Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA SANDIÃES | ||
Descritores: | PACTO DE OPÇÃO DECLARAÇÕES DAS PARTES EFEITOS DIREITO POTESTATIVO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | No pacto de opção uma das partes emite logo a declaração correspondente ao contrato que pretende celebrar (v.g. venda), enquanto a outra se reserva a faculdade de aceitar ou declinar o contrato, dentro de certo prazo. Do pacto de opção deriva um direito potestativo à aceitação da proposta contratual emitida pela outra parte, a exercer dentro do prazo estipulado pelas partes para o efeito. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa MC intentou ação declarativa com forma de processo comum contra AR e EP, pedindo que: a) seja proferida decisão, que substituindo a declaração de vontade dos RR. produza efeitos da venda, operando para a A. a transmissão da propriedade do prédio urbano em propriedade total descrito sob o número 132, sito na Rua …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz predial sob o artigo …. b) se declare que os RR. se encontram em mora, pelo menos, desde 2 de setembro de 2022; c) se declare compensado o crédito da A. por danos patrimoniais, causados pelos RR., retificando-se o valor de venda do imóvel por força de tal compensação; d) se declare compensado o valor das rendas que se vencerem posteriormente à propositura da presente ação até à data de prolação da sentença. Os RR. apresentaram contestação conjunta, pugnando pela improcedência da ação. Com dispensa de realização da audiência prévia foi proferido despacho saneador sentença, que julgou improcedente a ação e, consequentemente, absolveu os RR. do pedido formulado. A A. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: “a. A recorrente intentou a presente acção contra os recorridos, considerando que os mesmos, incumprem com o contrato com os mesmos firmado, ao obstarem que a mesma exerça de forma efectiva o seu direito de opção de compra. b. O tribunal a quo, veio sobre a presente matéria, proferir sentença que considera que a recorrente exerceu o seu direito de forma extemporânea. c. A recorrente considera que o Tribunal a quo não compreendeu de forma correcta a situação fática, sequer realizou ou percebeu a prova produzida, tendo realizado uma incorrecta apreciação do direito aos factos, razão pela qual veio a recorrente interpor o presente recurso. d. Dos factos que importam para a correcta e cuidada interpretação e aplicação da Lei resulta da prova que foi produzida: e. recorrente e recorridos, celebraram em 18 de dezembro de 2017 um contrato, que denominaram contrato de arrendamento, tendo como objecto o prédio urbano em propriedade total, sito na Rua …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, com licença de construção n.º /99. f. No referido contrato o 1º Outorgante AR declarou dar de arrendamento ao 2º Outorgante MC, que por sua vez declarou tomar de arrendamento, a habitação referida em 1, com finalidade de habitação. g. Nos termos da cláusula 3ª o contrato foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com início a 18 de Dezembro de 2017, tendo ficado previsto no n.º 2 da mesma cláusula que “o presente contrato renova-se automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de um ano, caso nenhuma das partes se oponha á renovação, nos termos do disposto da lei e nos números seguintes. h. A renda acordada foi de 300€/mensais, a ser paga pela 2ª Outorgante ao 1º Outorgantes no dia 1 de cada mês durante o período do contrato, a ser paga por numerário, depósito ou transferência bancária para NIB a indicar pelo 1º Outorgante. i. Ao referido contrato acrescentaram as partes, uma cláusula (12.ª) com o seguinte teor “o primeiro outorgante AR confere ao 2º Outorgante, MC, o direito de adquirir o imóvel objeto do presente contrato, nos termos e condições constantes do anexo I que dele faz parte integrante – cláusula de opção de compra do imóvel. j. Em face do exposto, a recorrente exerceu o seu direito de opção de compra, por carta enviada pelo mandatário aos recorridos, no dia 29 de novembro de 2021, tendo ainda a recorrente, enviado nova carta directamente aos recorridos, no dia 7 de dezembro de 2021 e ainda no dia 2 de setembro de 2022, cfr. Resulta dos documentos juntos. k. Os recorridos tendo recebido as missivas onde a recorrente expressamente exercia o seu direito de opção de compra, nada disseram