Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | AMÉLIA PUNA LOUPO | ||
Descritores: | PROCESSO DE MAIOR ACOMPANHADO PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ PRODUÇÃO DE PROVA MEIOS DE PROVA OMISSÃO DE PRONÚNCIA DECISÃO SURPRESA NULIDADE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/22/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil) I - No processo de maior acompanhado os amplos poderes instrutórios que a lei atribui ao juiz nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 897º nº 1 e 986º nº 2, ex vi art.º 891º nº 1 do CPC, não são sinónimo de arbitrariedade na escolha dos meios probatórios a produzir, não estando o juiz dispensado de expressamente se pronunciar sobre a adequação e necessidade das provas que tenham sido propostas pelas partes, o que lhe é imposto pelo princípio geral estabelecido no art.º 154º CPC e ainda no art.º 897º nº 1 do mesmo código, ao prescrever que analisa os elementos juntos pelas partes e se pronuncia sobre a prova por elas requerida em ordem a determinar apenas, mas fundamentadamente, as diligências que considere convenientes. II - Não havendo pronúncia sobre os requerimentos probatórios apresentados pelas partes o Tribunal omite um acto que a lei prescreve e que constitui uma nulidade que se projecta na sentença, por esta ser proferida sem que as partes tenham tido oportunidade de produzir os seus meios de prova de forma a convencer (ou não) o Tribunal das suas posições, e sem que para as partes fosse expectável a prolação de sentença sem que tivesse recaído pronúncia sobre os seus meios de prova. III - Desse modo a sentença constitui uma decisão surpresa por violação do princípio do contraditório atenta a hodierna concepção ampla do mesmo, que contempla o direito das partes intervirem ao longo do processo de molde a influenciarem a decisão da causa no plano dos factos, da prova e do direito, garantindo a sua participação efectiva no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que sejam potencialmente relevantes para a decisão. IV - No processo de maior acompanhado, dada a variedade e abundância de circunstâncias, mostra-se necessário apurar com rigor os contornos de cada situação, de modo a que, delimitado facticamente o caso nas vertentes pessoal e patrimonial do visado, se possa efectuar a subsunção jurídica e determinar se é necessária a aplicação de medidas e, na afirmativa, qual o acompanhamento que se impõe; pelo que têm de ser analisados, para efeito de serem considerados provados ou não provados, os factos alegados pelas partes nos articulados da causa. V - Não constando da decisão de facto [em qualquer dos seus segmentos, provados ou não provados] factos alegados pelas partes tendentes a demonstrar ou infirmar a necessidade de acompanhamento e à densificação das medidas adequadas, a sentença revela-se deficiente por falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares destes que são imprescindíveis à decisão da causa, obstando ao estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso, o que fere a sentença de nulidade, a qual é de conhecimento oficioso nos termos do art.º 662º nº 2 al. c) do CPC. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO CF propôs a presente acção sob a forma de processo especial de acompanhamento de maior, com pedido de suprimento do consentimento da beneficiária, relativamente a MF, alegando, em síntese, que é filha desta última, a qual desde Agosto de 2014 reside ininterruptamente numa residência assistida para a terceira idade, aí tendo fixado residência em virtude de incapacidade física que a impossibilita de se locomover sem cadeira de rodas, sendo que a assistência relativa aos seus cuidados e higiene pessoais está acautelada por essa via, pelo pessoal dessa residência assistida. Já quanto à gestão da sua vida patrimonial e salvaguarda do seu património a beneficiária carece de protecção, porquanto se mostra totalmente incapacitada para gerir a sua vida patrimonial por não ser capaz de compreender e alcançar as consequências dos seus actos, nomeadamente por desconhecimento do valor do dinheiro e dos preços dos bens de consumo. Pediu a aplicação de medida de acompanhamento de: a) representação geral pelo acompanhante; b) administração total dos bens pelo acompanhante; c) determinação que a conta bancária junto da CGD seja movimentada, a crédito ou a débito, pelo acompanhante e não através de cartões de débito; e requereu ainda o decretamento imediato, como medidas cautelares, da: (i) proibição de, pessoalmente ou através de mandatário ou procurador, arrendar e denunciar arrendamentos existentes, de hipotecar ou por qualquer forma onerar, prometer vender ou vender os imóveis de que é proprietária; (ii) limitação da movimentação da conta da CGD ou qualquer outra de que seja titular, pessoalmente ou através de mandatário ou procurador, apenas para pagamento da residência assistida, tratamentos médicos e medicamentosos, impostos, e quotas de condomínio relativas aos imóveis de que é proprietária; (iii) proibição de, pessoalmente ou através de mandatário ou procurador, proceder à abertura de contas bancárias. E para exercer as funções de acompanhante a Requerente indicou-se a si própria. A Requerida contestou, refutando que careça de quaisquer medidas de acompanhamento, ademais com a extensão das requeridas, porquanto o auxílio, aconselhamento e colaboração de que carece, decorrentes em especial das suas dificuldades de locomoção, consistem no acompanhamento comum que é assegurado de forma cabal por parte de vários familiares, designadamente pela sua outra filha. Desse modo pugnando pela improcedência da acção ou, assim não se entendendo, que seja designada como acompanhante a sua filha FF. Procedeu-se à audição pessoal da Requerida e à realização de exame pericial. Por fim foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, improcede a presente com a consequente absolvição da beneficiária do pedido, não declarando a necessidade de aplicação de qualquer medida nos termos e para os efeitos dos artigos 138.º e seguintes do Cód. Civil.». Inconformada, a Requerente interpôs o presente recurso de apelação propugnando a nulidade da sentença ou, caso assim não se entenda, a alteração da matéria de facto, dando-se provimento à acção. Das suas alegações extraiu a Recorrente as seguintes Conclusões «1.ª A douta sentença recorrida é nula por força de quatro fundamentos a saber: 1.º - Nulidade da douta sentença recorrida decorrente da ausência de decisão sobre a prova requerida pelas partes nos seus requerimentos; 2.º - Nulidade da douta sentença recorrida em virtude da mesma constituir uma “decisão surpresa”; 3.º - Nulidade da douta sentença recorrida decorrente da não audição pelo Tribunal ad quo da senhora perita médica (Sra. Dra. SB), conforme decorre do n.º 2 do artigo 898.º do Código de Processo Civil), que realizou a perícia ordenada por esse Tribunal, cujo exame pericial teve lugar em 28.12.2023 e cujo relatório pericial se encontra junto aos autos a folhas 138; 4.º - Nulidade da douta sentença recorrida por falta de enunciação dos factos não provados. 2.ª Quanto ao primeiro fundamento – nulidade resultante de ausência de decisão sobre a prova requerida pelas partes nos seus requerimentos, conclui-se que: 2.1 - A recorrente no seu requerimento inicial datado de 05.01.2023 com a Ref.ª 22481048 requereu os seguintes meios de prova: I - PROVA PERICIAL: Perícia médica da Beneficiária para determinação da afeção de que sofre a Beneficiária, as suas consequências, a data provável do seu início e os meios de apoio e tratamento aconselháveis. II – PROVA TESTEMUNHAL: 1.ª – M…, Diretora Técnica das Residências Assistidas ED, com domicilio profissional na Travessa …nº…, …-… E…. 2.ª – MC…, Administrativa/Rececionista das Residências Assistidas ED, com domícilio profissional na Travessa … nº…, …-…E…. 3.ª – AM…, médica, residente na Praça … n.º…, … andar, …-…L… III - DOCUMENTOS EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA OU DE TERCEIROS: Ao abrigo do disposto no artigo 417.º do Código de Processo Civil a notificação de FF, residente na Praça …nº… …-… A…, para juntar aos autos fotocópia da procuração referida nos artigos 32º do Requerimento inicial ou quaisquer outras que tenham sido outorgadas a seu favor pela Beneficiária. Por seu turno, a Beneficiária na sua resposta requereu os seguintes meios de prova: “A. DA AUDIÇÃO DA REQUERIDA Requer-se, nos termos e para os efeitos do artigo 898.º do Código Civil, a audição pessoal da Requerida. B. PROVA DOCUMENTAL A que se junta com o presente articulado. C. PROVA TESTEMUNHAL (todas a notificar) 1. Dra. P…, Médica Neurologista, com domicílio profissional no …, Rua … n.º …, …-… L…; 2. FP…, Auxiliar do ED, Rua … nº…, …- … E… 3. FF…, Professora, residente na Praça …, n.º…, …-… A…; 4. M…, Diretora Técnica do ED, com domicílio profissional na Travessa …, n.º…, …-… E…; 5. MJ…, reformada, residente na Rua … nº …,…-…L…; 6. AM…, reformada, residente na Rua … n.º …, …-… E…; 7. Z…, Médico Cirurgião, residente na Rua …, n.º…, …-… L…; 8. AMF…, reformada, residente na Praceta …, n.º…, …-… L…”; 2.2 - Sobre os requerimentos de prova formulados, respetivamente, pela requerente e pela requerida, o Tribunal ad quo limitou-se a: a) Determinar, por despacho de 02.11.2023 com a referência 147175851 a realização de perícia médica nos seguintes termos: “Nos termos dos artigos 897.º, n.º 1 e 899.º, ambos do Cód. Proc. Civil, determino a realização da perícia e respectivo relatório, a que alude referido artigo 899.º, n.º 1, uma vez que se impõe aferir da existência, extensão e início da incapacidade alegada.” b) Determinar, por despacho datado de 26.01.2024 com a referência 148779561, a audição da beneficiária nos seguintes termos: “Para audição da beneficiária, ao abrigo do artigo 139.º, n.º 1 do Cód. Civil e artigos 897.º, n.º 2 e 898.º, ambos do Cód. Proc. Civil, designo o próximo dia 6 de Março de 2024, pelas 14 horas e 45 minutos. Caso existam dificuldades de mobilidade/deslocação da beneficiária, poderá ser ouvida por meios à distância, devendo ser indicado endereço electrónico para o qual possa este Tribunal estabelecer a ligação para o efeito. Cumpra o artigo 151.