebração do contrato visado (artigo 10.º, n.º 4).
KK. Neste conspecto, e em face da aparelhagem jurídica já citada, o contrato datado de 01.07.2018 (cuja duração excedeu o tempo máximo legalmente preceituado – cujo termo ocorreu, improrrogavelmente em 30.06.2020) celebrado pelas partes, mostra-se nulo e insuscetível de ser cumprido, por razões unicamente atinentes à Autora – cf. elucidativo n.º 3 do artigo 38.º da Lei n.º 54/2017.
LL. Por fim, e tendo presente que o contrato expressamente prevê a aplicabilidade direta das prescrições legais FIFA (cf. cláusula 6.ª), então sempre será de concluir, subsidiariamente, que a remuneração fixada no contrato excede os limites legais (3% sobre a remuneração bruta) consignados na cláusula 7.ª, n.º 3, alínea b) - Regulations on Working with Intermediaries, tendo por referência a retribuição anual ilíquida do atleta - €67.321,60 (época desportiva 2020/2021), ou mesmo os 5% fixados no artigo 11.º, número 3, alínea b), do Regulamento dos Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol,
MM. Pelo que não se pode acompanhar o veredicto da decisão recorrida quando admite que tais disposições podem afinal ser afastadas pelas partes, quando do contrato resultou automaticamente prevista a subordinação daquele (cláusula 6.ª) às prescrições da FIFA,
NN. Pois que foram as próprias partes, no instrumento contratual, que sujeitaram expressamente a disciplina e economia do contrato a tais normações de valor superior – no caso – regras e regulamentos internacionais – FIFA, pelo que também quedou violado o próprio artigo 405.º do CC., donde sempre se imporia, no limite, a sua oficiosa redução, o que se requer.
OO. Termos em que, também com base nestes fundamentos, devia a sentença recorrida ter considerado nulo/anulável (por ofensa de lei) o presente contrato de representação/intermediação desportiva celebrado em 01.07.2018 e apenas válido até 30.06.2020 – data em que caducou automaticamente, sem possibilidade de prorrogação,
PP. E em consequência ter determinado a absolvição da aqui Recorrente, por violação, inter alia, dos artigos 36.º. n.º 1, 37.º. n.ºs 1 e 3, 38.º, n.ºs 1, 2 e 4, e 39.º da Lei n.º 54/2017, com a cominação plasmada no artigo 42.º desse diploma, e bem assim, dos artigos 405.º, 801.º, n.º 1, do CC, artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), 4.º, 6.º, n.ºs 1 e 2, 9.º, n.º 2, alínea b) e d), e n.º 3, do Regulamento de  Intermediários da F.P.F, e cláusula 7.ª, n.º 3, alínea b) - Regulations on Working with Intermediaries (FIFA), pelo que não se poderá manter na ordem jurídica.
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto amparo de V. Exa., requer-se que seja admitido o presente recurso e a final conceder-lhe integral provimento, com a consequente revogação da sentença recorrida, com todas as legais consequências, com o que se fará a devida e costumeira JUSTIÇA!
A R contra-alegou, sustentando a manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela A./Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a dilucidar, nos presentes autos está em causa apreciar e decidir tão só da validade e eficácia do contrato celebrado entre as partes e em causa nos autos.
Assim.
III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O Tribunal recorrido deu como verificados os seguintes factos, os quais não foram impugnados pelas partes e, por isso, se têm aqui por provados:
1. Em 01 de julho de 2018, Autora e Ré subscreveram o escrito particular denominado de «Contrato de Representação», de fls. 7-8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde, entre o demais, se lê o seguinte:
«Cláusula Primeira[1]
1. O presente Contrato de Intermediação terá início em 01/07/2018 e termo em 30/06/2021.
2. A INTERMEDIÁRIA representará o CLUBE com vista à realização do Contrato de Trabalho desportivo com o JOGADOR, válido para as épocas desportivas de 2018/2019, 2019/2020 e 2020/2021.
Cláusula Segunda
Caso o contrato de trabalho desportivo com o JOGADOR se venha a efetivar, em virtude dos serviços prestados pela INTERMEDIÁRIA nos termos supra descritos, o CLUBE pagará a esta ou a quem ela indicar, as seguintes quantias:
i. €5.000,00 (cinco mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2018/2019, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2018, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2018;
ii. €5.000,00 (cinco mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2019/2020, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2019, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2019;
iii. €5.000,00 (cinco mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2020/2021, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2020, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2020;
Cláusula Terceira
O presente contrato expressa integralmente o estabelecido entre as partes, representando a sua vontade e prevalecendo, portanto, sobre toda e qualquer declaração, negociação ou acordo anterior, constantes ou não de documento escrito.