ou fizeram, não tendo enviado a documentação necessária nem à recorrente, nem ao cartório notarial, sequer apareceram no mesmo, com vista à celebração da escritura pública de compra e venda, no dia, data, hora e local agendado, cfr. resulta dos documentos juntos. l. Resulta assim, de forma directa dos autos, que até 1 de agosto de 2022, nenhuma das partes outorgantes do contrato de arrendamento firmado, se opôs a renovação do contrato, denunciou ou resolveu o mesmo, de forma válida, pelo que o mesmo, manteve a sua vigência até 18.12.2022. m. Pelo que, daqui decorre, que o contrato de arrendamento, teve o seu início a 18.12.2017, teve a primeira renovação a 18.12.2018, teve a segunda renovação a 18.12.2019, teve a terceira renovação a 18.12.2020, teve a sua quarta renovação a 18.12.2021 (atento que não foi denunciado por qualquer das partes) terminando o mesmo, apenas a 18.12.2022 (conforme comunicação de não renovação do contrato enviada pelo recorrido, no dia 1 de agosto de 2022, à recorrente. n. Retirando assim de forma directa dos factos supra referidos e totalmente comprovados junto dos autos, que quando a recorrente exerce o seu direito – comunicando aos recorridos, a sua opção de compra (29 de novembro de 2021, 7 de dezembro de 2021 e 2 de setembro de 2022 (marcação da escritura) – realiza o mesmo durante a vigência do contrato, inexistindo qualquer caducidade do direito da recorrente. o. Pelo que o Tribunal a quo, esteve francamente mal, ao entender que a recorrente não exerceu o seu direito de opção de compra (nos termos da cláusula 12ª do contrato), nos 180 dias que antecedem o fim do contrato, que conforme resulta da prova produzida foi a 18.12.2022. p. Encontra-se comprovado que a mesma exerceu o seu direito de opção com mais de um ano de antecedência face ao terminus do contrato. Balizando e entendendo sempre o terminus com a não renovação – comunicação enviada pelo recorrido á recorrente. q. Esteve ainda francamente mal, este Tribunal a quo quando considerou que a simples carta enviada pela mandatária do recorrido, sem qualquer formalismo, e fora de qualquer cumprimento legal poderia por si, denunciar um contrato de arrendamento. r. Mantendo-se assim, até á data (18.12.2022) conforme comunicação efectuada pelo recorrido, todos os deveres e direitos convencionados pelas partes no contrato firmado e estipulados pela Lei. s. Comprovando-se, face a todo o exposto e alegado, que o recorrente, exerceu o seu direito de forma tempestiva, encontrando-se o contrato de arrendamento em vigor, quando a mesma exerceu o seu direito, tendo a mesma exercido o seu direito com uma antecedência superior a 180 dias face ao terminus do contrato, que conforme decorre da própria comunicação do Réu, foi a 18.12.2022. t. Do contrato firmado resultaram direitos e deveres, tendo a Autora o dever de antes do terminus do contrato (180 dias) exercer, assim querendo o seu direito de opção de compra e tal foi exercido pelo que cabe aos recorridos o dever de realizar a escritura de compra e venda. u. “Do pacto de opção deriva um direito potestativo à aceitação da proposta contratual emitida e mantida pela outra parte” Antunes Varela, das Obrigações em Geral, Vol. I, 10a edição, pág. 311) sendo esta doutrina mencionada no Acórdão do STJ de 10.11.2011. v. Assim, no pacto ou contrato de opção existe uma declaração contratual de uma das partes, aqui recorridos, que se vinculam de forma irrevogável, enquanto a outra parte se reserva na faculdade de, livremente aceitar ou não esse mesmo contrato, aperfeiçoando-se assim o contrato, uma vez que os recorridos nada têm que fazer, uma vez que já emitiram a sua vontade, conforme contrato. w. Assim, face à existente vinculação dos recorridos, veio a recorrente, no decurso do contrato de arrendamento, durante a sua vigência, por três vezes, exercer o seu direito de opção de compra, notificando para tal, os recorridos, pelo que dúvidas não existem, do exercício do direito, nos termos convencionados no contrato, firmado entre as partes. x. Nestes termos e, no âmbito de uma decisão do STJ de 27.09.2007, veio este Tribunal Superior sustentar “Nos pactos de opção, uma das partes emite logo a declaração correspondente ao contrato que pretende celebrar, enquanto a outra se reserva a faculdade de aceitar ou declinar o contrato dentro do prazo certo.” y. No demais, a presente sentença que se coloca em crise acompanha