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil.” Por razões, primeiro de saúde da requerida e, depois, de agenda da sua ilustre mandatária, a audição da beneficiária acabou por ter lugar no dia 06.05.2024 pelas 9.30 horas. 2.3 - Compulsados os autos, constata-se que, em momento algum, quer em despacho anterior, quer, na douta sentença recorrida, se pronunciou o tribunal ad quo sobre os requerimentos de prova apresentados pelas partes e que acima transcrevemos literalmente. 2.4 - Ao processo especial de acompanhamento de maiores aplicam-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de decisão e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (artigo 891.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). 2.5 – Da grande discricionariedade que é atribuída ao julgador no processo de maior acompanhado, não resulta a desnecessidade de fundamentação das decisões por este tomadas mantendo-se, totalmente, no processo especial de maior acompanhado o dever de fundamentar a decisão postulado no artigo 154.º do Código de Processo Civil sob a epígrafe “Dever de fundamentar a decisão” e onde se determina: “1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.” 2.6 - Este dever geral de fundamentação dos despachos e decisões (sentenças) proferidos no processo postulado na supracitada norma do Código de Processo Civil, dá desenvolvimento em sede de lei ordinária ao princípio constitucional contido no artigo 205.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa que exige que as decisões do tribunal, que não sejam de mero expediente, sejam fundamentadas na forma prevista na lei, de molde a assegurar a todos os cidadãos um processo equitativo e justo, conforme decorre do disposto no artigo 20.º, nº4, da Lei Fundamental. 2.7 - Determina o n. º1 do artigo 897.º do Código de Processo Civil o seguinte: “1. Findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por elas requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos.” (sublinhado nossos). 2.8 - Em momento algum se pronunciou o tribunal ad quo sobre a prova requerida pelas partes limitando-se a ordenar, nos termos já acima expostos, a realização de prova pericial sobre a requerida e a audição da requerida. 2.9 - A lei processual (n.º 1 do artigo 897º do Código de Processo Civil) determina ao tribunal ad quo a prática de tal ato i.e. de se pronunciar sobre a prova requerida pelas partes, devendo tal despacho ser objeto de fundamentação conforme determina o já citado artigo 154.º do Código de Processo Civil. 2.10 - Da ausência de decisão quanto aos meios de prova requeridos pelas partes, quer em momento anterior, quer, no limite, na douta sentença final, decorrem os seguintes vícios: - nulidade da sentença recorrida resultante da omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve (n. º1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil), sendo manifesto que a admissão ou não dos meios de prova requeridos pelas parte e, eventualmente, a fundamentação da não admissão de tais meios de prova; - nulidade da sentença recorrida pois, não tendo o tribunal ad quo conhecido anteriormente da admissibilidade dos meios de prova requeridos pelas partes, teria, no limite, que o fazer na douta sentença recorrida. Assim, não o tendo feito é a douta sentença recorrida nula, nos termos da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por não ter aquela douta sentença conhecido de questão que devia apreciar. 2.11 - Deverá, assim, ser anulado todo o processado posterior ao despacho em falta, ou seja, o despacho que se pronuncie sobre a prova requerida pelas partes, tramitando-se o processado subsequente de harmonia com o que resultar desse despacho. 3.ª Quanto ao 2.º fundamento - nulidade da douta sentença recorrida em virtude da mesma constituir uma “decisão surpresa”, conclui-se que: 3.1 - A douta sentença recorrida constitui uma decisão surpresa em flagrante violação do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil. 3.2 - A recorrente no seu requerimento inicial datado de 05.01.2023 com a Ref.ª 22481048 requereu os meios de prova já acima transcritos na conclusão 2.ª e, por seu turno, a requerida requereu os meios de prova também acima transcritos. 3.3 - O Tribunal ad quo limitou-se a: a) Determinar, por despacho de 02.11.2023 com a referência 147175851 a realização de perícia b) Determinar, por despacho datado de 26.01.2024 com a referência 148779561, a audição da beneficiária. 3.4 - Até à data de realização da audição da beneficiária o Tribunal ad quo não se havia pronunciado, fundamentadamente, sobre as diligências provatórias requeridas pelas partes. E, depois dessa diligência o Tribunal ad quo proferiu a douta sentença recorrida, mantendo a omissão de pronúncia quanto à admissibilidade dos meios de prova requeridos por ambas as partes. 3.5 - A douta, sentença recorrida constitui uma decisão surpresa pois o que era expectável para ambas as partes, recorrente e recorrida, seria a prolação de despacho incidente sobre os requerimentos de prova por si apresentados e a designação de data e hora para a inquirição das testemunhas arroladas por ambas as partes. Ou, no limite, previamente, decisão interlocutória que fundamentadamente indeferisse, no todo ou em parte, os requerimentos de prova apresentados pelas partes. Assim, se daria cumprimento ao princípio do contraditório que constitui um esteio fundamental do nosso processo civil. 3.6 - Conforme lapidarmente se escreve no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.02.2024 proferido no processo n.º 1099/21.1T8AMD.L1.S1 (Nuno Ataíde das Neves) e acessível em www.dgsi.pt “Há decisão surpresa se o juiz, inesperadamente e afastando-se do enquadramento factual e jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo…” 3.7 - Pelo que, perante a flagrante violação do princípio do contraditório em que incorreu o tribunal ad quo e que revestia a forma mais singela de possibilitar às partes ser produzida e, depois, valorada a prova que as partes requereram fosse produzida nos autos, há que concluir que a douta sentença recorrida se encontra fulminada de nulidade nos termos do artigo 615º n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, onde se postula que "é nula a sentença quando dispõe (…) d) o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento". 3.8 - Ou seja, tendo faltado a prolação pelo tribunal ad quo de despacho que, nos termos do n.º 1 do artigo 897.º do Código de Processo Civil, se pronunciasse sobre a prova requerida pelas partes, não podia esse tribunal proferir a sentença final que proferiu. 3.9 - Trata-se de um vício em desenvolvimento ao vício alegado na conclusão 2.ª destas alegações de recurso. Nesse ponto destas alegações de recurso, da ausência de decisão quanto aos meios de prova requeridos pelas partes, quer em momento anterior, quer, no limite, na douta sentença final, decorre a nulidade decorrente da omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve (n.º1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil), sendo que a admissão ou não dos meios de prova requeridos pelas parte e, eventualmente, a fundamentação da não admissão de tais meios de prova, constitui omissão suscetível de influir no exame ou boa decisão da causa o que, nos termos do n.º2 do artigo 195.º do Código de Processo Civil determina a nulidade de todo o processado posterior que dele dependam absolutamente o que in casu determina a anulação da douta sentença recorrida. E, também a nulidade da douta sentença recorrida pois, não tendo o tribunal ad quo conhecido anteriormente da admissibilidade dos meios de prova requeridos pelas partes, teria no limite que o fazer na douta sentença recorrida. Não o tendo feito é a douta sentença recorrida nula, nos termos da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por não ter aquela douta sentença conhecido de questão que devesse apreciar. 3.10 - Da ausência do despacho que se pronunciasse sobre os meios de prova requeridos pelas partes, decorre que o tribunal veio a conhecer de questões sobre as quais não se podia pronunciar, não podendo o tribunal proferir a decisão final, daí resultando também a nulidade da sentença recorrida. 4.ª Quanto ao 3.º fundamento - Nulidade da douta sentença recorrida decorrente da não audição pelo Tribunal ad quo da senhora perita médica (Sra. Dra. SB), conclui-se que: 4.1 - O n.º 2 do artigo 898.º do Código Processo Civil determina que na diligência de audição pessoal e direta do beneficiário visa esteja presente o perito ou peritos podendo estes sugerir a formulação de perguntas. 4.2 - Na diligência de audição da requerida nos presentes autos que teve lugar em 06.05.2024 a senhora perita não foi notificada para estar presente o que impediu que esta pudesse sugerir ao tribunal ad quo a realização de perguntas. 4.3 - Tal falta constitui omissão suscetível de influir no exame ou boa decisão da causa o que, nos termos do n.º 2 do artigo 195.º do Código de Processo Civil determina a nulidade de todo o processado posterior que dele dependam absolutamente o que in casu determina a anulação da douta sentença recorrida. 5.ª - Quanto ao quarto fundamento – nulidade da douta sentença recorrida por falta de enunciação dos factos não provados, conclui-se que: 5.1 - Compulsada a douta sentença recorrida constata-se que do ponto IV da mesma consta o seguinte: “IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Face aos elementos recolhidos nos autos, documentos juntos, relatório pericial de fls. 138 verso e seguintes, bem assim ante a audição da beneficiária, encontra-se apurada a seguinte factualidade: [segue-se a transcrição dos factos apurados] 5.2 - Contudo, em momento algum a douta sentença recorrida descreve os factos julgados não provados. 5.3 - A douta sentença recorrida nem sequer adotou quanto aos factos não provados uma formulação genérica e, eventualmente, obscura referindo-se, por exemplo aos “demais constantes dos articulados não mencionados na resposta dada supra”, ainda que não se pudesse extrair desta formulação a que factos concretos se referia o Tribunal ad quo. 5.4 - Cumpre ao magistrado judicial, em cumprimento do disposto no nº 4, do artigo 607.º do Código de Processo Civil, indicar de forma concreta os factos relevantes e controvertidos que julgou não provados, fundamentando a sua decisão, em conformidade com o disposto nos nºs 4 e 5 dessa norma. 