Cláusula Quarta[2]
1. O CLUBE e a INTERMEDIÁRIA obrigam-se a manter em total confidencialidade o presente contrato, não o podendo tornar público, ainda que por forma indireta, ou por intermédio de terceiros, salvo por força de obrigação legal e/ou regulamentar ou imposição fiscal, sendo que a parte que violar o dever de confidencialidade ora estabelecido deverá compensar a outra nos termos gerais de direito.
2. As partes obrigam-se ainda a manter confidencial toda e qualquer informação de que tenham tido ou venham a ter conhecimento relativamente a qualquer uma das atividades da outra, bem como a guardar sigilo relativamente a toda e qualquer informação recebida ao abrigo do presente contrato».
(…);
2. Em resultado dos serviços prestados pela Autora à Ré, no âmbito do acordo identificado em 1, foi firmado o contrato de trabalho entre esta última e o Jogador C … para as épocas desportivas de 2018/2019, 2019/2020 e 2020/2021 (assinaram contrato em 29.06.2018);
3. C … foi jogador da Ré e manteve-se ao serviço da Ré depois do dia 31.08.2020.
4. A Ré não pagou à autora a quantia prevista no ponto iii) da cláusula segunda do documento identificado em 1.
5. A Autora não emitiu a fatura a que se refere o ponto iii) da cláusula segunda do documento identificado em 1.
6. A Autora encontrava-se registada como intermediária desportiva, nas épocas desportivas de 2017/2018[3] e 2018/2019, na Federação Portuguesa de Futebol.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Nos presentes autos está em causa um contrato de representação ou intermediação desportiva, regulado designadamente pela Lei n.º 54/2017, de 14 de julho.
Nos termos do artigo 2.º, alínea c), daquele diploma legal e para os seus efeitos «entende-se por (…) [e]mpresário desportivo, a pessoa singular ou coletiva que, estando devidamente credenciada, exerça a atividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, na celebração de contratos desportivos».
Segundo o disposto no artigo 38.º da mesma Lei n.º 54/2017, «[o] contrato de representação ou intermediação é um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva».
No caso vertente, o contrato foi celebrado com uma «entidade empregadora desportiva», a R., aqui Recorrente.
Nos termos do referido contrato, a prestação de serviços da A., ora Recorrida, concretizava-se na representação da R. em vista da celebração por esta de um contrato de trabalho desportivo com o jogador de futebol profissional C …, para as épocas desportivas de 2018/19, 2019/20 e 2020/21.
Em contrapartida daquela prestação, caso tal contrato de trabalho desportivo se concretizasse, a R./Recorrente comprometeu-se no pagamento à A./Recorrida de uma remuneração, cujo montante máximo era de €15.000,00, fracionada em três prestações anuais de €5.000,00, cada uma delas acrescida do respetivo IVA, vencidas em 01.09.2018, 01.09.2019 e 01.09.2020, se o indicado atleta permanecesse ao serviço da R. depois 31.08.2018, 31.08.2019 e 31.08.2020, respetivamente.
Em causa está, pois, uma remuneração fracionada e sujeita a condição suspensiva, conforme artigo 270.º do CCivil: a permanência do atleta ao serviço da R. depois das datas indicadas.
Neste contexto, apreciemos as questões suscitadas pela Recorrente, relativas à validade e eficácia do apontado contrato em ordem a concluir quanto ao desfecho do recurso por ela interposto.
1. Da falta de inscrição/registo da A. na FPF na época de 2020/2021.
(Conclusões A a I das alegações de recurso).
Alega a Recorrente que a remuneração reclamada respeita à época de 2020/2021 e que então a Recorrida não estava inscrita e matriculada na FPF.
Analisemos.
Segundo o disposto no artigo 36.º, n.ºs 1 e 3, da referida Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, «(…) os empresários desportivos que pretendam exercer a respetiva atividade devem registar-se como tal junto da federação desportiva», sendo «nulos os contratos de representação ou intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no [referido] registo».
Relativamente ao futebol, a exigência de registo do intermediário desportivo decorre do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol, FPF, Comunicado Oficial n.º 310, de 01.04.2015, da sua Direção, designadamente o respetivo artigo 6.º, com a epígrafe «Registo de Intermediários».