o oferecido pela recorrente, contudo, apraz-nos referir para os devidos efeitos que tendo sido o pacto de opção celebrado por documento escrito, assumindo os requisitos bastantes para consubstanciar um negócio sucedâneo de contrato promessa de compra e venda, sendo a vontade hipotética e conjectural das partes, no sentido de pretenderem celebrar uma escritura de compra e venda, tendo agido sempre nestes moldes, é de admitir que se tivessem previsto a nulidade por vicio de forma teriam celebrado um contrato promessa de compra e venda, pois que o resultado final económico-juridico, embora mais precário, aproxima-se do tido em vista pelas partes, com a celebração do anexo, sendo essa vontade a da venda do imóvel por parte dos Réus e a da compra por parte dos Autores, deve concluir-se pela admissibilidade da conversão do pacto de opção, nulo por vício de forma, num contrato promessa de compra e venda. z. Não havendo dúvida quanto á vontade hipotética das partes face ao contrato firmado, nos termos e modo em que foi, tanto que nunca tal facto foi sequer alvitrado pelos Réus, “deve entender-se, também, com fundamento nos arts. 239º e 334º ambos do Código Civil, a conversão do negócio, dando-se o mesmo enquanto válido, ficando os Réus vinculados a cumprir com o contrato que celebraram. aa. Nos termos do exposto, verificando-se que as partes celebraram um contrato de arrendamento com opção de compra, durante a vigência do contrato, veio a recorrente exercer o seu direito de opção de compra, pelo que tendo o exercício do seu direito sido realizado no estrito cumprimento do contrato, de forma tempestiva, antes de 180 dias do terminus do mesmo, deve nesta medida ter-se o exercício da recorrente por válido e ser decretado o incumprimento por parte dos recorridos, vinculando-se os mesmos a cumprir com o contrato conforme pedido feito pela recorrente junto aos autos. Termos em que, Venerandos Juízes Desembargadores, deverá revogar-se a douta sentença recorrida, devendo a mesma ser substituída por uma que vise e cumpra com todos os princípios legais, nomeadamente que condena os recorridos no pedido formulado na acção, ao julgar, assim, estareis a praticar a tão costumada Justiça!” Os RR. apresentaram contra-alegações, tendo terminado com as seguintes conclusões: “1- Os RRs. enviaram uma carta datada 18 de novembro de 2021 à A. MC solicitando a entrega do imóvel; 2 - Em 29 de novembro de 2021 respondeu a A. não sobre o conteúdo da carta recebida dos RR mas que queria exercer a opção de compra; 3- Contudo este direito à opção de compra já tinha caducado, porquanto, 4- Diz o nº 3 do anexo 1 “O segundo outorgante poderá exercer o seu direito de opção de compra, nos termos referidos nos números anteriores, até cento e oitenta (180) dias antes da data termo do contrato.” 5- E continua no nº 4º “Caso o segundo outorgante não exerça o direito referido no número anterior, o contrato de arrendamento renovasse por igual período, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação, nos termos do disposto na lei.” 6 - O contrato já se renovou mais 3 vezes 7- Logo o prazo para exercer a opção de compra terminou no 179 dia antes do fim do contrato de arrendamento. Pelo que deverá a decisão da primeira instância ser mantida com as demais consequências legais.” * A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto (após retificação efetuada por despacho proferido em 03/06/2024): “1. Autora e Réus celebraram em 18 de Dezembro de 2017 um contrato, a que denominaram contrato de arrendamento, tendo como objecto o prédio urbano em propriedade total, sito na Rua …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, com licença de construção …. 2. Em tal contrato o 1.º outorgante AR declarou dar de arrendamento ao 2.º outorgante MC, que por sua vez declarou tomar de arrendamento, a habitação referida em 1, com finalidade de habitação. 3. Nos termos da cláusula 3.ª o contrato foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com início em 18 de Dezembro de 2017, tendo ficado previsto no n.º 2 da mesma cláusula que “o presente contrato renova-se automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de um ano, caso nenhuma das partes se oponha à renovação, nos termos do disposto na lei e nos números seguintes. 4. A renda acordada foi de 300€/mensais, a ser paga pela 2.ª outorgante ao 1.