5.5 - Da ausência de enunciação na douta sentença recorrida da matéria de facto julgada não provada inviabiliza que o recorrente possa, nessa parte, lançar mão do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil i.e. que possa impugnar a decisão relativa à matéria de facto, dificuldade que igualmente se verifica em relação ao tribunal ad quem, pelo desconhecimento da realidade fáctica que a sentença recorrida, considerou não provada. 5.6 - O artigo 668.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo. Civil, sanciona com a nulidade da sentença as hipóteses de violação grave do dever de fundamentação que comprometa irremediavelmente os objetivo de racionalidade postulada pela sistematicidade do Direito e pelo princípio constitucional da submissão dos tribunais à Constituição e à lei, garantia essencial de um Estado de Direito democrático, uma vez que, além de constituir um factor decisivo para o convencimento das partes sobre a bondade da decisão, a indicação da fundamentação e a sua inteligibilidade garantem o controlo sobre a legalidade da mesma decisão e asseguram o exercício esclarecido do contraditório, nomeadamente por via de recurso. 5.7 - O vício de que padece a douta sentença recorrida decorre desta sentença não ter descrito, em momento algum, os factos julgados não provados. 5.8 - Neste sentido se decidiu no recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.10.2023 proferido no processo 525/21.4T8LRA.C1 (Cristina Neves) acessível em www.dgsi.pt e cujo sumário é o seguinte: “I - Decorre do disposto nos artºs 205, nº1, da Constituição, 154 e 607, nºs 3 e 4 do C.P.C., a imposição de um dever ao Magistrado Judicial de especificar os fundamentos de facto e de direito das decisões que profere, de forma a assegurar a todos os cidadãos um processo equitativo e justo (cfr. art.º 20 da C.R.P.). II - Em cumprimento deste dever de assegurar a todos os cidadãos um processo equitativo e justo, exige-se não só a indicação dos factos provados, como dos não provados e ainda, a indicação do processo lógico – racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente aos factos que considerou provados ou não provados, de acordo com o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes (cfr. art.º 607º, nº 4, do CPC.). III - A omissão de indicação dos factos que o tribunal a quo considerou não provados e da respectiva fundamentação, determina os fundamentos de nulidade da sentença previstos no art.º 615º, nº 1, al. b), do CPC. IV - Em relação a esta nulidade não opera a regra de substituição do tribunal recorrido, prevista no art.º 665 do C.P.C., sob pena de violação do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto.” (sublinhado nossos). 5.9 - E, ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2019, processo n.º 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2 (Fonseca Ramos) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.01.2023, processo n.º 1066/19.5T8VRL.G2.S1 (Sousa Pinto) ambos acessíveis em www.dgsi.pt. 5.10 - Caso esse Tribunal da Relação de Lisboa entenda que a falta de indicação na douta sentença recorrida da matéria julgada não provava não cabe na previsão normativa da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo sempre se dirá que tal omissão por parte da douta sentença recorrida tem, então, cabimento na alínea d) do n.º1 da mesma norma. 5.11 - A alínea d) desse preceito determina que “1. É nula a sentença quando: …. d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.” 5.12 - Por seu turno, o n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil postula que: “4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” (sublinhado e negrito nossos). 5.13 - Afigura-se, assim, meridianamente claro que da sentença devia constar a enunciação dos factos não provados fundamentando a decisão sobre a matéria de facto e que não constando de tal omissão resulta a nulidade da sentença nos termos da citada alínea d) do n. º1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. 5.14 - Pelo que se impõe concluir, na linha da melhor doutrina e jurisprudência que, em virtude da douta sentença recorrida não descrever em nenhuma parte do seu conteúdo os factos julgados não provados, nem sequer por remissão para os articulados das partes, é a mesma nula ou nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, ou, no limite, nos termos da alínea d) do n.º1 do mesmo artigo do Código Processo Civil. 5.15 - Pelo que deverá ser anulada a sentença recorrida sendo proferida outra da qual conste, fundamentadamente, os factos julgados não provados. 6.ª - Para além das 4 nulidades apontadas à, aliás douta sentença recorrida, e por mera cautela de patrocínio, tanto mais que na ausência de enunciação pela sentença recorrida da matéria de facto julgada não provada, se revela impossível dar cabal cumprimento aos ditames do artigo 640.º do Código Processo Civil, a recorrente discorda quanto à fundamentação de facto do tribunal ad quo nos pontos 3, 5, 6, 7, 10 e 11 nos termos que seguem: A. CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE INCORRETAMENTE JULGADOS: A recorrente considera terem sido incorretamente julgados os seguintes pontos da decisão de facto da douta sentença recorrida: Ponto 3 - A beneficiária padece de défice cognitivo ligeiro, tendo pontuado 24/30 no teste Mini Mental State Examination; Ponto 5 - Encontra-se orientada no espaço, no tempo e na sua pessoa; Ponto 6 - Revela discurso espontâneo, lógico e coerente, mantendo diálogo de forma normal; Ponto 7 - Consegue identificar o valor facial do dinheiro e realiza cálculo simples, apesar de ter algumas dificuldades; Ponto 10 - É titular de conta bancária de depósitos, movimentando-a com cartão de débito; Ponto 11 - Sabe nomear o presidente da república e o primeiro-ministro, vota e revela interesse pela política nacional; B - OS CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS, CONSTANTES DO PROCESSO OU DE REGISTO OU GRAVAÇÃO NELE REALIZADA, QUE IMPUNHAM DECISÃO SOBRE OS PONTOS DA MATÉRIA DE FACTO IMPUGNADOS DIVERSA DA RECORRIDA. O meio probatório constante do processo que impõe decisão diversa aos pontos da matéria de facto impugnada é o relatório pericial elaborado pela senhora perita médica (Sra. Dra. SB) e que se encontra junto a folhas 138 dos autos e que tem verbatim o seguinte teor: [segue-se a transcrição integral do relatório pericial] C. A DECISÃO QUE NO ENTENDER DO RECORRENTE, DEVE SER PROFERIDA SOBRE AS QUESTÕES DE FACTO IMPUGNADAS. Assim, tendo em conta o relatório pericial junto a folhas 138 e acima citado integralmente que os pontos da matéria de facto impugnada deveriam ter sido respondidos do seguinte modo: Ponto 3 - A beneficiária padece de um quadro de perturbação Neurocognitiva Major em fase de transição da entidade denominada Défice Cognitivo Ligeiro (CID- 102: F 06.7, OMS3, 1992) para uma fase inicial de uma síndrome demencial não especificada (CID- 10: F 00.9, OMS, 1992) (conforme decorre da parte final da página 7 e início da página 8 do Relatório Pericial); Ponto 5 – Tem um défice cognitivo que se traduz em períodos de desorientação espaço temporal e afeção da memória para acontecimentos recentes (conforme decorre do início da página 4 do relatório pericial supracitado); Ponto 6 - Tem discurso espontâneo, ligeiramente hiperfónico e sob pressão, denotando impulsividade fácil, mas globalmente lógico e coerente e sem alterações sintácticas ou semânticas (conforme decorre do ponto 4.4 página 7 do relatório pericial supracitado); Ponto 7 - Consegue identificar o valor facial do dinheiro tendo dificuldade no cálculo mesmo que simples (conforme decorre do parágrafo 2.º da página 5 do relatório pericial supracitado); Ponto 10 - É titular de conta bancária de depósitos mas necessita de ajuda "para pagar o sítio onde eu estou, se eu quero comprar alguma coisa, ir comigo às compras, preciso de ajuda para me empurrar a cadeira, para tomar banho e para me vestir, mas quem escolhe a roupa sou eu" (sic). Do ponto de vista da gestão financeira, também acabou por admitir que não faz tal gestão há pelo menos 10 anos e por exemplo, quanto aos recibos de arrendamento considera que "acho mais prudente ser a contabilista a passar os recibos, dado que a minha letra é algo irregular" (sic), denotando não ter sequer a ideia que há vários anos que os recibos são obrigatoriamente emitidos electronicamente (conforme decorre do 1.º parágrafo da página 5 do relatório pericial supracitado); Ponto 11 - Sabe nomear o presidente da república, mas não o primeiro-ministro tendo afirmado que era Mário Soares (conforme decorre do 3.º parágrafo da página 6 do relatório pericial supracitado); TERMOS EM QUE DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DECLARANDO-SE EM PRIMEIRA LINHA A NULIDADE DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA PELOS QUATRO FUNDAMENTOS ACIMA APONTADOS. CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA, HIPÓTESE QUE SÓ POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO PODEMOS FIGURAR, DEVERÁ SER ALTERADA A RESPOSTA AO PONTOS 3, 5, 6, 7, 10 E 11 DA MATÉRIA DE FACTO DANDO-SE PROVIMENTO À AÇÃO.». A Recorrida contra-alegou pugnando pela confirmação do julgado, alinhado as seguintes Conclusões «i. Não se verifica nulidade da sentença, decorrente da putativa ausência de decisão sobre a prova requerida pelas partes; ii. Foi realizada a perícia médica e a audição da Recorrida; iii. A convicção do tribunal a quo foi devida e suficientemente fundamentada, quer de facto, quer de Direito; iv. A Sra. Dra. Juiz assumiu o papel de controlar as provas a produzir, em atenção ao critério da sua necessidade em vista da demonstração dos factos pertinentes à decisão da causa, tendo considerado, em resultado da audição da Recorrida e do exame pericial realizado, ser desnecessária a produção doutras provas; v. Por conseguinte, considerou – legitimamente – o tribunal a quo que, face ao teor das declarações proferidas pela Recorrida e ao teor do exame pericial, forneciam os autos os elementos probatórios indispensáveis à prolação de decisão de mérito; vi. Juízo que não merece censura, pois que o resultado da audição da Recorrida apresentou-se claro e inequívoco, arredando qualquer margem para a consideração do que ao bom julgamento da matéria de facto poderia trazer o empírico contributo da prova testemunhal (mesmo aquela que viesse a ser prestada por pessoas com conhecimento da ciência médica) aliada aos elementos clínicos constantes dos autos. vii. Assim, a desnecessidade (por irrelevância) de produção doutras provas era patente e manifesta; viii. Não se verifica nulidade da sentença recorrida, em virtude da mesma constituir uma “decisão surpresa”; ix. Pelo contrário, o recurso é totalmente omisso quanto à identificação de qual foi a questão de que o tribunal conheceu sem que dela pudesse pronunciar-se; x. O tribunal a quo não proferiu nenhuma «decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes», tal como não existiu nenhuma «solução dada a uma questão que, embora pudesse ser previsível, não tenha sido configurada pela parte». Também não houve lugar a nenhumas «questões levantadas oficiosamente pelo tribunal»; xi. Não pode a Recorrente, seriamente, pretender convencer o tribunal ad quem de que o indeferimento do pedido de acompanhamento, com base nos princípios basilares que regem o instituto do Acompanhamento de Maior, como sejam o princípio da subsidiariedade e da necessidade, consubstancia uma solução jurídica inesperada; xii. Muito menos quando tal solução jurídica foi alcançada após a produção de prova obrigatória por lei (como seja a audição da Recorrida) e de perícia médica; xiii. Importa trazer à colação o n.º 1 do artigo 900.º do CPC, onde pode ler-se que: «Reunidos os elementos necessários, o juiz designa o acompanhante e define as medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145.º do Código Civil e, quando possível, fixa a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes.»; xiv. A realização da típica audiência final – a que a Recorrente, no fundo, faz alusão nas suas alegações – está arredada destes processos, bastando que se encontrem reunidos os elementos necessários à boa decisão da causa. Entre os quais avultam, conforme já aflorado supra, a audição do beneficiário e o relatório pericial; xv. Não se verifica nulidade da sentença recorrida decorrente da não audição da perita médica; xvi. Se é certo que o n.º 2 do artigo 898.º do CPC permite a presença e participação activa «do requerente, dos representantes do beneficiário e do perito ou peritos», não é menos verdade que o n.º 3 logo assegura que se encontra no âmbito do poder-dever do juiz determinar que a audição decorra apenas na presença do beneficiário – conforme é consabido que ocorreu, in casu! xvii. Este entendimento é reforçado pelas circunstâncias de: • Estar na disponibilidade do julgador a nomeação de perito(s), mas não a realização da audição do beneficiário, conforme expressamente resulta da diferente redacção dos n.ºs 1 e 2 do artigo 897.º do CPC: • Sempre que exista um relatório pericial – como é o caso dos presentes autos – só em caso de persistência de dúvidas é que a lei processual determina a presença do perito em tribunal (cfr. n.º 2 do artigo 899.º CPC). xviii. Não se verifica nulidade da sentença recorrida, por alegada falta de enunciação dos factos não provados; xix. Conspicuamente, a Recorrente alega, num parágrafo, a não especificação dos fundamentos de facto que fundamentaram a decisão, para no parágrafo imediatamente seguinte transcrever o excerto da douta sentença recorrida em que surge especificada a factualidade apurada nos autos; xx. «Conforme escreve ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, p.140, “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto»; xxi. Como é jurisprudência assente nos nossos tribunais superiores, «o julgador não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Por isso, como se disse no acórdão desta secção de 23.6.2004 (6) não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. […] questões serão apenas, como se disse no já citado acórdão de 21.9.2005, "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções»; xxii. Tudo quanto se disse vale com mais acuidade por estarmos perante processo de Acompanhamento de Maior, em que se seguem vários trâmites e princípios dos processos de jurisdição voluntária. É este mais um corolário da prevalência do princípio do inquisitório e, bem assim, da não sujeição a critérios de estrita legalidade – conforme o critério de julgamento segundo a equidade, consagrado no artigo 987.º do CPC. xxiii. No que respeita ao recurso sobre a matéria de facto, em boa verdade, o que a Recorrente pretende é, “tão-só”, a total desconsideração daquele que é o meio de prova obrigatório nos processos de Acompanhamento de Maior – a audição da Recorrida; xxiv. A procedência de um tal desiderato desvirtuaria, por completo, o regime processual que foi implementado, precisamente, para dar cumprimento ao novo paradigma que se estabeleceu no nosso ordenamento jurídico, resultante da ratificação, por Portugal, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; xxv. Por todos, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no dia 14 de Março de 2023, processo n.º 359/22.9T8MFR.L1-7: «Seguindo as exigências dos tempos, Portugal implementou o novo regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto – e abandonou o sistema dualista e rígido dos institutos da interdição/inabilitação que provinha do Código Civil de 1966 – introduzindo um regime monista, flexível, norteado pelos princípios da “primazia da autonomia da pessoa”, construindo assim um modelo de acompanhamento – e não já de substituição – da pessoa carecida de protecção. As alterações incidiram sobretudo nos artigos 138.º a 156.º do Código Civil (interdição e inabilitação), sobre as regras do processo correspondente (artigos 891.º a 905.º do Código de Processo Civil – transformado em processo urgente e ao qual se aplicam as regras da jurisdição voluntária) e em disposições dispersas do Código Civil que estabelecem restrições à capacidade, mas sempre na perspectiva da menor limitação possível à capacidade do maior que necessita de acompanhamento. Tal como também já sucedia anteriormente com a interdição e a inabilitação é ao tribunal que compete a decisão de aferir se há ou não lugar ao regime do acompanhamento; mas agora manda a lei que o tribunal deva ouvir primeiro, pessoal e directamente, o beneficiário, só assim ficando em condições de adoptar as “soluções à medida” das necessidades de cada caso, que deverão ser sempre orientadas à socialização do maior numa perspectiva de cidadania inclusiva. Desaparece a regra introduzida pela redacção do Código de Processo Civil 2013 e que permitia o decretamento da interdição/inabilitação sem o interrogatório do requerido, na ausência de contestação, prevendo-se agora a audição do beneficiário por parte do juiz enquanto meio de prova obrigatório em qualquer processo de acompanhamento de maiores (cf. n.º 2 e 3 do artigo 897.º do Código de Processo Civil). A pessoa carecida de protecção é assim chamada ao palco da vida judiciária, sendo não só convidada a participar como também a “conversar” no processo decisório que lhe respeita.» xxvi. «com Margarida Paz [“O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais”, in O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, Colecção Formação Contínua, Fevereiro de 2019, páginas 130-131], [concluímos] que a “audição pessoal e direta do beneficiário, na concretização dos princípios constantes do artigo 3.º da Convenção, constitui o respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazer as suas próprias escolhas, e independência da pessoa com deficiência [alínea a)], bem como a sua participação e inclusão plena e efetiva na sociedade [alínea c)]. Neste contexto, a audição pessoal e direta do beneficiário não deve apenas ocorrer relativamente à tomada de decisão da medida ou medidas de acompanhamento a decretar pelo tribunal. Na verdade, o acompanhado deve ser ouvido relativamente a todas as decisões que sejam tomadas e que lhe digam diretamente respeito” xxvii. «a prossecução da sobredita finalidade aconselha que se proceda a uma observação da situação real em que se encontra o beneficiário de modo a que o juiz decida as medidas de acompanhamento após adquirir uma imagem dessa situação que coincida com a realidade, sem o crivo da narrativa inserta nos articulados. Apenas através da audição do beneficiário poderá o juiz compreender efectivamente o contexto vivencial daquele, nomeadamente no que concerne à densidade da sua (in)capacidade para a prática de actos e, por conseguinte, apenas dessa forma poderá aproveitar na plenitude a maleabilidade que a lei lhe confere no que tange a fixar as medidas de acompanhamento, personalizando-as à medida da situação do destinatário, afastando a aplicação de medidas estanques, pré-concebidas e, afinal, potencialmente desajustadas em relação às efectivas e concretas necessidades da pessoa que delas beneficiará. (…)» xxviii. Com «Miguel Teixeira de Sousa [“O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais, in O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, cit., páginas 44-45], com a autoridade de ter feito parte da Comissão que elaborou o diploma relativo ao regime do maior acompanhado, assinala – por seu turno – que um “dos princípios orientadores do processo especial de acompanhamento de maiores é o da imediação na avaliação da situação física ou psíquica do beneficiário, não só para se poder conhecer a real situação deste beneficiário, mas também para se poder ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas a essa situação (art.º 898.º, n.º 1). Para este efeito, há sempre uma audição pessoal e directa do beneficiário, mesmo que, para isso, o juiz tenha de se deslocar onde se encontre esse beneficiário (art.º 897.º, n.º 2; cf. art.º 139.º, n.º 1, CC)”. E, acrescenta, esta audição pessoal e directa constitui-se como “um meio de prova que é obrigatório em qualquer processo de acompanhamento de maiores (art.º 139.º, n.º 1, CC; art.º 897.º, n.º 2), dado que, por razões facilmente compreensíveis, se pretende assegurar que o juiz tem conhecimento efectivo da real situação em que se encontra o beneficiário.» xxix. Evidente se torna que substituir – aliás sem que fundamento algum tenha sido alegado pela Recorrente! – os factos apurados pela Sra. Dra. Juiz do tribunal a quo, por outros que resultam de um meio de prova mediato – seria não só ilegal, mas também manifestamente inconstitucional, em face da inarredável protecção da dignidade da pessoa humana; xxx. Paralelamente, a procedência de tais pedidos da Recorrente violaria patentemente os clássicos princípios da oralidade e da imediação, princípios estes basilares do Direito Processual português, os quais impõem que, na avaliação e interpretação de elementos probatórios, se dê primazia ao julgador que assistiu, pessoalmente, à produção de prova. xxxi. Se a atribuição desta primazia assume particular relevância quando esteja em causa a prestação de depoimentos por testemunhas ou de declarações de partes, mais acuidade tem no caso da pessoalíssima audição do beneficiário de uma possível medida de acompanhamento; xxxii. A relevância destes princípios tem, também, sido reconhecida por incontáveis decisões jurisprudenciais, da quais se destaca o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2008 de 11.12.2008, processo n.º 07P4822; xxxiii. Não obstante o exposto, que milita contra a reanálise da prova gravada – não constituindo este sucedâneo idóneo à imediação, o certo é que a Recorrida, com as respostas que deu às perguntas colocadas pela Sra. Dra. Juiz e pela Sra. Procuradora do Ministério Público, não deixou margem para dúvidas quanto à sua compreensão, memória e capacidade decisória. xxxiv. No que aos concretos pontos de facto recorridos concerne, a Recorrida foi questionada, conforme gravação da diligência ocorrida no dia 6 de Maio de 2024, sobre: • Se tinha noção porque é que estava ali hoje, ao que respondeu que a filha CF lhe colocou um processo de maior acompanhado, ainda para mais com suprimento total da sua pessoa, o que não aceita [cfr. minutos 00:31.55 a 00:32:12 da gravação da audição]; • Que rendimentos tem, ao que esclareceu que tem a casa de Telheiras, que está arrendada, que tem uma pensão no valor de €2.200,00 e pensão por morte do marido, no valor de €1.000,00 [cfr. minutos 00:21:21 a 00:21:38]; • O valor de tal renda, soube detalhar que, quando a filha CF tomava conta, quem lá estava pagava €600,00. E que sempre disse que o T3 é bastante grande, com piscina e campo de futebol valia mais. Agora é a própria, a filha FF e a Dra. T… que ajudam em tudo o que precisa. Agora foi o imóvel foi alugado a outras pessoas, que pagam €1980,00 [cfr. minutos 00:20:12 a 00:21:20]; • Se sabe quanto custa o respectivo lar, ao que confirmou ser cerca de €3.000,00 e é a filha FF que trata dos pagamentos, mas confere sempre a própria o extracto [cfr. minutos 00:35:30 a 00:35:57]; • Quem são o Primeiro-Ministro e o Presidente da República, tendo nomeado Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa [cfr. minutos 00:27:54 a 00:28:06]; • Se exerce o respectivo direito de voto, o que confirmou, mas que desta vez não pôde, porque estava com COVID [cfr. minutos 00:27:08 a 00:27:30]. xxxv. Tudo isto milita pela confirmação da douta sentença recorrida, também no que diz respeito aos pontos de facto colocados em crise pela Recorrente; xxxvi. Relativamente ao Ponto 1 dos factos provados, a existência de mero défice cognitivo ligeiro está devidamente corroborada pela prova documental existente nos autos, mais concretamente: • Documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a Contestação, correspondendo aos relatórios de duas avaliações neurológicas a que a Recorrida se submeteu, com um hiato temporal de 7 meses entre cada uma, sendo que ambas são taxativas quanto às capacidades cognitivas da Recorrida; • No dia 28 de Julho de 2022, a Recorrida foi observada no Campus Neurológico …, pela Dra. P…, Neurologista, em Consulta de Neurologia; • De acordo com a declaração emitida pela mencionada médica especialista, foram efectuados os despistes de alteração cognitiva, verificando-se que a Recorrida “não sofre de defeito cognitivo, estava com plenas faculdades cognitivas para decidir sobre si própria e sobre os seus bens”; • No dia 1 de Março de 2023, no Campus Neurológico …, a Recorrida foi submetida a exame das Funções Nervosas Superiores; • O exame foi conduzido pela Dra. V…, Psicóloga Clínica, Especialista em Neuropsicologia; • O exame das Funções Nervosas Superiores está preparado para a obtenção de 30 pontos, tendo a Recorrida obtido 27 pontos, apesar dos seus 84 anos de idade; • Da conclusão do exame neuropsicológico, foi possível excluir a existência de qualquer quadro de demência, tendo-se determinado que a Recorrida apresenta «discurso espontâneo fluente, de conteúdo adequado, sem alterações significativas de orientação pessoal, espacial e temporal, não apresentando alterações de relevo ao nível das actividades de vida diário, hábitos e comportamento»; • Documento n.º 3 junto com a Contestação: com base no exame efectuado, em 23 de Março de 2023, foi elaborada declaração pela Dra. P…, na qual ficou atestado, taxativamente, que a Recorrida estava plenamente capaz para decidir sobre si e sobre os seus bens. • Relatórios médicos supervenientes, juntos com o requerimento com a ref. Citius 25165385, elaborados pelo Dr. ML…, especialista em neurologia e psiquiatria; • No dia 9 de Fevereiro de 2024, e na sequência da consulta havida nessa mesma data, o Dr. ML… subscreveu o Relatório Médico junto como documento n.º 1 do referido requerimento, no qual é taxativo ao mencionar que a administração da memantina se deve à existência de um défice cognitivo ligeiro e concluindo que “Nenhuma das patologias em cima descritas limita o juízo crítico da doente, de modo que possa tomar decisões sobre o seu lugar de estadia, questões de saúde e assuntos contratuais.”; • Contudo e para um diagnóstico mais exacto, prescreveu à Requerida a realização de uma TAC e de diversas análises, exames que a mesma prontamente realizou, • Posteriormente, e numa segunda consulta de seguimento, realizada em 23 de Fevereiro de 2024, analisados os exames realizados, foi elaborado pelo Dr. M… o relatório junto como documento n.º 2 do aludido requerimento, no qual se determina que “Estas alterações numa pessoa de 85 anos, que padece de alguns factores de risco cérebro-vascular, não são comprovativos de demência.”. xxxvii. Termos em que nenhuma modificação à matéria de facto dada como provada merece provimento. Ainda que assim não se entendesse, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre se dirá, adicionalmente e sem prescindir, o seguinte: xxxviii. As alterações – em grande medida aditamentos –, à matéria de facto, peticionadas por parte da Recorrente, não são aptas a alterar o sentido da douta sentença recorrida. xxxix. Ainda que se desse por provada a matéria pugnada pela Recorrente, tal não afasta a aplicabilidade dos princípios da subsidiariedade e intervenção mínima que vigoram em sede dos processos de acompanhamento de maiores. xl. Permanece cabalmente demonstrado, sem que isso tenha sido colocado em crise pela Recorrente, que as necessidades da Recorrida se encontram adequada e suficientemente providas através do dever de assistência familiar. xli. Consequentemente, também por essa via seria forçoso concluir que nenhuma medida de acompanhamento carece de ser decretada à Recorrida, por forma a cumprir-se o disposto no n.º 2 do artigo 140.º do Código Civil: «A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.» xlii. Em consequência, conclui-se pela imperativa manutenção, sem excepções, da sentença proferida pelo tribunal a quo, cujo dispositivo é o único consentâneo com o Direito aplicável ao caso concreto. Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser julgado totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente, mantendo-se integralmente a Sentença Recorrida. Fazendo-se, assim, a habitual e acostumada JUSTIÇA.». Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir. ** Nos termos dos artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil são as conclusões que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam, exercendo as mesmas função equivalente à do pedido (neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil” 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117), sendo que o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º nº 3 do mesmo Código), devendo as questões que lhe caiba conhecer ser apreciadas de acordo uma ordem de precedência lógica porquanto apenas apreciará aquelas cujo conhecimento não fique prejudicado por outras precedentemente conhecidas. Assim, no caso, importa decidir se a sentença padece de nulidades, e, caso se conclua negativamente, averiguar se deve ser alterada a matéria de facto com a inerente procedência da acção. II – FUNDAMENTAÇÃO A) DE FACTO Na sentença sob recurso foi considerada provada a seguinte a factualidade: «1. A beneficiária nasceu a 6 de Fevereiro de 1939 e é viúva; 2. É mãe de CF, nascida a …/…/1966, e de FF, nascida …/…/1972, e avó de TFL, nascido a …/…/2002; 3. A beneficiária padece de défice cognitivo ligeiro, tendo pontuado 24/30 no teste Mini Mental State Examination; 4. Encontra-se integrada em instituição desde 2014 na sequência de dificuldades de mobilidade, revelando estar bem integrada, participando nas diversas actividades ali realizadas; 5. Encontra-se orientada no espaço, no tempo e na sua pessoa; 6. Revela discurso espontâneo, lógico e coerente, mantendo diálogo de forma normal; 7. Consegue identificar o valor facial do dinheiro e realiza cálculo simples, apesar de ter algumas dificuldades; 8. Não tem noção do preço dos bens de consumo corrente por não realizar a sua aquisição; 9. Tem uma noção vaga dos conceitos de empréstimo, hipoteca, fiança, procuração e de testamento; 10. É titular de conta bancária de depósitos, movimentando-a com cartão de débito; 11. Sabe nomear o presidente da república e o primeiro ministro, vota e revela interesse pela política nacional; 12. Encontra-se perfeitamente ciente dos objectivos do presente processo.». Não foram consignados factos não provados. B) DE DIREITO - DAS NULIDADES A Recorrente defende que a sentença sob recurso enferma de nulidade com quatro fundamentos: 1º - por ausência de decisão sobre a prova requerida pelas partes nos seus requerimentos; 2.º - por a sentença constituir uma “decisão surpresa”; 3.º - por o Tribunal a quo não ter procedido à audição da senhora perita médica que realizou a perícia e respectivo relatório; 4.º - por falta de enunciação dos factos não provados. Quanto à primeira, sumaria na conclusão 2.10 que “Da ausência de decisão quanto aos meios de prova requeridos pelas partes, quer em momento anterior, quer, no limite, na douta sentença final, decorrem os seguintes vícios: - nulidade da sentença recorrida resultante da omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve (n. º1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil), sendo manifesto que a admissão ou não dos meios de prova requeridos pelas parte e, eventualmente, a fundamentação da não admissão de tais meios de prova; - nulidade da sentença recorrida pois, não tendo o tribunal ad quo conhecido anteriormente da admissibilidade dos meios de prova requeridos pelas partes, teria, no limite, que o fazer na douta sentença recorrida. Assim, não o tendo feito é a douta sentença recorrida nula, nos termos da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por não ter aquela douta sentença conhecido de questão que devia apreciar.” Quanto à segunda - nulidade da sentença em virtude da mesma constituir uma “decisão surpresa” - a sua posição está sumariada nas conclusões 3.9 e 3.10, onde consta: “3.9 - Trata-se de um vício em desenvolvimento ao vício alegado na conclusão 2.ª destas alegações de recurso. Nesse ponto destas alegações de recurso, da ausência de decisão quanto aos meios de prova requeridos pelas partes, quer em momento anterior, quer, no limite, na douta sentença final, decorre a nulidade decorrente da omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve (n.º1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil), sendo que a admissão ou não dos meios de prova requeridos pelas parte e, eventualmente, a fundamentação da não admissão de tais meios de prova, constitui omissão suscetível de influir no exame ou boa decisão da causa o que, nos termos do n.º2 do artigo 195.º do Código de Processo Civil determina a nulidade de todo o processado posterior que dele dependam absolutamente o que in casu determina a anulação da douta sentença recorrida. E, também a nulidade da douta sentença recorrida pois, não tendo o tribunal ad quo conhecido anteriormente da admissibilidade dos meios de prova requeridos pelas partes, teria no limite que o fazer na douta sentença recorrida. Não o tendo feito é a douta sentença recorrida nula, nos termos da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por não ter aquela douta sentença conhecido de questão que devesse apreciar. 3.10 - Da ausência do despacho que se pronunciasse sobre os meios de prova requeridos pelas partes, decorre que o tribunal veio a conhecer de questões sobre as quais não se podia pronunciar, não podendo o tribunal proferir a decisão final, daí resultando também a nulidade da sentença recorrida.” Quanto à terceira - nulidade decorrente da não audição pelo Tribunal da senhora perita médica - a mesma está sumariada na conclusão 4.3 nos seguintes moldes: “4.3 - Tal falta constitui omissão suscetível de influir no exame ou boa decisão da causa o que, nos termos do n.º 2 do artigo 195.º do Código de Processo Civil determina a nulidade de todo o processado posterior que dele dependam absolutamente o que in casu determina a anulação da douta sentença recorrida.”. Por fim, a quarta - nulidade por falta de enunciação dos factos não provados - encontra-se sumariada nas conclusões 5.6, 5.10 e 5.14 nos seguintes termos: “5.6 - O artigo 668.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo. Civil, sanciona com a nulidade da sentença as hipóteses de violação grave do dever de fundamentação que comprometa irremediavelmente os objetivo de racionalidade postulada pela sistematicidade do Direito e pelo princípio constitucional da submissão dos tribunais à Constituição e à lei, garantia essencial de um Estado de Direito democrático, uma vez que, além de constituir um factor decisivo para o convencimento das partes sobre a bondade da decisão, a indicação da fundamentação e a sua inteligibilidade garantem o controlo sobre a legalidade da mesma decisão e asseguram o exercício esclarecido do contraditório, nomeadamente por via de recurso. 5.10 - Caso esse Tribunal da Relação de Lisboa entenda que a falta de indicação na douta sentença recorrida da matéria julgada não provava não cabe na previsão normativa da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo sempre se dirá que tal omissão por parte da douta sentença recorrida tem, então, cabimento na alínea d) do n.º 1 da mesma norma. 5.14 - Pelo que se impõe concluir, na linha da melhor doutrina e jurisprudência que, em virtude da douta sentença recorrida não descrever em nenhuma parte do seu conteúdo os factos julgados não provados, nem sequer por remissão para os articulados das partes, é a mesma nula ou nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, ou, no limite, nos termos da alínea d) do n.º1 do mesmo artigo do Código Processo Civil.”. Cumpre recordar que as nulidades da decisão encontram-se taxativamente enumeradas no art.º 615º nº 1 do CPC, o qual estabelece que: “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.” Como do preceito se alcança, as nulidades da decisão – revista ela a forma de despacho, sentença ou acórdão – prendem-se com vícios estruturais ou intrínsecos da mesma, decorrem do conteúdo desses actos do Tribunal ocorrendo quando as decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não poderiam ter nos termos do artigo 615º nº 1 CPC [e também dos artºs 666º nº 1 e 685º do CPC, que ao caso não importam]. São erros de actividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito (veja-se, por todos e a título de exemplo, Acórdão do STJ de 11/10/2022, no proc. 602/15.0T8AGH.L1-A.S1 - disponível in www.dgsi.pt); não se prendem com o mérito da decisão ou com erro no julgamento (de facto ou de Direito), mas antes com o cumprimento ou a violação de regras de estrutura, de conteúdo ou dos limites do poder à sombra do qual as decisões são decretadas, tratando-se, como dito, de defeitos de actividade ou de construção da própria sentença, ou seja, de vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido à apreciação do Tribunal. Segundo Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., Janeiro/2014, pág. 734, são vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”. Vejamos a situação dos autos. Findos os articulados o Tribunal a quo proferiu em 02/11/2023 despacho do seguinte teor “Nos termos dos artigos 897.º, n.º 1 e 899.º, ambos do Cód. Proc. Civil, determino a realização da perícia e respectivo relatório, a que alude referido artigo 899.º, n.º 1, uma vez que se impõe aferir da existência, extensão e início da incapacidade alegada”; posteriormente, em 26/01/2024, foi prolatado despacho que “Para audição da beneficiária, ao abrigo do artigo 139.º, n.º 1 do Cód. Civil e artigos 897.º, n.º 2 e 898.º, ambos do Cód. Proc. Civil, designo o próximo dia …”; depois deste foi proferido em 27/02/2024 despacho determinando “Nos termos do artigo 898.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, atendendo ao vertido nos requerimentos que antecedem, a beneficiária será ouvida somente perante a minha presença, do M.P. e dos Ilustres Mandatários das partes.”. E após o Tribunal proferiu a decisão de mérito no sentido da improcedência da presente acção especial, declarando a não necessidade de aplicação de qualquer medida de acompanhamento à beneficiária. Nenhum destes despachos, versando sobre a realização de diligências de prova, se pronuncia sobre os requerimentos probatórios apresentados pelas partes nos respectivos articulados, e transcorrido o processo dele não consta qualquer despacho que sobre eles se tenha pronunciado. Tendo a Requerente, de acordo com as disposições conjugadas do art.º 138º do CCivil e do art.º 892º nº 1 al. a) do CPC, alegado factos destinados a revelar a necessidade de acompanhamento e densificadores das medidas adequadas e tendo a Requerida apresentado oposição sustentada em factos tendentes a demonstrar a desnecessidade de acompanhamento e aplicação de medidas, as partes têm direito a produzir prova sobre os factos que tenham alegado, só assim se garantindo o processo justo e equitativo e o princípio do contraditório. Por isso, os amplos poderes instrutórios que a lei atribui ao juiz nos termos das disposições conjugadas dos artºs 897º nº 1 e 986º nº 2, ex vi art.º 891º nº 1, todos do CPC, não são sinónimo de arbitrariedade na escolha dos meios probatórios a produzir, mas antes um poder/dever de indagação dos factos relativos à natureza da inaptidão imputada ao beneficiário e a apurar as concretas medidas adequadas ao concreto indivíduo no seu particular contexto, no que se inclui o poder/dever de avaliação da pertinência e necessidade das provas que tenham sido propostas. Pelo que, quanto às provas que tenham sido propostas pelas partes, não está o juiz dispensado de expressamente se pronunciar sobre a adequação e necessidade das mesmas, sendo antes quanto lhe impõe o princípio geral estabelecido no art.º 154º CPC e ainda no art.º 897º nº 1 do mesmo código, ao prescrever que analisa os elementos juntos pelas partes e se pronuncia sobre a prova por elas requerida em ordem a determinar apenas, mas fundamentadamente, as diligências que considere convenientes. Não tendo havido pronúncia sobre os requerimentos probatórios apresentados pelas partes, o Tribunal a quo omitiu um acto que a lei prescreve e que constitui uma nulidade que se projecta na sentença, afectando-a desse mesmo vício (cfr. neste sentido Abrantes Geraldes in Recurso no Novo Código de Processo Civil, em anotação ao art.