Nestes termos, quanto ao futebol é, pois, nulo o contrato de representação ou intermediação outorgado por empresário desportivo não registado na respetiva Federação.
Tal não é, contudo, o caso.
Com efeito, o contrato de representação em causa foi celebrado em 01.07.2018, refere-se à intermediação entre um Clube de Futebol e um jogador daquela modalidade, no propósito da celebração entre estes de um contrato de trabalho desportivo válido para as épocas desportivas de 2018/19, 2019/20 e 2020/21 conforme facto provado 1.
Tal contrato de trabalho desportivo foi celebrado e reporta-se àquelas três épocas de futebol, começando a produção de efeitos na época desportiva de 2018/2019, conforme facto provado 2.
Aquando da celebração do aludido contrato de representação, em 01.07.2018, a A., aqui Recorrida, encontrava-se registada na FPF, conforme facto provado 6, sendo que a sua prestação de serviços ocorreu na data em que a A. se encontrava registada na FPF, pelo que o contrato de representação em causa não padece da aludida nulidade decorrente da falta de registo daquela.
Na matéria importa não confundir a prestação de serviço e a remuneração desta, a qual pode ser fracionada e ficar sujeita a condição, sendo que a inscrição no registo reporta-se tão-só à prestação de serviços e não já ao pagamento desta, nada obstando à validade e eficácia do contrato de representação a circunstância do pagamento da respetiva remuneração ocorrer numa altura que o intermediário já não se encontra registado na Federação.
Do mesmo modo, não deve confundir-se a duração do contrato de representação e a duração do contrato de trabalho desportivo, nada relevando este para aferir da validade daquele quanto ao registo do intermediário desportivo na FPF.
Como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 07.05.2024, processo n.º 59309/22.4YIPRT.L1-7, num caso semelhante ao presente,  «uma coisa é o tempo de execução do contrato, outra, as condições de pagamento do serviço prestado que foram acordadas, tal como uma coisa é o prazo de duração do contrato de intermediação desportiva celebrado entre A. e R., e outra a duração do contrato de trabalho desportivo celebrado entre o jogador e a R., que não se confundem»
Ora, «(…) a A. cumpriu a obrigação a que se vinculou no acordo firmado com a R. (…) quando, por força da sua intermediação o jogador celebrou com a R. o almejado contrato de trabalho (…) encontrando-se, à data, registada como intermediária desportiva na FPF, nascendo, naquela data, o direito da A. à remuneração do serviço prestado, verificadas as condições estipuladas».
Embora o contrato de trabalho desportivo em apreço tenha sido assinado em data anterior ao contrato de representação, tal não constitui objeto de recurso, sendo que as partes aceitaram que o referido contrato de trabalho desportivo constituiu o «resultado dos serviços prestados pela Autora à Ré, no âmbito do» referido contrato de representação, conforme facto provado 2, pelo que não cumpre aqui dilucidar quanto a tal matéria.
Nesta sede, improcede, pois, o recurso.
2. Da duração do contrato e da remuneração dos serviços prestados.
(Conclusões J a EE das alegações do recurso).
Insurge-se a Recorrente, em suma, quanto às circunstâncias da remuneração perdurar para além do termo do contrato de representação e da ocorrência de uma sucessão de pagamentos sem que a mesma corresponda a serviços prestados.
Vejamos.
Segundo o disposto no artigo 38.º, n.º 4, da referida Lei n.º 54/2017, «[o] contrato [de representação ou de intermediação desportiva] tem sempre uma duração determinada, não podendo, em qualquer caso, exceder dois anos de duração».
No caso vertente, o contrato de representação excedeu aquele período máximo de dois anos, conforme sua cláusula primeira, número 1, facto provado 1: o contrato teve início em 01.07.2018 e termo em 30.06.2021
Contudo, a prestação de serviços relativa ao contrato de representação em apreço ocorreu antes de alcançado o referido período legal máximo de dois anos de vigência do contrato, pelo que a circunstância do contrato configurar um período de vigência de três anos revela-se no contexto em causa absolutamente irrelevante, não sendo de todo em todo causa da sua nulidade.
A prestação de serviços respeitava exclusivamente à celebração de um contrato de trabalho por parte de um determinado jogador de futebol e tal sucedeu antes do decurso do prazo legal máximo de dois anos de duração do contrato de representação, sendo tal bastante para assegurar a sua validade e eficácia na matéria.