º outorgante no dia 1 de cada mês durante o período do contrato, a ser paga por numerário, depósito ou transferência bancária para NIB a indicar pelo 1.º outorgante. 5. Ao referido contrato acrescentaram as partes uma cláusula 12.ª com o seguinte teor: “o primeiro outorgante AR confere ao 2.º outorgante, MC, o direito de adquirir o imóvel objecto do presente contrato, nos termos e condições constantes do anexo 1 que dele faz parte integrante. 6. No anexo 1, assinado pelos outorgantes, declararam os mesmos: “1. O primeiro outorgante AR e o segundo outorgante MC acordam que o preço da venda do imóvel objecto do presente contrato é de oitenta e cinco mil euros. 2. Mais acordam que ao preço referido no número anterior serão deduzidas 20% das rendas (sessenta euros), efectivamente pagas pelo segundo outorgante ao primeiro outorgante, no âmbito da vigência do contrato de arrendamento e que sejam devidas até à data do contrato de compra e venda. 3. O segundo outorgante poderá exercer o seu direito de opção de compra, nos termos referidos nos números anteriores, até 180 dias antes da data do termo do contrato. 4. Caso o 2.º outorgante não exerça o direito referido no número anterior, o contrato de arrendamento renova-se por igual período, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação nos termos do disposto na lei. 5. Salvo acordo em contrário entre as partes, o não exercício do direito de opção de compra por parte do 2.º outorgante, nos termos e condições referidos nos números anteriores faz cessar o mesmo e, em consequência, fica sem efeito o disposto nos números um e dois deste anexo. 6. Sem prejuízo do disposto no n.º 3, a opção de compra por parte do segundo outorgante poderá ser exercida a todo o tempo da vigência do presente contrato, mediante envio de carta, por correio registado com aviso de recepção ao primeiro outorgante. 7. A marcação do contrato de compra e venda ficará a cargo do segundo outorgante, o qual deverá comunicar por escrito, em correio registado com aviso de recepção, ao primeiro outorgante, o local, data e hora do referido contrato, com a antecedência mínima de oito dias da data agendada. (….)”. 7. Por carta datada de 29 de Novembro de 2021, com o Assunto “Resposta à Vossa missiva datada de 19.11.2021 e recebida a 22.11.2021” a Autora, através do seu advogado informou o Réu, entre outros, da pretensão de adquirir a propriedade objecto do contrato de arrendamento, informando que iria agendar a escritura pública de compra e venda, solicitando os documentos e diligencias necessárias À venda. 8. Por carta datada de 07-12-2021 enviada ao 1.º Réu veio a Autora comunicar a este a intenção de exercer o direito de opção de compra, solicitando a entrega dos documentos necessários no prazo de 15 dias, por forma à escritura ser formalizada até dia 01-03-2022. 9. Novamente no dia 02-09-2022 a Autora, através dos seus mandatários, enviou ao Réu carta registada com aviso de recepção, solicitar novamente a documentação do imóvel por forma a agendar a escritura de compra e venda referente à opção de compra prevista no contrato de arrendamento. 10. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 18-11-2021 o Réu, através do seu mandatário, comunicou à Autora que necessitava do locado, tendo em atenção a necessidade urgente da filha daquele, invocando os arts. 1101 e 1102.º do Código Civil, solicitando uma resposta no prazo de 10 dias para melhor agilizar a solução da questão. 11. A carta referida em 7. foi enviada pela Autora ao Réu na sequência da recepção da carta referida em 10. 13. Porque face à recepção da carta referida em 10. a Autora se limitou a comunicar a intenção de concretização da opção de compra, o Réu, através de mandatário, enviou à Autora, em 1 de Agosto de 2022 a carta constante de fls. 28, que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual comunicou à Autora que “não pretende renovar o contrato de arrendamento celebrado em 18-12-2017, pelo que o mesmo cessará em 17-12-2022, devendo desocupar o locado até essa data, entregando-o livre de pessoas e bens”. * Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC). Previamente importa precisar que, pese embora na pág. 9 da alegação de recurso a apelante tenha imputado a nulidade da sentença, prevista no artº 615º, nº 1, al. c) do CPC, verifica-se que as conclusões são completamente omissas quanto a nulidades da sentença, pelo que nos termos dos preceitos citados da mesma não se conhecerá. Assim, a