º 627º). Já assim não ocorre no que toca à falta de convocação da senhora Perita Médica para a audição da Requerida, pois o despacho de 27/02/2024 foi expresso quanto a que “…a beneficiária será ouvida somente perante a minha presença, do M.P. e dos Ilustres Mandatários das partes.”, pelo que as partes, dele notificado, tiveram a oportunidade de contra ele reagir, o que não fizeram, designadamente a Recorrente, tendo-se o mesmo consolidado por trânsito em julgado. Retomando o que vínhamos expondo, a omissão de pronúncia sobre os requerimentos probatórios apresentados pelas partes constitui uma nulidade que se projecta na sentença porquanto esta veio a ser proferida sem que as partes tenham tido oportunidade de produzir os seus meios de prova de forma a convencer (ou não) o Tribunal das suas posições, e sem que para as partes fosse expectável a prolação de sentença sem que tivesse recaído pronúncia sobre os seus meios de prova, sequer as ouvindo sobre a possibilidade de dispensa dos mesmos. E desse modo a sentença efectivamente constitui uma decisão surpresa por evidente violação do princípio do contraditório, pois “Actualmente vigora uma concepção ampla do princípio do contraditório, nos termos da qual, além do direito de conhecer a pretensão contra si formulada e do direito de pronúncia prévia à decisão, a ambas as partes, em plena igualdade, é garantido o direito a intervirem ao longo do processo de molde a influenciarem a decisão da causa no plano dos factos, prova e direito, só estando dispensado em casos de manifesta desnecessidade”. De facto “o princípio do contraditório, ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais (…) garante a participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/05/2022, proc. 491/16.8T8BCL-E.G1, Rel. Margarida Almeida Fernandes, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/05/2017, proc. 28354/16.0YIPRT.P1, Rel. Fernando Samões). Vício que igualmente fere a sentença de nulidade. Mas mais. É sabido que o regime jurídico dos maiores acompanhados foi consagrado subordinado aos princípios da flexibilidade, da proporcionalidade, da subsidiariedade e da necessidade, de forma a integrar vastas situações carecidas de tutela e a possibilitar a adopção das medidas concretamente adequadas a cada caso, tendo por paradigma a capacidade de exercício (ao invés da anterior concepção dos regimes de interdição e de inabilitação moldados sob o prisma da incapacidade), sendo destinado a assegurar ao maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres (cfr. art.º 138º CCivil), a salvaguarda do seu bem-estar, (idealmente) a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres. Neste conspecto sobressai nas sociedades hodiernas, face ao aumento da longevidade, a necessidade de serem adoptadas medidas em função da perda progressiva da autonomia por via do envelhecimento ou de afecções degenerativas de natureza física ou psíquica, sendo, na maioria das situações, identificáveis graus de autonomia pessoal diferenciados que há que respeitar e preservar condignamente, adoptando no estritamente necessário medidas em função das concretas circunstâncias de ordem pessoal do visado ou não as adoptando sempre que o seu objectivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam. Assim, o princípio do mínimo necessário, consagrado no artigo 145º do Código Civil, impõe proporcionalidade entre a medida adoptada e a situação apurada, a fim de preservar, na medida do possível, a autonomia e dignidade do beneficiário, cuja esfera pessoal só pode ser invadida da forma estritamente necessária a suprir as concretas deficiências e incompatibilidades detectadas : o indispensável à satisfação do imperioso interesse do acompanhado, com observância do princípio do aproveitamento de toda a capacidade de exercício e de gozo do mesmo. Daí que, dada a variedade e abundância de circunstâncias, se mostre necessário apurar com rigor os contornos de cada situação, de modo a que, delimitado facticamente o caso nas vertentes pessoal e patrimonial do visado, se possa efectuar a subsunção jurídica e determinar se é necessária a aplicação de medidas e, na afirmativa, qual o acompanhamento que se impõe. Ora, o Tribunal a quo proferiu sentença que não contempla factos essenciais e complementares destes que as partes haviam alegado, o que se divisa mostrar-se conexionado com a circunstância de não lhes ter proporcionado a produção da prova por elas proposta, naturalmente destinada à demonstração dos factos por cada uma delas alegados, designadamente as testemunhas arroladas pelas partes, que pela sua relação e contacto com a Requerida seriam susceptíveis de aportar aos autos elementos factuais relativos à pessoa da beneficiária, ao seu contexto vivencial, ao seu património e à sua actuação sobre este; vindo a sentença a quedar-se por uma decisão de facto com singelos 12 pontos de factos provados e nada dizendo sobre eventuais factos não provados, designadamente dentre os alegados pelas partes; nada foi dado como provado ou não provado quanto a doenças e inaptidões (incapacidades) que afectem a Requerida para o governo da sua pessoa e administração dos seus concretos bens, sendo que o juiz, no momento em que procede ao julgamento da matéria de facto, deve indicar com precisão os factos provados e não provados em obediência ao estatuído no nº 4 do art.º 607º CPC. E no segmento na sentença em que se pronuncia sobre os factos provados e não provados o juiz tem de ponderar, além dos factos essenciais e instrumentais, os factos complementares e os factos concretizadores dos que as partes tenham alegado (neste caso acautelado que seja o contraditório / cfr. nº 1 e 2 do art.º 5º e nº 4 do art.º 607º CPC) e que de acordo com o tipo legal se revelem necessários a que a acção proceda ou a excepção opere. Isto porque na enunciação dos factos, quer dos provados quer dos não provados “o juiz não deve orientar-se por uma preconcebida solução jurídica do caso, antes deve assegurar a recolha de todos os factos que se mostrem relevantes em função das diversas soluções plausíveis da questão de direito”, pois “não é de excluir que, apesar de o concreto juiz entender que basta um determinado enunciado de factos provados ou não provados para que a ação proceda ou improceda, o tribunal superior, em sede de recurso, divirja daquela perspetiva e considere outras soluções dependentes do apuramento de outros factos. Em tais circunstâncias, melhor será que o juiz, de forma previdente, use um critério mais amplo, inscrevendo na matéria de facto provada e não provada todos os elementos que possam ter relevo jurídico, evitando ou reduzindo as anulações de julgamento decretadas ao abrigo do art.º 662º, nº 2, al. c), in fine” (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, Almedina, em anotação ao art.º 607º). Têm, pois, de ser analisados, para efeito de serem considerados provados ou não provados, os factos alegados pelas partes nos articulados da causa. Aqui chegados se vê que a falta de enunciação dos factos não provados, em desconsideração dos factos alegados pelas partes, afecta a sentença sob recurso da nulidade por omissão de pronúncia. E excluindo da decisão de facto [em qualquer dos seus segmentos, provados ou não provados] factos alegados pelas partes tendentes a demonstrar ou infirmar a necessidade de acompanhamento e à densificação das medidas adequadas, a sentença revela-se deficiente por falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares destes que são imprescindíveis à decisão da causa. Efectivamente – tendo em vista que uma medida de acompanhamento de uma pessoa maior só se justifica quando esta revelar uma inaptidão básica para autogovernar e autodeterminar a sua vida, tanto pessoal, como patrimonial, e não forem bastantes os deveres gerais de cooperação e de assistência, e que as medidas de acompanhamento devem ser proporcionais, na medida do concretamente necessário, com respeito pela dignidade do visado e ajustadas à preservação dos interesses legítimos da pessoa acompanhada, nomeadamente da sua capacidade de exercício – haverá que partir de um critério realista da capacidade natural na formação da livre vontade do beneficiário, para o que terão de ser ponderadas todas as circunstâncias endógenas e exógenas que em termos funcionais reduzam ou eliminem as suas aptidões mentais e de autonomia pessoal (capacidade básica de autogoverno e autodeterminação) para dirigir a sua pessoa, administrar os seus bens e celebrar actos jurídicos em geral. Ora, a sentença sob recurso não se debruçou, inclusive no domínio dos factos, sobre as condições pessoais e sociais da Requerida e rede familiar (próxima e alargada) de suporte, sobre a sua saúde e condição clínica, nem sobre qual o seu património, aspectos que foram alegados e deveriam ter sido averiguados pelo Tribunal a quo face à sua relevância para a determinação da necessidade de medidas de acompanhamento e, sendo caso disso, de qual ou quais as concretas medidas, minimamente invasoras da sua dignidade e autodeterminação mas adequadas à sua situação real; aparentando ainda o Tribunal ter desvalorizado, sem que discorra um fundamento para tal (naturalmente sem prejuízo da livre apreciação da prova), que do capítulo da perícia relativo à discussão e conclusões consta «De acordo com a avaliação clínico-forense realizada e consulta da documentação a que tivemos acesso, somos de parecer que a Examinanda apresentava à data da perícia um quadro de Perturbação Neurocognitiva Major em fase de transição da entidade denominada Défice Cognitivo Ligeiro (CID- 102: F 06.7, OMS3, 1992) para uma fase inicial de uma síndrome demencial não especificada (CID- 10: F 00.9, OMS, 1992). A natureza da patologia de que padece será muito provavelmente decorrente da idade e de fenómenos vasculares e neurodegenerativos cerebrais. No caso em concreto não tivemos acesso a exames neuroimagiológicos e tivemos acesso apenas às conclusões de uma avaliação neuropsicológica realizada em Março de 2023, que revelou "defeito ligeiro na capacidade de atenção sustentada (devido a lentificação), memória de trabalho, evocação de palavras isoladas (após interferência breve), aprendizagem associativa, construtiva bidimensional e cálculo elementar". Nesta avaliação foi ainda registada "alguma perda de informação (esquecimento) para períodos de 30 minutos", bem como "sintomatologia ligeira de tipo depressivo", sendo tal perfil neuropsicológico compatível com um quadro de Défice Cognitivo Ligeiro (DCL) que, na opinião da neuropsicóloga, não preencheria ainda critérios (neuropsicológicos) para demência. Dito isto, não é demais sublinhar que o diagnóstico de uma síndrome demencial é um diagnóstico clínico, i.e. médico (e não neuropsicológico) e que só pode/deve ser feito por médicos, idealmente especialistas