Como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 09.11.2023, processo n.º     77412/22.9YIPRT.L1-6, em situação semelhante à vertente, «não temos como, nos factos provados, interpretar o contrato de modo diverso do estabelecimento da obrigação única de representar a Ré na contratação de contrato de trabalho desportivo com o jogador válido para as várias épocas, obrigação única, dizíamos, de cumprimento esgotado com a celebração do contrato de trabalho desportivo».
«Assim sendo, tendo o contrato de intermediação sido cumprido [pelo intermediário] antes da época» desportiva de 2020/2021, «não se verifica qualquer nulidade ou inexistência ou desconformidade ou qualquer espécie de vício jurídico do referido contrato».
Por outro lado, conforme anteriormente referido, a remuneração convencionada pelas partes, como contrapartida da prestação de serviços, foi fracionada no tempo e sujeita a condição, ao abrigo da liberdade contratual das partes nesse domínio, não reportando-se tal matéria ao prazo legal máximo de duração do contrato, nem devendo ser tida como «uma camuflada e indireta cessão de direitos económicos sobre o atleta a entidades terceiras» no dizer da Recorrente.
Como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 11.01.2024, processo n.º 77416/22.1YIPRT.L1-8, em caso semelhante ao presente, «[o] facto de a remuneração da autora ser paga já depois do termo do contrato de intermediação por ficar sujeita a condição suspensiva (…) que ocorre já depois do termo do contrato de intermediação configura estipulação ao abrigo da autonomia privada nos termos do art 406º do CC. Tal estipulação não viola o disposto no art. 38[4] nº 3 da Lei 54/2017 (que prescreve que o dever de pagamento da remuneração apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor) porquanto esta limitação legal apenas se aplica aos contratos de intermediação celebrados entre um intermediário desportivo e um praticante desportivo, e não a contratos de intermediação celebrados com clubes, como é o caso dos autos. Também o artigo 11.º, n.º 2, do Regulamento de Intermediários da FPF nos termos do qual “o clube que contrate os serviços de um intermediário deve acordar a remuneração antes da realização da transação, podendo o pagamento ser efetuado de uma só vez ou em prestações”, não veda o pagamento faseado de remuneração para além do prazo de vigência do contrato».
«Não se trata, ao contrário do que defende o recorrente, do pagamento de remuneração sem a contrapartida da prestação de serviço. A prestação contratual da autora (representação do clube para efeitos da contratação do jogador por três épocas) foi efetuada na vigência do contrato de intermediação, pois, com a intermediação da autora, foi celebrado contrato de trabalho desportivo entre o jogador e o clube precisamente por três épocas; simplesmente, o pagamento da remuneração da autora por esse serviço de representação do clube para contratação do jogador por três épocas ficou sujeito à condição suspensiva de permanência do jogador ao serviço do clube em tais épocas desportivas. Ou seja, os valores a pagar para além do termo do contrato de intermediação são contrapartida direta da prestação da autora que foi efetuada durante a vigência do contrato, embora sujeitos a condição suspensiva».
Improcede, assim, o recurso igualmente neste domínio.
3. Da falta de habilitação da R./Recorrida.
(Conclusão FF das alegações de recurso).
Nesta sede a Recorrente alega que houve falta de habilitação da R. por parte da A.
Contudo, não se vislumbra tal na situação em apreço.
Pelo contrário, na cláusula primeira, número 2, do «contrato de representação» em causa, consigna-se expressamente que «[a] INTERMEDIÁRIA representa o CLUBE com vista à realização do Contrato de Trabalho desportivo com o JOGADOR, válido para as épocas desportivas de 2018/2019, 2019/2020 e 2021/2022».
Ora, tratando-se de um contrato escrito, devidamente assinado pelas partes, aqui Recorrente e Recorrida, não tendo sido colocada em crise tal, nem a qualidade dos respetivos outorgantes, urge entender que a Recorrida estava habilitada a representar a Recorrente no objetivo da realização do contrato de trabalho desportivo em causa.
 Improcede, pois, igualmente neste domínio o recurso.
4. Da falta de vias exigidas.
(Conclusão GG das alegações de recurso).
A Recorrente sustenta que não foram feitas as vias legalmente exigidas, destinadas à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, LPFP, e à FPF, retirando daí a invalidade do contrato de representação em causa.