única questão a decidir consiste em aferir da (in)tempestividade do exercício do direito de opção de compra pela A. e respetivas consequências. Não existe dissidio quanto à qualificação, efetuada na sentença, de o contrato celebrado constituir um contrato de arrendamento de uma fração autónoma de prédio, com opção de compra (quanto a esta regem a cláusula 12ª e as constantes do anexo I), e que temos por acertada. Através do referido contrato o R. (existe manifesto lapso de escrita no facto provado nº 1, uma vez que do documento a que alude apenas figura como 1º outorgante o R.) cedeu à A. o gozo de fração autónoma, mediante o pagamento de uma renda mensal, mais tendo o R. conferido à A. o direito de adquirir o local arrendado, nos termos e condições constantes do anexo 1. Como refere Antunes Varela [1], “nos contratos de opção (…) uma das partes emite logo a declaração correspondente ao contrato que pretende celebrar (venda, locação, mútuo, etc.), enquanto a outra se reserva a faculdade de aceitar ou declinar o contrato, dentro de certo prazo: aceitando, o contrato aperfeiçoa-se sem necessidade de qualquer nova declaração da contraparte, ao contrário do que sucede na promessa unilateral, onde se torna necessário um acordo posterior para dar vida ao contrato definitivo. Da promessa unilateral deriva para o não-promitente uma verdadeira pretensão à celebração do contrato prometido; do pacto de opção deriva um direito potestativo à aceitação da proposta contratual emitida e mantida pela outra parte” Com efeito, como se pode ler em Calvão da Silva [2]: "O pacto de opção é um contrato - e nisto se distingue da proposta irrevogável -, tal como a promessa unilateral, sendo, todavia, diverso o mecanismo de realização do direito ao contrato emergente de ambos: na segunda, fonte de uma obrigação de contratar, tem de haver nova declaração contratual de ambas as partes para que o contrato definitivo se conclua - direito de crédito, portanto, o do promissário, já que exige a cooperação ou colaboração do promitente; no primeiro, para a conclusão do contrato é suficiente a declaração de vontade do beneficiário: se este aceita, exercendo o seu direito potestativo, o contrato, aperfeiçoa-se, inelutavelmente, sem necessidade de nova declaração da contraparte". Escreveu-se na decisão recorrida: “na situação vertente ocorre, porém, esta especificidade do contrato optativo de compra e venda respeitar a um bem imóvel, o que obriga à formalização das declarações de vontade em escritura pública, sob pena de nulidade (arts. 875º e 220º do CC). Podemos, pois, afirmar que neste caso concreto, ao contrário do que sucede na generalidade dos casos, o contrato ainda não está perfeito, apesar da aceitação do beneficiário, ou seja, não há contrato concluído.” Tecidas estas considerações importa apurar se a A., enquanto beneficiária da declaração negocial emitida pelo R., exerceu tempestivamente o direito potestativo de aceitar a compra. A questão da validade formal do pacto de opção apenas releva para o caso de se concluir pelo incumprimento do R. É quanto à questão da tempestividade que as partes divergem, havendo que proceder à interpretação das cláusulas constantes do anexo I, concretamente as atinentes às condições temporais do exercício da opção de compra pela A./apelante, para o que há que convocar as normas hermenêuticas dos art.ºs 236º a 238º do CC. Dispõe o artº 236º do CC que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” Tratando-se de um contrato formal, nos termos do disposto no art.º 238º, nº 1 do CC “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, salvo “se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade” (nº 2 do citado preceito); prevalecendo, em caso de dúvida, o sentido que conduza ao maior equilíbrio das prestações (art.º 237º do CC). Reportando-se aos art.