em neurologia ou psiquiatria. A avaliação clínico-forense por nós realizada leva-nos a concluir que à data da perícia, i.e., cerca de 9 meses após a avaliação neuropsicológica, a situação de saúde, que é de natureza permanente, irreversível e progressiva, era compatível com uma fase de transição para a fase inicial de uma síndrome demencial (também denominada demência em grau ligeiro). O DCL representa uma fase de transição entre o envelhecimento normal e a demência e não constitui habitualmente motivo de incapacitação total, (…). (…) os indivíduos com DCL apresentam alterações num conjunto de capacidades (cognitivas) que ainda assim permitem habitualmente a gestão financeira dos seus bens, bem como a celebração de contratos lato senso. Assim, importa determinar até que ponto os défices cognitivos que a Examinanda apresenta afectam diretamente a capacidade de decisão, ou seja, de conceber e levar a cabo um determinado plano. Dito de outro modo, mais importante que o diagnóstico propriamente dito, importa contextualizar a situação do individuo em particular, sendo que no caso em concreto importa frisar que a Examinanda não leva a cabo várias actividades de vida diária há pelo menos 10 anos, quando passou a residir num ambiente institucional. Assim, há vários anos que a examinada não leva a cabo, efectivamente, a gestão do seu património, ou sequer a aquisição de bens de uso corrente, cujo valor já desconhece. Na avaliação neuropsicológica realizada em 2023 e no MMSE por nós administrado, em que pontuou 23/30, ficaram evidentes dificuldades cognitivas, entre outras, no cálculo, e ficou patente que já tem muitas dificuldades em fazer somas de pequenas quantias de dinheiro e trocos. Quanto a outros conceitos financeiros, ficou patente já não ter uma noção adequada em que consiste ou para que serve um cartão de débito e de crédito, uma hipoteca ou um fiador. Além do mais, não se trata apenas de uma situação de desuso; face aos défices cognitivos que já apresenta, não tem já capacidade para reaprender tais conceitos e para os poder aplicar na prática. Ainda que pareça manter uma noção minimamente adequada do objectivo de um testamento, direito que alegadamente já terá exercido por duas vezes, ficou patente não ter uma noção exacta do seu património. Apesar de já ter outorgado Procuração Forense no passado - e aparentemente já depois da morte do marido, i.e., no ano 2022 ou 2023 - não conseguiu explicar o objectivo de tal acto de forma correcta. Por fim, do ponto de vista motor apresenta grandes limitações desde há pelo menos 10 anos, motivo pelo qual terá ido residir com o marido para uma instituição. As dificuldades cognitivas documentadas no ano 2023 parecem estar presentes há algum tempo, já que a Examinanda se encontra medicada com memantina - um antidemencial - desde o ano 2015. Ainda que tal antidemencial só esteja indicado para o tratamento das fases moderada e/ou avançada (grave) da demência, o mesmo terá sido instituído em dose baixa, o que se admite ter sido devido à melhor eficácia na sintomatologia comportamental que porventura já existiria à época. Por fim, a estes défices cognitivos associam-se sintomas depressivos desde há longa data, que motivaram tratamento com uma associação de antidepressivos numa dose "considerável". Note-se que as fases depressivas associam-se a maiores dificuldades cognitivas, o que poderá ter justificado o neurologista instituir um antidemencial como a memantina no ano 2015. (…) Dito isto, e apesar de a Examinanda poder estar ainda cognitivamente capaz para decisões de baixa complexidade, apresenta já dificuldades em tarefas mais complexas, sendo que, em razão da própria idade avançada, importa acautelar algumas situações. Para além de se encontrar já numa fase de transição para demência, poderá surgir uma complicação superveniente que agrave significativamente o seu estado de saúde. Por todos estes motivos, e ainda que num contacto superficial pareça manter relativamente intactas várias capacidades cognitivas, cremos que as consequências da patologia de que padece são importantes e justificam a necessidade de ser nomeado um Acompanhante, nos termos da nova redacção conferida pela lei 49/2018 de 14/08, incluindo e tendo em conta os vários actos ou categorias de actos, previstos nos artigos 145º e 147º, ambos do Código Civil. (…) Do ponto de vista patrimonial e face à extensão da incapacidade cognitiva motivada pela sua situação de saúde, consideramos que a Examinanda não apresenta condições para poder administrar a totalidade do seu património, pois apesar de ainda ter alguma noção do seu património, ficou patente não ter a noção de vários conceitos financeiros, de não ter a noção do valor de bens de uso corrente e de já ter dificuldade com o cálculo e nomeadamente com trocos. Por esse motivo, consideramos que do ponto de vista médico-legal, se justifica a proposta da requerente de que (…). Do ponto de vista do exercício dos direitos pessoais, se bem que, em rigor, a pronúncia quanto a alguns deles exceda a competência pericial, porquanto tal juízo será maioritariamente valorativo, face à extensão da situação de saúde de que padece, somos de parecer que deverá ser ponderada a limitação do direito pessoal (…). Ainda que não tenha sido proposto pela requerente, tomamos a liberdade de propor que a responsabilidade em aceitar ou recusar tratamentos médico-cirúrgicos, e em agendar consultas ou gerir medicação prescrita não deve estar totalmente confiada à Examinanda, beneficiando de assistência para tais decisões de saúde pelo Acompanhante, devido às dificuldades cognitivas que já apresenta. (…) Dito isto, poderá manter dinheiro de bolso para pequenas despesas que poderá levar a cabo inclusivamente dentro da instituição, o que é benéfico para manter competências na gestão de pequenas quantias de dinheiro e treinar algumas funções cognitivas como seja o cálculo. Como medidas de apoio e tratamento, deve a Examinanda manter seguimento médico regular em consultas de medicina e da especialidade de neurologia e/ou psiquiatria, e consideramos que deverão ser objecto de autorização judicial prévia decisões de recusa de tratamento proposto de acordo com as leges artis que gerem uma possibilidade de redução do conforto e bem-estar da Examinanda. Pese embora se admita que o quadro tenha tido início há vários anos, e que inclusivamente já condicionasse alguma incapacidade parcial em data prévia, no ano 2015 a incapacidade seria já notória, motivo pelo qual um especialista em Neurologia decidiu medicar com um antidemencial. Dito isto, só tivemos acesso a elementos documentais quanto à natureza e extensão da incapacidade datados do ano 2023. Nesse sentido, arbitra-se para data de início da incapacitação permanente e irreversível, ainda que parcial, o 1º trimestre do ano 2023 (…). Face ao exposto consideramos que se justifica a aplicação de uma medida de acompanhamento com administração total dos bens, na forma de assistência para a maioria dos actos e de eventual representação para outros mais complexos, conforme acima descrito, ficando abrangidos diversos actos da vida em sociedade, e sendo nomeado Acompanhante que da Examinanda possa cuidar e com quem mantenha afectividade, que possa garantir o exercício de direitos, cumprimento de deveres e assegurar o seu bem-estar, nos precisos termos dos desejos da própria. O quadro clínico supra é irreversível e tende ao agravamento, pelo que do ponto de vista médico-legal consideramos adequada a revisão num período de 2 a 3 anos.» Ora, a sentença deficiente (seja total ou parcialmente) por falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares destes, de tal sorte que obste ao estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso, mostra-se ferida de nulidade que é de conhecimento oficioso nos termos do art.º 662º nº 2 al. c) do CPC (cfr. neste sentido Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa in Código de Processo Civil anotado, em anotação ao art.º 662º). E ante tudo o acima exposto ressalta ser inviável a boa decisão da causa sem que haja pronúncia sobre os factos relativos às condições pessoais e sociais da Requerida e rede familiar (próxima e alargada) de suporte, sobre a sua saúde e condição clínica, e sobre o seu património, dentre os factos essenciais e instrumentais alegados pelas partes - que hão-de ser objecto de decisão que os julgue provados ou os considere não provados - e os mais que o Tribunal de 1ª instância entenda averiguar no uso dos amplos poderes inquisitórios que a lei lhe confere (no art.º 411º e, em especial, nos artºs 897º nº 1 e 986º nº 2 CPC). Aqui chegados, julgam-se verificadas as nulidades acima apontadas, com a inerente procedência do recurso e, ainda, oficiosamente verificada a nulidade por deficiência decorrente da falta de pronúncia sobre factos essenciais e instrumentais alegados pelas partes. Deste modo, há que julgar nula a sentença sob recurso para que o Tribunal a quo se pronuncie sobre os requerimentos de prova apresentados pelas partes e, após a produção de prova que repute adequada (entre a indicada pelas partes e a mais que o Tribunal entenda), seja proferida nova sentença que, apreciando todos os factos relevantes (essenciais e instrumentais) alegados pelas partes, contemple nova decisão de facto (exarando-se os factos provados e os não provados) e de Direito. III - DECISÃO Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar procedente o recurso por verificadas as nulidades acima apontadas e, ainda, julgar oficiosamente verificada a nulidade por deficiência decorrente da falta de pronúncia sobre factos essenciais e instrumentais alegados pela partes, devendo o Tribunal a quo pronunciar-se sobre os requerimentos de prova apresentados pelas partes e, após a produção de prova que repute adequada (entre a indicada pelas partes e a mais que o Tribunal entenda), profira nova sentença que, apreciando todos os factos relevantes (essenciais e instrumentais) alegados pelas partes, contemple nova decisão de facto (exarando-se os factos provados e os não provados) e de Direito. * Sem custas (cfr. art.º 4º nº 2 al. h) do Regulamento das Custas Processuais). Notifique. Lisboa, 22/10/2024 Amélia Puna Loupo Carla Flora Figueiredo Rui Pinheiro de Oliveira |