Ora, se é certo que a Recorrente tem razão quanto à falta de tais vias, o mesmo não se diga quanto aos efeitos jurídicos daí resultantes, os quais são exclusivamente de natureza sancionatória, secundando-se, pois, as considerações tecidas pelo Tribunal recorrido na matéria:
«No que concerne vício de omissão de envio do contrato, importa, desde logo, destacar que resultou provado que o acordo referido em 1. não foi depositado junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Federação Portuguesa de Futebol. Todavia, as consequências da violação de tal procedimento, tem respaldo apenas regulamentar junto da Federação Portuguesa de Futebol.
É assente que o Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol, divulgado pelo Comunicado 310, de 01.04.2015, estipula a obrigação de depósito do contrato de representação, lendo-se no seu art.º 9.º, n.º 3, que o intermediário deposita na FPF o contrato de representação que tenha celebrado com o jogador ou com o clube, não podendo, em qualquer circunstância, ser entregue após o registo da transacção.
Dispõe o art.º 13.º do Regulamento de Intermediários da FPF, no seu n.º 1, A FPF é responsável pela imposição de sanções a qualquer das partes que viole as disposições do presente Regulamento. (…).
Nos termos do artigo 188.º do Regulamento Disciplinar da FPF, sob a epígrafe violação de dever por parte de intermediário, é aplicada a sanção de multa (…) às violações dos deveres no quadro regulamentar do intermediário.
Pelo que, a invocada invalidade do contrato de representação, por esta via, carece em absoluto de fundamento.
Falece, assim, o argumento avançado pela Ré para sustentar a invalidade do contrato».
Improcede, assim, o recurso também nesta matéria.
5. Da falta do número de registo do intermediário no contrato.
(Conclusão HH das alegações de recurso).
Alega a Recorrente que o contrato de representação dos autos não contém o número de registo do intermediário, não podendo confundir-se tal com o do seu legal representante.
Vejamos.
Conforme artigo 9.º, n.º 2, alínea a), do referido Regulamento de Intermediários da FPF, na parte que aqui releva, entre outros elementos, «[o] contrato de representação (…) tem que conter (…) [a] identificação das partes, incluindo o número de registo do Intermediário».
No caso em apreço.
O número de registo do registo consta do contrato em apreço: aí se refere que o intermediário está «registado na FPF com o número 1571».
Por outro lado, conforme factos provados 6 e 1, ficou demonstrado que a A., ora Recorrida, encontrava-se registada na FPF como intermediária desportiva nas épocas de 2017/2018 e 2018/2019, tendo o contrato de representação em causa sido celebrado em 01.07.2018, data abrangida, pois pelo registo da A. na FPF.
Nestes termos, carece de fundamento o alegado na matéria pela Recorrente, sendo que o eventual lapso quanto ao número da A., enquanto intermediária desportiva sempre seria irrelevante, podendo ser suprido a todo o tempo.
Improcede, assim, também nesta sede o recurso.
6. Da confidencialidade.
(Conclusões II a KK das alegações de recurso).
Refere a Recorrente que o contrato de representação a que se referem os autos contém uma cláusula de total confidencialidade quanto ao seu conteúdo que mostra-se incompatível com o cumprimento de exigências imperativas de comunicação do mesmo contrato a diversas entidades.
Apreciemos.
A comunicação do contrato de representação à FPF e à LPFP e a divulgação pública de elementos daquele contrato decorre dos artigos 9.º, n.ºs 2 e 3, bem como 10.º, n.º 7, do referido Regulamento de Intermediários da FPF.
Ora o contrato de representação em causa não obsta àquelas comunicações e divulgação, conforme respetiva cláusula quarta:
«Cláusula Quarta
1. O CLUBE e a INTERMEDIÁRIA obrigam-se a manter em total confidencialidade o presente contrato, não o podendo tornar público, ainda que por forma indireta, ou por intermédio de terceiros, salvo por força de obrigação legal e/ou regulamentar ou imposição fiscal, sendo que a parte que violar o dever de confidencialidade ora estabelecido deverá compensar a outra nos termos gerais de direito.
2. As partes obrigam-se ainda a manter confidencial toda e qualquer informação de que tenham tido ou venham a ter conhecimento relativamente a qualquer uma das atividades da outra, bem como a guardar sigilo relativamente a toda e qualquer informação recebida ao abrigo do presente contrato».
A exceção à confidencialidade constante do número um da cláusula quarta, «salvo por força de obrigação legal e/ou regulamentar ou imposição fiscal», compreende todas as indicadas obrigações decorrentes do referido Regulamento de Intermediários da FPF, pelo que carece de fundamento o alegado pela Recorrente em matéria de confidencialidade.
Dito de outro modo, como se refere no referido acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 11.01.2024, processo n.º 77416/22.1YIPRT.L1-8, «[a] cláusula 4ª do contrato impõe a confidencialidade do mesmo, mas exceciona expressamente a publicidade do contrato que decorra de obrigação legal e/ou regulamentar ou imposição fiscal. Cabe, pois, nessa exceção o depósito do contrato junto da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional nos termos do artigo 9.º, n.ºs 2 e 3 do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol de 01.04.2015, improcedendo também este fundamento do recurso».
7. Do montante da retribuição.
(Conclusão LL a OO das alegações de recurso).
Finalmente, a Recorrente alega que a remuneração da A., aqui Recorrente, mostra-se excessiva de acordo com prescrição da FIFA ou mesmo segundo o referido Regulamento dos Intermediários da FPF.
Vejamos.
O Regulations on Working with Intermediaries da FIFA, de 2015, vigente à data do contrato de representação a que se referem os autos, no seu número 7.3 estabelece recommendations em matéria remuneratória do representante ou intermediário desportivo.
Tratam-se, pois, de recomendações, sem natureza vinculativa, pois.
Por sua vez, o artigo 11.º, n.º 3, alínea b), do referido Regulamento de Intermediários da FPF dispõe que «[s]alvo acordo em contrário, que deve constar de cláusula escrita no contrato inicial, o montante total de remuneração por transação devido ao Intermediário não pode exceder, [q]uanto ao Intermediário que tenha sido contratado para agir em nome de um clube, para fins de celebração de um contrato de trabalho com um jogador, 5% do rendimento bruto do jogador correspondente ao período de duração do contrato de trabalho».
Tal preceito regulamentar constitui uma norma supletiva, a aplicar, pois, na falta de «acordo em contrário», o qual «deve constar de cláusula escrita no contrato inicial».
Ora, in casu, conforme cláusula segunda do contrato de representação celebrado pelas partes, estas acordaram numa determinada remuneração, pelo que não há lugar à aplicação da indicada norma regulamentar de índole supletiva, carecendo, assim, de sentido o alegado em contrário pela Recorrente.
Em suma, o contrato de representação em causa mostra-se válido e eficaz, carecendo de fundamento os vícios invocados pela Recorrente, termos em que improcede o recurso e mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
*
De todo o modo, mesmo que assim não fosse ou se entendesse, mesmo que se considerasse nulo o contrato de representação em causa, a condenação da R. no pagamento à A. da quantia de €5.000,00, acrescida de IVA e contra fatura, decorreria sempre da aplicação do disposto no artigo 289.º, n.º 1, do CCivil: dado que a A. prestou integralmente a sua prestação e esta, dada a sua natureza, um serviço prestado, não pode ser restituída, incumbia à R. entregar à A. o valor correspondente à prestação por esta feita, o que no caso se reconduz ao valor contratualizado pelas partes quanto àquela prestação e, pois, reconduzir-se-ia sempre ao pagamento do montante em que foi condenado na decisão recorrida.
Como refere Clara Sottomayor, Comentário ao Código Civil, Parte Geral edição da UCP, edição de 2014, página 718, «[e]m regra, o critério para calcular o valor (…) do serviço prestado será aquele que foi adoptado no próprio contrato inválido que fixou o valor da contraprestação, o que tem por consequência que cada uma das partes retém a prestação recebida, equivalendo, na prática, a liquidação do contrato inválido à execução do mesmo».
*
Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, «[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede na totalidade o recurso, pelo que sendo a R./Recorrente parte vencida no recurso, as custas deste serão por ela integralmente suportados.

V.
DECISÃO.  
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, pelo que mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
As custas do recurso serão suportadas pela R./Recorrente.

Lisboa, 24 de outubro de 2024        
Paulo Fernandes da Silva
Susana Gonçalves
Laurinda Gemas
_______________________________________________________
[1] Embora na decisão recorrida a cláusula primeira não surja decomposta em números, tal decorre do texto do contrato em causa, termos em que se optou por proceder a tal decomposição neste acórdão.
[2] Embora na decisão recorrida a cláusula quarta não surja decomposta em números, tal decorre do texto do contrato em causa, termos em que se optou por proceder a tal decomposição neste acórdão.
[3] Na decisão recorrida consta por mero lapso de escrita «2028».
[4] Por manifesto lapso, o acórdão refere o artigo 37.º, n.º 3 quando é certo que se reportava antes ao artigo 38.º, n.º 3 da Lei n.º 54/2017, de 14.07.