ºs 236º e 238º do CC pode ler-se no acórdão do STJ de 22/09/2015[3], “como refere P. Mota Pinto, "há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este concretamente conheceu e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo". O sentido assim apurado sofre, contudo, nos negócios formais, de uma limitação de índole objectiva: esse sentido não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência no texto do documento. Nos negócios formais, a letra do negócio constitui o primeiro elemento com que o interprete se confronta. Esse elemento literal, porém, não é mais do que a base ou ponto de partida da interpretação. Por mais claros ou unívocos que pareçam, os termos utilizados não dispensam essa tarefa de interpretação, por forma a confirmar ou contrariar essa aparência, considerando outros elementos ou circunstâncias atendíveis, como o comportamento das partes, anterior ou posterior ao negócio, as precedentes relações negociais entre as mesmas partes, o próprio tipo negocial e a finalidade prática prosseguida pelas partes. Por outro lado, o intérprete não deve quedar-se na sua apreciação por expressões ou cláusulas isoladas, mas antes estender a sua análise, atentando no conjunto ou na totalidade da declaração, numa "interpretação complexiva" dessas expressões e cláusulas. Invoca-se, a este propósito, o princípio da interpretação sistemática e contextual, segundo o qual o negócio deve ser visto no seu todo, considerando as expressões utilizadas no contexto e nas circunstâncias em que foram proferidas. Ou seja, "a cláusula negocial deve ser interpretada no seu contexto, à luz do micro-sistema regulatório que o negócio constitui, levando em consideração outras circunstâncias relevantes, e tendo em conta o fim prosseguido". Relembremos o que as partes estipularam a este propósito: “1. O primeiro outorgante AR e o segundo outorgante MC acordam que o preço da venda do imóvel objecto do presente contrato é de oitenta e cinco mil euros. 2. Mais acordam que ao preço referido no número anterior serão deduzidas 20% das rendas (sessenta euros), efectivamente pagas pelo segundo outorgante ao primeiro outorgante, no âmbito da vigência do contrato de arrendamento e que sejam devidas até à data do contrato de compra e venda. 3. O segundo outorgante poderá exercer o seu direito de opção de compra, nos termos referidos nos números anteriores, até 180 dias antes da data do termo do contrato. 4. Caso o 2.º outorgante não exerça o direito referido no número anterior, o contrato de arrendamento renova-se por igual período, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação nos termos do disposto na lei. 5. Salvo acordo em contrário entre as partes, o não exercício do direito de opção de compra por parte do 2.º outorgante, nos termos e condições referidos nos números anteriores faz cessar o mesmo e, em consequência, fica sem efeito o disposto nos números um e dois deste anexo. 6. Sem prejuízo do disposto no n.º 3, a opção de compra por parte do segundo outorgante poderá ser exercida a todo o tempo da vigência do presente contrato, mediante envio de carta, por correio registado com aviso de recepção ao primeiro outorgante. 7. A marcação do contrato de compra e venda ficará a cargo do segundo outorgante, o qual deverá comunicar por escrito, em correio registado com aviso de recepção, ao primeiro outorgante, o local, data e hora do referido contrato, com a antecedência mínima de oito dias da data agendada. (….)”. O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com início em 18 de dezembro de 2017, renovando-se automaticamente no seu termo, por períodos sucessivos de um ano, caso nenhuma das partes se oponha à renovação (cfr. cláusula 3ª). A A. podia exercer o direito potestativo de aceitar a compra até 180 dias antes da data do termo do contrato. Não o fazendo nesse período, cessaria tal direito, ficando sem efeito o disposto nos nºs 1 e 2 do anexo, salvo acordo em contrário das partes – acordo que não vem alegado nem se provou. A compaginação/compatibilidade dos nºs 3 a 5 levam a concluir que a expressão usada no nº 3 “data do termo do contrato” se reporta ao fim da duração inicial - e já não ao fim da duração da renovação, uma vez que estipularam os outorgantes que, ultrapassado aquele prazo (180 dias antes do termo inicial), sem que a A. tenha exercido tal direito, cessa o direito de opção de compra e, em consequência, fica sem efeito o disposto nos números um e dois deste anexo, renovando-se o contrato de arrendamento por igual período, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação nos termos do disposto na lei. O nº 6 regula a formalidade para o exercício do direito de compra na vigência do presente contrato - leia-se o contrato de opção. Enquanto os números 2 a 4 se reportam ao contrato de arrendamento, o nº 6 refere-se expressamente ao pacto de opção, à sua vigência, isto é, até à sua cessação, nos termos dos disposto no nº 5, vigência que se baliza entre 18/12/2017 e 180 dias antes de 17/12/2018. Assim, o direito potestativo de aceitar a compra devia ser exercido até 180 dias antes da data do termo do contrato de arrendamento, em 17/12/2018, mediante envio de carta, por correio registado com aviso de receção ao primeiro outorgante. Não o fazendo no referido prazo, cessaria o direito de opção de compra (cfr. número 5). Esta é a interpretação, ao abrigo do disposto nos artºs 236º a 238º do CC, única consentânea com o texto e sua conjugação, nada tendo resultado quanto à vontade das partes em sentido diverso. A expressão “termo” é usada em diversas normas do arrendamento, com o significado de fim da duração inicial do contrato ou da sua renovação, expressamente assim definido (cfr. artºs 1055º, nº 2, 1097º, nº 2, 1098º, nº 2, todos do CC). Entender-se que no anexo 1 ao contrato de arrendamento se concede à beneficiária o prazo de 180 dias antes do termo, na aceção da data da cessação do contrato, é fazer tábua rasa do clausulado, destituindo de qualquer sentido útil quer o consignado no nº 3 como no nº 5 – não se alcançando porque razão se teria estatuído um prazo (cfr. nº 3), por referência ao termo do contrato, se interpretado como a data da sua cessação efetiva, como o faz a apelante, estando contemplada uma cominação para o caso de o direito não ser exercido nesse prazo, concretamente a cessação do direito de opção (cfr. nº 5), mas afirmando-se expressamente a renovação do contrato de arrendamento (cfr. nº 4). Se as partes apenas quisessem impor um limite temporal, um prazo para o exercício do direito de opção de compra, por referência à data da cessação do contrato de arrendamento, ter-se-iam expressado de modo diferente, designadamente não teriam consagrado o nº 5. Feita a interpretação consentânea com o texto, vejamos se a A. exerceu o direito de opção tempestivamente, ou seja, até 180 dias antes da data do termo do contrato de arrendamento. Por carta registada com aviso de receção, datada de 18/11/2021 o Réu, através do seu mandatário, comunicou à Autora que necessitava do locado, tendo em atenção a necessidade urgente da filha daquele, invocando os arts. 1101 e 1102.º do Código Civil, solicitando uma resposta no prazo de 10 dias para melhor agilizar a solução da questão. Na sequência do recebimento desta missiva, por carta datada de 29/11/2021, com o Assunto “Resposta à Vossa missiva datada de 19.11.2021 e recebida a 22.11.2021” a Autora, através do seu advogado informou o Réu, entre outros, da pretensão de adquirir a propriedade objeto do contrato de arrendamento, informando que iria agendar a escritura pública de compra e venda, solicitando os documentos e diligencias necessárias à venda. E por carta datada de 07/12/2021 enviada ao 1.º Réu veio a Autora comunicar a este a intenção de exercer o direito de opção de compra, solicitando a entrega dos documentos necessários no prazo de 15 dias, por forma à escritura ser formalizada até dia 01-03-2022. O Réu, através de mandatário, enviou à Autora, em 01/08/2022 uma carta, na qual comunicou à Autora que “não pretende renovar o contrato de arrendamento celebrado em 18-12-2017, pelo que o mesmo cessará em 17-12-2022, devendo desocupar o locado até essa data, entregando-o livre de pessoas e bens”. Não tendo sido apresentada oposição à renovação até 01/08/2022, o contrato de arrendamento renovou-se em 18/12/2018, 18/12/2019, 18/12/2020 e 18/12/2021. A A. comunicou ao R. pretender adquirir a fração arrendada por cartas datadas de 21/11/2021, 07/12/2021 e 02/09/2022, isto é, mais de dois anos depois da data termo do contrato (18/12/2018), pelo que nos termos dos nºs 3 e 5 do anexo 1, fê-lo intempestivamente, uma vez que o direito de opção de compra tinha cessado 181 dias antes da data termo do contrato (17/12/2018). Impõe-se, pois, concluir que não se verifica incumprimento imputável ao R., pressuposto da execução específica peticionada na ação, determinante da sua improcedência. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida. Custas da apelação a cargo da apelante. Lisboa, 26 de setembro de 2024 Teresa Sandiães Marília Leal Fontes Maria do Céu Silva _______________________________________________________ [1] Das Obrigações em Geral, Almedina, 4ª edição, vol. I, pág. 265-266 [2] Sinal e Contrato Promessa, Coimbra editora, 11ª ed., pág. 26 [3] proc. nº 852/12.1TBPTM-A.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt |