Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5735/19.1JFLSB.L1-3
Relator: ANA PAULA GRANDVAUX
Descritores: DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CRIME DE BURLA
BURLA QUALIFICADA
BRANQUEAMENTO
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: - Nos termos do preceituado no artigo 283.º  n.º 3, alínea b), por remissão do artigo 308º, n.º 2, ambos do CPP, a decisão instrutória deve conter "a narração , ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada".

- Neste sentido, a decisão instrutória deve conter a narração dos factos que fundamentam a respetiva decisão, ou seja, de acordo com uma corrente jurisprudêncial à qual aderimos, é  fundamental que a decisão instrutória de não pronúncia, tal como a de pronúncia, descrevam os factos que em concreto foram determinantes do juízo de levar ou não alguém a julgamento, para que desse modo o conjunto de factos que se consideraram indiciados e os não indiciados, possam garantir os direitos de defesa do arguido, mormente para que o tribunal de recurso possa avaliar se efectivamente existem ou não os necessários pressupostos para submeter o agente a julgamento.

- Se o JIC  na sua decisão de não pronúncia, de entre todos os factos enumerados no RAI, indica de forma fundamentada, quais os "Factos indiciados" e "Factos não indiciados", que entende estarem verificados, considera-se estar respeitada a referida exigência legal, com essa indicação expressa dos factos que assim foram considerados pelo JIC.
- Não é o JIC obrigado a fazer referência expressa na sua decisão instrutória a tudo aquilo que é alegado e consta do RAI, desde que justifique a sua decisão, referindo nomeadamente a necessidade de expurgar do RAI tudo o que considera constituir conclusões, elementos de prova, factos inócuos e aspetos jurídicos.

- O “ardil” a que alude o tipo de crime de burla , tem de se traduzir num engano mais elaborado e astuciosamente provocado pelo agente, que não se pode confundir com o incumprimento contratual ou violação de regras de boa fé contratual e de deontologia profissional, que devem presidir à celebração e vigência dos negócios jurídicos entre as partes, sendo necessário no caso em apreço, que se comprove a verificação de uma situação de uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocados, com vista a determinar a firma ofendida e assistente, à prática de actos que lhe causem prejuízo patrimonial. 

- Assim concretizando, não basta para o preenchimento do tipo objetivo do crime de burla que determinado agente  produza uma mera declaração desconforme com a realidade, é imperioso que o agente actue de forma engenhosa, que crie um estratagema ardiloso, que dirija ao ofendido uma encenação apta a ludibriá-lo, de modo a que este último pratique um acto de disposição patrimonial que o prejudique, o que nunca faria noutras circunstâncias, isto é caso não tivesse sido induzido a tal pela conduta ardilosa do agente.

- Decidiu bem o Juiz de Instrução, quando  constando embora ter havido violação do código de boa conduta em vigor numa determinada sociedade, por parte de um trabalhador dessa mesma sociedade, não pronunciou esse trabalhador e outros familiares do mesmo que com ele actuaram, pelo crime de burla p.p no artº 218º/1 do C.P, por considerar não existirem indícios de astúcia ou ardil, nomeadamente de uma situação de falsa representação da realidade concreta a funcionar como um vício influenciador da decisão da assistente ofendida e recorrente, mas antes e somente uma situação de violação de deveres laborais e actuação em conflito de interesses por parte dos arguidos (recorridos no caso em apreço), eventualmente cumulada com culpa na formação e incumprimento dos contratos e boa fé contratual, actuação essa a ser apreciada no âmbito do contencioso cível entre  as partes, por assumir natureza cível.

- Integra elemento do tipo de crime de branqueamento a efetiva verificação dos factos típicos ilícitos característicos do crime precedente, in casu, de burla qualificada ou de associação criminosa, pelo que, não se dando por indiciada a factualidade que visa dar suporte fáctico à prática do crime de burla qualificada e associação criminosa, não está preenchido o tipo do crime de branqueamento.

A prova, mesmo a indiciária, como é o caso daquela que é recolhida nas fases de inquérito e de instrução, é apreciada de harmonia com as regras de experiência e a livre convicção do tribunal, tendo como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência e a livre convicção da entidade competente (Art.º 127.º do CPPenal).

Assim, os indícios qualificam-se de suficientes quando justificam a realização de um julgamento; tal ocorre quando a possibilidade de condenação, em função dos indícios, for razoável.

( sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1 - No âmbito do processo de inquérito n.º 5735/19.1JFLSB o Ministério Público, no Departamento de Investigação e Acção Penal - Procuradoria da República da Comarca de Lisboa, apreciou a queixa crime apresentada em 22.11.2019 pela firma “Roche – Sistemas de Diagnósticos, Sociedade Unipessoal Lda”, contra HF_____, AP____, MP____, VS____, BSK Medical, S.A., Healthco - Business Services & Management, SGPS, S.A., Burgolegacy, SA., Delka Pharma, Unipessoal, Lda., Delk Açores, Lda. e Healthco, Unipessoal, Lda., pela prática em concurso real, de crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento.
2 - No termo desse inquérito, o M.P. decidiu-se em 10.7.2020 pelo seu arquivamento, nos termos do art.º 277º/1 do C.P.P, conforme consta do despacho de fls 1098-1102, por entender ter sido possível recolher no decurso do mesmo, prova bastante de não se ter verificado qualquer crime.
3 - Subsequentemente, a firma Roche - Sistemas de Diagnóstico, Sociedade Unipessoal, Lda., foi notificada desse despacho de arquivamento do M.P e por não se conformar com o mesmo, tendo-se constituído assistente, veio para efeitos do disposto no artigo 287º nº 1 al. b) do CPP, requerer a abertura da instrução, sustentando dever ser proferido despacho de pronúncia contra HF_____, MP____, VS____, BSK, Healthco SGPS, Burgolergy, Delk Phainia, Delk Açores, Healthco Unip, pelos factos descritos no seu requerimento de abertura de instrução (RAI) de fls. 1106 a 1203, por integrarem os mesmos na sua óptica, a prática, em concurso real, de crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento, nos termos ali expressos no RAI.
4 - No termo dessa instrução, que correu os seus termos, no Tribunal Central de Instrução Criminal – Juiz 7, por decisão de 26/11/2021, o Sr JIC decidiu NÃO PRONUNCIAR os arguidos, HF_____, AP____, MP____, VS____, BSK Medical, S.A., Healthco - Business Services & Management, SGPS, S.A., Burgolegacy, SA., Delka Pharma, Unipessoal, Lda., Delk Açores, Lda. e Healthco, Unipessoal, Lda., pela prática em concurso real, de crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento, imputados pela assistente Roche Lda, no RAI.
5 - Inconformada com a decisão instrutória de não pronúncia, dela recorreu a Assistente, Roche - Sistemas de Diagnóstico, Sociedade Unipessoal, Lda., tendo requerido que o seu recurso fosse apreciado em julgamento, ao abrigo do art.º 411º/5 do C.P.P, e apresentado motivação que terminou com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
1. O presente recurso tem por objeto a Decisão Instrutória datada de 26.11.2021 que não pronunciou os Arguidos HF_____, MP______, MP____, VS____, BSK, Healthco SGPS, Burgolegacy, Delk Pharma, Delk Açores e Healthco Unipessoal pela prática dos crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento de capitais que lhes havia sido imputado pela Recorrente em sede de RAI.
2. Entende a Recorrente que a Decisão Recorrida (i) é nula por terem sido incumpridos os deveres de narração e fundamentação impostos ao Tribunal Recorrido, (ii) representa uma leitura enviesada e seccionada dos factos que não permite a correta análise e interpretação dos factos vertidos pela Recorrente no RAI, (iii) avança argumentos que não têm suporte nos elementos constantes dos autos ou nas regras de experiência comum - sendo estes, inclusivamente, contrários àqueles -, (iv) reconduz, indevidamente, a questão de fundo, quanto à prática do crime de burla a um mero incumprimento contratual, não cuidando de analisar, corretamente, os factos contidos nos autos, assim distinguindo, como resulta da jurisprudência dos Tribunais superiores, que, em casos como o presente, em que existe uma pré-determinação dos agentes ao engano e erro do outro contratante, há uma burla, e não uma mera fraude civil.
3. Em suma, entende a Recorrente que os elementos fácticos e probatórios constantes dos autos foram incorretamente analisados pelo Tribunal a quo e que dos mesmos resultam, inequivocamente, indícios suficientes da prática, pelos Arguidos, dos crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento, nos termos imputados no RAI.
4. A Decisão Recorrida é nula por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 308º nº 2, com referência ao artigo 283º nº 3 alínea b) do CPP, uma vez que omitiu, da listagem de factos indiciados e não indiciados, um conjunto de 177 (cento e setenta e sete) factos articulados pela Recorrente no RAI, sem que exista uma justificação para essa omissão, quedando por compreender, atenta a extensão e relevância desses factos, o racional do Tribunal quanto à prática dos crimes em causa, porque assim o impossibilitou o Tribunal ao ter omitido o enquadramento dos ditos factos no elenco de factos indiciados e não indiciados.
5. Atenta a ausência de referência especificada e análise crítica da prova por parte do Tribunal a quo em relação à prova produzida em fase instrutória, e a sua relevância para apreciação dos elementos discutidos no recurso, recorda-se que deverá ser incluída na análise:
a. em termos de prova documental, os documentos juntos com a Denúncia, os documentos juntos com o Requerimento da Roche de 24.02.2020, os documentos juntos com o RAI, os documentos juntos com o Requerimento dos Arguidos de 09.07.2021, os documentos juntos com o Requerimento da Roche de 08.09.2021, os documentos juntos com o Requerimento dos Arguidos de 01.10.2021, e os documentos juntos como Requerimento da Roche de 15.10.2021;
b. em termos de prova por declarações, deverão ser consideradas as declarações do Arguido HF_____ , prestadas em diligência instrutória de dia 02.07.2021, gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, constante da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, da gravação 20210702162535_12843_4462833, com início às 14:25:36 e termo às 17:06:14, e da gravação 20210702170615_12843_4462833, com início às 17:06:15 e termo às 17:12:54;
c. em termos de prova testemunhal, deverá ser considerado o depoimento da testemunha JH____— prestado em diligência instrutória de dia 01.07.2021, gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, constante da gravação 20210701144358_12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, da gravação 20210701155807_12843_4462833, com início às 15:58:08 e termo às 16:16:32, da gravação 20210701161632_12843_4462833, com início às 16:16:33 e termo às 17:12:45, e da gravação 20210701171246_12843_4462833, com início às 17:12:46 e termo às 17:19:31 — e o depoimento da testemunha ZH___  prestado em diligência instrutória de dia 01.07.2021, gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, constante da gravação 20210701174233_12843_4462833, com início às 17:42:33 e termo às 18:47:39, da gravação 20210701184740_12843_4462833, com início às 18:47:40 e termo às 18:52:51, e da gravação 20210701185251_12843_4462833, com início às 18:52:52 e termo às 19:04:02.
6. Atendendo à extensão dos depoimentos prestados, e por forma a melhor auxiliar este Tribunal, pese embora conste nos autos a gravação dos mesmos, procede a Recorrente, pelo presente, à junção das transcrições dos depoimentos do Arguido HF_____  e das testemunhas JH____  e ZH___, e ainda das alegações do Ministério Público no debate instrutório.
7. Quanto aos crimes de falsificação de documento imputados, pela Recorrente, aos Arguidos HF_____ , MP______  e BSK entendeu o Tribunal que a maioria dos factos com relevância teria prescrito, analisando apenas os factos referentes à falsificação da fatura n.2 16/1516, que refere não terem relevância para efeitos da imputação do crime de falsificação de documento por (i) não conter um facto com interesse jurídico, (ii) a circunstância de existirem duas faturas emitidas pela BSK com o mesmo número e conteúdos diferentes ser insuficiente para concluir que uma delas é falsa, não estando indicado qual das duas faturas corresponde à realidade, e (iii) a Recorrente ter alegadamente configurado a falsificação da fatura como um artifício do crime de burla e não como uma falsificação de documento.
8. Não assiste razão ao Tribunal a quo quanto a qualquer um dos argumentos sustentados para afastar o crime de falsificação de documento, pela seguinte ordem de razões:
a. Em primeiro lugar, porque compulsada a definição legal de documento contida na alínea a) do artigo 255.º do CP, nenhuma razão existe para não inscrever o conceito de fatura, ao qual, de resto, tem sido dada essa relevância pela jurisprudência, tendo os factos aí contidos relevância jurídica, tanto mais que têm importância probatória para, p. ex., a validação pela Autoridade Tributária de transações das pessoas coletivas.
b. A fatura em causa respeita a uma transação económica inexistente, sem correspondência na faturação da BSK, resultando, quer quanto à forma, quer quanto ao conteúdo, de uma evidente manipulação de dados destinada a simular a suposta venda dos produtos adquiridos pela BSK à Roche em Angola, e procurando manter viva a relação entre aquelas empresas.
c. Em segundo lugar, a Recorrente identificou concretamente a fatura falsa em causa, tendo, ademais, descrito os motivos pelos quais a mesma não podia corresponder à verdade, designadamente (i) que a fatura foi endereçada à Roche, pela BSK, após aquela primeira ter feito pressão para a comprovação documental das vendas em Angola, por ter tido conhecimento da existência de vendas paralelas para o mercado europeu; (ii) que a BSK referiu ter já feito, por várias vezes, essa prova e trabalhar com várias multinacionais nos mercados angolano e moçambicano, o que não correspondia à verdade; (iii) a fatura em causa não se encontrar registada na contabilidade da BSK; (iv) haver uma outra fatura, com o mesmo número, essa sim, registada na contabilidade, com montante, produto e destino muito distintos; (v) a entidade e os elementos identificados da entidade que havia, supostamente, adquirido os produtos da Roche, de acordo com aquela fatura, não serem verdadeiros, não existindo tal entidade; e (vi) a própria BSK —na petição inicial que apresentou no processo cível — ter evidenciado não ter relevância no mercado angolano, não havendo correspondência nas suas demonstrações financeiras quanto aos valores ali faturados — tudo isto devidamente articulado nos parágrafos 297 a 327 do RAI.
d. Acresce que essa falsidade foi assumida pelo próprio Arguido HF_____ , nas declarações que prestou em diligência instrutória de dia 02.07.2021, constantes da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35.
e. Em terceiro lugar, não é verdade que a Recorrente tivesse configurado a falsificação da fatura como um mero artifício do crime de burla, tanto mais que imputou, especificamente, aos Arguidos o crime de falsificação de documento por falsificação da fatura n.º 16/1516, por um lado, e o crime de burla, por outro.
f. A Recorrente identificou, sim, como um dos atos materiais do crime de burla, a adulteração dos elementos da fatura n.º 16/1516, o que apenas relevará para efeitos de concurso de crimes, a final, e não já, como pretendia o Tribunal a quo, para afastar um crime em detrimento do outro.
9. Ainda quanto aos crimes de falsificação de documento, segundo o Tribunal a quo a Recorrente não teria alegado factos para o preenchimento do tipo subjetivo de ilícito, o que também não corresponde à verdade, uma vez que os mesmos foram devidamente articulados, entre outros, nos parágrafos 309, 312, 313, 315, 319, 326, 327 e 392 do RAI, dos quais é possível inferir a atitude interior dos Arguidos quanto à previsão e vontade de praticar a falsificação.
10. Acrescenta a Recorrente que as máximas de experiência comum sempre aditarão, in casu, que a circunstância de os Arguidos terem criado uma fatura, apondo na mesma elementos falsos (a identificação de um adquirente, pessoa coletiva inexistente; a identificação de produtos, quantidades e valores de venda inexistentes; a aposição de uma data e número de fatura correspondentes a outra fatura da empresa, essa sim devidamente registada na contabilidade da mesma), com o propósito de manter a Recorrente iludida quanto ao efetivo exercício de uma atividade comercial da BSK em Angola, bem sabendo que a mesma constituía, afinal, uma ficção, permite concluir pela inequívoca vontade dos Arguidos em agir de forma contrária ao dever-ser jurídico-penal, falsificando o documento em questão.
11. Contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que os autos indiciam, de forma suficiente, a prática, pelos Arguidos, do crime de falsificação de documento, concretamente, quanto à fatura n.º 16/1516, devendo ser considerados suficientemente indiciados os factos descritos nos parágrafos 297 a 327 e 392 do RAI e as consequentes razões de imputação contidas nos parágrafos 431, 451 e 452 do RAI, considerando, designadamente, como indiciado:
a. A factualidade articulada nos parágrafos 297, 298 e 299 do RAI, designadamente que em 24.11.2016, e porque se mantinham as suspeitas sobre a origem das vendas paralelas no mercado europeu, ZH___   solicitou diretamente ao Arguido HF____  que o mesmo remetesse documentação que comprovasse as vendas da BSK para Angola, por forma a descartar esta origem — para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.-9 28 junto com a Denúncia, e o depoimento da testemunha ZH___, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 2021070117423312843_4462833, com início às 17:42:33 e termo às 18:47:39, concretamente ao minuto 00:10:23 e ao minuto 00:49:35;
b. A factualidade articulada nos parágrafos 300, 301, 302, 303, 304, 305 e 306 do RAI, designadamente que em 24.11.2016 o Arguido HF_____ remeteu um e-mail ao seu cunhado, o Arguido MP______, em tom formal, pedindo o envio de documentos da exportação para os países PALOP do produto Accu-Chek Aviva 50T, e que, em resposta, MP______  referiu que a Roche teria na sua posse todas as provas das vendas do mencionado produto — bem sabendo que isso não era verdade, quer por nunca ter remetido qualquer elemento documental que o comprovasse, quer porque a BSK não exportou qualquer Accu-Chek Aviva 50T para Angola —, referindo trabalhar com várias outras multinacionais em Angola, e manifestando o seu desagrado pela desconfiança da Roche, anexando ao e-mail a fatura n.º 16/1615 — para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.º 29, 63 e 83 juntos com a Denúncia, e o depoimento da testemunha ZH___ , ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701174233 12843_4462833, com início às 17:42:33 e termo às 18:47:39, concretamente ao minuto 00:50:30;
c. A factualidade articulada nos parágrafos 307 e 308 do RAI, designadamente que a fatura n.º 16/1516, datada de 25.10.2016, remetida por MP______  a HF_____ , inclui um total de 65.150 (sessenta e cinco mil cento e cinquenta) unidades de Accu-Chek Aviva 50T e 5.670 (cinco mil, seiscentas e setenta) unidades de Accu-Chek Performa, com valores líquidos, respetivamente, de €674.302,50 e €32.602,50, que haviam sido adquiridos, supostamente, por uma alegada subsidiária da BSK em Angola — para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 30 junto com a Denúncia, e o depoimento da testemunha ZH___   ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701174233_12843_4462833, com início às 17:42:33 e termo às 18:47:39, concretamente ao minuto 00:51:36;
d. A factualidade articulada nos parágrafos 309, 310, 311, 312, 313 e 314 do RAI, designadamente que a fatura n.º 16/1516, datada de 25.10.2016, remetida por MP______  a HF_____ , não consta da contabilidade da BSK, constando da contabilidade uma outra fatura com o mesmo número e data, com montante, produto e destino completamente distintos daqueloutra — para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.º 30, 63, 64-81, 82 e 83 juntos com a Denúncia, e as declarações do Arguido HF_____, prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constantes da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 01:18:11;
e. A factualidade articulada nos parágrafos 315, 316, 317 e 318 do RAI, designadamente que a sociedade BSK Angola, à qual foi emitida a fatura remetida por MP______  à Roche em 25.11.2016, nunca existiu — para o que deverá contribuir a consulta aos websites institucionais da Imprensa Nacional Angolana, e Administração Geral Tributária Angolana para consulta, respetivamente, do registo de constituição da sociedade comercial e do número de identificação fiscal da sociedade comercial;
f. A factualidade articulada nos parágrafos 320, 321, 322, 323, 324, 325 e 326 do RAI, designadamente que de acordo com a fatura n.º 16/1516 remetida à Roche, a BSK Medical havia vendido, para Angola, produtos Roche no valor de €706.905,00 (setecentos e seis mil e novecentos e cinco euros), e outros produtos anonimizados no total de €2.095.330,00 (dois milhões, noventa e cinco mil, trezentos e trinta euros), sendo que o valor de vendas para o mercado angolano aí contido não é consonante com a realidade contabilística da empresa — para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 29, 30, 63 e 83 juntos com a Denúncia, e as declarações do Arguido HF_____  prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constantes da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 01:21:10;
g. A factualidade articulada nos parágrafos 319, 327 e 392 do RAI, designadamente que os Arguidos BSK, HF_____  e MP______  adulteraram a fatura remetida à Roche, remetendo-a à Roche, em e-mail de 25.11.2016, numa tentativa de demonstrar que a BSK exportava para Angola grandes quantidades de produto Roche, bem sabendo não corresponder à verdade, por forma a manter o fornecimento do produto Accu-Chek Aviva 50T — para o que deverão contribuir, entre outros, todos os elementos referidos nas alíneas anteriores, e o depoimento da testemunha ZH___  , ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701174233_12843_4462833, com início às 17:42:33 e termo às 18:47:39, concretamente ao minuto 00:52:09.

12. Os elementos factuais descritos preenchem o tipo objetivo e subjetivo do ilícito de falsificação de documento contido na alínea a) do n.º 1 do artigo 256.º do CP, uma vez que dali resulta evidente que (i) ao terem aposto na fatura n.° 16/1516 o nome de uma sociedade adquirente inexistente, elementos identificativos de uma sociedade adquirente inexistente, identificação de produto, quantidade e valor não vendidos, (ii) ao terem-no feito com o propósito de manter a Recorrente em erro sobre o destino de fornecimento dos produtos que lhe eram adquiridos pela BSK por um preço substancialmente mais barato, exatamente porque previsto que os vendesse para o mercado Angolano, estavam os Arguidos a fabricar documento falso, o que fizeram com conhecimento e vontade, procurando daí retirar um benefício ilegítimo.
13. A Decisão Recorrida deverá ser revogada na parte em que determina a não pronúncia dos Arguidos e o consequente arquivamento dos autos quanto ao crime de falsificação de documento, devendo ser substituída por outra que determine a pronúncia dos Arguidos HF_____, MP______, e BSK pela prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º n.º 1 alínea a) do CP.
14. Quanto ao crime de burla qualificada, imputado, pela Recorrente, aos Arguidos HF_____, MP______, MP____, VS____ e BSK entendeu o Tribunal que não haviam sido articulados pela Recorrente elementos bastantes para a formulação de indícios suficientes da prática, por aqueles Arguidos, dos crimes em causa, o que não se logra compreender uma vez que todos os elementos que o Tribunal a quo refere não ter à sua disposição para decidir favoravelmente à pretensão da Recorrente, não só estão alegados, como devidamente fundados em elementos probatórios constantes dos autos:
a. O Tribunal a quo não tem razão quando refere não resultar indiciado que o início da relação entre a Roche e a Pharma haja sido decisão dos Arguidos, por ter havido intervenção de funcionários terceiros da Roche, porque (i) atendendo ao espectro de funções e autonomia de HF_____  na Roche, o Arguido sabia que os pedidos de comercialização de produto lhe seriam dirigidos; (ii) a circunstância de o e-mail do Arguido MP______  ter sido remetido à estrutura da Roche, não obsta a que MP______ e HF_____  soubessem que a decisão seria tomada, a final, por HF_____; (iii) está documentalmente demonstrado que foi HF_____  quem, efetivamente, tomou a decisão de aceitação da Pharma como cliente da Roche e das condições praticadas com esta; (iv) nenhum outro funcionário da Roche, que não HF_____ , assumiu um papel decisório — direta ou indiretamente — na contratação da Pharma.
b. O Tribunal a quo não tem razão quando refere que não resulta indiciado que a decisão quanto ao preço a fixar na relação Roche/Pharma haja sido tomada pelo Arguido HF_____ , e que essa decisão haja sido comunicada por aquele a R___ , porque (i) está documentalmente demonstrado que foi HF_____  quem tomou a decisão de fixação do preço; (ii) está documentalmente demonstrado que a funcionária da Roche, R___ , enviou o e-mail de resposta a MP______, após ter recebido instruções de HF_____ ; (iii) o tempo de resposta de HF_____  não é consonante com a tomada de decisão em equipa.
c. O Tribunal a quo não tem razão quando refere que não resulta indiciado que a decisão de HF_____  haja sido tomada à revelia da Roche, nem que lhe tenha causado prejuízo, porque (1) não existem evidências de que HF_____  tenha comunicado qualquer uma das suas decisões aos seus superiores; (ii) as evidências documentais ditam, ao invés, que HF_____  decidiu as questões relacionadas com a contratação inicial da Pharma e da BSK unilateralmente; (iii) o elemento de contacto era HF_____ ; (iv) o preço praticado era inferior ao praticado aos demais revendedores nacionais, sendo que apenas foi aceite pela Roche com a condição de o produto ser revendido em Angola, o que HF_____ foi garantindo acontecer, bem sabendo estar a prestar informação falsa; (v) a BSK exportou praticamente a totalidade do produto para o mercado europeu, com maior margem de lucro para si; (vi) com as decisões tomadas por HF_____ , e a consequente venda do produto pela BSK para mercado europeu, ao invés de mercado angolano, a Recorrente perdeu margem por vendas não permitidas, em valor acima de €5.000.000,00 (cinco milhões de euros), prejuízo avaliado por consultor externo; (vii) com as decisões tomadas por HF_____ , e a consequente venda do produto pela BSK para mercado europeu, ao invés de mercado angolano, a Recorrente incorreu num prejuízo, pela não venda dos produtos neste mercado, numa quantia superior a €6.000.000,00 (seis milhões de euros), prejuízo avaliado por consultor externo.
d. O Tribunal a quo não tem razão quando refere que não resulta indiciado que a Roche apenas tenha tomado conhecimento do logro em finais de 2016, porque (i) o Arguido HF_____ , pelas funções que exercia, e tempo que se encontrava na Roche, beneficiava de uma grande margem de autonomia e discricionariedade decisória, não reportando as decisões do dia-a-dia ao seu superior hierárquico; (ii) todas as vezes que foi confrontado com a possibilidade de haver desvio de vendas pela BSK, o Arguido HF_____  assegurou a Roche que tal não acontecia, e que estava a controlar as vendas da BSK; (iii) foi produzida prova testemunhal que comprova o momento do conhecimento pela Roche como tendo sido finais de 2016/inícios de 2017.
e. O Tribunal a quo não tem razão quando refere que a circunstância de MP______  e HF_____  serem cunhados entre si, e HF_____  trabalhar na Roche, não permite inferir que os mesmos tivessem um acordo com vista a obter vantagens patrimoniais à custa do património da Roche, porque (i) é uma visão manifestamente redutora dos argumentos e factos articulados pela Roche; (ii) não tomou em consideração que, não só os Arguidos eram cunhados, como HF_____  o ocultou da Roche, bem sabendo que, por via do Código de Conduta da Roche, era obrigado a comunicá-lo; (iii) não tomou em consideração que MP______  se apresentou à Roche na qualidade de representante de uma empresa inexistente, apresentando, para efeitos contabilísticos, o seu próprio NIF e morada pessoal; (iv) não tomou em consideração que HF_____ nunca reportou à Roche a inexistência jurídica da empresa Pharma; (v) não tomou em consideração que HF_____  tomou as decisões quanto aos termos contratuais iniciais com a Pharma e BSK sozinho e sem conhecimento dos seus superiores hierárquicos, de forma mais vantajosa em relação aos demais revendedores; (vi) não tomou em consideração que HF_____  constituiu a BSK, da qual era titular de quase 100% do seu capital social, e beneficiário efetivo, contratando com a Roche, sem comunicar quaisquer destes factos à Roche.
f. O Tribunal a quo não tem razão quando refere serem os elementos insuficientes para a inferência da atuação astuciosa do Arguido HF_____ , porque (i) é o próprio Tribunal a quo quem reconhece que se mostra indiciado que a criação da BSK estava relacionada com as oportunidades de negócio identificadas pela equipa da Roche relativamente a Angola, e que o Arguido HF_____  violou as suas obrigações ao não ter revelado a sua ligação à BSK; (ii) foi o próprio Arguido HF_____  quem foi desenvolvendo a estratégia de negócio da Roche para Angola, apresentando este mercado como particularmente rentável; (iii) a contratação e os termos iniciais de contratação da BSK foram definidos unilateralmente por HF_____, sem conhecimento do seu superior hierárquico; (iv) a apresentação da BSK à Roche assenta numa reestruturação societária inexistente, o que o Arguido HF_____  sabia e não comunicou à Roche; (v) o preço oferecido por HF_____  à BSK e a circunstância de o mesmo ter sido oferecido — em condições mais vantajosas que para os demais revendedores nacionais — a uma empresa detida a 99% por aquele não foi do conhecimento do seu superior hierárquico; (vi) foi HF_____  quem sugeriu a JH___ que o parceiro da Roche em Angola fosse a BSK; (vii) JH____  acedeu à contratação da BSK e parceria em Angola, e ao preço descontado com a condição de as vendas serem feitas naquele mercado.
g. Resulta, assim, evidente que (i) a BSK foi criada por HF_____  e restantes familiares no mesmo momento em que se acentuavam as necessidades da Roche em atuar no mercado angolano, (ii) HF_____  criou, dentro da Roche, a expectativa de que o mercado angolano seria um mercado muito relevante e lucrativo, e que, para tanto, devia ser contratado um parceiro com base portuguesa e presença local em Angola, (iii) HF_____  criou, junto de JH___, a convicção de que o melhor parceiro seria a BSK, (iv) a BSK foi efetivamente o parceiro escolhido, e (v) HF_____  fez tudo isto sem nunca ter comunicado à Recorrente a sua posição na BSK e a circunstância de os demais acionistas e administrador serem seus familiares diretos.
h. O Tribunal a quo não tem razão quando refere que a atuação dos Arguidos HF_____, MP______ e BSK é suscetível de configurar uma mera violação de deveres civis, fundamento para eventual responsabilidade civil, uma vez que a atuação dos Arguidos é reveladora de uma conduta com contornos criminais, pela qual os Arguidos, através de um conjunto de artifícios, criaram e exploraram uma relação contratual com a Roche, que nunca pretenderam cumprir, e cujo único propósito era enriquecerem em prejuízo da Recorrente.
i. O Tribunal a quo não tem razão quando refere que não resulta indiciado que a relação comercial estabelecida entre a BSK e a Roche entre 2014 e 2016 tivesse como objetivo apenas vendas para o mercado angolano, porque (i) desconsidera a prova produzida quanto ao facto de ter sido HF_____  quem inicialmente, e de forma unilateral, fixou o preço praticado com a BSK, e que, no momento em que o propôs a JH___ este o aceitou com a condição de os produtos serem vendidos no mercado angolano (para o que concorrem, de resto, não só os elementos documentais, como as declarações prestadas pelo próprio em diligência instrutória); (ii) desconsidera, aplicando as regras de experiência comum, a inexistência de motivos lógicos para que a BSK beneficiasse de um preço descontado em relação aos demais revendedores nacionais; (iii) desconsidera que, ao longo do ano de 2015, o próprio Arguido HF_____ , sempre que chamado a responder sobre o estado das vendas da BSK, se preocupar em reiterar que as vendas estavam a ser feitas para Angola e que esta era um parceiro dos países PALOP; (iv) desconsidera que a própria formalização da relação, por via da celebração de Contrato de Distribuição Exclusiva em 2016, teve por objeto a venda para o mercado angolano.
j. O Tribunal a quo não tem razão ao reconduzir os factos em causa para uma situação de mero incumprimento contratual, porque (i) ignora todos os indícios acima descritos e, muitos deles, indiciados pelo próprio Tribunal; (ii) ignora que a relação contratual foi criada, logo, com intenção de ser incumprida pelos Arguidos; (iii) ignora que o contrato que veio a ser incumprido advém de uma relação comercial promovida, celebrada e mantida a partir do interior da Recorrente, por um funcionário que quebrou todas as regras de conduta internas da empresa, violou a confiança em si depositada pelos seus superiores, e, acompanhado da ação dos demais Arguidos, enriqueceu à custa do engodo, promovendo, em conjunto com os demais Arguidos, a contratação de uma sociedade inexistente, a contratação em condições mais vantajosas que para os demais revendedores nacionais, a criação de uma sociedade para dar uma aparência de regularidade, a promoção de uma estratégia de negócio no mercado angolano, a promoção de relações entre a BSK e a Roche, a contratualização de vendas daquela para o mercado angolano, a preço descontado, a prestação de informações falsas sobre o destino das vendas (que, ao invés, de serem destinadas ao mercado angolano, estavam a ocorrer no mercado europeu), o envio de elementos falsos que comprovavam vendas em Angola inexistentes, e a circunstância de os produtos nunca terem sido vendidos em Angola, mas sim no mercado europeu, com grandes margens de lucro para a BSK.

15. Contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que os autos indiciam, de forma suficiente, a prática, pelos Arguidos, do crime de burla qualificada, devendo ser considerados suficientemente indiciados os factos descritos nos parágrafos 55 a 353 e 391 a 415 do RAI e as consequentes razões de imputação contidas nos parágrafos 453 a 475 do RAI, considerando, designadamente, como indiciado:
a. A factualidade articulada nos parágrafos 55, 56, 57, 58 e 59 do RAI, designadamente que no decurso da sua atividade comercial corrente, a Recorrente comercializa o produto Accu-Chek Aviva 50T — para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos como RAI;
b. A factualidade articulada no parágrafo 60 do RAI, designadamente que à data dos factos, o preço de Accu-Chek Aviva 50T praticado a revendedores nacionais era de €16,44 (dezasseis euros e quarenta e quatro cêntimos) — para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 29 junto com o RAI e o depoimento da testemunha JH___, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:26:46;
c. A factualidade articulada nos parágrafos 63, 64, 65 e 66 do RAI, designadamente que o Arguido HF_____  exerceu funções durante praticamente 15 (quinze) anos na Recorrente, exercendo, à data dos factos, a função de Head of Market Access & Key Account Management, tendo, nessa medida, um grande conhecimento da estrutura, funcionamento e objetivos comerciais da Recorrente e beneficiando, também por isso, de uma grande confiança da Recorrente — para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 34 junto com a Denúncia, e o depoimento da testemunha JH___, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358_12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente aos minutos 00:06:00, 01:04:04 e 01:12:35;
d. A factualidade articulada no parágrafo 81 do RAI, designadamente que a Arguida VS____  exerceu funções na Recorrente durante 12 (doze) anos - para o que deverá contribuir o Documento n.2 18 junto com a Denúncia;
e. A factualidade articulada nos parágrafos 67, 82, 85 e 86 do RAI, designadamente que a Roche tinha instituídas normas de conduta, designadamente quanto à prevenção e resolução de situações de conflito de interesses, o que era conhecido dos Arguidos seus trabalhadores para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 4 junto com a Denúncia, os Documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o RAI, e o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843 4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:48:52.
f. A factualidade articulada nos parágrafos 68, 71 e 78 do RAI, designadamente que os Arguidos HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  eram familiares e/ou tinham relações pessoais próximas entre si - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com a Denúncia, e as declarações do Arguido HF_____ , prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constante da gravação 20210702142059 128434462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 00:01:36.
g. A factualidade articulada nos parágrafos 69, 70, 72, 73, 74, 77, 79, 80, 83, 84 e 87 do RAI, designadamente que os Arguidos HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  tiveram intervenção na constituição e/ou exerciam cargos nas sociedades BSK, Healthco SGPS, Delk Pharma, Delk Açores, Healthco Unipessoal - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 9, 14 e 50 juntos com a Denúncia, e os Documentos n.ºs  4, 6, 7 e 8 juntos com o RAI.
h. A factualidade articulada nos parágrafos 68 a 90 do RAI, designadamente que os Arguidos HF_____  e VS____ não comunicaram, em momento algum, à Recorrente, as suas relações com os demais Arguidos pessoas singulares e pessoas coletivas, não tendo o Arguido HF_____  comunicado, designadamente, e de forma grave, que a Roche estava a entrar em negócio com empresa detida praticamente a 100% pelo próprio - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 1, 2, 3, 9, 11, 13, 15, 18 e 50 juntos com a Denúncia, os Documentos n.ºs 4, 6, 7, 8 e 14 juntos com o RAI, o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:50:00, e as declarações do Arguido HF_____  prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constante da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 00:50:54.
i. A factualidade articulada nos parágrafos 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104 e 105 do RAI, designadamente que em 25.07.2013, o Arguido MP______  endereçou um e-mail à Recorrente, alegando representar uma sociedade designada Pharma - juridicamente inexistente e com elementos de identificação pessoais dos Arguidos -, e solicitando uma proposta para a aquisição dos produtos Accu-Chek Aviva 50T, para o que teria, alegadamente, condições de fornecimento da Abbot a €10,00 (dez euros). No mesmo dia, foi aprovado o mesmo preço para a Recorrente, por determinação do Arguido HF_____ , sem que este haja comunicado a sua decisão, a sua relação com MP______ , ou a inexistência da Pharma, ao seu superior hierárquico - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 5, 6, 8 e 9 juntos com a Denúncia, o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358_128434462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:09:59, e da gravação 20210701161632_128434462833, com início às 16:16:33 e termo às 17:12:45, concretamente ao minuto 00:16:20 e ao minuto 00:27:26, e as declarações do Arguido HF_____  prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constante da gravação 20210702142059 128434462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 00:49:26.
j. A factualidade articulada nos parágrafos 106, 107, 108, 109, 110, 111 e 112 do RAI, designadamente que após, foram apenas distribuídas pequenas quantidades do produto Accu-Chek Aviva 50T, o que é indiciador de que esta relação se apresentava apenas como um teste para a relação que seria posteriormente alicerçada com a BSK - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.º 6 e 8 juntos com a Denúncia, e o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358_12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:15:45.
k. A factualidade articulada nos parágrafos 113, 114, 115, 116, 117, 118 e 119 do RAI, designadamente que em 30.01.2014, os Arguidos HF_____ , MP____ e VS____ em conjunto com os pais dos dois primeiros, FF___  e CC____ , constituíram a sociedade comercial denominada BSK, da qual o Arguido HF_____  era o principal acionista (quase a 100%), o que não foi por este comunicado à Recorrente - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 4 e 9 juntos com a Denúncia, e o Documento n.º 4 junto com o RAI.
l. A factualidade articulada no parágrafo 120 do RAI, designadamente que a BSK foi constituída, pelos Arguidos, com o propósito de estabelecer relações comerciais com a Roche e de beneficiar de condições contratuais mais favoráveis do que as normalmente praticadas, que o Arguido HF_____ , enquanto Head of Market Acces & Key Account Management da Roche, faria por assegurar (seja promovendo-as diretamente, seja dispersando a atenção da Roche quando esta procurava aferir da performance da BSK).
m. A factualidade articulada nos parágrafos 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 140 e 141 do RAI, designadamente que o Arguido HF_____, enquanto Head of Market Access & Key Account Manager da Recorrente conhecia a intenção desta de entrar no mercado angolano, tendo explorado este interesse da Recorrente, para abrir portas à contratação e intensificação da relação comercial com a BSK, ficcionando a relevância desta última e do seu perfil como candidata perfeita para a implantação da Roche no mercado dos países PALOP, e falseando e exacerbando elementos em apresentações internas da empresa, para tornar o mercado angolano atrativo ao investimento da Recorrente - para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 10 junto com a Denúncia, o Documento n.º 18 junto com o RAI, e o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:18:24.
n. A factualidade articulada nos parágrafos 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151 e 152 do RAI, designadamente que em 17.02.2014, e com o objetivo de aproximar a BSK da atividade da Roche, a Arguida MP____ enviou um e-mail à Recorrente comunicando a Roche que a BSK havia resultado de uma operação de reestruturação societária da Pharma, o que a Arguida e o Arguido HF_____  (destinatário último do e-mail) bem sabiam ser falso - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 9 e 11 juntos com a Denúncia.
o. A factualidade articulada nos parágrafos 61, 153, 154, 155, 156 e 157 do RAI, designadamente que o Arguido HF_____  determinou, unilateralmente, a aceitação da BSK como cliente da Roche, e, bem assim, que à mesma fossem aplicadas as mesmas condições que a Pharma, entre as quais o preço de €10,00 (dez euros) para a unidade do produto Accu-Chek Aviva 50T, sem comunicara inexistência da Pharma, a inexistência de uma reestruturação societária, a sua relação com a BSK e a sua relação com os demais acionistas e administradora da BSK à Roche — para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento nº 11 junto com a Denúncia, os Documentos nºs 19, 20 e 21 juntos com o RAI, o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:09:59, ao minuto 00:12:13, ao minuto 00:26:04, ao minuto 00:28:40 e ao minuto 00:31:55, e da gravação 20210701161632_12843_4462833, com início às 16:16:33 e termo às 17:12:45, concretamente ao minuto 00:16:20 e ao minuto 00:27:26, e as declarações do Arguido HF_____  prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constantes da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 00:49:26.
p. A factualidade articulada nos parágrafos 158, 159, 160 e 161 do RAI, designadamente que nos momentos imediatamente subsequentes à aceitação da BSK como cliente foram feitas pequenas encomendas, por forma a que as aquisições passassem despercebidas à Roche, designadamente o seu preço — para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 8 junto com a Denúncia, e o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843 4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:15:45.
q. A factualidade articulada nos parágrafos 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171 e 176 do RAI, designadamente que o Arguido HF_____  convenceu, depois, o seu superior hierárquico à data, JH____, de que a BSK seria o parceiro comercial ideal para a implementação da marca Roche no mercado angolano, cuja estratégia de expansão havia já desenvolvido e disseminado dentro da empresa, o que logrou alcançar atento o grau de confiança que a estrutura da Roche depositava nele — para o que deverá contribuir, entre outros, o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:26:04.
r. A factualidade articulada nos parágrafos 171, 172 e 178 do RAI, designadamente que IHO__ acedeu a que a BSK fosse indicada como distribuidora não exclusiva da Roche para o mercado angolano, beneficiando, para aquele mercado, de um preço descontado de €10,00 (dez euros) para o produto Accu-Chek Aviva 50T— para o que deverá contribuir, entre outros, o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:26:04, ao minuto 00:28:40 e ao minuto 00:31:55.
s. A factualidade articulada nos parágrafos 62, 175, 179, 180 e 181 do RAI, designadamente que no momento em que JH___ acedeu à contratação da BSK como parceiro para Angola, o mesmo desconhecia que a BSK não tinha experiência no mercado angolano, que a mesma era detida quase a 100% por HF_____ , e que a BSK e os seus acionistas e administradores não tinham quaisquer intenções de vender o produto para o mercado angolano - tendo sido enganado por HF_____  para o efeito - para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 9 junto com a Denúncia, e o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:48:52.
t. A factualidade articulada nos parágrafos 173, 174 e 177 do RAI, designadamente que a BSK adquiriu uma grande quantidade de produto Accu-Chek Aviva 50T à Roche a preço descontado, que esta última havia fixado para a venda no mercado angolano - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 22-26 e 29 juntos com o RAI.
u. A factualidade articulada nos parágrafos 184 a 242, 182, 183 e 391 a 395 do RAI, designadamente com a intenção de manter o fornecimento que haviam conseguido, e uma vez que HF_____  havia sido incumbido pela Roche para controlar a relação comercial com a BSK, designadamente porque havia indícios do desvio de produtos com códigos de produto compatíveis com Portugal para a Europa, os Arguidos HF_____, MP______, MP____ e BSK recorreram a um vasto conjunto de mentiras e esquemas com o propósito de manter a Roche em erro quanto ao destino real do produto Accu-Chek Aviva 50T - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 16, 17, 19, 20, 21, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78 e 79 juntos com a Denúncia, o Documento n.º 2 junto com o Requerimento da Roche de 24.02.2020, o Documento n.º 27 junto com o RAI, e o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 128434462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 01:12:35.
v. A factualidade articulada nos parágrafos 198 a 204, 207, 211, 218, 220 a 235, 236 a 242, 280 a 284 do RAI, designadamente que o Arguido HF_____  prestrou informações falsas ao seu superior hierárquico e a um consultor externo - IQVIA (então, IMS Health) - sobre o destino das vendas da BSK, referindo, constantemente, que a BSK estava a vender o produto em Angola, e que o mesmo estava a controlá-lo diretamente, bem sabendo tal não corresponder à verdade - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 16, 17, 20, 21 e 24 juntos com a Denúncia.
w. A factualidade articulada nos parágrafos 198, 199, 202, 203, 204, 205 e 391 a 395 do RAI, designadamente que embora referindo que estaria a proceder às vendas do produto Accu-Chek Aviva 50T para o mercado angolano, a BSK não o fez, antes o tendo revendido na UE -para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77 e 78 juntos com a Denúncia, o Documento n.º 2 junto com o Requerimento da Roche de 24.02.2020 e o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843 4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:43:47 e ao minuto 00:57:27.
x. A factualidade articulada nos parágrafos 205, 206, 213, 214, 215, 216, 217, 218, 219 e 394 do RAI, designadamente que com o desvio das unidades de Accu-Chek Aviva 50T do mercado angolano para o mercado europeu, a BSK obteve grandes margens de lucro, o que os Arguidos ocultaram da Recorrente - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78 e 79 juntos com a Denúncia, e o Documento n.º 29 junto com o RAI.
y. A factualidade articulada nos parágrafos 61, 243 a 274, e 391 a 395 do RAI, designadamente que em 2016, o Arguido HF_____  e os demais Arguidos procuraram reforçar a posição da BSK como parceira da Roche, tendo o Arguido HF_____  convencido o seu superior hierárquico a descer o preço de €10,00 (dez euros) para €9,00 (nove euros) da unidade de Accu-Chek Aviva 50T, com a condição da BSK se tornar distribuidor exclusivo da Roche em Angola, usando-se, para o efeito, das informações e elementos falsos acima descritos, criando a convicção na Roche de que a BSK era, efetivamente, uma boa parceira comercial, e assim logrando alcançar os seus intentos - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 10, 16, 22 e 24 juntos com a Denúncia, o Documento n.º 18 junto com o RAI, e o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:32:44.
z. A factualidade articulada nos parágrafos 274 a 353 e 391 a 395 do RAI, designadamente que também no âmbito da vigência deste Contrato, manteve a BSK as exportações para os países comunitários, ao invés dos mercados angolano e moçambicano como se havia comprometido, e também neste âmbito prosseguiu o Arguido HF_____  na criação de um cenário (inexistente) de cumprimento do contrato pela BSK, falseando elementos em apresentações internas e prestando informações falsas ao seu superior hierárquico ­ para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 22, 24, 27, 28, 29, 30, 31, 33, 63 e 82 juntos com a Denúncia, o Documento n.º 2 junto com o Requerimento da Roche de 24.02.2020, o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358_12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:57:27, e o depoimento da testemunha H___, ouvida em diligência instrutória de dia 01.07.2021, constante da gravação 20210701174233_12843_4462833, com início às 17:42:33 e termo às 18:47:39, concretamente ao minuto 00:15:30.
aa. A factualidade articulada nos parágrafos 297 a 327, 391, 392, 393 e 394 do RAI, designadamente que os Arguidos adulteraram elementos (designadamente os elementos identificativos da empresa adquirente, tipologia, quantidades e preços dos produtos alegadamente vendidos) constantes de uma fatura para comprovar as alegadas vendas da BSK dos produtos Roche em Angola, quando bem sabiam tal não corresponder à verdade - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 28, 29 30, 63 e 82 juntos com a Denúncia.
bb. A factualidade articulada nos parágrafos 340 a 344 do RAI, designadamente que, para além da fatura (falsa) n.º 16/1516 junta pela BSK à Recorrente, e pese embora as vastas solicitações, a BSK não remeteu nenhum documento comprovativo das vendas do produto Accu-Chek Aviva 50T em Angola, o que levou a que a Roche suspendesse os fornecimentos dos seus produtos à BSK - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 35, 36, 37, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 58 juntos com a Denúncia.
cc. A factualidade articulada nos parágrafos 344 a 353 do RAI, designadamente que na sequência da suspensão de fornecimento, a BSK apresentou uma ação cível contra a Roche por alegado incumprimento contratual, na qual evidenciou que as suas vendas para o mercado angolano eram manifestamente residuais, e que havia desviado o produto que lhe havia sido fornecido pela Roche para o mercado europeu - para o que deverá contribuir, entre outros, o Documento n.º 63 junto com a Denúncia.
dd. A factualidade articulada nos parágrafos 347 a 349 do RAI, designadamente que a BSK adquiriu à Roche, entre 2014 e 2017, um total de produtos no valor de €11.760.610,00 (onze milhões, setecentos e sessenta mil, seiscentos e dez euros), tendo vendido na Europa um total de €20.787.941,00 (vinte milhões, setecentos e oitenta e sete mil, novecentos e quarenta e um euros), o que, atento o preço descontado a que a Recorrente vendeu o produto em causa à BSK, acarretou uma perda de margem da Recorrente e do Grupo Roche, nas vendas não permitidas de Accu-Chek Aviva 50T no mercado europeu, de, pelo menos €5.000.000,00 (cinco milhões de euros) — para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 63 junto com a Denúncia, e o Documento n.º 2 junto com o Requerimento Roche de 24.02.2020.
ee. A factualidade articulada nos parágrafos 347, 348, 350 e 351 do RAI, designadamente que da não venda dos produtos nos mercados angolano e moçambicano, pela BSK, resultou também para a Assistente um prejuízo na ordem dos €7.000.000,00 (sete milhões de euros) — para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 63 junto com a Denúncia, e o Documento n.º 2 junto com o Requerimento Roche de 24.02.2020.
ff. A factualidade articulada nos parágrafos 391 a 395 e 399 a 415 do RAI, designadamente que os Arguidos sabiam que, através das suas condutas, estavam a enganar a Roche quanto ao destino de venda do produto Accu-Chek Aviva 50T, tendo agido com a intenção de obter, para si, benefícios patrimoniais ilegítimos, causando à Roche e ao Grupo Roche elevados prejuízos patrimoniais — para o que deverão contribuir, entre outros, todos os elementos probatórios referidos nas alíneas anteriores.
16. Os elementos factuais descritos preenchem o tipo objetivo e subjetivo do ilícito de burla qualificada contido n.º 1 do artigo 218.º do CP, uma vez que os Arguidos não se limitaram a inventar uma mentira e a narrá-la, mas criaram, inclusive, elementos externos (falsos) dessa mesma realidade, tornando impossível à Recorrente suspeitar da sua conduta, e assim levando-a a contratar e manter a relação com a BSK, estando a Recorrente, nessa medida, numa situação de erro, astuciosamente provocada pelos Arguidos, que lhe criou um prejuízo patrimonial consideravelmente elevado, avaliável em cerca de €12.000.000,00 (doze milhões de euros), por perda de margens nas vendas ilícitas na Europa, e perda de negócio em Angola e Moçambique, levando, ao invés, ao enriquecimento dos Arguidos, o que estes pretenderam, desde o início, com a sua conduta.
17. Deverá ser revogada a Decisão Recorrida na parte em que determina a não pronúncia dos Arguidos e o consequente arquivamento dos autos quanto ao crime de burla qualificada, devendo ser substituída por outra que determine a pronúncia dos Arguidos HF_____, MP______, MP____, VS____  e BSK pela prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º n.º 1 do CP.
18. Quanto ao crime de associação criminosa, imputado pela Recorrente aos Arguidos HF_____, MP______, MP____ , VS____ e BSK entendeu o Tribunal a quo, numa leitura parcial e enviesada dos elementos constantes dos autos, que os arguidos não teriam querido criar uma associação como entidade autónoma e transcendente e como centro de motivação e imputação de ações criminosas.
19. Não assiste razão ao Tribunal a quo, porque os factos em que o Tribunal diz ter sustentado a sua apreciação quanto à existência do crime de associação criminosa constam das razões de Direito de discordância da decisão de não acusação, e não dos factos, não tendo havido, nessa medida, uma verdadeira apreciação dos factos, contida nos parágrafos 55 a 416 do RAI.
20. Não assiste razão ao Tribunal a quo, porque consta da factualidade vertida no RAI a fundação da associação criminosa, e a descrição dos elementos que dela faziam parte, aí se lendo, designadamente, que a sociedade BSK (i) foi constituída pelos Arguidos HF_____ , MP____ e VS____  [v. parágrafos 113-116 do RAI e Documento n.º 9 junto com Denúncia], e (ii) foi explorada pelos Arguidos HF_____ , MP______ , MP____ e VS____ [v. parágrafos 113-117 do RAI e Documento n.º 9 junto com Denúncia].
21. Não assiste razão ao Tribunal a quo, porque consta da factualidade vertida no RAI que os Arguidos (i) constituíram a BSK com o propósito de adquirir junto da Recorrente o produto Accu-Chek Aviva 50T, por valor inferior ao seu valor de mercado, mediante a indução da Recorrente em erro quanto ao destino do mesmo [v. parágrafos 112 a 141 do RAI], (ii) tinham conhecimento de que o projeto empresarial da BSK se fundava no aproveitamento ilícito das condições de fornecimento obtidas junto da Recorrente, por intermédio do Arguido HF_____  [v. parágrafos 112 a 157 do RAI], (iii) atuaram com o propósito de constituir um grupo dedicado à exploração de uma atividade ilícita, correspondente à obtenção de produto Accu-Chek Aviva 50T, mediante a indução e manutenção da Recorrente em erro quanto ao real destino dos produtos adquiridos [v. parágrafos 112 a 339 do RAI].
22. Não assiste razão ao Tribunal a quo ao referir que não estão preenchidos os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de associação criminosa, uma vez que:
a. A associação foi constituída e executada por uma pluralidade de pessoas, designadamente pelos Arguidos HF_____, MP______, MP____, VS____  e BSK;
b. Os elementos constantes dos autos demonstram um elemento de duração ou permanência do grupo, tendo constituído uma sociedade para a prática dos crimes em causa, a qual perdurou no tempo, e com esse objetivo, por um período, pelo menos, de três anos;
c. A associação constituída pelos Arguidos tinha um mínimo de estrutura organizatória, evidente (i) na sofisticação da prática criminosa em causa, evoluindo de uma aparência de sociedade, para a constituição de uma efetiva sociedade; (ii) a criação de uma estrutura de decisão dentro da própria associação, e de responsáveis para os canais de comunicação com a Recorrente; (iii) a manutenção, desde o início, do mesmo corpo de intervenientes; (iv) a manutenção da sociedade para assegurar a manutenção das relações com a Recorrente;
d. A atuação dos Arguidos revela que os mesmos planearam e executaram, num dado período de tempo, um esquema criminoso, revelador de um processo de formação de vontade colectiva, ali exteriorizado;
e. A atuação dos Arguidos, designadamente o encadeamento lógico e temporal dos atos materiais praticados por cada um dos Arguidos individualmente considerado, revela a existência de um sentimento comum de ligação por parte dos membros da associação;
f. A atividade da associação era dirigida à prática de crimes, sendo, aliás, esse o seu único escopo, conhecido por todos os Arguidos.
23. Contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que os autos indiciam, de forma suficiente, a prática, pelos Arguidos, do crime de associação criminosa, devendo ser considerados suficientemente indiciados os factos descritos nos parágrafos 67 a 339, 395, 399, 400, 401, 402, 405, 406, 408, 409 e 410 do RAI e, bem assim, a imputação jurídica constante dos parágrafos 476 a 493 do RAI, assim indiciando, designadamente, a seguinte factualidade:
a. A factualidade vertida nos parágrafos 91 a 105 do RAI, designadamente que em 25.07.2013, o Arguido MP______  endereçou um e-mail à Recorrente, alegando representar uma sociedade designada Pharma — juridicamente inexistente e com elementos de identificação pessoais dos Arguidos —, e solicitando uma proposta para a aquisição dos produtos Accu-Chek Aviva 50T, para o que teria, alegadamente, condições de fornecimento da Abbot a €10,00 (dez euros). No mesmo dia, foi aprovado o mesmo preço para a Recorrente, por determinação do Arguido HF_____, sem que este haja comunicado a sua decisão, a sua relação com MP______, ou a inexistência da Pharma, ao seu superior hierárquico — para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 5, 6, 8 e 9 juntos com a Denúncia, o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:09:59, e da gravação 20210701161632_12843_4462833, com início às 16:16:33 e termo às 17:12:45, concretamente ao minuto 00:16:20 e ao minuto 00:27:26, e as declarações do Arguido HF_____  prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constante da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 00:49:26.
b. A factualidade vertida nos parágrafos 68, 71 e 78 do RAI, designadamente que os Arguidos HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  eram familiares e/ou tinham relações pessoais próximas entre si — para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com a Denúncia, e as declarações do Arguido HF_____  prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constante da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 00:01:36.
c. A factualidade vertida nos parágrafos 67, 82, 85 e 86 do RAI, designadamente que o Arguido HF_____  não comunicou ao seu superior hierárquico as suas relações familiares com os demais Arguidos, bem sabendo que o Código de Conduta da Roche o impedia de gerir o relacionamento comercial da Roche com um familiar seu — para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n. º 4 junto com a Denúncia, os Documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o RAI, e o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358_12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:48:52.
d. A factualidade vertida nos parágrafos 106, 107, 108, 109, 110, 111 e 112 do RAI, designadamente que após, foram apenas distribuídas pequenas quantidades do produto Accu-Chek Aviva 50T, o que é indiciador de que esta relação se apresentava apenas como um teste para a relação que seria posteriormente alicerçada com a BSK — para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 6 e 8 juntos com a Denúncia, e o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:15:45.
e. A factualidade vertida nos parágrafos 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119 e 120 do RAI, designadamente que em 30.01.2014, os Arguidos HF_____ , MP____ e VS____  constituíram a sociedade BSK, da qual o Arguido HF_____  era o principal acionista (quase a 100%), com o objetivo de se aproveitarem, ilicitamente, das condições de fornecimento obtidas junto da Roche, por intermédio de HF_____ , no exercício das suas funções enquanto Head of Market Access & Key Account Manager - para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 9 junto com a Denúncia, e o Documento n.º 4 junto como RAI.
f. A factualidade vertida nos parágrafos 67 a 90 do RAI, designadamente que os Arguidos HF_____ e VS____ não comunicaram internamente à Roche as suas relações familiares com os demais Arguidos, e as suas relações societárias com a BSK, não tendo o arguido HF_____  comunicado, designadamente, e de forma grave, que a Roche estava a entrar em negócio com empresa detida praticamente a 100% pelo próprio, bem sabendo que o Código de Conduta da Roche o impunha - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 4 e 9 juntos com a Denúncia, os Documentos n.ºs 4, 9 e 10 juntos com o RAI, o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358_128434462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:48:52 e ao minuto 00:50:00, e as declarações do Arguido HF_____  prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constante da gravação 20210702142059 12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 00:50:54.
g. A factualidade vertida nos parágrafos 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 140 e 141 do RAI, designadamente que o Arguido HF_____ , enquanto Head of Market Access & Key Account Manager da Recorrente conhecia a intenção desta de entrar no mercado angolano, tendo explorado este interesse da Recorrente, para abrir portas à contratação e intensificação da relação comercial com a BSK, ficcionando a relevância desta última e do seu perfil como candidata perfeita para a implantação da Roche no mercado dos países PALOP, e falseando e exacerbando elementos em apresentações internas da empresa, para tornar o mercado angolano atrativo ao investimento da Recorrente - para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 10 junto com a Denúncia, o Documento n.º 18 junto com o RAI, e o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:18:24.
h. A factualidade vertida nos parágrafos 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151 e 152 do RAI, designadamente que os Arguidos apresentaram a BSK à Roche como se a mesma fosse um sucedâneo societário da Pharma, por via de uma reestruturação societária, que bem sabiam não existir, o que omitiram da Roche - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 9 e 10 juntos com a Denúncia.
i. A factualidade vertida nos parágrafos 153 a 161 do RAI, designadamente que o Arguido HF_____  admitiu a BSK como cliente da Roche, concedendo-lhe as mesmas condições comerciais praticadas com a Pharma, sem comunicar ao seu superior hierárquico uma tal contratação e condições, tendo aquela adquirido produtos à Roche em pequenas quantidades, por forma a que tal aquisição passasse despercebida à Roche - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 8 e 11 junto com a Denúncia, os Documentos n.ºs 19, 20 e 21 juntos com o RAI, o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:09:59, ao minuto 00:12:13, ao minuto 00:26:04, ao minuto 00:28:40 e ao minuto 00:31:55, e da gravação 20210701161632_12843_4462833, com início às 16:16:33 e termo às 17:12:45, concretamente ao minuto 00:16:20 e ao minuto 00:27:26, e as declarações do Arguido HF_____  prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constantes da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 00:49:26.
j. A factualidade vertida nos parágrafos 62, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 175, 176, 178, 179, 180, 181, 182 e 183 do RAI, designadamente que o Arguido HF_____  conseguiu, internamente, na Roche a aprovação da BSK como parceiro para o mercado dos PALOP, com preço descontado no produto Accu-Chek Aviva 50T, tendo JH____  aprovado esse preço com a condição de o produto ser revendido naquele mercado - para o que deverá contribuir, entre outros, o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:26:04, ao minuto 00:28:40, ao minuto 00:31:55 e ao minuto 00:48:52.
k. A factualidade vertida nos parágrafos 205, 206, 213, 214, 215, 216, 217, 218 e 219 do RAI, designadamente que como desvio das unidades de Accu-Chek Aviva 50T do mercado angolano para o mercado europeu, a BSK obteve grandes margens de lucro, o que os Arguidos queriam, sabiam e ocultaram da Recorrente - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 63 e 64-79 juntos com a Denúncia e o Documento n.º 29 junto com o RAI.
l. A factualidade vertida nos parágrafos 243 a 274 do RAI, designadamente que, em 2016, o Arguido HF_____  e os demais Arguidos procuraram reforçar a posição da BSK como parceira da Roche, tendo o Arguido HF_____  convencido o seu superior hierárquico a descer o preço de €10,00 (dez euros) para €9,00 (nove euros) da unidade de Accu-Chek Aviva 50T, com a condição da BSK se tornar distribuidor exclusivo da Roche em Angola, usando-se, para o efeito, das informações e elementos falsos acima descritos, criando a convicção na Roche de que a BSK era, efetivamente, uma boa parceira comercial, e assim logrando alcançar os seus intentos - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 10, 16, 22 e 24 juntos com a Denúncia, o Documento n.º 18 junto com o RAI, e o depoimento da testemunha JH____ ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843 4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:32:44.
m. A factualidade vertida nos parágrafos 184 a 242, 274 a 339 e 395 do RAI, designadamente que os Arguidos HF_____, MP______, MP____ e VS____  transmitiram, por diversas vezes, e durante toda a relação entre a BSK e a Roche, informações falsas à Roche, no sentido de que o produto Accu-Chek Aviva 50T se encontrava a ser vendido nos mercados africanos, bem sabendo que tal não era verdade, e que o produto estava, na verdade, a ser desviado para a Europa - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 16, 17, 19, 20 21, 28, 29, 30, 63, 64-81, 82 e 83 juntos com a Denúncia, o Documento n.º 2 junto com o Requerimento da Roche de 24.02.2020, o Documento n.º 27 junto com o RAI, o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358_12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 01:12:35, o depoimento da testemunha ZH___, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 2021070117423312843_4462833, com início às 17:42:33 e termo às 18:47:39, concretamente ao minuto 00:50:30, ao minuto 00:51:36 e ao minuto 00:52:09, e as declarações do Arguido HF_____, prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constantes da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 01:18:11 e ao minuto 01:21:10.
n. A factualidade vertida nos parágrafos 67 a 339, 395, 399, 400, 401, 402, 405, 406, 408, 409 e 410, designadamente que o Arguido HF_____  agiu com a intenção de, através da constituição da Arguida BSK, em comunhão de esforços e intentos com os Arguidos MP____, VS____  e MP______ criar um grupo cuja finalidade e atividade principal se dirigia à prática de comportamentos legalmente proibidos, tendo, através da BSK, induzido e mantido a Roche em erro, determinando-a a praticar os atos de fornecimento de grandes quantidades de produto Accu-Chek Aviva 50T que lhe causaram um prejuízo patrimonial consideravelmente elevado, tendo os Arguidos agido com a intenção de obter para si um enriquecimento que sabiam ser ilícito — para o que deverão contribuir, entre outros, todos os elementos probatórios descritos nas alíneas anteriores.
24. A Decisão Recorrida deverá ser revogada na parte em que determina a não pronúncia dos Arguidos e o consequente arquivamento dos autos quanto ao crime de associação criminosa, devendo ser substituída por outra que determine a pronúncia dos Arguidos HF_____ , MP______ , MP____  , VS____  e BSK pela prática do crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299.º n.º 1 do CP.
25. Quanto ao crimes de branqueamento, imputado, pela Recorrente, aos Arguidos HF_____, MP______, MP____ , VS____ BSK, Healthco SGPS, Burgolegacy, Delk Pharma, Delk Açores e Healthco Unipessoal, entendeu o Tribunal a quo não terem sido narrados factos suficientes ao preenchimento do tipo, designadamente por não ter sido sustentado o conhecimento dos Arguidos quanto à origem ilícita dos fundos — juízo que, com o merecido respeito, não tem respaldo nos elementos factuais narrados no RAI e nos elementos probatórios constantes dos autos.
26. Não só foram elencados factos suficientes ao preenchimento do tipo, mormente quanto ao conhecimento da ilicitude dos fundos (parágrafos 399, 401, 405, 408, 409, 410, 411, 412, 413, 414 e 415), como, ademais, esse conhecimento sempre seria, in casu, evidente dado que foram os Arguidos quem promoveu os atos materiais subsumíveis à prática dos crimes de falsificação de documento, burla qualificada, e associação criminosa — precedentes do branqueamento —, por forma a obterem preços mais vantajosos para o produto Accu-Chek Aviva 50T para venda do mesmo no mercado angolano, vendendo-o ao invés no mercado europeu, e obtendo margens de lucro superiores, recebendo valores que bem sabiam não lhes ser devido e ser fruto do logro criado pelos próprios Arguidos e, após, dissimulando a origem ilícita desses mesmos valores.
27. A constatação de que os arguidos conheciam ou que representaram como possível, no momento em que tiveram lugar as respetivas operações, que os alegados fundos constituíam uma vantagem de um crime de burla qualificada contém-se lógica e necessariamente na afirmação de que os Arguidos tinham consciência da ilicitude das vantagens patrimoniais ilegítimas, e da ilicitude da sua obtenção, o que foi, por sua vez, como acima ilustrado, articulado pela Recorrente.
28. Os autos indiciam, de forma suficiente, a prática, pelos Arguidos, do crime de branqueamento, devendo ser considerados suficientemente indiciados os factos descritos nos parágrafos 354 a 415 do RAI e as consequentes razões de imputação contidas nos parágrafos 494 a 498 do RAI, considerando, designadamente, como indiciado:
a. Que os Arguidos HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  tinham relações societárias com as sociedades BSK, Healthco SGPS, Burgolegacy, Delk Pharma, Delk Açores, Healthco Unipessoal, e que usando dessas relações, realizaram vários negócios entre si, sem racionalidade económica e sem qualquer justificação aparente;
b. Que os Arguidos MP______ , HF_____ , MP____ e VS____  determinaram que a BSK concedesse mútuos, totalizando € 1.581.219,00 (um milhão quinhentos e oitenta e um mil duzentos e dezanove euros), sem qualquer racionalidade económica, às Arguidas Delk Pharma, Delk Açores e Burgolegacy, e adquirisse aos Arguidos HF_____  e AP____  as quotas que estes tinham nas Arguidas Delk Pharma, Delk Açores e Burgolegacy, num total de €234.475,00 (duzentos e trinta e quatro mil quatrocentos e setenta e cinco euros) — para o que deverá contribuir, entre outros, o Documento n.º 83 junto com a Denúncia;
c. Que os Arguidos MP______ , HF_____ , MP____ e VS____  determinaram que a BSK adquirisse à Arguida Delk Pharma quantidades de produtos pouco usuais e dificilmente explicáveis à luz de qualquer racionalidade económica, totalizando €1.114.273,00 (um milhão cento e quatorze mil duzentos e setenta e três euros) — para o que deverá contribuir, entre outros, o Documento n.º 83 junto com a Denúncia;
d. Que os Arguidos MP______ , HF_____ , MP____ e VS____  determinaram que a BSK investisse €100.000,00 (cem mil euros) num seguro de vida que, com toda a probabilidade, tem como beneficiário um dos elementos que compõem a Família  — para o que deverá contribuir, entre outros, o Documento n.º 83 junto com a Denúncia;
e. Que os Arguidos MP______ , HF_____ , MP____ e VS____  determinaram que a BSK entrasse num processo de cisão-fusão com a Arguida Healthco SGPS que retirou da Arguida BSK (i) a titularidade dos mútuos concedidos às Arguidas Delk Pharma, Delk Açores e Burgolegacy; (ii) as participações sociais nas Arguidas Delk Pharma, Delk Açores e Burgolegacy; e (iii) pelo menos a quantia de €3.563.133,00 (três milhões quinhentos e sessenta e três mil cento e trinta e três euros) que existia em depósitos bancários — para o que deverá contribuir, entre outros, os Documentos n.º 88 e 88-A juntos com a Denúncia, e o Documento n.º 11 junto com o Requerimento da Roche de 24.02.2020;
f. Que o Arguido HF_____  determinou ainda que para a Arguida Helthco SGPS fosse transferido o montante em caixa de €3.105.559,00 (três milhões cento e cinco mil, quinhentos e cinquenta e nove euros), desconhecendo-se com que finalidade e destino — para o que deverá contribuir, entre outros, o Documento n.º 90 junto com a Denúncia;
g. Que através da conduta descrita, os Arguidos provocaram a transferência de património entre as diversas sociedades Arguidas, fazendo-as atuar fora do escopo dos respetivos objetos sociais (v., v.g., parágrafos 358, 359, 362, 363, 364, 369, 370, 371, 373, 374, 375, 376, 379-389 do RAI), com o propósito de dissimular as vantagens obtidas através dos crimes de burla e de falsificação que constituem os crimes precedentes do crime de branqueamento.
29. Os factos descritos no RAI e demonstrados nos elementos documentais constantes dos autos demonstram que os Arguidos, através de investimentos aparentemente lícitos, fizeram escoar do património da BSK os valores obtidos por via da prática dos crimes acima descritos de falsificação de documento, burla qualificada e associação criminosa, fazendo com que o dinheiro circulasse entre empresas detidas pelos próprios, para que, uma vez no tráfego comercial, não fosse possível detetar a sua origem.
30. Resulta, assim, evidente que constam dos autos elementos suficientes para o preenchimento dos elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de branqueamento, ao abrigo do disposto no artigo 368.º-A n.º 2 do CP.
31. A Decisão Recorrida deverá ser revogada na parte em que determina a não pronúncia dos Arguidos e o consequente arquivamento dos autos quanto ao crime de branqueamento, devendo ser substituída por outra que determine a pronúncia dos Arguidos HF_____, MP______, MP____ , VS____, BSK, Healthco SGPS, Burgolegacy, Delk Pharma, Delk Açores e Healthco Unipessoal pela prática do crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368.º-A n.º 2 do CP.
32. Nestes termos, requer-se a V. Exas. se dignem revogar a Decisão Recorrida, ordenando a sua substituição por outra que pronuncie os Arguidos HF_____, MP______ , MP____ , VS____ BSK, Healthco SGPS, Burgolegacy, Delk Pharma, Delk Açores e Healthco Unipessoal, atento o enquadramento factual e jurídico descrito no RAI, e de acordo com a imputação aí contida.
Atendendo a que o Tribunal a quo, apesar da factualidade invocada e da basta prova junta para a demonstrar, desconsiderou a maior parte de ambas e a parte que considerou interpretou de forma inusitada e contrária à experiência comum, entende a Recorrente ser útil explicar oralmente os indícios suficientes de que estão reunidos os pressupostos para aplicação de penas aos arguidos e, dessa forma, serem os mesmos sujeitos a julgamento.
Termos em que se requer, nos termos do disposto no artigo 411º nº 5 do CPP, que seja realizada audiência para discussão oral dos seguintes pontos:
- factualidade relevante e prova existente quanto ao crime de falsificação de documento e subsunção ao tipo legal, conforme pontos 109.º a 116.º das alegações, vertidos nas conclusões n.ºs 11 e 12;
- factualidade relevante e prova existente quanto ao crime de burla qualificada e subsunção ao tipo legal, conforme pontos 223º a 264º das alegações, vertidos nas conclusões n.ºs 15 e 16;
- em particular relevante à questão da burla, pretende discutir-se com maior acuidade a fronteira - manifestamente ultrapassada - entre o incumprimento contratual cível e a burla criminal, conforme pontos 195.º a 200.º, 202.º, 203.º, e 208.º a 212.º das alegações, vertidos na conclusão n.º 14 alínea j);
- factualidade relevante e prova existente quanto ao crime de associação criminosa e subsunção ao tipo legal, conforme pontos 285º a 316º das alegações, vertidos nas conclusões n.ºs 22 e 23;
- factualidade relevante e prova existente quanto ao crime de branqueamento de capitais e subsunção ao tipo legal, conforme pontos 344º a 353º das alegações, vertidos nas conclusões n.ºs 26, 27, 28 e 29.
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas. se dignem declarar o presente recurso procedente, por provado, ordenando, em consequência, a revogação da Decisão Recorrida, substituindo-a por outra que pronuncie os Arguidos pela prática dos crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento, nos termos acima melhor descritos e individualizados, consoante a imputação especificada contida no RAI apresentado pela Recorrente.
*
6 - Este recurso foi admitido na 1ª instância, por despacho proferido em 31.01.2022.
7 - Os arguidos BSK MEDICAL, S.A., HF_____, AP____, MP____, VS____, HEALTHCO BUSINESS SERVICES & MANAGEMENT SGPS, BURGOLEGACY S.A., DELK PHARMA UNIPESSOAL LDA., DELK AÇORES LDA. E HEALTHCO UNIPESSOAL LDA., responderam à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso, nos seguintes (transcritos) termos:

OBJECTO DO RECURSO
Vem o presente recurso interposto pela Recorrente ROCHE da decisão de não pronúncia datada de 26 de Novembro de 2021 que não pronunciou os Arguidos ora Recorridos pela prática dos crimes de burla qualificada, associação criminosa, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.
Notificada do despacho de arquivamento proferido em 10.07.2020, requereu a ROCHE ora Recorrente a abertura de instrução, sustentando que deveria ser proferido despacho de pronúncia contra os ora Recorridos pelos factos descritos no requerimento de abertura de instrução (fls. 1106 a 1203), por integrarem a prática, em concurso real, de crimes dei) falsificação de documentos, ii) burla qualificada, iii) associação criminosa e iv) branqueamento de capitais.
Em concreto, nos seguintes termos:
i) HF_____ , em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo direto):
- 4 (quatro) crimes de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal;
- 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;
- 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218.º, n.º 1 do Código Penal;
- 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299.º, n.º 1 do Código Penal;
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º -A, n.º 2 do Código Penal.
ii) MP______ , em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo direto):
- 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal;
- 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;
- 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218.º, n.º 1 do Código Penal;
- 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299.º, n.º 1 do Código Penal;
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.0-A, n.º 2 do Código Penal.
iii) MP____  , em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo direto):
- 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218.º, n.º 1 do Código Penal;
- 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299.º, n.º 1 do Código Penal;
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2 do Código Penal.
iv) VS____ em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo direto):
- 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218.º, n.º 1 do Código Penal;
- 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299.º, n.º 1 do Código Penal;
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2 do Código Penal.
v) BSK, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo direto):
- 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;
- 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218.º, n.º 1 do Código Penal;
- 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299.º, n.º 1 do Código Penal;
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2 do Código Penal.
vi) Healthco SGPS, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo direto):
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2 do Código Penal.
vii) Burgolegacy, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo direto):
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2 do Código Penal.
viii) Delk Pharma, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo direto):
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2 do Código Penal.
ix) Delk Açores, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo direto):
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2 do Código Penal.
x) Healthco Unipessoal em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo direto):
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2 do Código Penal.
Após realizadas as diligências de instrução e o debate instrutório, o Mmº Juiz a quo proferiu a referida decisão de não pronúncia, confirmando a decisão de não levar os Arguidos a julgamento, posição que havia sido já defendida pelo Ministério Público.
Inconformada com a decisão proferida, a Recorrente apresenta o recurso a que ora se responde, entendendo que os Arguidos devem ser pronunciados, pugnando pela existência de indícios da prática pelos mesmos dos crimes que lhes havia imputado.
Ora, como veremos adiante, os Recorridos entendem que a decisão de não pronúncia não merece qualquer censura pelo que o recurso não deve ser considerado procedente.
Mas antes de analisar detalhadamente os termos do recurso apresentado a propósito dos crimes imputados importa proceder a um curto enquadramento que ajuda a explicar o motivo pelo qual a Recorrente ROCHE apresentou uma denúncia criminal contra os Arguidos e compreender melhor os termos do despacho de arquivamento que antecederam a realização da fase de instrução. Assim,
I. INTRODUÇÃO: OS ANTECEDENTES DOS PRESENTES AUTOS E O DESPACHO DE ARQUIVAMENTO
II.   A) OS ANTECEDENTES DOS PRESENTES AUTOS
Como é evidente, os Arguidos ora Recorridos não praticaram os crimes que lhe são imputados (i) na Denúncia e nos subsequentes requerimentos da Recorrente ROCHE, (ii) no requerimento de abertura de instrução e (iii) no recurso.
Por esse motivo o Ministério Público entendeu que o inquérito deveria ser arquivado e o Juiz a quo, após decurso da fase de instrução, considerou que não existiam indícios da prática de quaisquer crimes proferindo despacho de não pronúncia de que a Recorrente ROCHE vem agora recorrer.
Existem razões factuais e jurídicas para se concluir desta maneira, mas antes do respetivo detalhe Importa referir que o nascimento dos presentes autos (e a sua justificação) está associado a um circunstancialismo que cumpre detalhar pela sua importância.
Assim, o Recorrido HF_____ foi trabalhador da empresa multinacional Recorrente e ora Recorrente ROCHE durante quase 15 anos (desde 1 de maio de 2002) tendo celebrado, em 16 de Dezembro de 2016 o acordo de revogação do contrato de trabalho que mantinha com a ROCHE junto com a Denúncia como documento 34 (fls. 275 dos autos) conforme referido nos pontos 63 e 64 do RAI.
A sua saída foi motivada pelo seguinte facto que importa detalhar e compreender: nos últimos três anos e meio de colaboração com a Recorrente, o Recorrido HF_____  exerceu as funções de Head of Market Access & Key Account Management, conforme aliás, se encontra detalhado na denúncia e resumido no ponto 2 c) das alegações de recurso.
O que a Recorrente ROCHE não conta, mas resultou da prova produzida em sede instrutória é que em meados de 2016, o mesmo candidatou-se às funções de Head of Diabetes Care da Recorrente ROCHE. E não foi escolhido.
Com efeito, a estrutura da Recorrente ROCHE escolheu outra pessoa que também se candidatou às mesmas funções: O Sr. ZH___ .
Tais circunstâncias foram explicadas quer pelo Sr. ZH___, quer pelo Recorrido HF___  nas diligências de instrução, nos seguintes termos:
ZH___ , na sessão do dia 11 de Julho (minutos 00:08:44) página 11/12 das transcrições juntas pela Recorrente:
[sobre a saída de HF_____ da Roche] "E eu já tinha, não foi uma surpresa para mim porque já me tinham dito que: " - Olha, ele também concorreu para a promoção, é muito provável que ele também não queira ficar." Eu encarei aquilo como uma recusa de trabalhar com a pessoa que está no cargo que ele gostaria de estar (...)"
HF_____  (minutos 01:43:50) página 102 das transcrições juntas pela Recorrente:
"O Sr. ZH___   chegou, portanto, nós concorremos os 2 ao mesmo lugar, era sabido ­ éramos ao todo 5 pessoas que estávamos a concorrer ao lugar deixado vago pelo JH___ e, [01:44:00] portanto, foi escolhido o ZH___   em julho, a mim foi comunicado a 7 ou 8 de julho a comunicação que tinha sido o ZH___  e eu, automaticamente, disse ao meu superior hierárquico na altura que era o R e ao M, que era o diretor internacional, que ia sair da Roche, portanto, compreendia, mas ao final de 17 anos só atingia aquela posição, portanto, não tinha como continuar na Roche"
A saída do Recorrido HF_____  ocorre, por isso, na sequência de um processo de recrutamento que culminou na escolha de pessoa diversa e que, como tal, acabou por motivar a sua saída no final do ano de 2016 (documento 34 junto com a denúncia).
O referido Recorrido assumiu posteriormente funções como administrador da BSK (que trabalhava já com a Recorrida BSK) e, em reação a essa circunstância, a ROCHE adotou uma postura de atraso no processamento de encomendas.
Menos de 4 meses depois da saída do Recorrido HF_____ , numa reunião realizada a 6 de Abril documentada num email de MP______  a fls. 283 (vol. I) a Recorrente sugeria, considerando a indicação de presença de produtos que produz e comercializa para territórios externos em mercados europeus, acordar procedimentos complementares ao previsto no Contrato de Distribuição ou em alterar o mesmo, como vista a se integrarem nesse, mecanismos de reforço que dêem adequadas garantias quanto ao cumprimento das regras legais e de Compliance que se aplicam às partes.
Em 19 de Abril de 2017, a Recorrente remeteu à BSK um pedido de documentação que refere ser "bastante mais abrangente do que o anterior visando apurar (art.º 341 do RAI) quanto é que, afinal, a Denunciada BSK estava a colocar, do que lhe comprava, nos mercados angolano e moçambicano (doc. 35 junto com a denúncia)".
O documento de fls. 281 solicita:
- a listagem de valores de vendas a clientes de produtos a que se refere o contrato de distribuição desde inicio de vigência do contrato até à presente data;
- a listagem com identificação dos valores de vendas por clientes (incluindo identificação dos clientes em causa) no mesmo período,
- a cópia dos documentos e encomendas de clientes relativas aos produtos a que se refere o contrato de distribuição, e de exportação quando aplicável no mesmo período.
- A cópia das licenças e autorizações de importação para os territórios de Angola e Moçambique concedidas à BSK em vigor na presente data, incluindo as suas renovações, quando aplicável.
Ou seja, apesar de apresentar nestes autos uma consumação de astúcia e engano relativo ao momento em que o Recorrido HF_____  ainda estava na ROCHE, logo de seguida a Recorrente estava, afinal a fazer pedidos à Recorrida BSK, a tentar apurar o que era suposto estar convencida, o que era suposto ter sido enganada em momento (bastante) anterior.
Esta circunstância demonstra que não obstante o rol de acusações desferidas contra o comportamento, sobretudo do Recorrido HF_____  e à troca de informações anteriores à sua saída, nada do que se passou teve a virtualidade de implicar a prática de qualquer ilícito de natureza criminal.
Aliás, em termos contratuais, bem sabendo o que se passava e tendo elementos suficientes na sua própria estrutura, a Recorrente ROCHE usou informação que detinha para pressionar a Recorrida BSK, atrasando e depois até suspendendo os fornecimentos de quaisquer produtos como refere no seu RAI (art.º 344) o que levou esta a suspender o Contrato de Distribuição Exclusiva.
Essa suspensão ocorreu não por iniciativa da ROCHE nos momentos subsequentes ao pedido de informação referido, mas por iniciativa da Recorrida BSK apenas em Fevereiro de 2018, pelas razões expressas na carta de resolução de Distribuição Exclusiva junta como documento 61 da Denúncia (fls. 345).
E é particularmente revelador analisar as cartas que foram trocadas pelas partes nesse período para verificar que nada do que se passou em momento anterior à saída do Recorrido HF____serviu para convencer a Recorrente ROCHE do que quer que fosse, ao contrário do que esta insistentemente pretende fazer crer.
Nada (nada) teve a aptidão de engano ou logro que nos é descrita na Denúncia, depois no RAI e finalmente no presente recurso.
Porém, o que releva para os presentes autos é que na sequência na resolução de Distribuição Exclusiva a que se fez referência, a Recorrida BSK apresentou, em 14 de Agosto de 2018, contra a Recorrente ROCHE uma ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, que foi distribuída no Juízo Central Cível de Sintra (Juiz 4) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste onde corre termos sob o n.° 14636/18.0T8SNT.
A fase dos articulados[1] dos referidos autos - cujo julgamento ainda não se realizou - precedeu, em termos cronológicos, a apresentação da queixa que deu origem aos presentes autos (apresentada em 22 de Novembro de 2019) e que representa uma reação musculada da ROCHE ao pedido que contra si foi formulado a que ascende a €21.938,277,00 (vinte e um milhões, novecentos e trinta e oito mil, duzentos e setenta e sete euros). De forma mais clara,
A Denúncia que deu origem aos presentes autos foi apresentada apenas em 22 de Novembro de 2019 (fls. 2), já depois de a ROCHE ter apresentado (em 7 de Dezembro de 2018 - cfr. fls. 676 verso 3.º volume) a sua contestação (com reconvenção) e depois da BSK ter apresentado a sua réplica naquela ação cível, o que ocorreu em 25 de Fevereiro de 2019.
Assim, entre a data em que o Recorrido HF_____  saiu da ROCHE e a data da apresentação da queixa que deu origem aos presentes autos, decorreram longos 1071 dias,
E entre a data em que a ROCHE apresentou a sua contestação na ação cível e a data da apresentação da queixa decorreram 347 dias, contabilizando-se 270 dias entre a data em que a Réplica da Arguida BSK deu entrada em juízo e a data da apresentação da queixa.
A ROCHE reagiu, por isso, à ação judicial que foi instaurada pretendendo, como bem refere o despacho de arquivamento, "beneficiar da aplicação das medidas de recuperação de ativos e do bloqueio da utilização dos produtos do crime, nos termos previstos da Lei n.º 83/2017 de 18 de Agosto, bem como do arresto das contas bancárias dos denunciados, em face do contencioso comercial em que ambas as partes se encontram imersa?:
Não faz, aliás, sentido algum concluir duas coisas que são, completa e absolutamente contraditórias entre si: a primeira resulta da circunstância do Recorrido HF_____  se ter candidatado a funções superiores às que ocupava e de ter saído por opção, depois de perder esse concurso.
Nesse comportamento profissional revela-se que o Recorrido pretendia o sucesso da Recorrente desempenhado as suas funções o melhor que podia e sabia. O seu objetivo não era, por isso, que a Recorrente tivesse qualquer prejuízo patrimonial. Era que tivesse mais vendas, que essas vendas se refletissem nos seus resultados e nos seus lucros, que os seus resultados lhe permitissem voar mais alto.
Considerar que o comportamento do Recorrido HF_____  era, de forma consciente, o prejuízo da Recorrente ROCHE e que o mesmo se refletiu em factos, em conjunto com os demais Recorridos, praticados em momento (bastante) anterior a esta sua candidatura é completamente contraditório e, aliás, atenta contra as regras de experiência comum.
Por outro lado, e em segundo lugar, considerar que os ora Arguidos ora Recorridos, depois de praticar as tropelias descritas na Denúncia e depois no RAI que preenchem, no entender da Recorrente, a tipificação de diversos crimes (falsificação de documentos, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento) decidem ao invés de, na extraordinária tese trazida aos autos, ficarem em silêncio, apresentar uma ação judicial onde reclamam mais de vinte e um milhões de euros da entidade em quem infligiram os prejuízos por aquela descritos, é igualmente atentatório das mais elementares regras de experiência comum.
Os presentes autos refletem, por isso, um violentíssimo conflito de natureza comercial, a que a Recorrente ROCHE decidiu dar, de forma artificial, dignidade penal, contando uma versão dos factos que desconsidera, como veremos adiante, a estrutura de uma sociedade comercial que tinha um conjunto de profissionais experientes e altamente qualificados organizados numa empresa multinacional que, como é evidente, é incompatível com a versão dos factos trazida aos autos.
Adiante, a propósito de cada um dos crimes imputados, teremos de detalhar algumas destas omissões.
II.   B) O DESPACHO DE ARQUIVAMENTO
Mas por ora, importa concluir que, em 10 de Julho de 2020, e após a análise da factualidade apresentada pela ora Recorrente, o Ministério Público proferiu Despacho de Arquivamento (fls. 1098 a 1102) sustentando o seguinte, após resumir os termos da Denúncia apresentada pela Assistente ora Recorrente:
"Ora, não é necessária a realização de quaisquer outras diligências uma vez que já é possível concluir pela inexistência dos crimes denunciados.
O tipo objectivo do crime de burla exige o preenchimento de um conjunto de requisitos. Por um lado, a conduta do agente tem que integrar:
* Dois elementos objectivos:
- Uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado;
- Para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial;
* Um elemento subjectivo específico:
- Intenção de obter, para si ou para terceiro, enriquecimento ilegítimo;
Por outro lado, exige-se um duplo nexo de imputação objectiva (assim, Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, artigo 217.º, anot. 13, pág 293): «entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património (...) e, depois, entre os últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial».
Assim, para o preenchimento do tipo objectivo do crime de burla, é necessário que o agente do crime engane o ofendido de forma astuciosa, ou seja, não basta que produza uma mera declaração desconforme com a realidade, é imperioso que o agente actue de forma engenhosa, que crie um estratagema ardiloso, que dirija ao ofendido uma encenação apta a ludibriá-lo, de modo a que este último pratique um acto de disposição patrimonial que o prejudique e que não o faria noutras circunstâncias.
Ora, no caso dos presentes autos, ainda que os factos se tenham passado de acordo com a versão apresentada pela denunciante, não se vislumbra que a outra parte tenha, astuciosamente, provocado um erro ou engano nos ofendidos.
Na verdade, atendendo à matéria denunciada, a omissão das relações familiares entre os denunciados, ainda que constitua uma violação do Código de Conduta da denunciante, não tem qualquer relevância penal - a denunciante ROCHE - Sistemas de Diagnósticos, Sociedade Unipessoal,  Lda. não celebrou com a BSK Medical, SA qualquer acordo ou estabeleceu uma relação comercial por causa da inexistência de laços familiares entre os representantes de ambas as sociedades, mas sim porque esta última prometeu vender os produtos adquiridos a preço descontado apenas no mercado africano, o que, alegadamente, não fez.
Atendendo à factualidade denunciada, concluímos que apenas poderemos estar perante uma situação de incumprimento do acordo celebrado entre as partes: tais circunstâncias não correspondem a um facto astuciosamente provocado pela denunciada, mas antes ao eventual incumprimento da exigência de fornecimento dos produtos a preço descontado, - desde que, os mesmos se destinassem aos mercados angolano e moçambicano, ou de violação do Contrato de Distribuição Exclusiva celebrado entre as partes, situação susceptível de ser dirimida no âmbito do direito civil, a que está reservado o conhecimento dessa matéria - aliás, no caso dos presente autos, isso é particularmente evidente, dado que a denunciada BSK Medical SA já apresentou uma petição inicial da acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, que deu entrada no Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, e no âmbito da qual peticiona à denunciante ROCHE- Sistemas de Diagnósticos, Sociedade Unipessoal, Lda." o pagamento de uma indemnização no valor de €21.938.277,00 (vinte e um milhões, novecentos e trinta e oito mil, duzentos e setenta e sete euros), tudo levando a crer que a queixa-crime ora apresentada apenas visava, por parte da denunciante, beneficiar da aplicação das medidas de recuperação de activos e de bloqueio da utilização dos produtos do crime, nos termos previsto na Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, bem como do arresto das contas bancárias dos denunciados, em face do contencioso comercial em que ambas as partes se encontram imersas.
Este tem sido, também, o entendimento da jurisprudência dos nossos tribunais superiores: «Não se está perante qualquer desvalor característico do crime de burla quando o comportamento do arguido, pese embora pouco consentâneo com o dever de lealdade na prática contratual, não viola, no entanto, os ditames da boa-fé em sentido objectivo» (in Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Março de 2009 processo n.º 9450/2008-5, disponível em  www.dgsi.pt).
Em casos como o dos presentes autos, e em outros semelhantes, tem plena aplicação tanto o princípio da subsidiariedade, de acordo com o qual «O Direito Penal só deve intervir quando a tutela conferida pelos outros ramos do ordenamento jurídico não for suficientemente eficaz para acautelar a manutenção desses bens considerados vitais ou fundamentais à existência do próprio Estado e da sociedade» (in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 24 de Junho de 2009, processo n.º 586/05.3TAACB-Cl, disponível em www.dgsi.pt ou seja, corno 'ultima ratio' no quadro do ordenamento jurídico globalmente considerado, como o princípio da fragmentariedade, segundo o qual o Direito Penal «não deve intervir para acautelar lesões a todos e quaisquer bens, mas tão só àqueles bens fundamentais, essenciais e necessários para prevenir a unidade do tecido social» (ibidem).
Na celebração de qualquer negócio jurídico, ambas as partes assumem o risco inerente a qualquer acordo de vontades, designadamente o do risco inerente ao incumprimento das obrigações decorrentes do mesmo pelo outro contraente.
Com o que acabamos de explanar não queremos significar que a denunciante não terá, eventualmente, direito a ser ressarcida, pois, de acordo com a versão apresentada pela mesma, os denunciados não cumpriram aquilo que haviam acordado a denunciante — simplesmente, esta não é a sede própria para que obtenham esse ressarcimento, devendo os mesmos, caso pretendam, recorrer aos tribunais cíveis, a quem cabe a resolução destas matérias, dado que não estão preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime de burla: «Apesar da imoralidade que pode acompanhar a celebração de certos negócios, o comportamento do agente só se ajusta à "fattispecie" penal quando, pelo recurso à mentira, à manipulação, no intuito de prejudicar o burlado ou terceiro, usa de astúcia, enquanto instrumento de deslocação patrimonial indevida» (in Acórdão do 'Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 24 de Junho de 2012, processo n°1174/05.2TAFIG.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).
Inexistindo a prática do crime de burla (simples e qualificada), o qual seria o crime precedente do crime de branqueamento e o crime-fim da associação criminosa, inexistem também estes dois tipos de crime.
Finalmente, quanto à alegada emissão de uma fatura falsa, a mesma apenas poderá, eventualmente, integrar, outrossim, o crime de fraude fiscal, motivo pelo qual será extraída certidão para investigação, autónoma, por parte da ATA — Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo certo que se desconhece se a emissão de duas faturas com o mesmo número se trata de um mero lapso ou, tendo sido intencional, qual das duas faturas é verdadeira."
(destaque nosso)
Ora, tal como se destaca no despacho de arquivamento, a posição do Ministério Público foi a de considerar que as partes deveriam esgrimir os seus argumentos fora do fórum criminal. Trata-se de uma posição que não merece qualquer reparo e que cumpre densificar.
Com efeito, uma das mais básicas garantias do sistema jurídico-penal português é precisamente o princípio da subsidiariedade do Direito Penal: o direito penal reveste natureza fragmentária, "de tutela subsidiária (ou de última ratio) de bens jurídicos dotados de dignidade penal, ou, o que é dizer o mesmo, de bens jurídicos cuja lesão se revela digna de pena"[2].
Tutela os valores essenciais e fundamentais da vida em sociedade, obedecendo a um princípio de intervenção mínima e de proporcionalidade, imanentes ao Estado de Direito.
Assim, no caso, nem tudo o que causa contrariedade e é desagradável, pouco ético ou menos lícito, mesmo até quando formalmente pareça configurar um tipo de crime, será necessariamente relevante para esse núcleo de interesses penalmente protegidos.
Acresce que o princípio da insignificância intervém como uma máxima interpretativa do tipo, servindo para excluir condutas que, formal ou externamente, se apresentem como típicas mas, materialmente, possam não o ser.
A insignificância penal exclui a tipicidade e as condutas insignificantes não serão típicas porque o seu sentido social não é o de ofensa do bem jurídico. Pois na conhecida expressão de Welzel[3], os bens jurídicos não são peças de museu em redomas de vidro; vivem no mundo e sofrem o desgaste da interação social.
Exige-se que o intérprete-aplicador do tipo esteja atento a esta interação, a fim de perceber se a conduta a enquadrar juridicamente revela, ou não, o sentido ofensivo ínsito à realização do tipo. Os tipos de ilícito não configuram condutas neutras. Uma conduta típica já é desvalorada pelo direito. O tipo tem sempre uma axiologia própria.
Figueiredo Dias atribui ao princípio da insignificância um carácter regulativo: ele não intervém só ao nível do tipo ou da culpabilidade, mas sim nas várias categorias da doutrina do crime - sem prejuízo de admitir que esta intervenção se dá sobretudo ao nível da tipicidade (v. Direito Penal, Parte Geral, I, 2004, 624-625).
Por tudo, cumpre avaliar o grau de ofensividade da concreta conduta indiciada à luz dos princípios da fragmentariedade, da intervenção mínima e da proporcionalidade do direito penal, mas também da insignificância e da adequação social, procedendo à destrinça clara entre a real ofensividade do comportamento e a realidade concreta.
Para qualquer criminalização ser legítima é necessária a existência de um bem jurídico dotado de dignidade penal, bem como de uma efetiva necessidade de tutela penal, pelo que, como bem ensina JORGE FIGUEIREDO DIAS "[a] violação de um bem jurídico penal não basta por si para desencadear a intervenção, antes se requerendo que esta seja absolutamente indispensável à livre realização da personalidade de cada um na comunidade. Nesta acepção o direito penal constitui, na verdade, a última ratio da política social e a sua intervenção é de natureza definitivamente subsidiária. "[4]
Este enquadramento é, aliás, consentâneo com a jurisprudência constante dos tribunais portugueses, que são perentórios em afirmar que "O Direito Penal só deve intervir quando a tutela conferida pelos outros ramos do ordenamento jurídico não for suficientemente eficaz para acautelar a manutenção desses bens considerados vitais ou fundamentais à existência do próprio Estado e da sociedade. ".[5]
É, por isso, inquestionável que na sequência do que consta do despacho de arquivamento e com o qual se concorda, a factualidade descrita pela Recorrente, ainda que fosse real (o que não ocorre) nunca poderia sustentar um procedimento criminal contra os Arguidos, mas tão-só circunscrever-se a um processo de natureza cível, sob pena de se ver violada tal garantia jurídico-penal.
Aliás, a Recorrente ROCHE reage à pendência desse processo cível como forma de pressão sobre os Recorridos, o que foi devidamente identificado naquele despacho, quando refere que:
"tudo levando a crer que a queixa-crime ora apresentada apenas visava, por parte da denunciante, beneficiar da aplicação das medidas de recuperação de activos e de bloqueio da utilização dos produtos do crime, nos termos previsto na Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, bem como do arresto das contas bancárias dos denunciados, em face do contencioso comercial em que ambas as partes se encontram imersas"
Uma última nota para salientar o seguinte: a Recorrente juntou aos autos a transcrição das alegações do Sr. Procurador em sede de debate instrutório para sustentar uma mudança de posição do Ministério Público em relação à factualidade denunciada a propósito do crime de burla.
Refere mesmo que "o próprio Ministério Público, em alegações proferidas no debate instrutório, e invertendo a posição que havia tido no terminus do inquérito (..)" (cfr. ponto 23.º das suas alegações).
Esqueceu-se, no entanto, de referir (ao menos...) em benefício da transparência, que o Exmo. Procurador que apresentou conclusões em sede de debate instrutório não foi o Exmo. Magistrado titular em sede de inquérito (como aliás aquele disse) nem o Exmo. Magistrado presente nas diligências de instrução (como não disse expressamente mas conclui-se quando este refere "o curto espaço de tempo em que substituí o colega e que me apercebi da existência deste processo" (...) e posteriormente quando refere, na parte final, "e em primeiro contacto com o processo naquilo que me foi possível constatar") o que, salvo o devido respeito, é limitativo da análise efetuada naquela sede.
III. QUESTÃO PRÉVIA: DA NULIDADE DA DECISÃO INSTRUTÓRIA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
A Recorrente alega que a Decisão Instrutória se encontra ferida de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 308.º, n.º 2 com referência ao artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP.
Para tanto, alega a Recorrente que o Mmº Juiz de Instrução Criminal não se debruçou sobre a totalidade dos factos alegados, não tendo existido referência, em particular, a 177 factos articulados pela Recorrente no RAI - cfr. Artigos 36.º a 38.º do Recurso e ponto 4 das respetivas conclusões.
É, no entanto, evidente que deve improceder a nulidade invocada pela Recorrente com base na alegada omissão de pronúncia.
VEJAMOS ENTÃO:
Nos termos do preceituado no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), por remissão do artigo 308.º, n.º 2, ambos do CPP, a decisão instrutória deve conter "a narração , ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada".
Neste sentido, a decisão instrutória deve conter a narração dos factos que fundamentam a respetiva decisão.
De acordo com a jurisprudência, fundamental que a decisão instrutória de não pronúncia, tal como a de pronúncia, descreva os factos que em concreto foram determinantes da não pronúncia, para que desse modo o conjunto de factos que se consideraram indiciados e os não indiciados, possam garantir os direitos de defesa do arguido, mormente para que o tribunal de recurso possa avaliar se efectivamente existem ou não os necessários pressupostos para submeter o agente a julgamento."[6](sublinhado nosso)
Na Decisão Recorrida, procedeu-se a uma (extensa) análise e fundamentação acerca dos diferentes factos alegados no Requerimento de Abertura de Instrução, tendo sido, por fim, descritos os factos que foram determinantes da não pronúncia.
Sob as epígrafes "Factos Indiciados" e "Factos não indiciados", procedeu o Mmº Juiz a quo à indicação expressa dos factos assim considerados,
Quanto aos demais, referiu o Mmº Juiz a quo que, "ao abrigo do disposto no art.º 307.º n.º I do CPP a factualidade indiciada e não indiciada será feita por remissão para o RAI, expurgando-se necessariamente as conclusões, elementos de prova, factos inócuos e aspetos jurídicos-.
Por outro lado, ao longo de toda a Decisão Instrutória foram sendo enumerados e fundamentados os factos considerados relevantes e o posicionamento assumido relativamente aos mesmos.
Veja-se, a título de exemplo, que a propósito do crime de associação criminosa, a Decisão Instrutória menciona expressa e detalhadamente, por referência aos factos articulados no RAI, a razão pela qual se exclui a aplicabilidade deste tipo de crime aos factos descritos pela Recorrente - cfr. Decisão Instrutória, pp. 22 a 27.
Mais: relativamente ao crime de branqueamento de capitais o mesmo exercício logrou fazer o Mmº Juiz de Instrução, enumerando de forma expressa os factos relevantes ao eventual preenchimento dos elementos do tipo, por forma a afastar a sua verificação in casu, fundamentando a sua decisão - cfr. Decisão Instrutória, pp. 33 a 48.
Por outro lado, relativamente a todos os crimes imputados, o Mmº Juiz a quo elencou de forma clara e cristalina os fundamentos da decisão proferida que são particularmente claros uma vez que analisam, com detalhe, os elementos objetivos e subjetivos de cada um dos ilícitos, concluindo pela não verificação de todos e cada um dos crimes imputados.
Não se vislumbra, por isso, como pode ver a Recorrente em tal Decisão Instrutória uma pretensa omissão de pronúncia, já que ao Juiz de Instrução Criminal apenas se exige que proceda à narração dos factos que fundamentem a sua decisão, e que sejam relevantes.
O que manifestamente sucedeu neste caso, como se viu supra.
E é tudo quanto se retira das referidas normas legais, i.e., dos artigos 308.º, n.º 2 e 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP, uma vez que em nenhuma destas normas se prescreve o dever de individualizar exaustivamente cada um dos factos articulados pela Recorrente no RAI no elenco de factos indiciados e não indiciados constantes da Decisão Instrutória, aos quais faz referência a Recorrente - cfr. Artigo 37.º do Recurso.
Acresce que tal exigência acrescentaria à decisão instrutória um requisito que a lei processual penal não estabelece em lado algum, aproximando-se dos requisitos exigíveis para a sentença, nos termos do previsto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP - ora, é por demais evidente que não se pode aceitar tal circunstância, porquanto estão em causa fases processuais distintas.
Ademais, e conforme consta do despacho do Mmº Juiz a quo, do elenco de factos indiciados e não indiciados não devem constar pretensos factos que sejam tão-só conclusões, referências a elementos de prova, aspetos jurídicos ou factos que se considerem inócuos para a decisão ora em apreço,
Aliás, para além da indicação a esmo de artigos no seu requerimento de abertura de instrução, a Recorrente não analisa, a propósito da nulidade invocada, onde é que a eventual omissão de pronúncia afeta a conclusão da decisão instrutória de não pronúncia relativamente a cada um daqueles crimes, por referência a cada um daqueles factos omitidos.
Pelo que não pode a Recorrente alegar que do simples facto de não constarem deste elenco todos os factos por si considerados no RAI, deve a Decisão Instrutória considerar-se nula por omissão de pronúncia, uma vez que (i) tal não resulta das normas que, inclusivamente, invocou a este respeito e que (ii) ficaram vertidos na Decisão Instrutória todos os factos relevantes à decisão de não pronúncia.
Assim, deve improceder a alegada nulidade da Decisão Instrutória, por omissão de pronúncia, porquanto se viram cumpridos todos os requisitos exigíveis à Decisão Instrutória.
MAS MESMO QUE ASSIM NÃO SE CONSIDERE, O QUE NÃO SE CONCEDE E POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO SE EQUACIONA,
Sempre se deveria considerar não estar em causa qualquer nulidade.
Com efeito, a remissão operada pelo artigo 308.°, n.° 2 para o artigo 283.°, n.° 3, alínea b) do CPP deve entender-se como abrangendo unicamente o despacho de pronúncia, porquanto tal preceito prevê um conjunto de requisitos formais para a acusação que só têm cabimento se estiver em causa uma decisão instrutória que se consubstancie num despacho de pronúncia.
Assim, relativamente a um despacho de não pronúncia que seja omisso quanto à descrição dos factos considerados indiciados e não indiciados - o que, in casu, não se concede e por mera cautela e rigor de patrocínio se equaciona -, não estaria em causa uma nulidade, mas sim uma mera irregularidade que não foi invocada pela Recorrente.
Com efeito, de acordo com o princípio da legalidade, são nulos os atos que, sendo praticados com violação ou inobservância da lei, esta expressamente comine com essa consequência, sendo nos demais casos o ato ilegal considerado meramente irregular - cfr. Artigo 118.°, n.° 1 e 2 do CPP.
Termos em que sempre se deveria considerar que a pretensa omissão de pronúncia alegada pela Recorrente - que como visto supra, não deverá considerar-se verificada -, apenas daria lugar a uma irregularidade.
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23.10.2017, que considerou que "a falta de fundamentação em apreço, traduzida na falta de enunciação dos factos que se consideram suficientemente indiciados e aqueles que se consideram não suficientemente indiciados, quando verificada no despacho de não pronúncia, reconduz-se a uma mera irregularidade, ainda que de conhecimento oficioso, embora se ocorrer no despacho de pronúncia já consubstancie uma nulidade insanável.”[7]
IV. DOS CRIMES IMPUTADOS AOS RECORRIDOS
A. DA ALEGADA PRÁTICA DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS:
Concluiu a Recorrente no seu RAI estar suficientemente indiciada a prática, pelos Arguidos HF_____, MP______  e BSK, do crime de falsificação de documentos, imputando, em concreto:
i. A HF_____  a prática de 4 (quatro) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.°, n.° 1, alínea d) do Código Penal e, bem assim, a prática de 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e. p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal;
ii. A MP______  a prática de 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e. p. pelo artigo 256.°, n.° 1, alínea d) e, bem assim, a prática de 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e. p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal;
iii. À BSK a prática de 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e. p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.
Da factualidade vertida no RAI e no recurso de que ora se recorre (ponto 63.º), consta, assim, que: "a. O Arguido HF_____  prestou informações falsas à empresa IQVIA (à data, IMS Health, a qual foi contratada como consultora externa da Roche para mapear o seu canal de distribuição de produtos, fazendo com que aquela empresa viesse a refletir informações que aquele sabia serem falsas no relatório de consultoria, designadamente quanto à repartição de vendas nos mercados internacional (v. parágrafos 220 a 240 do RAI e Documento n.º 21 junto com o RAI);
b. O Arguido HF_____  em, pelo menos, duas ocasiões, elaborou apresentações para exposição à Roche, através das quais, no exercício das suas funções de Head of Market Access & Key Management, definiu um plano de expansão estratégica da atividade da Roche no mercado angolano, fazendo constar das mesmas informações falsas sobre os potenciais de venda realizáveis pela Recorrente em Angola (v. parágrafos 122-141 e 274-285 do RAI e Documentos n.º 10 e 24 juntos com a Denúncia);
c. O Arguido HF_____  prestou informações falsas à Recorrente sobre a alegada venda, pela BSK, do produto Accu-Chek Aviva 50T no mercado angolano, fazendo constar do e-mail factos que sabia serem falsos (v. parágrafos 196-204 do RAI e Documento mo 16 junto com a Denúncia);
d. O Arguido MP______  prestou informações falsas à Recorrente sobre a atividade da BSK em Angola, fazendo constar de e-mail factos que sabia serem falsos (v. parágrafos 332-334 do RAI e Documento n.º 33 junto com a Denúncia).
e. Os Arguidos HF_____  e MP______  adulteraram elementos de uma fatura - a fatura n.º 16/1516 de 25.10.2016 - exibindo-a à Recorrente com o propósito de a manter iludida quanto ao efetivo exercício da atividade comercial da BSK em Angola, apondo na mencionada fatura elementos falsos (v. parágrafos 300-327 do RAI e Documento n.º 30 junto com a Denúncia)." (destaques nossos).
A decisão a quo, entendeu não assistir razão à Recorrente quanto a qualquer das imputações aí constantes pela seguinte ordem de razões:
(i) Quanto aos factos relacionados com as informações prestadas pelo Recorrido HF_____  no contexto da elaboração do relatório da empresa IQVIA, entendeu o Tribunal a quo ter decorrido o prazo prescricional desde o momento da prática dos factos relevantes, declarando extinto o procedimento criminal, por prescrição;
(ii) Quanto aos factos relacionados com o plano estratégico da ROCHE elaboradas pelo Recorrido HF_____  entendeu o Tribunal a quo ter decorrido o prazo prescricional desde o momento da prática dos factos relevantes, declarando extinto o procedimento criminal, por prescrição;
(iii) Quanto aos factos relacionados com a informação prestada pelo Arguido HF_____  quanto à alegada venda, pela BSK, do produto Accu-Chek Aviva 50T no mercado angolano, entendeu o Tribunal a quo ter decorrido igualmente o prazo prescricional desde o momento da prática dos factos relevantes, declarando extinto o procedimento criminal, por prescrição;
(iv) Quanto aos factos relacionados com as informações prestadas pelo Recorrido MP______  quanto à atividade da BSK em Angola, entendeu o Tribunal a quo que o e-mail em causa, alegado objeto do crime de falsificação de documento, não se reportava a factos com interesse jurídico, não integrando, por conseguinte, os elementos do tipo objetivo;
(v) Quanto à fatura n.º 16/1516 de 25.10.2016, entendeu o Tribunal a quo não ser a mesma suscetível de ser enquadrada no crime de falsificação de documentos.
Ora, não obstante o elenco da factualidade a que supra se aludiu nas suas alegações e o anúncio da discordância efetuado pela Recorrente quanto às razões que levaram o tribunal a determinar a extinção do procedimento criminal e o arquivamento de cinco crimes de falsificação de documentos, reportados ás alíneas (i) a (iv) supra (cfr. ponto 66 das suas alegações) certo é que a análise do recurso se centra na fatura 16/1516 de 25.10.2016 [ponto (v) supra].
Por outro lado, também as conclusões das alegações (que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal "ad quem" conhecer de questão que delas não conste[8]) nos seus pontos 7 a 12 afastam a relevância da factualidade supra elencada por parte da Recorrente o que significa que a mesma se conformou com a decisão do tribunal a quo.
Assim sendo, pelos motivos indicados, também os ora Recorridos analisarão apenas a matéria relativa à factura 16/1516 de 25.10.2016
ASSIM,
Nos termos do artigo 255.º do Código Penal, sob a epígrafe "definições legais":
"Para efeito do disposto no presente capítulo considera-se:
a) Documento - a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa ou animal para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta;"
Dispõe, por seu turno, as alíneas a) e d) do artigo 256.º, n.º 1 do Código Penal:
"Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
(…)
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;"
Como bem ensina Helena Moniz[9] relativamente à alínea a) do artigo 256.º, fabricar documento falso consiste no ato de fabricar um documento cuja declaração documentada é "idónea a provocar um facto juridicamente relevante" completamente distinta da declaração efetivamente realizada.
Já no que concerne à alínea d), a conduta descrita consiste em fazer constar falsamente facto juridicamente relevante, pelo que não poderá ser qualquer declaração falsa a preencher esta modalidade de ação, mas apenas tão-só a declaração falsa que se reporte a um facto que crie, modifique ou extinga uma relação jurídica.
Para efeitos da lei penal, a noção de documento delimita o campo da ilicitude, porquanto não integra o tipo, como explica Helena Moniz[10], uma "qualquer falsificação de uma declaração, mas apenas a falsificação de uma declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante." (sublinhados nossos).
Quanto ao elemento subjetivo, exige-se para o preenchimento do tipo o dolo, que pode assumir qualquer uma das suas modalidades típicas, conforme o previsto no artigo 14.º do Código Penal,
E, a acrescer, um dolo específico, uma vez que se exige a "intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo".
O bem jurídico acautelado com semelhante incriminação é, pois, a segurança e a confiança do tráfico jurídico, especialmente do tráfico probatório, ou seja, a verdade intrínseca do documento enquanto tal, não se protegendo o património nem sequer a confiança na verdade do conteúdo do documento (cfr. Figueiredo Dias e Costa Andrade, in O Legislador de 1982 optou pela Descriminalização do Crime Patrimonial de Simulação, Parecer publicado na C.J., VIII, tomo 3 - 20 e ss.)[11].
ORA,
Alega a Recorrente que os Arguidos:
- Adulteraram elementos de uma fatura - a fatura n.º 16/1516 de 25.10.2016 -, exibindo-a à Recorrente com o propósito de a manter iludida quanto ao efetivo exercício da atividade comercial da BSK em Angola, apondo na mencionada fatura elementos falsos.
Contrariamente ao que Recorrente alega, não existiu qualquer falsificação tal como resulta da prova constante dos autos.
Desde logo, após ser confrontada com a acusação efetuada pela Recorrente ROCHE, os Arguidos logo encetaram diligências com vista a apurar a razão subjacente ao facto de existirem duas faturas com o mesmo número, mas com valores diferentes,
Tendo lhes sido explicado pela estrutura da BSK em Angola que a fatura a que alude a Recorrente datada de 25.09.2016, era, afinal, uma mera fatura proforma, que, por esse mesmo motivo, não foi registada na contabilidade da empresa.
Como já tivera oportunidade de esclarecer em requerimento avulso, não se conseguiu apurar a razão subjacente à emissão de uma fatura sem a referência proforma, mas a verdade é que tudo indica que se deveu a um fraco domínio do sistema informático por parte da equipa administrativa local angolana - realidade que todas as empresas que operam no mercado angolano bem conhecem.
O reenvio dessa fatura pelo Recorrido HF_____  à ROCHE, em 25.11.2016, tratou-se, assim, de um mero lapso a que este é totalmente alheio, lapso esse a que o Recorrente MP______  é também alheio.
O que sucedeu foi o seguinte, conforme esclarecimentos prestados pelo Recorrido HF_____  na diligência do dia 2 de Julho de 2021: o Recorrido MP______ , confrontado com o pedido urgente da ROCHE, transposto no email desta datado de 24.11.2016, requereu ao seu escritório em Angola que lhe enviassem, por email e com urgência, a última fatura de exportação de produtos Accu Chek para aquele território, tendo-lhe sido enviada, pelos serviços locais, a fatura proforma.
Aliás, o único efeito que se surpreende dos documentos juntos pela Recorrente aos autos - e que vem precisamente confirmar o referido pelos Arguidos - é o que consta do artigo 298.0 do RAI, que refere:
"estamos sob uma enorme pressão na questão do parallel trade e precisamos de nos defender como pudermos para evitar que nos retirem o profit de 2016".
O efeito era, por isso interno, de justificação entre as subsidiárias da Recorrente como, aliás, teve H a oportunidade de explicar quando foi ouvido. Por outro lado, havia ali "profit" relevante como se verifica pela necessidade de o salvaguardar a propósito destas justificações.
Claro está que se os Arguidos pretendessem esconder o que quer que fosse nunca teriam junto à petição inicial da ação cível a única fatura que contabilisticamente existia na BSK com n.º 16/1516 e que contrariava a enviada à Roche, em 25.11.2016.
Seria, pois, expectável ou sequer verosímil que, se tivesse efetivamente falsificado uma fatura com a consciência do que havia ocorrido (a qual a Recorrida BSK sabia estar na posse da Recorrente ROCHE) e a Recorrida BSK, ainda assim, na ação cível que instaurara contra a ROCHE, tivesse junto aos autos uma outra fatura que não a falsificada?
Convenhamos: tal comportamento seria contrário às regras da experiência comum, o que contribui, de forma decisiva, para comprovar que a tese da ROCHE é, para dizer o mínimo, irrealista.
Por último vimos como as informações e/ou documentos trocados não tiveram aptidão sequer para convencer as pessoas escolhidas habilmente pela Recorrente do que quer que fosse uma vez que se surpreendem nos autos as mesmas evidências de desconfiança que supostamente tinham ficado esclarecidas em momento anterior.
Assim, como já se disse, em reunião realizada a 6 de Abril documentada num email de MP______  a fls. 283 (vol. I) a Recorrente sugeria, considerando a indicação de presença de produtos que produz e comercializa para territórios externos em mercados europeus, acordar procedimentos complementares ao previsto no Contrato de Distribuição ou em alterar o mesmo, como vista a se integrarem nesse, mecanismos de reforço que deem adequadas garantias quanto ao cumprimento das regras legais e de Compliance que se aplicam às partes.
Por outro lado, de forma mais decisiva, em 19 de Abril de 2017, a Recorrente remeteu à BSK um pedido de documentação que refere ser "bastante mais abrangente do que o anterior visando apurar (art.° 341 do RAI) quanto é que, afinal, a Denunciada BSK estava a colocar, do que lhe comprava, nos mercados angolano e moçambicano (doc. 35 junto com a denúncia)".
Esse documento, constante de fls. 281, referia expressamente "manifestamos a nossa necessidade de obtermos dados concretos sobre aspectos de cumprimento do referido contrato" e, para esse efeito, solicitava:
- a listagem de valores de vendas a clientes de produtos a que se refere o contrato de distribuição desde inicio de vigência do contrato até à presente data;
- a listagem com identificação dos valores de vendas por clientes (incluindo identificação dos clientes em causa) no mesmo período,
- a cópia dos documentos e encomendas de clientes relativas aos produtos a que se refere o contrato de distribuição, e de exportação quando aplicável no mesmo período.
- A cópia das licenças e autorizações de importação para os territórios de Angola e Moçambique concedidas à BSK em vigor na presente data, incluindo as suas renovações, quando aplicável.
Não corresponde, por isso, à realidade, que a fatura tenha tido a virtualidade de convencer H___   do que quer que seja, tanto mais que, o email reproduzido no ponto 80.0 do recurso da Recorrente, os documentos preparatórios de uma resposta que se encontrava a ser preparada envolviam documentos internos CO estou tratando a parte doméstica com os dados que temos disponíveis") e os documentos relativos às vendas a PALOPS eram complementares.
Por outro lado a resposta que se encontrava a ser preparada era, como se disse, interna, sendo por isso a utilização do documento insuscetível de preencher os elementos do tipo constantes do art.º 256.º do CP.
Acresce que a Recorrente não refere em nenhum momento o que foi feito com aquela informação, que email foi enviado na estrutura interna da Recorrente ROCHE, ou seja, se aquele documento foi enviado para algum lado e de que forma.
POR FIM,
Tal como consta da decisão recorrida, "há que dizer ainda que quanto ao elemento subjectivo do crime de falsificação de documento relativo à emissão da factura, o mesmo não se mostra descrito no RAI. De acordo com o alegado nos artigos 327 e 392 do RAI verifica-se que a Assistente não descreve o elemento subjectivo do crime de falsificação relativo à factura, apenas descreve quanto ao correio electrónico e quanto aos relatórios".
O dolo enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo é elemento constitutivo do tipo-de-ilícito. Mas é ainda expressão de uma atitude pessoal contrária ou indiferente perante o dever-ser jurídico-penal e, nesta parte, é ainda elemento constitutivo do tipo-de-culpa dolosa. O dolo é, assim, uma entidade complexa, cujos elementos constitutivos se distribuem pelas categorias da ilicitude e da culpa.
Neste entendimento, que seguimos, o Prof. Figueiredo Dias adiciona aos elementos intelectual (conhecimento de realização do tipo objetivo de ilícito) e volitivo (vontade de realização do tipo objetivo de ilícito), o elemento emocional.
De acordo com a lição deste Professor "o dolo não pode esgotar-se no tipo de ilícito (...) , mas exige do agente um qualquer momento emocional que se adiciona aos elementos intelectual e volitivo contidos no "conhecimento e vontade de realização"; uma tal posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas. O que significa que a estrutura do dolo do tipo por que perguntamos aqui só se alcança quando se tenha a consciência clara de que, com ela, não fica por si mesma justificada a aplicação da moldura penal prevista na lei para o crime doloso respetivo; antes se torna indispensável um elemento que já não pertence ao tipo de ilícito, mas à culpa ou ao tipo de culpa. Com esse elemento se depara quando se atente em que a punição por facto doloso só se justifica quando o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal. "[12].
Tudo isso, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter atuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).
E não obstante o esforço da Recorrente em justificar a inserção do elemento subjetivo no art.º 392.º do RAI, certo é que não pode considerar-se que "diversos documentos" integram a factura referida, exigindo-se na delimitação do elemento subjectivo a descrição detalhada (e não por aproximação ou presunção) do dolo do tipo, conceitualizado, na sua formulação mais geral, como conhecimento e vontade referidos a todos os pressupostos do tipo objetivo, e o dolo da culpa, traduzido na consciência, por parte do arguido, de que com a sua conduta sabe que atua contra direito, com consciência da censurabilidade da conduta.
Tal como não integram esses elementos os art.ºs 309.º, 312.º, 315.º, 319.º ou 326.º, chamados à míngua do preenchimento dos requisitos de que a lei faz depender a incriminação.
A deficiente descrição dos factos integradores do elemento subjetivo do tipo ou a omissão integral de descrição do tipo subjetivo, não é suscetível de ser integrada, com recurso a semelhanças ou a considerações de carácter genérico.
É pois inequívoco que tal conduta é insuscetível de configurar a prática de um crime de falsificação de documento na modalidade prevista na alínea a) do artigo 256.º, n.º 1 do Código Penal.
Porquanto a realidade material subjacente à fatura n.o 16/1516 de 25.10.2016 não é apta a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica - pressuposto obrigatório de preenchimento do tipo de falsificação de documento.
Assim, a decisão recorrida deverá também manter-se na parte que determina a não pronúncia dos Arguidos e o consequente arquivamento dos autos quanto ao crime de falsificação de documentos.
B. DA ALEGADA PRÁTICA DO CRIME DE BURLA QUALIFICADA
Conclui a Recorrente estar suficientemente indiciada a prática, pelos Recorridos HF_____, MP______, MP____, VS____  e BSK do crime de burla qualificada, p. e. p. pelo artigo 218.º, n.º 1 do CP.
Da matéria factual vertida no RAI e no recurso de que ora se recorre, consta que:
a. "Em 30.01.2014 HF_____ , em, conjunto com FF____  e CC____ , seus pais, MP____ , sua irmã, e VS____ sua companheira à data, constituiu a sociedade comercial BSK - cf. Documento n.º 9 junto com a Denúncia (parágrafo 113 do RAI);
b. HF_____  era titular do equivalente a 99,6% do respetivo capital social ­ Documento n.º 4 junto com o RAI (parágrafo 115 do RAI);
c. HF_____  não comunicou à Roche a sua participação social na BSK, nem as suas relações familiares com os demais acionistas e administrador único, apesar de conhecer as obrigações e procedimentos estabelecidos no Código de Conduta da Roche, em matéria de prevenção de conflito de interesses que a isso obrigavam - cf. Documento n.o 4 junto com a Denúncia (parágrafo 118 do RAI);
d. Por inerência ao exercício das suas funções enquanto Head of Market Access & Key Account Management, HF_____  sabia que a Roche, pelo menos desde 2012, tentava entrar no mercado angolano com a gama de produtos Accu-Chek, sem sucesso relevante (parágrafo 121 do RAI);
e. HF_____  sabia que o seu superior hierárquico, à data JH, não conhecia bem o mercado angolano (parágrafo 124 do RAI);
f. Em fevereiro de 2014, HF_____  apresentou internamente, na qualidade de Head of Market Access & Key Account Management da Roche, uma revisão do plano de negócios que havia apresentado em setembro de 2013 para o crescimento em território angolano - cf. Documento n.o 10 junto com a Denúncia (parágrafo 133 do RAI);
g. A mencionada apresentação, não só refletia um aumento da rentabilidade do mercado angolano em relação à anterior apresentação, como indicava a necessidade de estabelecer parcerias comerciais com empresas com base portuguesa e presença local em Angola - cf. Documento n.º 10 junto com a Denúncia (parágrafo 133 - 138 do RAI);
h. Em 17.02.2014, a Arguida MP____  , à data exercendo funções enquanto Administradora única da BSK, assinando como  dirigiu à Assistente um email, remetido através dos endereços de correio eletrónico medicalbsk2014Pgmail.com e c(&bskmedical.pt através do qual dava conhecimento da alegada existência de uma operação de reestruturação societária, pela qual a Pharma, Lda. Se havia transformado na BSK Medical, S.A. - cf. Documento n.o 11 junto com a Denúncia (parágrafo 145 do RAI);
i. Essa reestruturação não existiu, pois que, como acima visto, a sociedade Pharma não existia;
j. Em 24.02.2014, HF_____  determinou que a BSK fosse aceite como novo cliente da Roche, tendo sido o próprio - como acima referido - quem determinou que lhe fossem aplicadas as mesmas condições contratuais que eram aplicadas à Pharma - Documento n.º 11 junto com a Denúncia (parágrafo 157 do RAI) - cf. declarações prestadas por JH___ em diligência instrutória;
k. O preço oferecido por HF_____  à BSK e a circunstância de o mesmo ter sido oferecido a uma empresa detida a 99% por aquele não foi do conhecimento do seu superior hierárquico (parágrafo 133 do RAI) - cf. declarações prestadas por JH___ em diligência instrutória;
l. Durante o mês de março de 2014, HF_____  foi sugerindo a JH___ a possibilidade de a BSK ser o parceiro certo para o aproveitamento do mercado angolano (parágrafo 166 do RAI) - cf. declarações prestadas por JH___ em diligência instrutória;
m. No final de março de 2014, início de abril de 2014, JH___ acedeu a que a BSK fosse indicada como distribuidora não exclusiva da Roche para o mercado angolano, beneficiando a mesma de preço descontado de € 10,00 (dez euros) para o produto Accu‑Chek Aviva 50T (parágrafo 171 do RAI); - cf. declarações prestadas por JH___ em diligência instrutória;"
Como procuraremos demonstrar infra, os alegados factos apresentados pela Recorrente ROCHE não correspondem à realidade e por isso os Recorridos não praticaram o crime de burla qualificada, nem simples, nos termos em que aquela alega.
VEJAMOS DETALHADAMENTE:
Preceitua o artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal:
"Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa."
E, a forma agravada, consagrada nos termos do artigo 218.º do Código Penal:
"Quem praticar o facto previsto no n.º 1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias."
Integram o referido tipo de crime os seguintes elementos objetivos:
a) o uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocado;
b) para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial.
E o tipo subjetivo, por sua vez, preenche-se com a intenção de obtenção, para o agente ou para terceiro, de um enriquecimento ilegítimo.
Relativamente ao enriquecimento ilegítimo este "pode ocorrer por diversas formas"[13] sendo que o que não poderá nunca é este enriquecimento corresponder objetivamente ou subjetivamente a qualquer direito, como bem destaca o Mmº Juiz de Instrução (página 58 da Decisão Instrutória).
Por seu turno, dos ensinamentos de ALMEIDA COSTA[14] resulta que o "erro ou engano sobre factos, astuciosamente, provocado" poderá revestir três modalidades:
"quando o agente provoca o erro de outrem, descrevendo-lhe, por palavras ou declarações expressas (sob a forma oral ou escrita), uma falsa representação da realidade. A segunda observa-se na hipótese de o erro ser ocasionado, não expressis verbis, mas através de atos concludentes, te., de condutas que não consubstanciam em si mesmas, qualquer declaração, mas, a um critério objetivo - a saber, de acordo com as regras da experiência e os parâmetros ético-sociais vigentes no sector da atividade -, mostram-se adequados a criar uma falsa convicção sobre certo facto passado, presente ou futuro. Em terceiro lugar, refere-se a burla por omissão ao contrário do que sucede nas situações anteriores, o agente não provoca, agora, o engano do sujeito passivo, limitando-se a aproveitar o estado de erro em que ele já se encontra."
Depois, sempre se exige uma sucessiva e perfeitamente coincidente relação de causa-efeito (sob a forma de nexo causal) entre a conduta enganosa ou astuciosa e a prática de atos que causem, ao enganado ou a terceiro, um efetivo prejuízo patrimonial.
Finalmente, quanto à "intenção de obtenção, para o agente ou para terceiro, de um enriquecimento ilícito", te., ao tipo subjetivo, sempre esclarece PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE[15]:
"as formas de dolo direto e necessário, uma vez que a astúcia é incompatível com o dolo eventual (...). O tipo inclui ainda um elemento subjetivo adicional: a intenção de obter, para si ou para terceiro, enriquecimento ilegítimo. Não é necessário que se verifique o enriquecimento, mas a vontade de o obter."
No despacho de arquivamento a que já fizemos alusão, considerou o Ministério Público, não caber acusação pela prática de crime de burla, arquivando por não se vislumbrar que a outra parte tenha, astuciosamente, provocado um erro ou engano nos ofendidos, não bastando para o preenchimento do tipo objetivo do crime de burla "que produza uma mera declaração desconforme com a verdade, é imperioso que o agente actue de forma engenhosa, que crie um estratagema ardiloso, que dirija ao ofendido uma encenação apta a ludibriá-lo, de modo a que este último pratique um acto de disposição patrimonial que o prejudique e que não o faria noutras circunstâncias" o que não se verifica in casu.
E bem assim, o Mmº Juiz de Instrução não pronunciou os Arguidos pelo crime de burla por considerar não existirem indícios de astúcia ou ardil, te., de uma situação de falsa representação da realidade concreta a funcionar como um vício influenciador da decisão do Recorrente, antes e somente (!) de violação de deveres laborais e atuação em conflito de interesses por parte do Arguido HF_____, eventualmente cumulado com culpa na formação e incumprimento dos contratos e boa fé contratual (páginas 81 e 82 da Decisão Instrutória).
Muito embora se discorde desta última afirmação, admite-se que o Mm Juiz a quo tem razão ao configurar os factos em matéria que deve ser apreciada no âmbito do contencioso cível onde as partes se encontram já a esgrimir as suas posições. Por razões de mera economia processual, por isso, e porque os argumentos aptos a contrariar aquele entendimento têm natureza cível e estão relacionados com aquele mesmo contencioso, os Recorridos optam por não desenvolver, nesta sede, aqueles argumentos.
Por ora importa reter apenas que os factos trazidos aos autos pela Recorrente ROCHE não consubstanciam matéria de facto indiciada que autorize ao seu enquadramento jurídico-criminal no âmbito do crime de burla, por se tratar apenas de factualidade com relevância em sede de responsabilidade civil.
VEJAMOS COM DETALHE,
A decisão instrutória apreciou os elementos de prova que constam dos autos, a propósito do inicio da relação contratual nos termos seguintes:
"Correio electrónico de 25-7-2013, junto a fls. 148, do qual resulta que o MP______  (Pharma) remeteu à Roche, por sua vez remetido ao arguido HF_____  e posterior aprovação com intervenção deste do preço a praticar pelo produto Accu-check Activa 50T e resposta da Roche, na mesma data (fls.148, 150 e 152).
Correio electrónico de 7-8-2013 enviado pela Pharma para a Assistente a colocar uma encomenda do produto Accu-check Activa 50T e indicação do preço da mesma pela Roche, no qual teve intervenção o arguido HF_____ .
Destes documentos resulta também a intervenção de outros funcionários da Roche, nomeadamente à R___  e CA____ , o que afasta a ideia veiculada pela Assistente de que a decisão quanto ao início da relação comercial entre a Roche e a Pharma partiu apenas do arguido HF_____  ou apenas com intervenção deste por parte da Roche. Do teor do correio electrónico em causa, em particular do constante de fls. 148, resulta que o contacto do arguido MP______  foi com a estrutura da Roche e não directamente com o arguido HF_____  e desse mesmo documento resulta que o objectivo do mesmo era, "para promoção e venda directa aos nossos clientes".
Daqui resulta indiciado que o preço por embalagem do produto em causa, a comercializar pela Pharma, foi fixado com a intervenção do arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche, preço esse, inferior ao que era praticado pela Roche a outros armazenistas nacionais. Dos elementos de prova que constam dos autos, nomeadamente dos documentos acima mencionados e das declarações do arguido HF_____  prestadas em sede de interrogatório judicial, não resulta indiciado que a decisão quanto ao preço do produto tenha sido fixada exclusivamente pelo arguido HF_____  e que essa decisão foi tomada à revelia da estrutura da Roche.
Com efeito, ao contrário do alegado pela assistente no artigo 93 do RAI, não foi produzida qualquer prova no sentido de que o arguido HF_____  tenha instruído R___ , funcionária da Assistente, quanto ao preço a praticar. O arguido alegou que trabalhava com uma equipa e que essa decisão era tomada em equipa. A R___  não foi inquirida nestes autos e não foi indicada ou produzida qualquer prova que indicie que a decisão quanto ao preço a praticar tenha sido tomada de forma oculta, contra instruções da Roche ou em prejuízo da Roche.
Do correio electrónico de 7-8-2013 resulta que o arguido MP______  dirigiu-se directamente à funcionária R___  a quem faz a faz a encomenda do produto e solicita a informação para efetuar o pagamento (fls. 154 verso).
Tendo em conta o facto das comunicações do arguido MP______, por parte da Pharma, terem sido com a estrutura da própria Roche e não direta ou exclusivamente com o arguido HF_____ , faz com que se mostre não Indiciado o alegado pela Assistente no artigo 107 do RAL isto é, que a aquisição em causa permaneceu desconhecida da Roche até finais de 2016. O arguido MP______  não prestou declarações e o arguido HF_____  negou ter estabelecido qualquer acordo com aquele tendo em vista a testarem a possibilidade de colocar Pharma a adquirir produtos à Assistente a preços fixados pelo próprio arguido e abaixo dos praticados aos restantes armazenistas nacionais.
As restantes arguidas também não prestaram declarações.
Com efeito, pelo simples facto de os arguidos em causa serem cunhados entre si e o facto de o arguido HF_____  trabalhar para a Rache, não nos permite inferir a existência de um acordo entre ambos com vista a obter vantagens patrimoniais à custa do património da Roche. Assim sendo, o alegado pela Assistente nos artigos 107, 108, 109, 110, 111, 112 e 113 do RAI não se mostra indiciado." (cfr. paginas 67 e 69 da decisão recorrida).
Tal como havia feito na Denúncia e posteriormente no requerimento de abertura de instrução, a Recorrente desvaloriza, por completo, a estrutura organizativa de uma entidade multinacional (a ROCHE) admitindo como possível que uma decisão com visibilidade na totalidade dessa estrutura (no momento inicial e em todos os momentos subsequentes) possa ser tomada e, sobretudo, mantida por uma única pessoa.
Por esse motivo, insiste na narrativa que consta do seu artigo 124.º referido que os factos que reproduz são aptos à consideração de que a decisão foi apenas do Recorrido HF_____.
São os seguintes os alegados factos constantes daquele 124.º:
a) "O Arguido HF_____  foi colaborador da Recorrente entre 01.05.2002 e 16.12.2016, tendo, de 2013 até à cessação das suas funções nesta, exercido as funções de Head of Market Access & Key Account Management na Recorrente (parágrafos 63 e 64 do MI);
b) De acordo com a estrutura organizacional da Recorrente, o cargo de Head of Market Access & Key Account Management compreendia as funções de coordenação da política comercial da Recorrente nos mercados em que esta colocava os seus produtos (parágrafo 65 do RAI)
c) Nessa qualidade, um pedido de comercialização de produto da Roche era, obviamente, remetido ao Arguido HF_____ , o que este bem sabia;
d) A circunstância de o Arguido MP______ , cunhado de HF_____ , ter remetido um e-mail à estrutura da Roche, não obsta a que um e outro soubessem que a decisão seria tomada, a final, por HF_____ , e não pelos funcionários da Roche que rececionaram o e-mail;
e) Tanto assim é, que resulta da cadeia de resposta ao e-mail de MP______  remetido à estrutura da Roche, que a decisão foi efetivamente tomada por HF_____  (como veremos na análise da próxima conclusão) - cf. Documentos n.ºs 6 e 7 juntos com a Denúncia;
f) Da referida cadeia de e-mails resulta que nenhum outro funcionário da Roche, à exceção de HF_____ , assumiu um papel decisório - direta ou indiretamente - na contratação da Pharma, limitando-se os funcionários referidos na Decisão Recorrida a reencaminhar sucessivamente os e-mails e, em último lugar, a remetera proposta nos exatos termos definidos por HF_____ ."
A cadeia de emails, também reproduzida pela Recorrente é a seguinte:
(i) "No dia 25.07.2013, pelas 02:41, o Arguido MP______  remete o e-mail contendo o pedido de preços ao Departamento de Encomendas da Roche - v. Documento n.º 6 junto com a Denúncia;
(ii) No mesmo dia 25.07.2013, pelas 10:58, a funcionária do Departamento de encomendas, Alcinda Duarte, reencaminhou o mencionado e-mail para o Departamento de Concursos, sem qualquer texto no corpo do e-mail - v. Documento n.º 6 junto com a Denúncia;
(iii) No mesmo dia 25.07.2013, pelas 11:05, a funcionária R___ , do Departamento de Concursos, reencaminha o e-mail para o Arguido HF_____ , com o seguinte texto:
"Bom dia Pedido abaixo Obr"'RG" - v. Documento n.º 6 junto com a Denúncia;
(iv) No mesmo dia, pelas 11:18, de forma praticamente imediata, HF_____  responde a R___, nos termos acima referidos - v. Documento n.º 6 junto com a Denúncia;
(v) No mesmo dia, pelas 15:11, R___  remete a proposta nos exatos termos definidos por HF_____  para MP______ - v. Documento n.º 7 junto coma Denúncia."
Como se vê o email do Recorrido MP______ , datado de dia 25.07.2013 (fls 148), foi remetido, visando a "promoção e venda direta aos nossos clientes", à estrutura da Roche e não diretamente ao Recorrido HF_____  tendo circulado pelos diversos departamentos da Recorrente. E muito embora a decisão de quantidades e preços tenha sido tomada pelo Recorrido HF_____ , o mesmo foi reencaminhado por via de uma funcionária de nome R___.
Tal como refere a decisão recorrida, "A R___  não foi inquirida nestes autos e não foi indicada ou produzida qualquer prova que indicie que a decisão quanto ao preço a praticar tenha sido tomada de forma oculta, contra instruções da Roche ou em prejuízo da Roche".
Naquela altura a Recorrente tinha mais de 100 empregados, com estrutura administrativa autónoma do Recorrido HF_____  e como resulta dos ,documentos relativos ao estabelecimento daquela relação comercial o mesmo teve apenas intervenção (interna) na fixação, em abstrato, das condições que poderiam ser aplicadas caso o fornecimento se verificasse (cfr. texto do email enviado a R___, junto como documento 6 da denúncia reproduzido no art.º 93.º do RAI).
Note-se que a Recorrente ROCHE não dá qualquer detalhe sobre a forma como se processou em momento subsequente a encomenda: uma vez que o preço fixado era, na tese desta, de favor e nunca havia sido praticado, foi o Recorrido HF_____  que tratou da abertura do cliente? Do processamento da encomenda? Da emissão da factura? E os departamentos não verificaram que, afinal, aquele preço estava abaixo daquele que era praticado na ROCHE? E que causava prejuízo?
Nenhuma explicação sobre este processamento, sendo que a Recorrente se impressiona com o facto de terem decorrido 13 minutos entre o momento em que o email foi remetido ao Recorrido HF_____  e a sua resposta fixando o preço, mas nada refere sobre as quase quatro horas entre o momento em que R___ recebe o email (11:18) e o momento em que remete a proposta (15:11) para o potencial cliente.
No momento subsequente, a Recorrente discorre sobre aquilo que considera o segundo momento (mas que ignora todo o processamento de abertura de cliente, de processamento de encomenda e de emissão de facturação feito pela estrutura da Recorrente Roche...) e que resulta nos factos constantes do art.º 130.º do seu recurso:
"(...) b) Em 17.02.2014, a Recorrente foi informada que a Pharma teria sido (alegadamente) objeto de uma operação de reestruturação societária, denominando-se agora BSK (parágrafos 145-147 do RAI);
c) Em 24.02.2014, HF_____  determinou que a BSK fosse aceite como novo cliente da Recorrente, ao abrigo das condições comerciais previamente estabelecidas com a Pharma, te., com o preço unitário do produto Accu-Chek Aviva 50T €10,00 (dez euros) - cf. Documento ao 11 junto com a Denúncia (parágrafo 153 do RAI);
d) Da cadeia de e-mails constante do Documento n.º 11 junto com a Denúncia, resulta, inequivocamente, que foi HF_____  quem tomou a decisão de manutenção das condições contratuais"
Mais uma vez a Recorrente ignora que também o email da Recorrida MP____ é dirigido diretamente, e nos mesmos termos, à ROCHE, dando-lhe conhecimento da reestruturação que fazia surgir a BSK, e não ao Recorrido HF_____  (cf. Documento n.º 11 junto com a Denúncia), tal como ignora o processamento de abertura de (novo) cliente com substituição do anterior, os procedimentos de verificação feitos pelos departamentos de contabilidade e facturação e, sobretudo, a forma como a fixação de um preço para cliente que causasse prejuízo a uma entidade multinacional com a ROCHE nunca poderia ser um segredo de uma ou duas pessoas!
Aliás, conforme a Recorrente refere, "Nas semanas seguintes, foram enviados, por três vezes, preços à BSK - cf. Documentos n.º 19, 20 e 21 juntos com o RAI -, entre os quais avultava o Accu-Chek Aviva 50T, ao preço unitário de €10,00 (dez euros) (parágrafos 155 e 156 do RAI).
Sobre esta matéria e perante a esmagadora evidência documental que consta dos autos, a Recorrente não arrisca dizer que tal envio, para que o logro fosse controlado e não conhecido pela estrutura da Recorrente, foi feito pelo Recorrido HF_____ ...
Em concreto, JF___, diretor financeiro, e CM__ , diretora de vendas, assinaram a nova proposta de preços à BSK nas condições praticadas para a Pharma (fls. 170), tendo consentindo nas condições de revenda, inclusive no preço, aquando da celebração do referido "Contrato de Distribuição Exclusiva" - cf. art.º 270.º do RAI e Documento 22 da Denúncia (fls. 197 e seguintes) sido assinado por duas vezes até (1)
Como é evidente outras pessoas, que não apenas aquelas indicadas pela Recorrente, intervieram nestes processamentos e no envio de encomendas e preços o que, como resulta das regras da experiência comum, teriam detetado e denunciado caso alguma coisa estivesse fora do padrão (sobretudo no que diz respeito a preços) ou fosse violadora da política comercial da multinacional Recorrente ROCHE.
Naquela altura, uma encomenda feita à ROCHE passava pelos seguintes departamentos, conforme declarações da testemunha JH____ entre os minutos 00:01:47 e 00:06:41:
a. Departamento comercial, que facultava as condições comerciais;
b. Departamento de encomendas que validava a encomenda;
c. Departamento de qualidade[16] que validava se o cliente tinha as condições legais para comprar os produtos;
d. Departamento de concursos onde validava os preços e condições do departamento comercial;
e. Departamento financeiro para validação se a venda era a pronto pagamento ou a crédito, após analise de risco da ferramenta da "Informa D&8"[17] do cliente, onde constam todos os dados oficiais institucionais, societário e financeiro das empresas;
f. Departamento de logística, para entrega da mercadoria ao cliente.
Todos estes departamentos tinham pessoas e colaboradores, responsáveis por cada uma das atividades referidas, com competência e autonomia própria que são incluídos como destinatários dos emails citados pela Recorrente ROCHE, ao contrário do que resulta da leitura do seu RAI e do seu recurso: os contactos a que esta alude não foram feitos às ocultas, à socapa e fora da estrutura (complexa) da Recorrente.
POR OUTRO LADO,
A propósito dos preços, a Recorrente não apresentou, na Denúncia e/ou no requerimento de abertura de instrução, a forma como os preços eram praticados.
Assim, por referência a cada produto a Recorrente ROCHE fixava três referências distintas, as quais possibilitavam a prática de diferentes preços nos segmentos distintos em que aquela atuava, permitindo que fosse mais competitiva e ganhasse quotas de mercado consideráveis.
Enquanto que no segmento de mercado armazenista a ROCHE vendia esmagadoramente as referências "SNS" e "PVP" através de preços controlados pelo Serviço Nacional de Saúde, estando estes produtos etiquetados com a respetiva etiqueta do SNS — prescrição médica, sendo que tais vendas eram exclusivamente efetuadas aos armazenistas para venda exclusiva nas farmácias em Portugal.
No segmento de mercado livre, onde o(s) pedido(s) de cotação(ões) se enquadrava(m), a ROCHE adequava o preço de forma concorrencial e casuística, com o propósito de ganho de quota de mercado, praticando livremente os preços que bem entendia, os quais se situavam (em média) entre os € 9,00 (em alguns casos, inferior) e os € 14,00 por embalagem[18].
O preço era fixado com recurso a uma referência única que não era controlada pelo SNS (ou seja, sem necessidade de prescrição médica dos produtos que eram vendidos sem etiquetagem) o que permitia a adequação dos preços praticados aos seus objectivos e a desobrigava de comunicar os preços a qualquer entidade reguladora.
Por outro lado, a ROCHE não se bastava com a prática de descontos ao nível do preço praticado com os seus clientes e parceiros, na medida em que reduzia, substancialmente, o preço real de aquisição dos produtos, por vários dos seus clientes e parceiros, (i) através de descontos financeiros, destacando-se os 3% para pagamentos a pronto, (ii) através de descontos comerciais mediante a oferta de produtos em bónus (a custo zero) o que implicava uma diluição no stock comprado a outro preço, reduzindo consideravelmente o preço médio de compra praticado, assim dissimulando o real montante de descontos praticados pela ROCHE e mesmo (iii) através dos dois tipos de desconto em simultâneo.
Pelo motivo indicado, não demonstrou a Recorrente ter existido qualquer prejuízo patrimonial e nem qualquer enriquecimento injustificado por parte dos Recorridos e, da mesma forma, não estava em causa quaisquer interesses conflituantes entre as duas entidades: a PHARMA e a BSK queria comprar e a ROCHE queria vender.
Os procedimentos constantes dos autos e que a ROCHE pretende qualificar como ilícitos, repetiram-se dezenas de vezes por ano com as mais diversas entidades. E envolviam (como o presente) toda a estrutura de encomendas e de facturação/contabilidade da ROCHE, não podendo considerar-se que os mesmos consubstanciam qualquer erro ou engano astuciosamente provocado
Pelo que, sempre cumprirá dizer que a ser tão excecional e prejudicial como pretende a Recorrente transmitir, a prática de um preço a €10,00 aplicado pela ROCHE à Recorrida BSK, nunca os referidos diretores de vendas e financeiro teriam nele consentido, por não poderem ser praticados.
O conhecimento de tais vendas bem como dos níveis de exportação e o seu controle pelas restantes estruturas e departamentos da Recorrente ROCHE, resulta manifesto do depoimento de JH____ , em diligência instrutória de dia 01.07.2021, constante de gravação 20210701161632_12843_4462833, concretamente aos minutos 00:34:00 e 00:35:00:
Mand. PA: Se a partir do momento em que era iniciada a relação comercial de fornecedores, nomeadamente entidades científicas, à Roche se essas entidades faziam ou não parte de quadros (impercetível) que circulavam entre várias pessoas, incluindo a testemunha?
Intérprete / JH____: [13:35:00] Tínhamos um relatório de vendas, portanto, com o nome das empresas e o volume de vendas delas. 
Com efeito, e como reconhece a própria Recorrente (artigo 122 do RAI) sempre o Recorrido HF_____  trabalhava com uma equipa e as decisões eram tomadas em equipa, tal como também os relatórios e propostas sempre eram elaborados em equipa, não tendo o Arguido qualquer poder ou estatuto hierárquico que lhe permitisse decidir ocultamente (e sobretudo manter essa ocultação) contra instruções da Recorrente, de forma a que, em seu prejuízo, contratasse um distribuidor ou praticasse continuadamente um determinado preço que lhe causasse prejuízo.
Como é bom de ver, dos documentos juntos com a Denúncia e que constam dos autos, e bem assim da prova produzida em sede de interrogatório judicial e diligência instrutória, não resulta, como bem evidencia o MP e o Mmº Juiz de Instrução (páginas 67 e 68 da Decisão Instrutória), que o preço do produto tenha sido fixado unilateral e exclusivamente pelo Recorrido HF_____  e que essa decisão tenha sido tomada à revelia da estrutura da Recorrente ROCHE.
Em função de tudo o que antecede, não pode a Recorrente ROCHE pretender dizer que teve apenas conhecimento destes factos em 2016 uma vez que toda a sua estrutura, como vimos, esteve envolvida e, mais do que estar envolvida, controlada a realidade das vendas e dos mercados onde os seus fornecedores vendiam os seus produtos.
Assim, tudo se passa de acordo com uma evidente normalidade comercial.
A Recorrida BSK não nasceu, por isso, com o propósito único descrito no RAI: em momento anterior à relação com a Recorrente celebrou acordos de distribuição com várias multinacionais da área farmacêutica, tais como, a BRAUN, a ABBOT, e com a multinacional BAYER (concorrente directa da Roche Diagnósticos) um contrato de distribuição de produtos farmacêuticos conforme documento n.º 1 junto com a Réplica apresentada pela BSK no processo cível e documento n.º 1 junto com o requerimento apresentado em 25 de Março de 2019 no mesmo processo.
Quando iniciou relações com a ROCHE a Arguida BSK possibilitou àquela a criação de um novo canal de distribuição dos seus produtos, quer no mercado nacional, quer no mercado europeu (em face da regulamentação europeia relativa ao mercado único), quer no dos PALOP onde a Recorrente tentava entrar desde 2012 "com a gama de produtos Accu-Check sem sucesso relevante" (cfr. art.º 121.º do RAI)
Assim, em 2014 a ROCHE acordou em conceder à BSK o direito de distribuir os dispositivos médicos da gama Accu-Chek, em particular os medidores de glicemia Accu-Chek Aviva e o Accu-Chek Performa, sendo que o Contrato de Distribuição Global celebrado não teve tradução escrita, uma vez que era política interna da ROCHE, nessa altura, não celebrar contratos escritos com os seus distribuidores.
Como já vimos, o email enviado pela Pharma (art.º 91 do RAI) nada refere sobre mercados fora de Portugal. O mesmo se passa com o email de fixação das condições que não é feito pelo Arguido HF_____ mas por R___  (cfr. Art.º 94.º do RAI), o mail da primeira encomenda (art.º 106.º do RAI) e o primeiro email onde aparece a BSK (art.º 145.º do RAI). E obviamente todos a partir daí.
Nesse compromisso inicial não existia (i) qualquer restrição territorial ou (ii) qualquer restrição quanto aos preços de revenda aos clientes finais, sendo que os preços unitários de compra foram fixados respetivamente em €0,50 (preço unitário do Accu-Chek Performa) e €10 (Accu-Chek Aviva).
Em relação à inexistência de restrição territorial, e porventura de forma mais clara, em nenhum momento a Recorrente ROCHE colocou qualquer entrave à possibilidade que a Recorrida BSK tinha em distribuir os produtos em mercados que não os mercados angolanos e moçambicanos.
Mais do que uma omissão (por distração ou esquecimento) a Recorrente ROCHE reconhecia, autorizava e motivava a revenda dos produtos sem limitações especiais ou temporais nos termos que foram expressos pelo Recorrido HF_____ .
Assim, entre Março de 2014 e março de 2016, a relação comercial entre BSK e a ROCHE desenvolveu-se de forma frutífera para ambas as partes, sendo que ocorreu um aumento significativo do volume de vendas dos dois produtos referidos, quer através do aumento do volume de negócios de clientes existentes, quer através da angariação de novos clientes, como se verifica pelo quadro seguinte (constante do art.º 161.º da petição inicial da acção cível):


É evidente o crescimento da relação entre as partes e o conhecimento que existia da mesma que, como se imagina, era clara e detalhadamente controlado na estrutura da ROCHE
Aliás, a ROCHE sempre que era contactada por potenciais clientes interessados na compra dos seus produtos, encaminhava-os para a BSK que, assim, era apresentada sem qualquer limitação, como distribuidora daqueles produtos (cfr. documento 3 junto com a PI da ação cível).
Apesar de tudo, a narrativa da Recorrente pretendeu convencer da intervenção decisiva do Recorrido HF_____  no convencimento do potencial de Angola, elemento relevante da astúcia para o preenchimento do crime de burla.
Porém, o tribunal a quo considerou - e bem - o seguinte:
"A fls. 162 consta a apresentação elaborada pela equipa da Roche em 2014, na qual teve participação o arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche, sobre o potencial de crescimento em Angola. Deste documento resulta que a equipa da Rache propôs, com vista ao crescimento de faturação da Roche, o estabelecimento de parcerias comerciais com stakeholders locais e contratar parceiros com base portuguesa, mas presença local em Angola.
Conforme alegado pela própria Assistente no artigo 122 do RAI, o documento em causa foi elaborado a pedido da testemunha JH____ pela equipa da Roche, na qual fez parte o arguido HF_____ , e não apenas por este arguido.
O arguido HF_____, em sede de interrogatório judicial, admitiu ter participado na elaboração do projeto relativo ao mercado angolano e identificou qual o potencial em termos de negócios. Negou, contudo, que a criação da BSK estivesse relacionada com o projeto da Rache para o mercado de Angola.
Nenhuma prova foi produzida no sentido de que foi o arguido Hálder  a impor à equipa que elaborou o documento de fls. 161 - Additional safes upside Angola - as conclusões que constam do mesmo e, muito menos, que essas conclusões tenham sido incluídas com o propósito de apenas fazer crer à Roche a necessidade de encontrar um parceiro em Angola e que esse parceiro seria a BSK (tradução a fls. 2512)" (cfr. página 72 da decisão recorrida).
Para além das conclusões constantes da decisão recorrida, a Recorrente ignora igualmente de forma conveniente no seu recurso que em 2014 a equipa da Roche Diabetes Care se encontrava sob o foco do Projecto A&S o qual tinha como principal propósito a reestruturação dessa unidade de negócios a nível mundial.
Com efeito, na medida em que a faturação nacional não ultrapassava, à data, os limiares internamente fixados pela unidade Roche Diabetes Care, estrutura em que a ROCHE se inseria, o referido Projecto A&S previa, em Portugal, a extinção de vários postos de trabalho, assim como a externalização da referida actividade para um agente local, deixando a ROCHE de estar estabelecida directamente no território nacional nesse sector.
No seu MI a Recorrente omite esta circunstância referindo apenas a realidade do ano de 2013 "em que Portugal estava ainda sujeito a pesadas restrições económicas" (art.º 128.º do RAI).
Procurando evitar as catastróficas consequências associadas à implementação do projecto A&S, a equipa de direção da ROCHE começou a ponderar, de forma mais séria, a entrada em novos segmentos de mercados nunca explorados - área tecnológica de diagnósticos - Ferramentas Digitais, a possibilidade de exportação de produtos para o mercado dos PALOP'S ao mesmo tempo que pressionava as entidades que lhe adquiriam produtos para que vendessem mais.
Foi na sequência destes acontecimentos (e não de quaisquer outros ficcionados pela Recorrente) que se iniciou o estudo de viabilidade associado à exportação.
Mas outra parte da história que a Recorrente ROCHE não conta[19] é que a BSK não surgiu como a primeira solução para dar resposta a este problema: havia dois outros parceiros portugueses que, assumia-se, estariam melhor posicionados para assegurar a exportação dos produtos para Angola - a MERCAFAR (empresa COOPROFAR que é um parceiro firme e de longa data da ROCHE Diagnósticos e da ROCHE Farmacêutica) e a NBC MEDICAL (empresa que tambem era parceira da ROCHE).
O Arguido HF_____  deslocou-se nessa altura a Angola (através do parceiro MERCAFAR) para efeitos de análise do mercado em questão, assim como do respetivo potencial, por intermédio dos referidos parceiros.
Porém, as referidas MERCAFAR e NBC MEDICAL referiram que o mercado da Diabetes em Angola era muito pequeno face à realidade de Portugal e a BAYER dominava esse mercado, sendo que ambas conseguiam colocar os produtos da BAYER com margens mais vantajosas do que aquelas que eram garantidas pela ROCHE.
Ou seja, naquele momento em função do que antecede e que era do expresso conhecimento da estrutura da Recorrente esta não tinha melhor alternativa do que a BSK.
É por isso falaciosa a história que consta do RAI repetida no recurso: a escolha da BSK era uma alternativa racional e a mesma foi sendo acompanhada por JH___ que apesar das ausências de Portugal, acompanhava a vida da Recorrente e participava nas principais decisões que iam sendo tomadas ao contrário do que se refere nos art.ºs 167.º a 170.º do RAI.
O JH___ sempre esteve a 100% em Portugal como Director da ROCHE Diabetes Care até setembro de 2016. Toda a negociação, minutas de contrato, condições gerais e preços com a BSK foram negociados e avaliados na sua presença e com a estrutura da Recorrente sempre envolvida.
Tanto assim é que a Recorrente tem necessidade de criar uma ausência permanente para afastar a decisão que na altura foi tomada de forma consciente pela estrutura da ROCHE para logo depois se contradizer referindo (art.º 171.º do RAI) que a decisão foi tomada por JH____.
E foi assim nas referidas circunstâncias e não noutras que, em 21 de Março de 2016, a ROCHE celebrou com a Recorrida BSK o "Contrato de Distribuição Exclusiva" junto pela Recorrente como documento 22 da Denúncia (cfr. fls. 197 e seguintes) - cfr. art.º 270.º do RAI.
Com a celebração deste contrato a BSK passou a acumular o duplo papel de distribuidor global (não exclusivo) dos produtos e, bem assim, o de distribuidor exclusivo dos produtos nos mercados de Angola e Moçambique.
Não se trata de uma história contada para efeitos dos presentes autos: trata-se de matéria já expressa nos articulados na acção cível e onde se discute uma vez que a Recorrente ROCHE, contesta quer os seus efeitos factuais, quer os efeitos jurídicos.
Independentemente do destino da respetiva encomenda a Recorrente e a Recorrida BSK acordaram na redução de preço dos produtos, passando o Accu-Chek a ser comercializado por € 9,00 (contra os anteriores € 10). Mesmo assim, um preço 17% acima do preço mínimo de venda da ROCHE.
Este preço, apesar de tudo, (i) não era exclusivo da relação contratual ROCHE/BSK apesar da ROCHE afirmar e repetir (vezes sem conta...) que o preço dos produtos vendidos era uma suposta especial diminuição da margem tendo em vista o investimento necessário para o "ataque" aos mercados angolano e moçambicano e (ii) não lhe causava qualquer prejuízo patrimonial.
Ora, a capacidade dos mercados angolano e moçambicano para absorver os produtos que a BSK se propunha comercializar era extremamente reduzida, e essa capacidade de absorção assumia um carácter de permanência e estabilidade.
Essa situação só poderia ser alterada com um crescimento exponencial dos dois países (sabendo-se que a Diabetes é uma doença típica dos países desenvolvidos) ou se ocorresse uma modificação superveniente do quadro legislativo que determinasse, por exemplo, que os respectivos governos passassem a subsidiar a aquisição de produtos da gama daqueles que a BSK se propunha comercializar ou o poder de compra dos cidadãos aumentasse exponencialmente de um momento para o outro.
Conhecedoras das referidas limitações as partes pretenderam ainda assim, celebrar o referido contrato bem sabendo, como se referiu, qual a fórmula que existia para que fosse alcançado o aumento de vendas.
Ainda assim, havia vontade recíproca em aprofundar a relação comercial que, aliás, se concretizou através (i) da celebração, em 21 de Abril e 21 de Junho de 2016, de dois contratos de prestação de serviços de promoção e vendas por parte da BSK, da linha de produtos Accu-Chek da área Diabetes Care, junto de instituições de saúde diversas (com funcionários da BSK afectos, em exclusivo, à prestação desses serviços, como se funcionários da ROCHE se tratassem) e (ii) da celebração, em 2 de Junho de 2016, de um contrato de distribuição de um outro conjunto de produtos da gama Accu-Chek, essencialmente bombas infusoras de insulina.
Essas decisões, ignoradas pelo RAI e pelo recurso, só podem concluir que a Recorrida BSK não era uma entidade oculta ou que pudesse, de alguma forma, fazer coisas no intervalo dos pingos da chuva sem o conhecimento expresso da estrutura da Recorrente multinacional ROCHE.
A celebração dos referidos documentos consolidava a integração da BSK na estrutura comercial e de vendas da Recorrente.
A partir de Junho de 2016, a BSK passou a alojar no seu site, a própria loja on-line dos produtos referidos (http://diabeteshop.pt) a que tinham acesso clientes nacionais e internacionais, sendo que tal loja online era acessível através de link existente no próprio site da Recorrente (https://www.accu-chek.pt).
Em finais de 2016 a relação comercial entre as partes prosperava com a venda dos produtos a que se vem fazendo referência e a clientela a aumentar de forma constante e significativa.
ACRESCE QUE,
O alegado enriquecimento que a Recorrente imputa à Recorrida BSK sempre corresponde à margem de lucro que esta, na qualidade de revendedora da ROCHE, sempre teria legítimo direito nos termos do preço fixado contratualmente por ambas as partes.
Por outro lado, a ausência de mercado efetivo em Angola e Moçambique e a não exclusiva escoação de produto nestes países era efetivamente conhecida por toda a estrutura organizativa da Roche, tal como resulta da prova produzida em sede instrutória (cfr. declarações do Recorrido HF_____ ).
Pelo que, não só não se verifica a prática de um crime de burla nos termos descritos, como a distribuição do produto na Europa é perfeitamente lícita (repita-se, perfeitamente lícita, nada tendo de ilegal), sendo um direito da Recorrida BSK.
A propósito do alegado engano ainda se detalha o seguinte que reproduz aquilo que já foi referido pelo Recorrido HF_____  nas suas declarações e reproduzido em requerimento constante de fls...:
O mercado mundial dos dispositivos médicos da auto-monitorização da diabetes no sangue, é feito através de um aparelho medidor de glicemia e uma tira reagente (consumível de uso único), onde se coloca o sangue que o aparelho irá "ler" o valor glicémico nele presente:


Nem a tira reagente de uso único funciona sem um aparelho (de leitura exclusiva entre a mesma marca e modelo), nem o aparelho sem a tira regente serve para outro propósito: só funcionam em conjunto.
A nível mundial, o mercado da auto-monitorização da diabetes, tem como objetivo principal a colocação massiva (por venda ou oferta aos diabéticos) em cada mercado/país das suas marcas de aparelhos de medição de glicémia, pois só assim é que se vende e fideliza os clientes aos seus consumíveis (tiras reagentes). Ou seja, quantos mais aparelhos tiver nas mãos dos diabéticos, maior a probabilidade de estes comprar os reagentes da sua marca, em detrimento de outras.
Um estudo realizado pela ROCHE em Portugal em 2011/2012 mostrava que no nosso país um doente diabético tinha em média em casa 3 aparelhos pois estes no mercado português são oferecidos pelas empresas aos diabéticos para levar ao consumo dos seus reagentes.
Daí o investimento das empresas de monitorização da diabetes ser, anualmente, elevadíssimo em cada mercado, para garantir que as farmácias e/ou profissionais de saúde, recomendam aos doentes as suas marcas, levando à troca dos aparelhos que estes já usam, sobre o pretexto de melhor tecnologia, rapidez ou confiança no resultado.
Entre 2013 e 2016 só a ROCHE investia no mercado português em oferta entre 35.000 e 40.000 aparelhos/anualmente, tendo a mesma apenas 20% de quota de mercado. O investimento em aparelhos no mercado português ascendia a cerca de 10% da faturação total da ROCHE Diabetes Care Portugal, num valor que ultrapassava à data os 600.000€ de custo.
A ROCHE Portugal e Internacional media mensalmente este rácio detalhadamente, pois era o maior custo operacional que tinha, e que impactava em grande escala a sua rentabilidade futura.
Apesar de ser um custo que na melhor das hipóteses se transformaria em margem de lucro - se os diabéticos tivessem estes aparelhos e comprassem os seus regentes. Caso os clientes não comprassem esses consumíveis, era um investimento totalmente perdido.
Isto acontecia num mercado maduro como o português, onde a diabetes é um foco prioritário no sistema nacional de saúde (SNS), e existindo há longos anos um programa nacional da diabetes, com comparticipações (85%) nos reagentes de tiras de glicémia, pagando o diabético apenas 3,4€ por cada embalagem de 50 tiras, e num mercado onde a oferta de aparelhos de todos os concorrentes ascendia a um investimento de mais de 170.000 novos aparelhos anuais, destinados à substituição do parque instalado e novos doentes diabéticos, conquistando assim quota de mercado.
Nota-se que estamos a falar de um mercado maduro, onde a diabetes é uma prioridade do sistema nacional de saúde.
Como se pode verificar neste mercado maduro existia por ano uma média de "apenas" 50.000 a 60.000 novos diabéticos por ano, para um total de investimento de mais de 170.000 novos aparelhos investidos no mercado:


Compreende-se, por isso, a clara dependência do grande investimento em aparelhos, para criar a dependência de fidelização das tiras regentes nos seus utilizadores (diabéticos). Sem aparelhos, não existem vendas nem fidelização, pois os reagentes por si só de nada servem.
A ROCHE (Portugal e Internacional) fazia analises rigorosas e detalhadas de rácios, que eram apresentadas mensalmente por país e por mercado, onde demonstrava o rácio de investimento da Roche em aparelhos versus a venda de reagentes de tiras, resultando o rácio de rentabilidade de cada mercado/pais.
Se este rácio estivesse abaixo do normal (média europeia), o país tinha que tomar medidas urgentes para manter a rentabilidade do negócio, ie, ou aumentar vendas ou reduzir investimentos de aparelhos.
Mas olhemos mais em detalhe para as orientações científicas nacionais portuguesas e internacionais, sobre as medições de glicemia que cada diabético deve fazer, tomando sempre como certo que: um diabético em cada medição consome uma tira reagente.
Segundo a Sociedade Portuguesa de Diabetologia, seguindo as recomendações tambem da IDF (Federação Internacional da Diabetes), mais de 90% dos diabéticos fazem entre 1 a 2 medições por semana, o que indica que consomem em média 1,5 tiras reagentes por semana.
Como podemos verificar pela prevalência da diabetes em Portugal (muito semelhante em todos os países desenvolvidos do mundo que tem esta doença como prioridade de tratamento), a diabetes aparece a partir dos 45 anos de idade, ganhando propensão entre os 55 e 74 anos de idade.
Tais dados são fundamentais para a análise dos mercados Africanos, pois a esperança média de vida em Angola em 2014 era de 57 anos. Logo perdendo os anos de maior potencialidade de propensão da diabetes.
Nestes pressupostos, cerca de 90% dos diabéticos em Portugal, entre os 45 e 75 anos de idade, consome anualmente entre 52 e 104 tiras reagentes de glicémia, o que equivale à compra entre 1 a 2 embalagens de 50 tiras reagentes por ano.
E assim, aqui se desconstrói o desconhecimento da Recorrente ROCHE a propósito dos mercados onde eram colocadas as tiras reagentes que a BSK comprava.
Se analisarmos a fundo os dados acima chegamos à conclusão, que em Portugal, em 90% dos diabéticos, o seu aparelho consumia em média 1,5 embalagens de tiras reagentes por ano.
Se extrapolarmos este rácio para 1000 diabéticos, significa que 1000 aparelhos consumiriam em média 1500 embalagens de 50 tiras por ano, e por aí adiante.
Vamos aos números das compras da BSK MEDICAL à ROCHE desde 2014 a final de 2016:


Vejamos agora o Rácio de vendas de embalagens Accu Chek pela BSK MEDICAL, levando em consideração os aparelhos que recebeu da ROCHE:

Assim, a BSK MEDICAL tinha um rácio 750x a 400.000x superior ao rácio normal da Roche Portugal e mesmo da Roche Internacional.
Lembramos ainda que a Recorrente alega que sempre acreditou que estes produtos desde o ano 2014 iam para Angola. Ora, se olharmos para a realidade do mercado de Angola, o panorama é ainda mais impressivo:


Ou seja, sendo o fator mais relevante do negócio da auto-monitorização da glicémia a venda/entrega de um aparelho medidor aos diabéticos, para que estes consumam as respetivas tiras reagentes, como seria possível a BSK só comprar Tiras Reagentes, sem aparelhos, e vendê-las num mercado onde a diabetes é residual, e onde não existia aparelhos Roche Accu Chek nesse mercado para consumir esses reagentes?
Como pode a Recorrente ROCHE alegar que não imaginava que os produtos adquiridos pela BSK só podiam ser vendidos na Europa, onde aí sim, existia um parque imenso de aparelhos nas mãos dos diabéticos, e que estes só precisam de comprar os consumíveis (Tiras Reagentes)?
Relembramos ainda que entre 2014 e 2016, as embalagens de tiras reagentes de glicémia tinham um valor de venda (em Angola) ao diabético de 100 dólares a caixa de 50 tiras. Sabemos também, fonte do FMI, que mais de 90% da população Angolana, nestes mesmos anos, vivia com menos de 2 dólares por dia.
Isto significa que uma única embalagem de tiras de diabetes em Angola representava mais de 70% da disponibilidade financeira individual mensal da esmagadora maioria da população Angolana.
Sendo os aparelhos, como já vimos, o principal custo da Roche Portugal, como é que em todas as analises semanais e mensais feitas nas reuniões de liderança, não reparavam que o Rácio de vendas de Tiras por Aparelho em Portugal se havia transformado (como de um passe de mágica) no melhor (e de muito longe...) do mundo? Conseguiria a BSK a magia de vender consumíveis sem vender/oferecer nenhum aparelho para o efeito?
A Recorrente, declaradamente durante estes anos, fingia não saber o que se estava a passar, criando uma cortina de fumo com o nome de Angola, mas em que todos os indicadores, números e analises comerciais e financeiras apresentadas a toda a cadeia de diretores nacionais e internacionais eram claros que a BSK só podia vender na europa a esmagadora maioria dos produtos que comprava. Use-se uma metáfora:
A Recorrente ROCHE quer fazer acreditar que, imaginemos: A Recorrida BSK fez um negócio com a Mercedes Portugal para vender carros Mercedes em Angola, país onde a Mercedes não tinha carros neste mercado.
A BSK comprou à Mercedes Portugal 100.000 chaves de ignição de veículos Mercedes.
Quando os directores da Mercedes Portugal e da Mercedes Global se sentavam a falar da BSK e do Mercado da Mercedes em Angola, todos acreditam profundamente que a BSK havia vendido 100.000 carros Mercedes em Angola, e que estão a ganhar quota de mercado naquele país, mesmo sabendo que todas as compras da BSK tinham sido, apenas e só: 100.000 chaves de ignição da Mercedes....
Compreende-se assim a consciência da Recorrente ROCHE que, não raro, fomentava o fenómeno da "exportação paralela" nos termos expressos no interrogatório de HF_____ , sobretudo quando era necessário atingir ou, de certa forma, compor, números e objetivos internos anuais de vendas.
A Recorrente ROCHE bem sabia que a referida "exportação paralela" de produtos não é e não era ilegal enquadrando-se na "transmissão intracomunitária de produtos" que não pode ser proibida.
O referido fenómeno era, por isso, um verdadeiro segredo de polichinelo conhecido de todas as empresas do sector, do mercado e da sua concorrência conforme evidencia o documento 2 junto com a Réplica da ação cível.
Nessa altura os seus distribuidores eram incentivados (e pressionados) a aumentar, geralmente no final do ano, as suas vendas para os mercados comunitários onde a procura era naturalmente superior, com o consequente aumento de compras à Recorrente ROCHE.
A ROCHE usava a "exportação paralela" com um duplo beneficio: enquanto tudo corria bem, permitindo-lhe compor e cumprir com os seus números internos, a Recorrente incentivava-o, mas quando (e se) por alguma razão pretendesse livrar-se de um distribuidor, poderia sempre recorrer a esse mesmo argumento, alegando um incumprimento contratual por parte do seu parceiro...
Sem prejuízo do que antecede e mesmo transmitindo a ideia de que se convenceu de um logro que descreve nos presentes autos, em abril de 2017, a Recorrente ROCHE bloqueou as encomendas de produtos feitas pela BSK que na altura se encontravam pendentes (cfr. documento n.º 9 junto com a Réplica) iniciando uma "guerrilha comercial" cuja sequência de eventos se encontra detalhada nos art.ºs 85.º a 108.º e art.ºs 121.º a 150.º da petição inicial da acção cível e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
As partes tentaram, apesar de tudo, colocar termo ao conflito existente (cfr. detalhe das reuniões mantidas nos art.ºs 109.º a 120.º da referida petição inicial) sendo que na impossibilidade de resolução do diferendo existente a Recorrida BSK como já se disse, acabou por resolver os Contratos de Distribuição Global e o Contrato de Distribuição Exclusiva, o que fez por parte datada de 9 de Fevereiro de 2018, denunciando os demais contratos que a uniam à ROCHE (cfr. documento n.º 28 junto com a petição inicial), o que mereceu a concordância daquela (cfr. documento n.º 29 junto com a petição inicial) tendo as partes formalizado por acordo escrito datado de 9 de Abril de 2018 a cessação antecipada daqueles outros contratos.
Em função do que antecede a Arguida BSK viu-se na contingência de acionar a Recorrente nos termos que melhor constam da ação cível a que já se fez referência considerando ilícita a suspensão dos fornecimentos por parte da ROCHE e licita a resolução dos Contratos a que se viu obrigada.
É esta, por isso, a verdadeira história que levou a que a Recorrente ROCHE reagisse de forma violenta apresentando, como se disse na parte inicial do presente requerimento, a denúncia que deu origem aos presentes autos.
POR ÚLTIMO,
Sempre se reitera que o prejuízo que invoca a Recorrente ter sofrido com a relação comercial que estabeleceu com a BSK não se verificou.
Com efeito, e como já supra se mencionou a este propósito, o alegado prejuízo que a Recorrente diz ter sofrido não mais se trata do que da margem de lucro acordada entre as partes.
Um preço foi tabelado, o qual sempre foi devidamente pago pela Recorrida BSK pelos produtos adquiridos para revenda, nos termos contratualmente estabelecidos e firmados por ambas ao abrigo da relação comercial que mantinham.
Com efeito, se a Recorrente ROCHE decide aplicar o preço de €9,00 e não de € 10 ou € 16, como poderia teoricamente em todo o caso, pertencendo-lhe em última instância a referida decisão, sempre se dirá estarmos perante o funcionamento da lógica de economia de mercado, por referência à lei da procura e da oferta.
Veja-se que conforme refere a decisão recorrida:
"Do documento de fls. 378 verso, condições gerais fixadas pela Roche subscrito por JF___  e Cada Martins, da Rache, o que contraria a versão da Assistente que apenas o arguido HF_____  tinha conhecimento do preço fixado para a BSK"
Quem são estas pessoas na estrutura da Recorrente multinacional ROCHE?
JF___  assina como Finance Director, ou seja, Director Financeiro:

Já CM__ , assina como Sales Director, ou seja, como Directora de Vendas:

E ainda, não se ignore sempre empresas com a dimensão da Recorrente ROCHE, são dotadas de mecanismos de controle sofisticados que lhes permitem o frequente e coerente ajustamento de preços quando se apercebem que as condições de mercado e as circunstâncias do caso em concreto permitem equacionar a aplicação de um preço de revenda superior, aumentando a sua margem mas diminuindo a margem dos distribuidores ou, até, vendendo menos.
Do RAI ou do recurso não resulta, pelo que (bem!) não se indicia, a alternativa à BSK com a qual deixou (supostamente) a Recorrente de contratar para diligenciar no sentido das exportações pretendidas e tão desejadas.
O prejuízo patrimonial em causa, e para efeitos criminais, teria de consubstanciar um verdadeiro empobrecimento determinado pelo ato que conduz a uma situação económica diminuída, ao qual conduz uma particular astúcia que, no caso dos autos, determinaria uma verdadeira capitius diminutio, com toda uma estrutura a conformar-se com a possibilidade de vender a preços descontados durante anos sem que houvesse uma análise da posição relevante de um determinado cliente, o que, como é bom de ver não se pode aceitar.
Sempre o desconhecimento da Recorrente ROCHE se teria de prolongar durante anos quando é bem sabido que estes tipos de empresas são dotadas de estruturas de acompanhamento e diligências quase milimétricas relativamente a todos os produtos que vendem.
Empresas como a Recorrente multinacional ROCHE, consolidam contas, controlam margens, produtividades, penetrações de mercado, preços de produto, preços por fornecedor a um nível tal que não permite considerar que alguém com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo determina esta sociedade à prática de atos que lhe causam prejuízo patrimonial e esta não se apercebe desse prejuízo e do impacto que esse prejuízo tem na sua atividade.
E ainda que se aceite, como fazem o Ministério Público e o Mmº Juiz a quo, que o Recorrido HF_____ não comunicou à Recorrente a sua participação social na Recorrida, tal como não comunicou as relações familiares que o ligam aos restantes Recorridos, de per se, sempre a mesma factualidade é desprovida de relevância penal, porque insuficiente para revelar a existência de um ardil ou astúcia.
Sem prejuízo do qual, o que não existe é a prática de um crime de burla por não configurar a factualidade acabada de descrever qualquer estratagema que revele astúcia dos Recorridos, não permitindo a mesma o preenchimento do tipo de crime de burla, e muito menos qualificada.
Mas mais, tal não pode ser desconsiderado considerando que corre termos uma ação cíve1[20] intentada pela aqui Recorrida BSK contra a Recorrente ROCHE, sublinhe-se e reitere-se (!) prévia à Denúncia apresentada, por resolução do contrato indevida.
No sentido do que pugnou o MP em despacho de arquivamento (fls. 1101), bem como o Juiz de Instrução, a factualidade denunciada configuraria, no limite (que não se aceita e por mera cautela se pondera mas não se concede) um incumprimento da exigência de fornecimento dos produtos a preço descontado na medida em que este desconto dependia da sua revenda nos mercados angolano e moçambicano, em violação do Contrato de Distribuição Exclusiva.
Assim, bem considerou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra[21], de 24.06.2009, quando, em concreto a propósito do, entre outros, crime de burla qualificada esclareceu que:
"O Direito Penal só deve intervir quando a tutela conferida pelos outros ramos do ordenamento jurídico não for suficientemente eficaz para acautelar a manutenção desses bens considerados vitais ou fundamentais à existência do próprio Estado e da sociedade. (...)
O arguido que não cumpriu cabalmente as obrigações contratuais derivadas do contrato de compra e venda, causando com o seu incumprimento graves prejuízos ao lesado que lhe confere o direito a uma indemnização pelas perdas que sofreu, não consente que se conclua pelo preenchimento de um dos elementos objectivos típicos do crime de burla: a actuação com a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo."
[destaques nossos]
E bem assim, relativamente aos restantes Recorridos, motivo pelo qual não se mostra indiciada, como bem entende o Mmº Juiz de Instrução, a existência de acordo de vontades, ainda que tácito, visando induzir a Recorrente em erro e a obterem com isso enriquecimento ilícito e, consequentemente, terem praticado o crime de burla qualificada.
C. DA ALEGADA PRÁTICA DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
Refere a Recorrente que os Recorridos HF_____ , MP______ , MP____  , VS____  e BSK, praticaram o crime de Associação Criminosa, previsto e punido pelo art.° 299.° n.° 1 do CP.
Ora, o art.º 299.º n.º 1 do CP refere
"1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou atividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes é punido com pena de prisão de um a cinco anos."
Como resulta unânime da doutrina e da jurisprudência, o ilícito referido exige a congregação de três elementos essenciais: um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa.
O bem jurídico protegido pelo crime de associação criminosa é a paz pública, como resulta desde logo da secção II, em que o tipo se integra. Trata-se de intervir num estádio prévio, quando a segurança e a tranquilidade públicas não foram ainda necessariamente perturbadas, mas se criou já um especial perigo de perturbação que só por si viola a paz pública. Com efeito, trata-se de um crime de perigo abstrato em que o específico bem jurídico protegido é a paz pública.
Beleza dos Santos[22] refere, "São elementos típicos desta infracção: a) A existência de uma associação e b) a sua finalidade criminosa. Examinemos separadamente cada um deles. a) É essencial que haja uma associação, isto é, que diversas pessoas se unam voluntariamente para cooperar na realização de um fim ou fins comuns e que essa união possua ou queira possuir uma certa permanência ou estabilidade. A agregação casual ou momentânea de uma pluralidade de pessoas, embora para a realização de um fim, é uma reunião e não uma associação. Para existir o crime a que nos estamos referindo, é preciso, como ensina um autor italiano, que a associação deva viver, ou ao menos propor-se viver, como reunião estável de diversas pessoas ligadas entre si pelo propósito de delinquir e tendo em vista a actuação de um programa criminoso. O que caracteriza este primeiro elemento do crime é, por isso, a união de diversas pessoas, para cooperarem, com uma certa permanência de esforços, num fim comum. Será, porém, necessário que haja uma certa organização, quer dizer, uma direcção, uma disciplina, uma hierarquia, uma sede ou lugar de reunião, uns estatutos ou uma convenção para regular os direitos ou deveres comuns a especialmente a partilha de lucros? ( ) O confronto das disposições que citamos e a análise do seu teor e razão de ser levam-nos, porém, nitidamente a uma conclusão oposta?. Mais à frente, acrescenta o mesmo autor que "Um outro elemento essencial ( ) é que a associação tenha em vista a prática de crimes. Se a união de diferentes pessoas apenas se fez para a realização de um ou mais crimes determinados, não tendo, porém, carácter permanente, poderá existir comparticipação criminosa, mas não haverá uma associação para delinquir. A primeira implica a cooperação de diferentes pessoas em um ou mais crimes. A segunda a associação estável de diversas pessoas com o propósito genérico de praticar uma pluralidade de crimes."
Com o objetivo de densificar a categoria em apreço, por forma a permitir a sua delimitação de situações de simples coautoria ou ainda da figura do bando (forma especial de comparticipação, por vezes utilizada para qualificar determinados tipos de crime), o crime de associação criminosa exige "a existência de um encontro de vontades dos participantes que tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros"; uma certa duração, isto é, que a organização perdure no tempo, ainda que incerto, para permitir a realização do seu fim criminoso; uma estrutura minimamente organizada, isto é, a existência de um substrato material que supere os simples agentes e que permita a concretização do encontro de vontades para a prática de crimes; um qualquer processo de formação da vontade coletiva, isto é, a adesão dos seus membros a uma realidade que transcende a realidade pessoal de cada um dos membros; a existência de sentimento comum de ligação por parte dos membros da associação a uma unidade diversa de cada um dos seus membros.
O conceito de bando abarca uma situação de atuação ilícita intermédia entre a simples comparticipação criminosa e a associação criminosa - mais grave do que as situações de mera participação criminosa, embora menos censurável do que aquelas em que existe uma perfeita e definida "associação criminosa" -, integrando aquelas condutas em que, pelo menos dois agentes atuam de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções, mas sem que se possa já considerar como existente uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada uma das suas componentes ou aderentes, como sucede na associação criminosa[23].
A propósito da distinção entre associação criminosa e mera comparticipação criminosa, o Prof. Figueiredo Dias observa o seguinte:
"O problema mais complexo de interpretação e aplicação que aqui se suscita é, na verdade, o de distinguir cuidadosamente - sobretudo quando se tenha verificado a prática efectiva de crimes pela organização - aquilo que é já associação criminosa daquilo que não passa de mera comparticipação criminosa. Para tanto indispensável se torna uma cuidadosa aferição, pelo aplicador, da existência in casu dos elementos típicos que conformam a existência de uma organização no sentido da lei (cfr. infra § 9 ss.) Em muitos casos porém tal não será suficiente. Sendo neles indispensável que o aplicador se pergunte se, na hipótese, logo da mera associação de vontades dos agentes resultava sem mais um perigo para bens jurídicos protegidos notoriamente maior e diferente daquele que existiria se no caso se verificasse simplesmente uma qualquer forma de comparticipação criminosa. E que só se a resposta for indubitavelmente afirmativa (in dubio pro reo) possa vir a considerar integrado o tipo de ilícito do artigo 299º. (Um bom critério prático residirá aliás em o juiz não condenar nunca por associação criminosa, à qual se impute já a prática de crimes, sem se perguntar primeiro se condenaria igualmente os agentes mesmo que nenhum crime houvesse sido cometido e sem ter respondido afirmativamente à pergunta)".
Segundo o mesmo autor, não é correto condenar-se por associação criminosa quem tenha já levado a cabo a prática de crimes, sem perguntar primeiro se se condenaria do mesmo modo os próprios componentes da associação mesmo que nenhum crime tivesse sido cometido e sem se ter respondido afirmativamente a tal questão.
Ora, deve referir-se que os Recorridos reiteram que na sua atuação não existe qualquer ilicitude, sendo completamente destituído de fundamento o que a Recorrente alega nas suas considerações a propósito deste ilícito em particular.
Porém, em termos teóricos, e a este propósito, os Recorridos seguem as interrogações e respostas que constam da decisão recorrida a propósito desta matéria que consideram suficiente para analisar a matéria que a Recorrente traz a este Tribunal.
E ainda que muitas das afirmações constantes desta análise não sejam integralmente subscritas pelos ora Recorridos, certo é que na análise do preenchimento objetivo do tipo e dos elementos subjetivos que, em termos abstratos poderiam determinar a verificação, em abstrato, deste tipo de ilícito, a análise do Tribunal a quo não merece qualquer mácula. Assim, refere-se na decisão recorrida o seguinte:
"O descrito pela Assistente no RAI é suficiente para integrar a figura da associação criminosa? Estaremos perante um pacto que tenha dado origem a entidade diversa, autónoma, transpessoal, que valha por si, referenciável por si mesma, que anteriormente inexistisse? Dele emana especial perigosidade e maior carga de danosidade social? O pacto deu origem a alguma realidade nova, emergente, diversa, autónoma, personalizada, que se sobrepusesse à vontade e aos interesses dos pré-existentes membros singulares? Os arguidos seriam condenados igualmente mesmo que nenhum crime houvesse sido cometido?
Tendo os ensinamentos acima referidos e fazendo a sua aplicação ao caso concreto teremos de concluir pela resposta negativa a todas as questões colocadas.
Na verdade, o alegado pela Assistente não é susceptível de configurar o crime em causa, na medida em que os factos descritos não preenchem minimamente, nem a dimensão objectiva, nem a dimensão subjectiva do crime de associação criminosa. Basta uma leitura mais atenta do RAI para verificarmos que os arguidos em causa nunca se propuseram a criar uma associação como entidade autónoma e transcendente e como centro de motivação e imputação de acções criminosas. Quanto à criação do alegado grupo criminoso verifica-se que o RAI mostra-se contraditório quanto a este aspecto. Com efeito, o RAI faz derivar a existência de uma associação criminosa composta e fundada pelos arguidos HF____, MP______, MP____ e VS____  pelo facto destes arguidos terem constituído, em 30-1-2014, a sociedade BSK com o propósito de estabelecer relações comerciais com a Assistente e de beneficiar de condições contratuais mais favoráveis do que as normalmente praticadas, que o próprio liélder , enquanto Health of Market Access & Key Account Management da Assistente, faria por assegurar (artigo 120 do RAI). Daqui resulta, atento a forma vaga, genérica e pouco precisa, que ficamos sem saber quem criou/fundou a alegada associação. Os arguidos HF_____  e MP______ ? Os arguidos HF_____ , MP______ , MP____ e VS____ ? Temporalmente quando é que se propuseram criar uma associação? Quem chefiava ou dirigia o grupo? O arguido HF_____ ? O arguido MP______ ? Com efeito, verificamos que o RAI começa por descrever a relação familiar que existia entre os arguidos, os locais onde trabalhavam, as circunstâncias que presidiram à constituição da BSK, as ligações de cada um dos arguidos à BSK, as relações comerciais entre a BSK e a Roche, para em seguida dizer, sem concretizar como, que criaram uma estrutura organizada. Portanto, o que temos aqui, segundo o RAI, é uma relação familiar e o aproveitamento dessa relação para a prática de factos, alegadamente ilícitos. Assim, estes factos claramente deixam a descoberto uma realidade completamente distinta, em termos de qualificação jurídica, e que contrariam a ideia de associação criminosa. Na verdade, os factos descritos não espelham que os supostos membros se sentiram subordinados à vontade coletiva da associação nem comprometidos com os seus interesses e desígnios.
Resulta líquido do RAI que os arguidos não se propuseram em pôr de pé uma realidade transcendente em relação aos próprios arguidos, o que eles se propuseram, segundo a Assistente, foi a uma coisa bem distinta: delinear um plano com vista à concretização de relações comerciais com a Assistente em condições contratuais mais favoráveis do que as normalmente praticadas e que o próprio arguido HF_____ , atento as funções que exercia na Roche, faria por assegurar e que para a execução desse plano necessitaram de colaboração (comparticipantes) de outros arguidos. (artigos 477, 478 e 479 do RAI).
Não se verifica, também, o menor sinal de vontade colectiva e do respectivo processo de formação e afirmação, fundamentais à existência de uma associação criminosa. Na verdade, o que temos descrito no RAI é a vontade dos arguidos HF_____  e MP______  que desenharam o plano e não a submissão destes arguidos à vontade colectiva da estrutura ou da organização, ou seja, são os demais arguidos que se submetem aos desígnios e ao plano traçado pelo arguido HF_____ .
Do RAI também não resulta o sentimento de pertença a uma associação. Não se vislumbra que os arguidos, todos eles, tenham erigido os desígnios ou propósitos da associação em premissas da sua actuação.
Daqui resulta que não temos uma pluralidade de pessoas ligadas por um desígnio comum, nem a verificação de um processo de formação de vontade colectiva.
Estes factos, por si só, são mais do que suficientes para concluirmos pela falta de um processo de formação de vontade colectiva e de uma estrutura estável e organizada.
Da leitura daquilo que é dito no RAI verifica-se que a mesma não traduz a imputação de qualquer factualidade concreta relacionada com factos constitutivos do crime de associação criminosa imputado aos arguidos acima mencionados, mas sim referências meramente abstractas, conclusivas e vagas.
Assim, forçoso é concluir pela insuprível falta dos pressupostos objectivos e nucleares da factualidade típica do crime de associação criminosa. Na verdade, à luz dos factos descritos no RAI, e mesmo sem necessidade de recorrer à falta de elementos de prova, nunca se poderiam imputar aos arguidos as acções típicas de promover, fundar, chefiar ou dirigir grupo.
O mesmo se diga em relação ao elemento subjectivo. Também aqui mostra-se irremediavelmente comprometido o preenchimento da factualidade típica do crime de associação criminosa. Com efeito, na matéria descrita no RAI, falta em absoluto qualquer referência aos elementos intelectual e volitivo, reportados ao tipo objectivo do crime de associação criminosa. O que vemos é que todas as referências de natureza subjectiva constantes da acusação, em particular quanto aos arguidos HF_____  e MP______ , na qualidade de alegados fundadores, se reportam ao crime de burla qualificada que nada tem que ver com o crime de associação criminosa."
(cfr. decisão recorrida, páginas 23 a 26).
Assim, a decisão recorrida deve ser mantida na íntegra na parte em que determina a não pronúncia dos Arguidos e o consequente arquivamento dos autos quanto ao crime de associação criminosa.
D. DA ALEGADA PRÁTICA DO CRIME DE BRANQUEAMENTO
Vem concluir a ora Recorrente estar suficientemente indiciada a prática, pelos Arguidos ora Recorridos HF_____ , MP______ , MP____  , VS____ BSK, Healthco SGPS, Burgcolegacy, Delk Pharma, Delk Açores e Healthco Unipessoal a prática, em coautoria, de um crime de branqueamento do crime de branqueamento de capitais, p. e. p. pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 e 2 do CP:
"Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, de factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos ou, independentemente das penas aplicáveis, de factos ilícitos típicos de:
c) Burla informática e nas comunicações, extorsão, abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, contrafação de moeda ou de títulos equiparados, depreciação do valor de moeda metálica ou de títulos equiparados, passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador ou de títulos equiparados, passagem de moeda falsa ou de títulos equiparados, ou aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação ou de títulos equiparados;
(…)
d) Associação criminosa;
(…)
2 - Consideram-se igualmente vantagens os bens obtidos através dos bens referidos no número anterior."
Da factualidade vertida no RAI e no Recurso de que ora se recorre, consta que:
"399. O Denunciado HF_____  sabia que com a sua conduta estava a incorrer na prática de um facto proibido por lei, tendo atuado com consciência e vontade de obter vantagens patrimoniais ilegítimas, para si e para os restantes Denunciados, em prejuízo da Assistente e do Grupo Roche.
401. Os Denunciados HF_____ , MP______ , MP____ e VS____ pretenderam ainda com as suas condutas transferir as vantagens por si obtidas por meio dos seus comportamentos criminosos, tendo atuado com o propósito de dissimular a sua origem ilícita, bem como de evitar a sua própria perseguição criminal.
(…)
405. O Denunciado BSK sabia que com a sua conduta estava a incorrer na prática de um facto proibido por lei, tendo atuado com consciência e vontade de obter vantagens patrimoniais ilegítimas, para si e para os restantes Denunciados, em prejuízo da Assistente e do Grupo Roche.
(…)
Sendo que, recorde-se, estes factos são precedidos dos narrados nos parágrafos 356 a 393 do RAI onde são narrados os comportamentos objetivos de cada um dos Arguidos, evidenciando este sentimento interior de desconformidade com a legalidade e de vontade de atuação nesse sentido."
Tal factualidade não é correcta e, por isso, os argumentos da Recorrente não podem proceder.
Por um lado por razões de natureza factual a que já se fez anteriormente referência: os ora Recorridos não praticaram os factos tal como os mesmos se encontram delimitados na denúncia, no requerimento de abertura de instrução e no recurso.
A propósito, aliás, dos factos relacionados com aquilo que a Recorrente ROCHE entende delimitar o crime de branqueamento, tiveram os ora Recorridos a oportunidade de contestar os erróneos efeitos de facto e de direito que a mesma pretende retirar de operações perfeitamente legítimas e justificadas, o que fez no seu requerimento de fls ... na parte relativa às Participações Financeiras e que aqui reproduz:
"168. Os Arguidos pretendem ainda abordar alguns aspetos da matéria final relativa às participações financeiras da Arguida BSK constantes dos art.ºs 354.º e seguintes do RAI.
169. Assim, a Assistente ROCHE refere que a Arguida BSK, por referência à data de 31 de dezembro de 2017 adquiriu 85% do capital social da Arguida BURGOLEGACY pelo montante de €42.500,00 (aportando adicionalmente €1.000,00 a título de prestações acessórias), "no final de 2017", "como intuito de aplicar alguma liquidez disponível da BSK".
170. A tese da ROCHE é que ao adquirir esta participação social ao Arguido HF_____  procedeu-se, na prática, a uma retirada de dinheiro da Denunciada BSK em proveito daquele Arguido.
171. A ROCHE refere igualmente (art.° 357.° do RAI) que a Arguida BURGOLEGACY recebeu da Arguida BSK um mútuo no valor de €899.000,00, sem que a mesma tenha prestado quaisquer garantias idóneas - cf. documento n.º 83, correspondente às demonstrações financeiras da Arguida BSK, do ano de 2017, designadamente página 22, ponto 8.5 (Outros ativos financeiros /empréstimos concedidos/Burgolegacy, Lda.).
172. Cumpre referir que a Arguida BUROLEGACY foi uma empresa constituída em 2017, logo após a entrada para o Grupo BSK de PB. O intuito desta empresa foi, desde o primeiro momento, funcionar como veículo de investimentos em desenvolvimento imobiliário de modo a permitir a diversificação o risco de negócio da empresa através da aplicação de alguma liquidez gerada na atividade farmacêutica em ativos de refúgio e investimento.
173. Na data da sua constituição a Arguida BURGOLEGACY contou com dois sócios - o Arguido HF_____  e PB - nas percentagens de 85% e 15% respetivamente, sendo a parte do primeiro logo vendida à BSK assim que foi identificado um ativo imobiliário de investimento da Baixa Portuense, na Rua do ….
174. A venda das ações relativas a 85% do capital Social da sociedade, inicialmente pertença do Arguido HF_____ , foi feita pelo valor nominal do capital social realizado, ou seja, 42.500 euros, não resultado daí qualquer vantagem pessoal para o Arguido HF_____ .
175. Logo de seguida a Arguida BURGOLEGACY recebeu empréstimos dos seus dois sócios (Arguida BSK e PB) de modo a garantir-se o valor necessário para a aquisição do referido ativo imobiliário, tendo a Arguida BSK entrado com €899.000,00 e PB com €70.000,00.
176. Ao contrário do pretendido pela ROCHE, tendo em conta que o ativo imobiliário em questão foi adquirido a entidades terceiras, sem qualquer ligação à Arguida BSK, ao Arguido HF_____  ou a PB, a um valor de mercado não resulta daqui nenhuma retirada de dinheiro da BSK a favor de HF_____ .
177. Trata-se apenas e só, como já referido anteriormente, de um investimento de diversificação destinado a rentabilizar a liquidez que não necessitava de ser aplicada no negócio farmacêutico.
178. A Assistente ROCHE refere ainda (art.º 360.º) que, de acordo com as referidas demonstrações financeiras, a Arguida BSK aplicou na aquisição de participações financeiras da Arguida DELKPHARMA, por referência à data de 31 de dezembro de 2017, um total de um total de €30.245,00 - cf. documento n.º 83, correspondente às demonstrações financeiras da Denunciada BSK, do ano de 2017, designadamente página 21, ponto 8.3 (Participações financeiras - Método de equivalência patrimonial/Delk Pharma, Lda.).
179. Acrescentando que, de acordo com as referidas demonstrações financeiras, a Arguida BSK aplicou na aquisição de participações financeiras da Arguida DELK AÇORES por referência à 31 de dezembro de 2017, um total de €157.000,00 (€71000,00 na aquisição das participações, acrescido de €80.000,00 a título de Prestações Acessórias) - cf. documento n.º 83, correspondente às demonstrações financeiras da Arguida BSK, do ano de 2017, designadamente página 21, ponto 8.3 (Participações financeiras - Método de equivalência patrimonial/Delk Açores, Lda.),
180. O Investimento nas sociedades Arguidas DELKPHARMA e DELK AÇORES destinou-se a permitir à Arguida BSK entrar no mercado de distribuição às Farmácias em Portugal Continental e Açores respetivamente.
181. Sendo a atividade da BSK muito relacionada com a exportação foi tomada a decisão estratégica de apostar no mercado interno sendo necessário investir em duas empresas novas e independentes entre si que permitissem ter um foco exclusivo no canal farmácia de retalho nas respetivas áreas (Continente e Açores).
182. Como qualquer empresa no seu início de atividade quer a Arguida DELKPHARMA quer a Arguida DELKAÇORES necessitaram de investir em infraestruturas de armazenagem, veículos destinados a distribuição e stocks de produtos para venda às farmácias, pelo que foi necessário dotá-las de recursos financeiros para o efeito.
183. A ROCHE refere depois (art.º 362.º do RAI) que a Arguida DELK PHARMA E a Arguida DELK AÇORES eram sociedades cujas quotas pertenciam ao Arguido AP____ , respetivamente constituídas em 7 de abril e 12 de agosto de 2015, sendo que ao adquirir estas participações financeiras, procedeu-se, na prática, a uma retirada de dinheiro da Arguida BSK em proveito do Arguido AP____ .
184. Nada mais falso: a Arguida DELK PHARMA nunca pertenceu ao Arguido AP____  pois este nunca teve participação de quota nesta empresa.
185. Na Arguida DELK AÇORES, por seu turno, nunca existiu nenhuma mais-valia para o mesmo fruto da sua participação na sociedade, em que é socio com 20% das quotas, não tendo sido remunerado em qualquer espécie de transação por este investimento.
186. Um pormenor que a ROCHE não conta a propósito da DELK AÇORES é que esta tinha como Sócio e Gerente HMO que saiu directamente da ROCHE para esse efeito e isso era conhecido dentro da Assistente, sendo que JH___ ( e toda a equipa comercial) soube antes da saída que ele iria para a DELKAÇORES, que pertencia à BSK) e sempre autorizou que a referida sociedade vendesse produtos da ROCHE...
187. Prossegue a ROCHE (art.º 364.º do RAI) a sua sanha persecutória referindo que as duas sociedades (DELK PHARMA e DELK AÇORES) foram, tal como a Arguida BURGOLEGACY, brindadas, pela Arguida BSK, com mútuos significativos (referidos nos art.ºs 365º a 367.º do RAI), que não têm qualquer explicação lógica no contexto normal da atividade de sociedades comerciais.
188. Porém, os mútuos com os quais estas empresas fora dotadas destinaram-se ao financiamento do lançamento da sua actividade que no seu início necessitaram de adquirir avultados stocks de produtos, investir na remodelação e equipamento de infraestruturas de armazenagem (escritórios, equipamentos e obras de construção e remodelação) mas também para suportar os prejuízos inerentes ao lançamento de qualquer negócio novo que teve de lutar para se implantar do zero num mercado extremamente competitivo como é o da venda de produtos às farmácias.
189. A Assistente ROCHE refere ainda (art.º 368.º e 369.º do RAI) que a Arguida BSK terá feito compras à Arguida DELK PHARMA no valor de €972.053,00 (em 2016) e €142.220,00 (em 2017) e que as referidas operações constituem a forma de fazer sair capital da Arguida 85K em favor da Família .
190. É naturalmente um disparate que, na denúncia efectuada era uma "suspeita que poderia (ou não) vir a ser confirmada. Com o despacho de arquivamento e, para efeitos do RAI, a suspeita tornou-se uma certeza.
191. A Assistente ROCHE consegue vislumbrar ocultação e dissipação em todas as operações perfeitamente naturais entre empresas. Os Arguidos, por isso, a este propósito nada mais têm a acrescentar a este propósito.
192. Prossegue a ROCHE referindo (art.º 371.º do RAI) que "em 2018 perspetivando-se o litígio com a Roche, o processo de esvaziamento dos proveitos dos crimes da esfera da Denunciada BSK acelerou a um ritmo significativo", desferindo nos artigos subsequentes um ataque ao Projecto de Fusão Cisão.
193. Porém a verdade é outra bem diferente: o Projeto de Fusão Cisão destinou-se a organizar as atividades das Arguidas BSK, DELK PHARMA, DELK AÇORES e BURGOLEGACY, bem como as relações entre elas e acima de tudo a permitir que cada empresa tenha um âmbito de atuação bem definido, que possa ser independente de uma empresa como a BSK que não podia nem devia atuar como uma sociedade gestora de participações sociais por se tratar de uma empresa de comércio de medicamentos e dispositivos médicos.
194. Na operação de Fusão Cisão o que se fez foi concentrar todas as empresas debaixo de uma Holding constituída especialmente para o efeito colocando ao mesmo nível, sem relações de dependência entre elas, as empresas:
1. BSK Medical: dedicada ao comércio de medicamentos e dispositivos médicos nos mercados internacionais;
- DELK AÇORES: pequeno grossista dedicado à comercialização de medicamentos, dispositivos médicos e produtos de dermocosmética no Arquipélago dos Açores
- DELK PHARMA: pequeno grossista dedicado à comercialização de medicamentos, dispositivos médicos e produtos de dermocosmética no território de Portugal Continental
- BURGOLEGACY: sociedade de desenvolvimento imobiliário detendo o imóvel situado no Rua do Almada
138. Pela operação de Fusão Cisão nenhum cêntimo saiu da esfera das empresas que nela foram envolvidas em favor de qualquer membro da família; de uma forma muito simplista aconteceram 3 movimentos:
- Os acionistas das BSK passaram a ser acionistas da HEALTHCO SGPS, SA que por sua vez passa a deter a totalidade da BSK MEDICAL;
- As participações financeiras que eram detidas pela BSK nas empresas DELK PHARMA, DELK AÇORES e BURGOLEGACY passaram a ser detidas pela HEALTHCO SGPS, SA
- Os mútuos concedidos pela BSK às empresas DELK PHARMA, DELK AÇORES e BURGOLEGACY passaram a ser detidos pela HEALTHCO.
195. Em bom rigor, e tendo em conta que o Arguido H_  sempre foi o maior acionista da Arguida BSK, através da operação de Fusão/Cisão, a única coisa que aconteceu foi uma reorganização de participações através da qual os beneficiários últimos (acionistas e detentores) da BSK continuaram a ser os mesmos, apenas tendo pelo meio uma SGPS devidamente organizada, que por sua vez continua a ser detida maioritariamente pelo Arguido H_ , como aliás não poderia deixar de ser.
196. Os ativos e bens da Arguida BSK sempre tiveram como (maior) dono e beneficiário efetivo o Arguido HF_____  e pela operação de Fusão / Cisão não se registou nenhuma alteração a este nível, sendo que todo o capital continuou no grupo através do processo Fusão/Cisão.
197. Quanto à HEALTHCO SGPS, de onde a Assistente refere que os depósitos bancários terão já saído salienta-se que tem contratados produtos de poupança com a instituição bancária com quem trabalha, produto este que é chamado de "Contas de Serviço", que consistem em movimentos automatizados pelos serviços centrais do banco entre as contas de depósitos à ordem do grupo e as suas contas de poupança.
198. Diariamente existem movimentos de excedentes entre estas duas contas, que são automaticamente aplicadas na conta poupança, das quais cada empresa é beneficiada com os juros destas operações.
199. Claro está, que estas operação inflacionam os valores nos campos de disponibilidades da IES, mas como se pode constatar nas demonstrações financeiras, estas operações não se encontram evidenciadas nas Demonstração de Fluxos de Caixa, já que não representam entradas nem saídas de valores das contas, mas sim transferências entre as contas do mesmo banco, uma remunerada e outra não.
200. A leitura da Assistente ROCHE está, por isso, completamente enviesada.
201. Não existindo, por isso, qualquer ocultação ou esvaziamento de património com locupletação da Família  ao contrário da fantasiosa tese da Assistente ROCHE."
É por isso elucidativo que relativamente aos factos trazidos aos autos pelos Arguidos ora Recorridos, não dedique a Recorrente ROCHE uma única palavra: tudo se passa como se existisse apenas uma "estória", que resiste à verdade dos factos e à justificação das operações como se nenhuma delas existisse.
Desfere, por isso, ao longo dos presentes autos acusações gratuitas, desprovidas de sentido e repetidas até à exaustão, sendo que essa repetição não tem qualquer aptidão para transformar a realidade na narrativa que mais serve os interesses da Recorrente.
O recurso representa, por isso, apenas a insistência nos argumentos, numa verdadeira cruzada contra os ora Recorridos, com as motivações e justificações que, no capítulo introdutório tiveram estes oportunidade de elencar e detalhar.
Assim, os Recorridos reiteram que não existe qualquer motivo para alterar a decisão de não pronúncia porque não existem factos com aptidão suficiente para o preenchimento do ilícito de branqueamento que a Recorrente imputa.
E essa foi, de resto, a conclusão do Ministério Público no despacho de arquivamento que, por não ter verificado a existência da prática do crime de burla (simples e qualificada), concluiu pela inexistência da prática dos crimes de associação criminosa e de branqueamento, os quais sempre estariam na dependência daquele primeiro que os precede (fls. 1101).
A tal conclusão aderiu, sem qualquer reparo, o Mmº Juiz a quo, sublinhando que "o crime subjacente integra a própria estrutura do branqueamento"(páginas 31 a 34 da Decisão Instrutória).
Porém, relativamente ao despacho de arquivamento, a decisão recorrida vais mais longe e após definir o que é o crime de branqueamento e os seus elementos típicos, com indicação de doutrina e jurisprudência (págs. 30 a 37) conclui que o mesmo "constitui uma atividade derivada ou induzida de outras atividades" e refere, em termos puramente abstractos, ser importante "saber se estamos perante a presença de um facto ilícito típico prévio, ou seja, se o dinheiro que circulou, em particular, através das contas bancárias dos arguidos é dinheiro «sujo» por constituir produto da prática de um crime de burla qualifica[da] cometido pelos arguidos (...)".
ORA,
Secunda, como boa doutrina portuguesa, LOURENÇO MARTINS[24] que:
"o branqueamento de capitais (dinheiro ou outros bens) consiste no procedimento através do qual o produto de operações criminosas ilícitas é investido em atividades aparentemente lícitas, mediante dissimulação da origem destas operações; traduz-se no desenvolvimento de actividades, das quais um aumento de valores, que não é comunicado às autoridades legítimas adquire uma aparência de origem legal, sendo, no fundo, um processo de transformação."
E remata, ainda nas melhores da doutrina, PEDRO CAEIRO[25] que defende que o tipo do branqueamento exige apenas que as vantagens provenham de um facto ilícito típico, não de um crime, donde a punição do branqueamento não depende da efectiva punição pelo facto precedente.
Leia-se, tem de se verificar a existência de um facto ilícito típico, ainda que não punível, o qual não se verificou no caso sub judice, por não se verificar a prática de burla, no sentido do facto típico e ilícito que consubstancia o tipo de crime burla qualificada, nem o de associação criminosa.
Mas mais, desde logo, é assim também cristalino o bom posicionamento da jurisprudência portuguesa a este propósito, v.g., o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa[26], de 18.07.2013, que esclareceu que:
"IX- O crime de branqueamento previsto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 368.º-A do Código Penal supõe o desenvolvimento de atividades que, podendo integrar várias fases, visam dar uma aparência de origem legal a bens de origem ilícita, assim encobrindo a sua origem, conduzindo, na maior parte das vezes a "um aumento de valores, que não é comunicado às autoridades legítimas". Sem um crime precedente como tal previsto à data da transferência do capital, não há  crime de branqueamento.
(…)
Summo rigore na matéria provada não é possível referenciar nada que possa valer como crime do catálogo e, como tal, suscetível de figurar como crime precedente. Pela simples razão de que, no momento a que a decisão impugnada reporta os factos que qualifica como  branqueamento, aquele suposto crime precedente não tinha pura e simplesmente  acontecido."
[destaques nossos]
No mesmo sentido, também o Acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa[27], de 20.06.2017, sublinhou que:
"O crime de branqueamento de capitais é estruturalmente autónomo da criminalidade subjacente, mas não o é geneticamente. A lei é clara na definição dos critérios: exige como pressuposto genético ou sine qua non da investigação e condenação do crime de branqueamento a prévia concretização de um ilícito, que tenha produzido vantagens, sendo que só a  partir daqui o branqueamento ganha, então, autonomia, não obstante o "ilícito" precedente não ter sido punido, ou já não seja punível."
Finalmente, também o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães[28], de 30.10.2019, clarificou que:
"O bem jurídico protegido com a incriminação é a administração da justiça, o que resulta não apenas da sua inserção sistemática no CP, mas também na razão de ser da incriminarão, partindo da constatacão de aue se trata de um tipo de crime que dificulta a accão da lustica, na investigação dos factos integradores dos crimes precedentes e na responsabilização dos respectivos autores, potencialmente obstaculizador da apreensão e perda dos bens e vantagens de origem ilícita, precisamente, porque em todas as modalidades típicas de actuação, o fim visado com a prática do crime de branqueamento é sempre a dissimulação da origem ilícita dos bens a branquear, ou evitar que os autores ou participantes dos crimes-base sejam criminalmente perseguidos e submetidos a uma sanção penal (Faria Costa, O branqueamento de capitais: algumas reflexões à luz do direito penal e da política criminal. p. 308-309 e Jorge Fernandes Godinho Do crime de «Branqueamento» de Capitais: Introdução e Tipicidade. p. 140-148 e Pedro Caeiro, A Decisão-Quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001..., no "Líber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias", p. 1106).
(...) não resta qualquer dúvida de que foi consumado o crime precedente, sendo certo que o mesmo corresponde a factos típicos ilícitos característicos do crime de burla."
De onde se extrai que integra elemento do tipo de crime de branqueamento a efetiva verificação factos típicos ilícitos característicos do crime precedente, in casu, de burla qualificada ou de associação criminosa, pelo que, não se dando por indiciada a factualidade que visa dar suporte fáctico à prática do crime de burla qualificada e associação criminosa nos termos melhor supra descritos, não está preenchido o tipo do crime de branqueamento.
Assim, deverá manter-se a Decisão Instrutória, não cabendo, contrariamente ao que pugna a Recorrente no RAI, a sua revogação.
Motivo pelo qual conclui, mesmo que a factualidade se desse por indiciada, sempre seria insuficiente para o preenchimento do crime de branqueamento.
Por outro lado, tal como consta da decisão recorrida, falta no RAI da Recorrente ROCHE a indicação do dolo do tipo, insuficientemente delimitado no art.º 401.º, não obstante esta forçar a referida caracterização com o elenco dos art.ºs 399.º, 405.º, 408.º a 415.º referentes ao dolo específico dos demais tipos de crime imputados.
É que, em todos os números do artigo 368º-A do Código Penal que pune o crime de branqueamento é exigido dolo por parte do agente branqueador. Porém, o n.º 2 deste preceito legal faz menção a um elemento subjetivo específico que consiste em duas finalidades perseguidas pelo agente, finalidades que podem ser alternativas ou não.
Assim, para que o agente pratique o crime de branqueamento é necessário que este tenha determinada intenção ou finalidade aquando da prática do crime, referindo-se uma à origem dos bens, e a outra à responsabilização de uma pessoa. Ou seja, o agente tem de atuar com o fim de dissimular a origem ilícita da vantagem ou com o fim de evitar que o autor ou participante das infrações previstas no n.º 1 seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal.
Para que se mostre preenchido o elemento subjetivo do ilícito em apreço é pois necessário, para além do mencionado dolo especifico, que o agente saiba qual a origem dos bens e/ou rendimentos (elemento intelectual do dolo), que pratique alguma das condutas típicas ciente de que aqueles bens ou produtos resultam da prática de algum dos crimes subjacentes.
É ainda Indispensável que queira (elemento volitivo), por si ou através de outra pessoa, praticar alguma ou algumas daquelas condutas.
Ora, este dolo inscrito no facto material objetivo não se pode presumir, ilacionando-se esse estado subjetivo a partir de factos materiais de que inequivocamente resulte a vontade de praticar o crime e a consciência da proibição dessa prática.
Não é admissível, por isso, como pretende a Recorrente no ponto 26 das conclusões, a ideia de um "dolus in re ipsa", isto é, a presunção do dolo resultante da simples materialidade de alegadas infrações precedentes. Chega mesmo a Recorrente a referir que "esse conhecimento sempre seria, in casu, evidente dado que foram os Arguidos quem promoveu os atos materiais subsumíveis à prática dos crimes de falsificação de documento, burla qualificada e associação criminosa - precedentes do branqueamento (...)" (cfr. referido ponto das conclusões),
Para logo depois concluir que "a constatação de que os arguidos conheciam ou que representaram como possível, no momento em que tiveram lugar as respetivas operações, que os alegados fundos constituíam uma vantagem de um crime de burla qualificada contém-se lógica e necessariamente na afirmação de que os Arguidos tinham consciência da ilicitude das vantagens patrimoniais ilegítimas, e da ilicitude da sua obtenção, o que foi, por sua vez, como acima ilustrado, articulado pela Recorrente" (cfr. conclusão 27).
Ou seja, no entender da Recorrente, em abstrato, existindo alegação factual no que diz respeito ao preenchimento do dolo para o crime precedente, é dispensada a individualização do dolo do tipo no crime de branqueamento. Porém,
Como se refere no Ac. da Relação de Évora de 1/3/05, proc. n° 2/05-1:
"A ideia de um «dolo in ré ipsa», que sem mais resultaria da simples materialidade da infração, é hoje indefensável no direito penal. A moderna tendência para a personalização do direito penal não se compadece com uma estrita indagação da culpa dentro dos férreos moldes das antigas presunções de dolo - cf. Prof. Figueiredo Dias, Revista de Legislação e Jurisprudência, 105, pg. 142"
Conclui-se, por isso, pela falta de descrição ou narração de factos que traduzam a alegação do dolo no RAI nos termos dos artigos 287.º, n.º 2 do CP, 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP e 32.º da CRP como bem conclui o Mmº Juiz de Instrução e que sempre implicariam a existência inadmissível de factos implícitos.
Pelo que, face a tudo o que se expôs deverá ser mantida a Decisão Instrutória no sentido de não pronúncia dos Arguidos pelo crime de branqueamento.
Nestes termos, e em face do exposto,
Requer-se a V. Exas. se dignem declarar o presente recurso improcedente, mantendo-se a decisão de não pronúncia nos seus exatos termos, pois só assim será Direito e JUSTIÇA!

8 - O Ministério Público na 1ª instância, apresentou a sua resposta, pugnando pela improcedência do recurso da assistente, tendo apresentado motivação que finalizou com os seguintes (transcritas) conclusões:
1. A factualidade apurada em sede de inquérito e instrução não é suficiente para considerar a conduta dos arguidos como integrando a prática dos crimes referidos pela recorrente.
2. Não resulta da factualidade alegada no RAI que os arguidos se tivessem proposto a criar uma associação como entidade autónoma e transcendente, como centro de motivação e imputação de ações criminosas, sendo que os arguidos HF_____  e MP______  não se submetiam à vontade coletiva da estrutura ou organização sendo antes os demais arguidos que se submeteram ao plano do primeiro arguido, não resultando em momento algum um sentimento de pertença a uma organização.
3. Não indica o RAI factos concretos subsumíveis ao crime de associação criminosa mas apenas referências abstratas, conclusivas e vagas, que não poderiam conduzir a qualquer imputação aos arguidos deste tipo de crime.
4. O RAI é parcialmente omisso relativamente à narração dos factos que preenchem e definem o dolo respeitante ao crime de branqueamento, p.p. pelo art.º 368.º- A, n.º 2 do CP, mas mesmo que todos os factos relativos a esta matéria viessem a ser dados como provados ainda assim, seriam insuficientes para o preenchimento do crime em causa.
5. Entendendo inexistir a prática do crime de burla (simples e qualificada) - crime precedente do crime de branqueamento e o crime-fim da associação criminosa, inexistem também estes dois tipos de crime
6. O procedimento criminal quanto aos factos imputados ao arguido HF_____ , a título da prática de crimes de falsificação, encontra-se prescrito.
7. Quanto ao arguido MP______ , mesmo que se considere o teor do correio eletrónico como falso, tal não é juridicamente relevante e quanto à fatura, tal documento não é suscetível de configurar o crime em causa, na modalidade prevista na al. a) do art.º 256.º, n.º 1 do CP,
8. Ainda que os factos se tivessem passado de acordo com a versão apresentada pela recorrente, de tal não decorre que os arguidos astuciosamente, tenham provocado um erro ou engano nos ofendidos, na medida em que a omissão das relações familiares entre os mesmos, ainda que constitua uma violação do Código de Conduta da denunciante, não assume relevância penal.
9. A recorrente ROCHE — Sistemas de Diagnósticos, Sociedade Unipessoal, Ld.a não celebrou com a BSK Medical, SA qualquer acordo ou estabeleceu uma relação comercial por causa da inexistência de laços familiares entre os representantes de ambas as sociedades, mas sim porque esta última prometeu vender os produtos  adquiridos a preço descontado apenas no mercado africano, o que. alegadamente  não fez, situação que configura um incumprimento do acordo celebrado entre as partes, o que é diverso da existência de facto astuciosamente provocado.
10. O direito penal, constitui uma 'ultima ratio' no quadro do ordenamento jurídico globalmente considerado.
11. A factualidade relativa à alegada emissão de uma fatura falsa apenas poderia, eventualmente, integrar, a prática de um crime de fraude fiscal, tendo sido extraída certidão para investigação autónoma.
12. O despacho de não pronúncia encontra-se fundamentado de facto e de direito, e analisa todas as questões levantadas pela recorrente, não se verificando qualquer omissão de pronúncia, sendo a decisão do caso concreto correta.
Termos em que deve a presente resposta ser recebida, e o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Desta forma, farão V. Exas como sempre,
JUSTIÇA!
9 - Nesta Relação, o Digno Procurador Geral Adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, nos termos e para os efeitos do art.º 416.º do C.P.P, apôs o seu visto em 01.04.2022, aguardando a realização da audiência de julgamento requerida pela assistente, à qual não se opôs.
10 - Foi agendada data para julgamento, o qual se realizou no dia 12.10.2022, com observância de todo o formalismo legal, onde em sede de alegações finais, a assistente Roche Lda e os arguidos mantiveram as suas respectivas posições e o digno Procurador Geral Adjunto nesta Relação defendeu o não provimento do recurso e a manutenção do decidido pelo Tribunal a quo, cumprindo agora apreciar e decidir.
II. Fundamentação – questões a decidir
Delimitação do objecto do recurso
Do art.º 412º/1 do C.P.P, resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente definem as questões a decidir em cada caso (cf. Germano Marques da Silva em “Curso de Processo Penal” III edição 2.ª edição, 2000 pág. 335 e Ac. do S.T.J de 13.5.1998 em B.M.J 477º 263), exceptuando aquelas que sejam do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 402.º, 403.º/1, 410.º e 412.º todos do C.P.P e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J de 19.10.1995 in D.R I – A série, de 28.12.1995).
As questões colocadas pela assistente/recorrente Roche Lda, a apreciar por este Tribunal ad quem são as seguintes:
A) Da nulidade da decisão instrutória por omissão de pronúncia;
B) Da indiciação suficiente nos autos, da prática pelos arguidos (aqui recorridos) em concurso real, dos crimes de falsificação de documento (conclusões n.ºs 11 e 12), burla qualificada (conclusões n.ºs 15 e 16 devendo discutir-se a fronteira que a assistente entende ter sido ultrapassada, entre o mero incumprimento contratual e a o preenchimento do tipo de burla (conclusões 14 alínea j); associação criminosa (conclusões 22 e 23) e branqueamento (conclusões 26, 27, 28 e 29), devendo por isso serem pronunciados todos os arguidos pelos referidos crimes.
A decisão recorrida
Em 26.11.2021, o TIC proferiu a seguinte decisão instrutória de não pronúncia:
“Roche — Sistemas de Diagnóstico, Sociedade Unipessoal, Lda., tendo-se constituído assistente, notificada do despacho de arquivamento proferido a 10-7-2020, veio, para efeitos do disposto no artigo 287.º n.º 1 al. b) do CPP, requerer a abertura da instrução, sustentando que deve ser proferido despacho de pronúncia contra HF_____ , MP______ , MP____  , VS____ BSK, Healthco SGPS, Burgolergy, Delk Phainia, Delk Açores, Healthco Unip, pelos factos descritos no requerimento de abertura, de instrução, de fls. 1106 a 1203, por integrarem a prática, em concurso real, de crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa, branqueamento.
Nos seguintes termos:
(i)    O arguido HF_____ , em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
* 4 (quatro) crimes de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256.º, n.º1, al. d), do CP;
* 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256.º, n.º 1, al. a), do CP;
* 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218.º, n.º 1, do CP;
* 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299.º, n.º 1, do CP; e
* 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2, do CP;
(ii) O arguido MP______ , em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
* 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256.º, n.º 1, al. d), do CP;
* 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256.º, n.º 1, al. a), do CP;
* 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218.º, n.º 1, do CP;
* 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299.º, n.º 1, do CP; e
* 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2, do CP.
(iii) A arguida MP____  , em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
* 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218.º, n.º 1, do CP;
* 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299.º, n.º 1, do CP; e
* 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2, do CP.
(iv) A arguida VS____ em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
* 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218.º, n.º 1, do CP;
* 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299.º, n.º 1, do CP; e
* 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2, do CP.
(v) A arguida BSK, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
* 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256.º, n.º 1, al. a), do CP;
* 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218.º, n.º 1, do CP;
* 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299.º, n.º 1, do CP; e
* 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2, do CP.
(vi) A arguida Healthco SGPS, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
* 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2, do CP.
(vii) A arguida Burgolegacy, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
* 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2, do CP.
(viii) A arguida Delk Pharma, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
* 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2, do CP.
(ix) A arguida Delk Açores, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
* 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2, do CP.
(x) A arguida Healthco Unip., em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
* 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos o artigo 368.º-A, n.º 2, do CP.
***
No fim do inquérito, o Ministério Público proferiu, nos termos do art.º 277° n.º 1 do Código de Processo Penal, despacho arquivamento dos autos, conforme consta do despacho de fls. 1098-1102, por entender ter sido possível recolher prova bastante de não se ter verificado qualquer crime.
***
No decurso da presente instrução procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas a fls. 1827 e 1828, JH___ e ZH___  
E interrogatório dos arguidos, tendo o arguido HF_____  prestado declarações. (fls. 1836)
Os arguidos AP____, MP____ e VS____ não prestaram declarações.
Foram juntos documentos, quer pela assistente, quer pelos arguidos.
***
Não se vislumbrando qualquer outro acto instrutório cuja prática revestisse interesse para a descoberta da verdade, efectuou-se o debate instrutório, o qual decorreu na presença do arguido, com observância do formalismo legal, conforme se alcança da respectiva acta, tudo, em conformidade com o disposto nos art.ºs 298º, 301º e 302º, todos do Código de Processo Penal.
O debate instrutório teve lugar conforme resulta da acta de fls. 2842.
***
Cumpre agora, nos termos do art.º 308.º do CPP, proferir decisão instrutória.
A instrução visa, segundo o que nos diz o art.º 286º/1 do Código de Processo Penal, "a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento". Configura-se, assim, como fase processual sempre facultativa — cfr. nº 2 do mesmo dispositivo — destinada a questionar a decisão de arquivamento ou de acusação deduzida.
Como facilmente se depreende do citado dispositivo legal, a instrução configura-se no Código de Processo Penal como actividade de averiguação processual complementar da que foi levada a cabo durante o inquérito e que, tendencialmente, se destina a um apuramento mais aprofundado dos factos, da sua imputação ao agente e do respectivo enquadramento jurídico-penal.
Tal como resulta desse preceito legal, a instrução não consubstancia um novo inquérito, mas apenas um momento processual de comprovação que termina com um despacho judicial pronunciando, ou não, o arguido pelos factos que lhe são imputados.
Com efeito, realizadas as diligências tidas por convenientes em ordem ao apuramento da verdade material, conforme dispõe do art.º 308º, n.º 1, "se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia".
Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual.
Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como vimos, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação. Depois, no nº 2 deste mesmo dispositivo legal, remete-se, entre outros, para o nº 2 do art.º 283º, nos termos do qual "consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança".
Assim, para que surja uma decisão de pronúncia, a lei não exige a prova no sentido da certeza-convicção da existência do crime; antes se basta com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida na fase instrutória não constitui pressuposto da decisão de mérito final; trata-se de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase do julgamento.
Todavia, como a simples sujeição de alguém a julgamento não é um acto em si mesmo neutro, acarretando sempre, além dos incómodos e independentemente de a decisão final ser de absolvição, consequências, quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista jurídico, entendeu o legislador que tal só deveria ocorrer quando existissem indícios suficientes da prática pelo arguido do crime que lhe é imputado.
Assim sendo, para fundar uma decisão de pronúncia não é necessária uma certeza da infracção, mas serem bastantes os factos indiciários, por forma, a que, da sua lógica conjugação e relacionação, se conclua pela culpabilidade do arguido, formando-se um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal.
Os indícios são, pois, suficientes, quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou pelo menos, quando se verifique uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição. Neste sentido, veja-se Castanheira Neves, in "Sumários de Processo Criminal", págs. 38 e 39, onde aquele professor perfilha a tese segundo a qual na suficiência de indícios está contida "a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final" apenas com a limitação inerente à fase instrutória, no âmbito da qual não são naturalmente mobilizados "os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento, e portanto de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação".
No mesmo sentido veja-se Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal", vol. III, 2.a ed., pp. 179, diz que "para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido. Esta possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa (...)". Também Figueiredo Dias, a este propósito, diz que existem indícios suficientes quando "a futura condenação do arguido, uma vez submetido a julgamento, seja mais provável do que a sua absolvição" - in Direito Processual Penal, 1974, pp. 133.
A este propósito, a jurisprudência também tem formulado alguns entendimentos que exprimem o estatuído na lei: indiciação suficiente é a verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em julgamento, se poderão vir a provar em juízo de certeza e não de mera probabilidade, os elementos constitutivos da infracção pelos quais os agentes virão a responder.
Veja-se AC. do STJ de 21-05-03 in www.dgsi.pt " ... na suficiência dos indícios está contida a 'mesma exigência de verdade' requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo 'prova bastante' para a acusação (ou para a pronúncia).
Numa decisão mais recente (Acórdão da RL de 9-4-2013) reafirma-se: «Assim, o juízo sobre a suficiência dos indícios, no contexto probatório em que se afirma, deverá passar pela bitola da probabilidade elevada ou particularmente qualificada, correspondente à formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de condenação...»
Não se exigindo a certeza - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável - que tem de preceder um juízo condenatório, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação...enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado...»
Embora para a pronúncia não seja necessária a certeza da existência da infracção, os factos indiciários deverão ser suficientes e bastantes, de modo que, uma vez logicamente relacionados e conjugados, consubstanciem um todo persuasivo da culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade no que respeita aos factos que lhe são imputados.
A prova, mesmo a indiciária, como é o caso daquela que é recolhida nas fases de inquérito e de instrução, é apreciada de harmonia com as regras de experiência e a livre convicção do tribunal, tendo como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência e a livre convicção da entidade competente (Art.º 127.º do CPPenal).
Assim, os indícios qualificam-se de suficientes quando justificam a realização de um julgamento; tal ocorre quando a possibilidade de condenação, em função dos indícios, for razoável.
Cumpre dizer, também, que no que concerne à dedução de acusação ou de pronúncia, constitui uma garantia fundamental de defesa, manifestação do princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado, que ninguém seja submetido a julgamento penal senão havendo indícios suficientes de que praticou um crime. E o conteúdo normativo a conferir a esse conceito de indícios suficientes não pode ser alhear-se do mencionado princípio da presunção de inocência.
No desenvolvimento deste entendimento, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 439/2002, de 23 de Outubro, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, considerou que "(...) a interpretação normativa dos artigos citados [286.º n.º 1, 298º e 308º nº1, do CPP] que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, previstas no art.º 32º nº 2, da Constituição"
Fixadas as directrizes, que de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, interessa agora, apurar, por um lado, se em face da prova recolhida até ao momento se indicia suficientemente a prática pelos arguidos dos factos que lhes são imputados na acusação, e, por outro lado, concluindo-se afirmativamente, se tais factos sustentam a imputação jurídico-criminal efectuada naquele articulado acusatório.
Neste âmbito, importa referir que não serão as considerações produzidas em sede de debate instrutório pelos ilustres defensores dos arguidos que permitirão, por si só, a infirmação de toda a prova anteriormente recolhida contra os mesmos na fase de inquérito. Para pugnar por uma não pronúncia não basta dizer que não há indícios e nem fazer uma leitura isolada de alguns artigos da acusação e retirada do contexto. A acusação, sobretudo num caso como este, terá que ser analisada no seu todo só assim se compreendendo a ligação e actuação dos diversos intervenientes. Só fazendo esta análise global é que poderemos compreender e concluir pela verificação ou não de indícios que justifiquem a submissão dos arguidos ou alguns deles à fase seguinte.
Questões prévias
As questões prévias suscitadas pela assistente já se mostram conhecidas por despacho proferido no dia 25-5-2021, fls. 1662 ss, pelo que não existem questões prévias de que cumpra conhecer.
Do Crime de associação criminosa
Aos arguidos HF_____ , MP______ , MP____  , VS____  e BSK foi imputado um crime de associação criminosa p e p pelo artigo 299.º n.º 1 do CP.
O art.º 299.º do Código Penal, na actual redacção, que lhe foi introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04/09, estatui, sob a epígrafe «Associação criminosa», o seguinte:
«1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2- Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos.
3- Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
4 - As penas referidas podem ser especialmente atenuadas ou não ter lugar a punição se o agente impedir ou se esforçar seriamente por impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações, ou comunicar à autoridade a sua existência de modo a esta poder evitar a prática de crimes.
5 - Para os efeitos do presente artigo, considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, actuando concertadamente durante um certo período de tempo.».
O artigo 2.º al. a) da convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional define:
"Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e actuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infracções graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, directa ou indirectamente, um benefício económico ou outro beneficio material».
O bem jurídico protegido pelo crime de associação criminosa é a paz pública, como resulta desde logo da secção II, em que o tipo se integra. Trata-se de intervir num estádio prévio, quando a segurança e a tranquilidade públicas não foram ainda necessariamente perturbadas, mas se criou já um especial perigo de perturbação que só por si viola a paz pública.
Com efeito, trata-se de um crime de perigo abstracto em que o específico bem jurídico protegido é a paz pública.
A mera existência de uma associação destinada à prática de crimes cria um perigo de perturbação que, só por si, viola a paz pública e assim se justifica urna dispensa antecipada de tutela.
Na doutrina, como na jurisprudência, reconhece-se, sem discrepâncias, que para a existência de uma associação criminosa é essencial que a convergência de vontades de uma pluralidade de pessoas dê origem a uma realidade autónoma, referenciável e que transcenda a vontade e os interesses dos seus membros.
Beleza dos Santos, in Revista de Legislação e Jurisprudência — "O crime de Associação de Malfeitores (interpretação do artigo 263.° do Código Penal)", Ano 70, p. 97 e p. 98, diz "São elementos típicos desta infracção: a) A existência de uma associação e b) a sua finalidade criminosa. Examinemos separadamente cada um deles. a) É essencial que haja uma associação, isto é, que diversas pessoas se unam voluntariamente para cooperar na realização de um fim ou fins comuns e que essa união possua ou queira possuir uma certa permanência ou estabilidade. A agregação casual ou momentânea de uma pluralidade de pessoas, embora para a realização de um fim, é uma reunião e não uma associação. Para existir o crime a que nos estamos referindo, é preciso, como ensina um autor italiano, que a associação deva viver, ou ao menos propor-se viver, como reunião estável de diversas pessoas ligadas entre si pelo propósito de delinquir e tendo em vista a actuação de um programa criminoso. O que caracteriza este primeiro elemento do crime é, por isso, a união de diversas pessoas, para cooperarem, com uma certa permanência de esforços, num fim comum. Será, porém, necessário que haja uma certa organização, quer dizer, uma direcção, uma disciplina, uma hierarquia, uma sede ou lugar de reunião, uns estatutos ou uma convenção para regular os direitos ou deveres comuns a especialmente a partilha de lucros? (...) O confronto das disposições que citamos e a análise do seu teor e razão de ser levam-nos, porém, nitidamente a uma conclusão oposta.". Mais à frente, acrescenta o mesmo autor que "Um outro elemento essencial (...) é que a associação tenha em vista a prática de crimes. Se a união de diferentes pessoas apenas se fez para a realização de um ou mais crimes determinados, não tendo, porém, carácter permanente, poderá existir comparticipação criminosa, mas não haverá uma associação para delinquir.
A primeira implica a cooperação de diferentes pessoas em um ou mais crimes. A segunda a associação estável de diversas pessoas com o propósito genérico de praticar uma pluralidade de crimes.".
Nas palavras do Professor Figueiredo Dias, é necessário que "a associação surja, na objectividade das representações dos seus membros, nas suas experiências individuais ou de interacção, como um centro autónomo de imputação e motivação, como entidade englobante, com metas ou objectivos próprios".
Também consensual é a ideia de que o acordo para a comissão de crimes não deve ter um limite temporal.
Exige-se a continuidade e permanência do acordo que dá base à associação destinada à prática de crimes.
É essa duradoura actuação em comum, a par do fim abstracto de cometimento de crimes, que distingue a associação criminosa da mera comparticipação.
É, geralmente, reconhecido que a prova da existência de uma associação criminosa, de quem a promoveu, fundou ou dirigiu ou, simplesmente, a apoiou ou dela fez parte, é uma prova muito difícil de alcançar (hiperbolizando, poderíamos falar aqui em probatio diabolica), já que, não havendo confissões, raramente existe prova directa.
Relativamente ao tipo objectivo, importa realçar o n.º 5 do art.º 299.º do Código Penal, que define o grupo, organização ou associação, para efeitos da prática do crime de associação criminosa, como o conjunto de pelo menos três pessoas, unidas por um acordo de vontade, tendo em vista a concertação para fins criminosos, durante um certo período de tempo.
O promotor ou fundador do grupo, organização ou associação é a pessoa que tem a ideia criadora do grupo, organização ou associação, como estrutura com certa estabilidade e permanência.
Deste modo, a actividade pode consistir em promover, fundar, integrar, apoiar, chefiar, dirigir, sendo que quem participa como chefe ou dirigente, o juízo de desvalor será mais forte, o que resulta da moldura penal aplicável.
No caso concreto, aos arguidos foi imputada, conforme qualificação jurídica feita pela Assistente, a actividade de promover ou fundar.
Cumpre então determinar estes conceitos.
Promover significa fomentar, impulsionar, fazer avançar, portanto, significa desenvolver uma actividade adequada a criar a associação, não basta ter a ideia do modo a constituir, é necessário empreender esforços, meios para a efectiva fundação da organização.
Fundar significa "tomar a responsabilidade pela criação da concreta associação criminosa", e também aqui se exige um trabalho prático na criação da associação.
Integrar é fazer parte, participar, aderir, ou juntar-se é ser membro da associação, grupo ou organização, e em consequência desse modo de participação é estar subordinado à vontade colectiva e desenvolver uma actividade com vista ao escopo criminoso.
Do mesmo modo que não é necessário para a constituição da sociedade, estatutos ou regulamentos, naturalmente que a entrada para a mesma também não obedece a nenhum requisito, basta que os membros aceitem e estejam subordinados a vontade colectiva da associação. Com o defende Figueiredo Dias, não se exige a concreta participação nos crimes da associação, nem sequer o conhecimento específico dos crimes planeados, basta que o membro tenha consciência do fim criminoso da associação e o aceite, e desempenhe tarefas gerais no seu seio e em prol da mesma.
Em suma, o crime de associação criminosa exige a congregação de três elementos essenciais: um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa.
O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo. A sua verificação exige, por isso, um elemento intelectual e outro volitivo. Quanto ao primeiro, ele supõe a necessidade de conhecimento do agente — com a consequente actualização da sua consciência psicológica ou intencional — de todos os elementos constitutivos do tipo: de que existe uma organização de que aquele é fundador, membro, apoiante, chefe ou dirigente. Quanto ao volitivo, exige-se a vontade de fundar, apoiar ou pertencer a uma associação.
Assim, para o preenchimento e demonstração do dolo não basta uma referência ao conhecimento e vontade de realização das singulares infracções cometidas pela associação.
O crime de associação criminosa consuma-se com a fundação da associação com a finalidade de praticar crimes, ou — relativamente a associados não fundadores - com a adesão ulterior, sendo o agente punido independentemente dos crimes cometidos pelos associados e em concurso real com estes.
A propósito da distinção entre associação criminosa e mera comparticipação criminosa, o Prof. Figueiredo Dias observa o seguinte: «O problema mais complexo de interpretação e aplicação que aqui se suscita é, na verdade, o de distinguir cuidadosamente — sobretudo quando se tenha verificado a prática efectiva de crimes pela organização — aquilo que é já associação criminosa daquilo que não passa de mera comparticipação criminosa. Para tanto indispensável se torna uma cuidadosa aferição, pelo aplicador, da existência in casu dos elementos típicos que conformam a existência de uma organização no sentido da lei (cfr. infra § 9 ss.) Em muitos casos porém tal não será suficiente. Sendo neles indispensável que o aplicador se pergunte se, na hipótese, logo da mera associação de vontades dos agentes resultava sem mais um perigo para bens jurídicos protegidos notoriamente maior e diferente daquele que existiria se no caso se verificasse simplesmente uma qualquer forma de comparticipação criminosa. E que só se a resposta for indubitavelmente afirmativa (in dubio pro reo) possa vir a considerar integrado o tipo de ilícito do artigo 299°. (Um bom critério prático residirá aliás em o juiz não condenar nunca por associação criminosa, à qual se impute já a prática de crimes, sem se perguntar primeiro se condenaria igualmente os agentes mesmo que nenhum crime houvesse sido cometido e sem ter respondido afirmativamente à pergunta)».
Segundo o mesmo autor, não é correcto condenar-se por associação criminosa quem tenha já levado a cabo a prática de crimes, sem perguntar primeiro se se condenaria do mesmo modo os próprios componentes da associação mesmo que nenhum crime tivesse sido cometido e sem se ter respondido afirmativamente a tal questão.
A associação criminosa é punida em si e de per si, independentemente dos crimes concretos a que ela venha a dar origem. A associação é punida mesmo que ela não venha a dar origem ou a ocasionar qualquer outro crime, para além do crime que a sua existência, só por si, configura.
Assim, não basta a mera existência de uma associação, por menos estruturada que possa ser, o mero acordo ou a decisão conjunta de uma pluralidade de pessoas com vista à prática de crimes sob pena de irremível confusão entre o tipo de associação criminosa e a figura da autoria (Figueiredo Dias, as associações criminosas p 13 ss). No mesmo sentido, Faria Costa, comentário conimbricense, II p 81, o perigo de confusão, com todo o cotejo de custos e de desvantagens, seria ainda maior na direcção do conceito de bando, consabidamente uma figura do direito português, intermédia entre a comparticipação e a associação criminosa.
Naturalmente, para o preenchimento da figura da associação criminosa, não se exigirá que a associação apareça dotada de uma organização e consistência próprias das entidades a que a lei dispensa o estatuto de personalidade jurídica e nem se exigirá que ela exista como centro de subjectivação e imputação de um património autónomo.
Em todo o caso, seguindo os ensinamentos da doutrina e jurisprudência, só teremos uma associação quando, nas palavras de Figueiredo Dias, «no mínimo, o encontro de vontades dos participantes — hoc sensu, a verificação de um qualquer pacto mais ou menos explicito entre eles, tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros».
Exige-se que, seguindo o mesmo autor, «no plano das realidades psicológica e sociológica, do encontro de vontades tenha resultado um centro autónomo de imputação fáctica das acções prosseguidas ou a prosseguir em nome do interesse conjunto. Centro este que, pelo simples facto de existir, deve representar em todo o caso uma ameaça tão intolerável que o legislador reputa necessária reprimi-la com as penas particularmente severas cominadas para o crime de associação criminosa».
Se olharmos para alguma doutrina estrangeira, verificamos que o entendimento é o mesmo. Autores alemães, como Lenckner, referem que a associação pressupõe que os seus membros prossigam um fim comum mediante a subordinação da vontade individual à vontade do todo e se sintam entre si numa relação tal que se vejam reciprocamente como um corpo unitário. Por seu lado, Rudolph diz: «é necessário uma subordinação dos indivíduos a uma formação organizada da vontade, ou seja, é imprescindível que no interior da associação existam certas estruturas de decisão reconhecidas pelos seus membros».
Vejamos, desde já, os «factos» descritos no RAI através dos quais a Assistente imputa o crime em causa aos arguidos acima referidos (o crime p e p pelo art° 299° n° 1), (ou seja, fundar uma associação criminosa).
Os factos, ou melhor, as conclusões, do RAI relativo ao crime em causa podem sintetizar-se nos seguintes termos:

1. Conforme resulta da factualidade exposta, a Denunciada BSK foi constituída — pelos Denunciados HF_____ , FF____, CC____, MP____ e VS____  com o propósito de adquirir junto da Assistente Accu-Chek Aviva 50T, por valor inferior ao seu valor de mercado, mediante a indução da Assistente em erro quanto ao destino do mesmo, circunstância decisiva para a fixação do respectivo preço.
2. Com efeito, o propósito da constituição da Denunciada BSK — no seguimento da experiência encetada pelos Denunciados HF_____  e MP______ , por intermédio da Pharma — consistiu na exploração comercial do produto Accu-Chek Aviva 50T, que os Denunciados HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  sabiam, então, conseguir (pelos logros que o Denunciado HF_____ ia promovendo internamente na Roche) obter junto da Assistente a preço inferior ao seu valor de mercado.
3. Em particular, os Denunciados HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  tinham conhecimento de que o projecto empresarial da Denunciada BSK se fundava no aproveitamento ilícito das condições de fornecimento obtidas junto da Assistente, por intermédio do Denunciado HF_____ , no exercício das suas funções enquanto Head of Market Access & Key Account Management.
4. Pelo que os Denunciados HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  actuaram conjuntamente, de forma livre e consciente, no sentido de formarem um grupo, dedicado à exploração de uma actividade ilícita, correspondente à obtenção de produto Accu‑Chek Aviva 50T, mediante a indução e manutenção da Assistente em erro quanto ao real destino dos produtos adquiridos.
5. Com efeito, os Denunciados HF_____ , MP____ e MP______  sabiam que a Pharma não existia juridicamente nem tinha qualquer relação com a Abbott, da qual beneficiasse do preço de €10 (dez euros) para o produto equivalente ao produto Roche Accu-Chek Aviva 50T
6. Sabiam, também, que as políticas internas da Roche não permitiriam que o Denunciado HF_____  gerisse o relacionamento comercial da Roche com um familiar seu, motivo pelo qual quiseram ocultar e ocultaram da Roche o referido relacionamento.
7. Resulta também suficientemente indiciado que a utilização da Pharma constituiu a forma de a Família  sondar se existiria, ou não, viabilidade nas suas intenções, em tudo criminosas.
8. Tendo o Denunciado HF_____ , internamente na Roche (enquanto Head of Market Access & Key Account Management), diligenciado no sentido de fomentar e definir os contornos das relações comerciais entre a Pharma e a Roche, sempre ocultando dos seus superiores hierárquicos o seu relacionamento com a Família . A Denunciada VS____ conhecedora de todos os estes factos, ocultou-os internamente na Roche.
9. Os Denunciados HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  também fizeram por ocultar da Assistente a posição de domínio que o Denunciado HF_____  tinha na Denunciada BSK, circunstância que se revelou decisiva quer para que aquele pudesse promover a relação comercial BSK-Roche, quer para que a mesma se mantivesse aquando das investigações em tomo do possível desvio de produtos.
10. Finalmente, os Denunciados HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  sabiam que, apesar do que a Denunciada BSK transmitia à Assistente, no sentido de o Accu-Chek Aviva 50T se encontrar "lá", isto é, "nos mercados africanos", tal produto foi sucessivamente desviado para a Europa. Sabiam-no porque, como accionistas e administradores da Denunciada BSK, tinham acesso a tal informação periodicamente.
11. Sabiam ainda os Denunciados HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  que a conduta da Denunciada BSK era lucrativa, pois todos, directa ou indirectamente, receberam proventos da actividade ilícita descrita na Denúncia e no presente Requerimento.
12. Os Denunciados HF_____  e MP______ , em particular nos anos de 2015 e 2016, trocaram correspondência entre si, em que declaravam expressamente que os produtos Roche estavam a entrar nos mercados africanos, quando bem sabiam que tal era falso.
13. Tendo inclusivamente o Denunciado HF_____ conseguido aumentar as quantidades vendidas e reduzir o preço cobrado pela Roche através da criação de uma hipotética oportunidade resultante da saída da Bayer do mercado angolano, que levou à celebração do Contrato de Distribuição Exclusiva. O que sabia ser falso.
14. Logros que a Família  foi conseguindo manter com o único propósito de conseguir vender no mercado europeu o Accu-Chek Aviva 50T em grandes quantidades e a preços descontados, porque fixados para o mercado angolano (e, depois da celebração do Contrato de Distribuição Exclusiva, também moçambicano).
15. Atentas as relações comerciais e societárias que se estabelecem entre os intervenientes, os Denunciados MP______ , HF_____ , MP____ e VS____  actuaram com o intuito de obter para si enriquecimento ilegítimo, através da exportação para a Europa dos produtos comprados à Assistente a preço reduzido, ludibriando a Assistente quanto ao verdadeiro destino dos produtos encomendados, induzida e mantida em erro por forças das acções e omissões dos Denunciados MP______ , HF_____ , MP____ e VS____ .
16. A constituição das sociedades Denunciadas, para as quais a Denunciada BSK fez fluir o lucro auferido com a actividade ilícita aqui descrita, ocorreu com a vontade clara de remover desta o produto do crime. Os Denunciados MP______ , HF_____ , MP____ e VS____  quiseram assim, depois de constituída a Denunciada BSK para a burla aqui descrita, constituir as restantes Denunciadas pessoas colectivas para diluir o proveito do crime.
Quanto ao elemento subjectivo
Constata-se que o RAI se limitou alegar o que consta nos artigos 391, dolo da culpa e artigos 479 e 480 quanto ao dolo do tipo.
479- Em particular, os Denunciados HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  tinham conhecimento de que o projecto empresarial da Denunciada BSK se fundava no aproveitamento ilícito das condições de fornecimento obtidas junto da Assistente, por intermédio do Denunciado HF_____ , no exercício das suas funções enquanto Head of Market Access & Key Account Management.
480-Pelo que os Denunciados HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  actuaram conjuntamente, de forma livre e consciente, no sentido de formarem um grupo, dedicado à exploração de uma actividade ilícita, correspondente à obtenção de produto Accu-Chek Aviva 50T, mediante a indução e manutenção da Assistente em erro quanto ao real destino dos produtos adquiridos.
O descrito pela Assistente no RAI é suficiente para integrar a figura da associação criminosa? Estaremos perante um pacto que tenha dado origem a entidade diversa, autónoma, transpessoal, que valha por si, referenciável por si mesma, que anteriormente inexistisse? Dele emana especial perigosidade e maior carga de danosidade social? O pacto deu origem a alguma realidade nova, emergente, diversa, autónoma, personalizada, que se sobrepusesse à vontade e aos interesses dos pré-existentes membros singulares? Os arguidos seriam condenados igualmente mesmo que nenhum crime houvesse sido cometido?
Tendo os ensinamentos acima referidos e fazendo a sua aplicação ao caso concreto teremos de concluir pela resposta negativa a todas as questões colocadas.
Na verdade, o alegado pela Assistente não é susceptível de configurar o crime em causa, na medida em que os factos descritos não preenchem minimamente, nem a dimensão objectiva, nem a dimensão subjectiva do crime de associação criminosa. Basta uma leitura mais atenta do RAI para verificarmos que os arguidos em causa nunca se propuseram a criar uma associação como entidade autónoma e transcendente e como centro de motivação e imputação de acções criminosas.
Quanto à criação do alegado grupo criminoso verifica-se que o RAI mostra-se contraditório quanto a este aspecto. Com efeito, o RAI faz derivar a existência de uma associação criminosa composta e fundada pelos arguidos HF_____, MP______, MP____ e VS____  pelo facto destes arguidos terem constituído, em 30-1-2014, a sociedade BSK com o propósito de estabelecer relações comerciais com a Assistente e de beneficiar de condições contratuais mais favoráveis do que as normalmente praticadas, que o próprio HF_____ , enquanto head of Market Access & key Account Management da Assistente, faria por assegurar (artigo 120 do RAI).
Daqui resulta, atento a forma vaga, genérica e pouco precisa, que ficamos sem saber quem criou/fundou a alegada associação. Os arguidos HF_____  e MP______ ? Os arguidos HF_____ , MP______ , MP____ e VS____ ? Temporalmente quando é que se propuseram criar uma associação? Quem chefiava ou dirigia o grupo? O arguido HF_____ ? O arguido MP______ ?
Com efeito, verificamos que o RAI começa por descrever a relação familiar que existia entre os arguidos, os locais onde trabalhavam, as circunstâncias que presidiram à constituição da BSK, as ligações de cada um dos arguidos à BSK, as relações comerciais entre a BSK e a Roche, para em seguida dizer, sem concretizar como, que criaram uma estrutura organizada. Portanto, o que temos aqui, segundo o RAI, é uma relação familiar e o aproveitamento dessa relação para a prática de factos, alegadamente ilícitos.
Assim, estes factos claramente deixam a descoberto uma realidade completamente distinta, em termos de qualificação jurídica, e que contrariam a ideia de associação criminosa. Na verdade, os factos descritos não espelham que os supostos membros se sentiram subordinados à vontade colectiva da associação nem comprometidos com os seus interesses e desígnios.
Da leitura do RAI, sobretudo dos factos iniciais, ou seja, os estruturantes da história, aqueles que dão sentido aos desenvolvimentos posteriores, verifica-se uma confusão entre as duas acções — decidir adquirir e comercializar, em condições vantajosas e mediante engano, produtos fornecidos pela Assistente, ou seja empreender o alegado crime de burla, e delinear o plano para a comissão desses crimes e a acção de promover ou fundar grupo organizado ou associação. Com efeito, em causa estão duas realidades bem distintas que não podem nem devem ser confundidas.
Resulta líquido do RAI que os arguidos não se propuseram em pôr de pé uma realidade transcendente em relação aos próprios arguidos, o que eles se propuseram, segundo a Assistente, foi a uma coisa bem distinta: delinear um plano com vista à concretização de relações comerciais com a Assistente em condições contratuais mais favoráveis do que as normalmente praticadas e que o próprio arguido HF_____ , atento as funções que exercia na Roche, faria por assegurar e que para a execução desse plano necessitaram de colaboração (comparticipantes) de outros arguidos. (artigos 477, 478 e 479 do RAI).
Não se verifica, também, o menor sinal de vontade colectiva e do respectivo processo de formação e afirmação, fundamentais à existência de uma associação criminosa. Na verdade, o que temos descrito no RAI é a vontade dos arguidos HF_____  e MP______  que desenharam o plano e não a submissão destes arguidos à vontade colectiva da estrutura ou da organização, ou seja, são os demais arguidos que se submetem aos desígnios e ao plano traçado pelo arguido HF_____ .
Do RAI também não resulta o sentimento de pertença a uma associação. Não se vislumbra que os arguidos, todos eles, tenham erigido os desígnios ou propósitos da associação em premissas da sua actuação.
Daqui resulta que não temos uma pluralidade de pessoas ligadas por um desígnio comum, nem a verificação de um processo de formação de vontade colectiva.
Estes factos, por si só, são mais do que suficientes para concluirmos pela falta de um processo de formação de vontade colectiva e de uma estrutura estável e organizada.
Da leitura daquilo que é dito no RAI verifica-se que a mesma não traduz a imputação de qualquer factualidade concreta relacionada com factos constitutivos do crime de associação criminosa imputado aos arguidos acima mencionados, mas sim referências meramente abstractas, conclusivas e vagas.
Assim, forçoso é concluir pela insuprível falta dos pressupostos objectivos e nucleares da factualidade típica do crime de associação criminosa. Na verdade, à luz dos factos descritos no RAI, e mesmo sem necessidade de recorrer à falta de elementos de prova, nunca se poderiam imputar aos arguidos as acções típicas de promover, fundar, chefiar ou dirigir grupo.
O mesmo se diga em relação ao elemento subjectivo. Também aqui mostra-se irremediavelmente comprometido o preenchimento da factualidade típica do crime de associação criminosa. Com efeito, na matéria descrita no RAI, falta em absoluto qualquer referência aos elementos intelectual e volitivo, reportados ao tipo objectivo do crime de associação criminosa. O que vemos é que todas as referências de natureza subjectiva constantes da acusação, em particular quanto aos arguidos HF_____  e MP______ , na qualidade de alegados fundadores, se reportam ao crime de burla qualificada que nada tem que ver com o crime de associação criminosa.
Da leitura do RAI, tanto na sua direcção cognitiva como volitiva, o dolo reporta-se em exclusivo ao crime de burla. E nem se diga que essa falta se encontra colmatada pelas referências contidas ao longo do RAI. Isto pelo motivo já invocado, segundo o qual aquela estrutura nas mãos do arguido HF_____  e ao serviço dos seus objectivos, não se identifica com uma associação, mas sim com a comparticipação em crime de burla qualificada, não existindo, deste modo, qualquer processo de formação de vontade colectiva e nem os factos, ou melhor as conclusões, apontam para a existência de uma estrutura minimamente organizada.
A situação descrita no RAI configurará, em alguns casos, a existência de compartição criminosa na forma de co-autoria, e em outras situações cumplicidade, mas nunca uma organização criminosa.
A associação criminosa distingue-se da comparticipação pela estabilidade e permanência que a acompanha, embora o fim num e noutro instituto possa ser o mesmo; mas o elemento distintivo fundamental da associação criminosa em relação à comparticipação reside na estrutura nova que se erige, uma estrutura autónoma superior ou diferente dos elementos que a integram e que não aparece na comparticipação. É mais que a actuação conjunta de várias pessoas.
Não se mostra indiciado o alegado nos artigos 400 e 480 do RAI.
Assim sendo, nem os autos, nem o RAI fornecem elementos factuais e indícios probatórios suficientes que sustentem uma decisão de pronúncia pelo crime de associação criminosa p e p pelo 299º do CP, razão pelo qual se impõe, por força do artigo 307º nº 4 do CPP, desde já, decisão de não pronúncia relativamente a todos os arguidos a quem foi imputado a comissão deste crime.
***
Do Crime de branqueamento p e p pelo artigo 368º A nº 2 do CPP.
Aos arguidos HF_____ , MP______ , MP____  , VS____ BSK Healthco SGPS, Burgolegacy, Delk Pharma, Delk Açores e Healthco Unip foi imputado, em co-autoria, um crime de branqueamento p e p pelo artigo 368ºA nº 2 do CP.
Segundo a Assistente, conforme alegado nos artigos 356 a 383, os arguidos MP______ , HF_____ , MP____  , VS____ através da Denunciada BSK e das arguidas Healthco SGPS, Burgolegacy, Delk Pharma, Delk Açores e Healthco Unip têm vindo a transferir, ocultando e dissimulando, as vantagens concentradas na BSK, ilicitamente obtidas mediante a indução da Assistente em erro quanto ao fornecimento de produto Accu-Chek Aviva 50T para a Denunciada BSK.
Os arguidos MP______ , HF_____ , MP____ e VS____  determinaram que a arguida BSK:
(i) Concedesse mútuos, totalizando €1.581.219,00 (um milhão quinhentos e oitenta e um mil duzentos e dezanove euros), sem qualquer racionalidade económica, às Denunciadas Delk Pharma, Delk Açores e Burgolegacy;
(ii) Adquirisse aos Denunciados HF_____  e AP____  as quotas que estes tinham nas Denunciadas Delk Pharma, Delk Açores e Burgolegacy, num total de €234.475,00 (duzentos e trinta e quatro mil quatrocentos e setenta e cinco euros);
(iii) Adquirisse à Denunciada Delk Pharma quantidades de produtos pouco usuais e dificilmente explicáveis à luz de qualquer racionalidade económica, totalizando €1.114.273,00 (um milhão cento e catorze mil duzentos e setenta e três euros);
(iv) Investisse €100.000,00 (cem mil euros) num seguro de vida que, com toda a probabilidade, tem como beneficiário um dos elementos que compõem a Família ;
(v) Entrasse num processo de cisão-fusão com a Denunciada Healthco SGPS que retirou da Denunciada BSK:
a. A titularidade dos mútuos concedidos às Denunciadas Delk Pharma, Delk Açores e Burgolegacy;
b. As participações sociais nas Denunciadas Delk Pharma, Delk Açores e Burgolegacy; e
c. Pelo menos a quantia de €3.563.133,00 (três milhões quinhentos e sessenta e três mil cento e trinta e três euros) que existiam em depósitos bancários.
O arguido HF_____  determinou ainda que para a Denunciada Helthco SGPS fosse transferido o montante em caixa de €3.105.559,00 (três milhões cento e cinco mil quinhentos e cinquenta e nove euros), desconhecendo-se com que finalidade e destino.
Através da conduta descrita, os Denunciados provocaram a transferência de património entre as diversas sociedades Denunciadas, fazendo-as actuar fora do escopo dos respectivos objectos sociais, com o propósito de dissimular as vantagens obtidas através dos crimes de burla e de falsificação que constituem os crimes precedentes do crime de branqueamento.
Dispõe o artigo 368.º-A do C.P, com a redacção vigente à data dos factos, com a epígrafe "Branqueamento":
"1. Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infracções referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos, assim como s bens que com eles se obtenham.
2. Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o .fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de dois a doze anos.
3. Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos."
Tendo em conta os elementos do tipo de crime de branqueamento e factualidade descrita no RAI, cumpre saber se as condutas imputadas aos arguidos consubstanciam a prática do imputado crime de branqueamento.
Para o efeito, impõe-se, antes de mais, compreender o que é o crime de branqueamento e quais os seus elementos típicos.
Segundo Lourenço Martins in "Branqueamento de capitais: Contra medidas a nível internacional e nacional", Revista Portuguesa de Ciência Criminal (RPCC), Ano 9, Fasc. 3.º, Julho-Setembro 1999, pp. 450-451), o branqueamento de capitais (dinheiro ou outros bens) consiste no procedimento através do qual o produto de operações criminosas ilícitas é investido em actividades aparentemente lícitas, mediante dissimulação da origem dessas operações; traduz-se no desenvolvimento de actividades, das quais um aumento de valores, que não é comunicado às autoridades legítimas, adquire uma aparência de origem legal, sendo, no fundo, um processo de transformação."
Luís Goes  defende, in "O Branqueamento de capitais e a globalização (Facilidades na reciclagem, obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal)", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, N.º 4. Outubro-Dezembro 2002, Coimbra Editora, pp. 603), "o branqueamento de capitais é vulgarmente definido como um processo, mais ou menos complexo, mediante o qual se pretende ocultar a origem ilícita de determinados bens, tendo em vista a sua introdução no mercado lícito".
Por sua vez, José de Faria Costa defende (in "O Branqueamento de Capitais (Algumas reflexões à luz do direito penal e da política criminal)", publicado in Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 1992, volume LXVIII, pp. 69-70), "o branqueamento uma actividade ilícita derivada ou induzida por outras actividades., também elas ilícitas, faria sentido atacar as causas e não os efeitos, mas 'Porque a estratégia de ataque às primeiras actividades ilícitas - designadamente no que se refere ao tráfico de droga ­ se tem mostrado inoperante, entende-se que se deve controlar ou entravar, ao menos, os fluxos financeiros provenientes daquela primitiva actuação ilícita".
António Henriques Gaspar sustenta (in "Branqueamento de capitais", intervenção em Seminário, realizado no Centro de Estudos Judiciários, Março 1993, publicado in Droga e Sociedade - O Novo Enquadramento Legal, edição do Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, Ministério da Justiça, 1994, pp. 125), "Se o combate às actividades subjacentes se pode revelar parcelar e fragmentário, atacando apenas a base das organizações, importa agir sobre o essencial, atingindo a verdadeira finalidade das organizações criminosas; importa actuar a partir da fase final do ciclo, invertendo o plano estratégico tradicional, de modo a tentar anular o poder económico dos indivíduos e das organizações criminosas".
A este propósito, José de Faria Costa, O branqueamento de capitais a,c)5 (Algumas reflexões), 1992, pág. 69, a actividade de branqueamento é ela já uma criminalidade derivada, de 2.º grau ou induzida de outras actividades, pois só há necessidade de "branquear" dinheiro se ele provier de actividades primitivamente ilícitas.
Pedro Caeiro, A consunção do branqueamento pelo facto precedente, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, 2010, versando agora o artigo 368.º-A, do Código Penal, pág. 200, nota 35, afirma que o tipo do branqueamento exige apenas que as vantagens provenham de um facto ilícito típico, não de um crime, donde a punição do branqueamento não depende da efectiva punição pelo facto precedente.
Mais adiante, na pág. 203, refere o seguinte: "o branqueamento encontra-se matricialmente ligado à prática de outra infracção", o que produz inelutavelmente consequências ao nível da "construção e interpretação do tipo (que não deve incluir, sob pena de se violar a proibição de dupla valoração, as condutas conaturais à prática do ilícito-típico precedente, v.g., a mera detenção e utilização, sem outras qualificações, pelo respectivo autor, das vantagens obtidas)"
Por sua vez, Germano Marques da Silva, Notas sobre branqueamento de capitais em especial das vantagens provenientes da fraude fiscal, Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles: 90 anos /Homenagem da Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, 2007 refere a págs. 456: o crime de branqueamento acompanha o crime designado, dificultando a actuação da justiça, quer na sua descoberta e punição, quer na perda das vantagens do crime que é consequência da condenação (artigo 111.º do CP). Mas o branqueamento não consiste simplesmente no aproveitamento das vantagens adquiridas com a prática do crime, é mais do que isso, é um facto praticado com o fim de dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que os agentes sejam perseguidos ou submetidos a uma reacção criminal, é, enfim, um facto praticado com o fim específico de dificultar a acção da justiça. O simples aproveitamento das vantagens do crime não constitui ainda branqueamento, só o sendo quando os factos típicos são praticados com aquela intenção específica. Por isso que pode existir concurso real de crimes entre o crime designado e o crime de branqueamento, quando praticados pelo mesmo agente, porque são diversos os factos e diversos são os bens jurídicos protegidos pelas incriminações.
Mais adiante a pág. 459, o mesmo autor reafirma que o crime de branqueamento é um crime contra a realização da justiça, na medida em que através da sua prática o agente persegue o fim de dissimular a origem ilícita dos bens a branquear ou «evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal», sendo que dissimular a origem ilícita dos bens é uma forma de evitar a perseguição criminal. O crime de branqueamento é praticado para ocultar ou garantir o proveito do crime antecedente, havendo entre eles uma conexão material de tal modo que o crime subjacente compõe a própria estrutura do branqueamento; no plano ontológico o crime de branqueamento é mais um elo na cadeia do crime subjacente e, por isso, que alguns entendem que ambos têm a mesma natureza».
Daqui decorre, desde já, que a punição de uma determinada conduta a título de branqueamento exige a existência de um facto típico ilícito que integre o catálogo previsto no n.º 1 do artigo 368º-A do CP, o qual seja gerador de vantagens.
O crime de branqueamento é um crime doloso.
A este respeito Pedro Caeiro, A decisão-quadro do conselho (...), Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, 2003, págs. J110, republicado em Direito Penal Económico e Europeu, volume III, 2009, págs. 412/3- 8, após afirmar que o crime de branqueamento deveria continuar a ser um crime exclusivamente doloso, coerentemente com o paradigma que rege todos os crimes contra a realização da justiça. dizia: "O dolo tem portanto de abranger a proveniência ilícita das vantagens, sc., o facto de estas provirem de um (ou vários) facto(s) constitutivo(s) dos ilícitos-típicos especificados ou puníveis com pena de prisão superior a 5 anos. Em qualquer dos casos, é suficiente a representação de que as vantagens provêm desses factos, não tendo o dolo de abarcar a identidade do agente nem a qualificação legal (o nomen jurídico) dos mesmos. No que diz respeito aos crimes designados através da cláusula geral de gravidade da pena aplicável, basta que o agente represente que as vantagens procedem de um facto que a lei efectivamente ameaça com pena superior ao limite indicado, sendo irrelevante, para efeitos de exclusão do dolo, o erro sobre as penas aplicáveis, já que só os factos precedentes, não as penas para eles cominadas, são elementos do tipo".
Para além da doutrina acima citada, vejamos alguma da jurisprudência sobre o crime de branqueamento.
No acórdão de 11 de Junho de 2014, do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 14/07.0TRLSB.S1 "a actividade de branqueamento é uma criminalidade derivada, de 2.º grau ou induzida de outras actividades, pois só há necessidade de "branquear" dinheiro se ele provier de actividades primitivamente ilícitas"
"carácter subsidiário ou acessório do branqueamento, pois a respectiva actuação pressupõe necessariamente, um facto ilícito prévio"
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Outubro de 2002, Proc. n.c 0055995. no qual se decidiu que "[o] crime de branqueamento de capitais é um crime de conexão que pressupõe o anterior cometimento de um dos factos ilícitos legalmente previstos, colocando-se a par de outros crimes — a receptação e o auxilio material ao criminoso — que, do mesmo modo, pressupõem um ilícito típico precedente", acrescentando ainda que "[p]ara a caracterização do tipo legal de crime de branqueamento de capitais exige-se "a montante" um facto autónomo e separado em relação ao qual o branqueamento é um 'pós facto" punível"
Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Julho de 2013: Proc. n.º 1/05.2JFLSB.L1-3. "O crime de branqueamento previsto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 368.º-A do Código Penal supõe o desenvolvimento de actividades que, podendo integrar várias fases, visam dar uma aparência de origem legal a bens de origem ilícita, assim encobrindo a sua origem, conduzindo, na maior parte das vezes a "um aumento de valores, que não é comunicado às autoridades legítimas". Sem um crime precedente como tal previsto à data da transferência do capital, não há crime de branqueamento".
Num acórdão mais recente, o Tribunal da Relação de Lisboa a 30-10­2019, no processo 405/14.0TELSB.L1-3 diz o seguinte: "Na ordem jurídica portuguesa, o branqueamento de capitais tem tipificação expressa no art.º 368.º-A do CP e constitui-se como um tipo de crime derivado ou de segundo grau, uma vez que pressupõe a prévia concretização de um facto típico ilícito (Eduardo Paz Ferreira, "O Branqueamento de Capitais", in Estudos de Direito Bancário, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1999, pág. 306)"
Mais adiante refere que: "Objecto da acção típica são as vantagens patrimoniais resultantes de crime anteriormente cometido pelo próprio branqueados ou por outrem, desde que integrado no «catálogo». Quanto às modalidades de acção, os verbos insertos no texto dos n.ºs 2 e 3 do art.º 368º A do CP incluem no seu âmbito de aplicação uma grande variedade de condutas, com diferentes graus de intensidade, espelhados, de resto, na moldura penal abstracta de dois a doze anos de prisão.
No n.º 2, referem-se os actos de converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal".
Daqui decorre que, quer para a doutrina, quer para a jurisprudência, o crime de branqueamento de capitais visa sancionar condutas que procuram dotar de uma aparência lícita vantagens ou produto de um dos factos ilícitos típicos previstos no catálogo do n.º 1 do artigo 368.º A do CP.
O branqueamento de dinheiro, para utilizar uma fórmula simplificada, pressupõe uma infracção principal (predicated offence), um facto ilícito típico anterior, que tenha produzido vantagens (com a definição do texto explicativo do n.º 1, com a inclusão dos producta sceleris e ainda dos bens que com eles - factos ilícitos típicos - se venham a obter). Há que ter em conta que a declaração de perda de bens a favor do Estado, ou o confisco, na via alargada ou não, e a punição do branqueamento, nos termos sobreditos, servem, por vias diversas, o mesmo desiderato: a pretensão estadual de atacar as vantagens do crime. A jusante, o branqueamento das vantagens. A montante, o crime prévio, de onde aquelas provêm.
Para Germano Marques da Silva, Notas sobre branqueamento de capitais, 2007, pág. 457, decorre do n.º 2 do artigo 368.º-A (poderem os agentes do crime de branqueamento ser os próprios agentes do crime subjacente) que o branqueamento não é na perspectiva legal o mero aproveitamento do crime base e por isso por ele consumido, constituindo uma infracção autónoma violadora de um bem jurídico diverso do crime base. E a págs. 459, afirma que o facto ilícito típico precedente é elemento constitutivo do crime de branqueamento.
Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.a edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2010, em NOTA PRÉVIA ao artigo 368.º-A, - notas 3 a 15, a págs. 951 a 953: "Com efeito, o bem jurídico tutelado pelo crime de branqueamento de capitais não se confunde com o bem jurídico tutelado pelo crime precedente, até pela razão muito simples de que os crimes precedentes podem ter múltipla natureza, indo desde o tráfico de droga ao peculato. Não há, pois. qualquer violação do princípio constitucional do non bis in idem e muito menos do princípio da legalidade".
Uma vez compreendido o crime de branqueamento e tendo, uma vez mais, presente que o mesmo constitui unia actividade derivada ou induzida de outras actividades cumpre, antes de mais, saber se estamos perante a presença de um facto ilícito típico prévio, ou seja, se o dinheiro que circulou, em particular no momento em que circulou, através das contas bancárias do arguidos é dinheiro "sujo" por constituir produto da prática de um crime de burla qualifica cometido pelos arguidos HF_____ , MP______ , MP____  , VS____  e BSK.
Quanto ao elemento subjectivo, no que se refere ao crime de branqueamento imputado aos arguidos, os factos são os seguintes:
Artigo 401 do RAI: Os Denunciados HF_____ , MP______ , MP____ e VS____ pretenderam ainda com as suas condutas transferir as vantagens por si obtidas por meio dos seus comportamentos criminosos, tendo actuado com o propósito de dissimular a sua origem ilícita, bem como de evitar a sua própria perseguição criminal.
Tendo em conta os factos descritos no RAI (artigos 356-393 e 401) verifica-se que a menção constante nos artigos do RAI de que o facto praticado pelos arguidos se destinou a criar a aparência de que os montantes pecuniários em causa tinham origem lícita, a encobrir a verdadeira titularidade do dinheiro e a criar barreiras à detecção de tal circunstancialismo, satisfaz a parte da descrição do dolo de que o agente agiu com intenção de dissitnulw a origem ilícita dos vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal.
Assim, quanto ao dolo específico, o mesmo mostra-se descrito no RAI em termos factuais.
No que concerne ao dolo-do-tipo, ou seja, que os arguidos agiram, no momento em que aceitaram realizar o contrato de mútuo entre a BSK e Burgolegacy, no valor de 899.000,00€ em 2017, na aquisição pela BSK de participações financeiras da arguida Delk Pharma no total de 30.245,00€ em 2017, na aquisição pela BSK de participações financeiras da arguida Delk Açores no total de 157.000,00€, 80.000,00€ e 77.000,00€, nas compras feitas pela BSK à Delk Pharma no valor de 972.053,00€ e 142.220,00€, na transferência para a arguida Helthco SGPS o valor de 3.105.559,00€, sabendo que os fundos tinham origem na prática de um ilícito penal típico do catálogo do artigo 368ºA nº 1 do CP, no caso concreto, num crime de burla qualificada, constata-se que o RAI não enumera esses factos.
Como se vê, a Assistente limitou-se a dizer que os arguidos tinham conhecimento que os fundos tinham origem na prática de crime e que eram produto do crime, sem que, em momento algum, diga que os arguidos conheciam ou que representaram como possível, no momento em que tiveram lugar as respectivas operações, que os alegados fundos constituíam uma vantagem de um crime de burla qualificada.
A noção de dolo nas suas modalidades de directo, necessário e eventual é-nos dada pelo art.º 14º do Código Penal.
Segundo o Professor Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, vol. II, pág. 162, pode definir-se o dolo como a vontade consciente de praticar um facto que preenche um tipo de crime, constando a vontade dolosa de dois momentos: a) a representação ou visão antecipada cio facto que preenche um tipo de crime (elemento intelectual ou cognoscitivo);
e b) a resolução, seguida de um esforço do querer dirigido à realização do facto representado (elemento volitivo).
Ainda segundo o mesmo autor, na obra citada, não basta o conhecimento de que o facto preenche um tipo de crime, sendo necessária a própria consciência da ilicitude, pois nos expressos termos do art.º 16.º do Código Penal, a falta de consciência da ilicitude exclui o dolo.
No mesmo sentido aponta o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, tomo I, págs. 332 e 333.
Segundo este Professor, a doutrina hoje dominante conceitualiza o dolo, na sua formulação mais geral, como o conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito, sendo o conhecimento o momento intelectual e a vontade o momento volitivo de realização do facto.
Acerca do momento intelectual do dolo do tipo, escreveu o Professor Figueiredo Dias na obra acima referida: «Do que neste elemento verdadeiramente e antes de tudo se trata é da necessidade, para que o dolo do tipo se afirme, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência (...) das circunstâncias do facto (...) que preenche um tipo objectivo de ilícito (art.º 16º-1). A razão desta exigência deve ser vista à luz da função que este elemento desempenha: o que com ele se pretende é que, ao actuar, o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento. Só quando a totalidade dos elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve responder por uma atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela conduta. Por isso, numa palavra, o conhecimento da realização do tipo objectivo de ilícito constitui o sucedcineo indispensável para que nele se possa ancorar uma culpa dolosa e a punição do agente a esse título. Com a consequência de que sempre que o agente não represente, ou represente erradamente, um qualquer dos elementos do tipo de ilícito objectivo o dolo terá, desde logo, de ser negado (...). Fala-se a este respeito, com razão, de um princípio de congruência entre o tipo objectivo e o tipo subjectivo de ilícito doloso».
No mesmo sentido, ao tratar do elemento subjectivo do tipo legal em questão, decorre de aresto do STJ datado de 11/06/2014 que "Exige-se que o agente, ao efectuar qualquer operação no procedimento mais ou menos complexo de conversão, transferência ou dissimulação, tenha conhecimento da natureza das actividades que originaram os bens ou produtos a converter, transferir ou dissimular. Elemento subjectivo comum a todas as condutas previstas é a exigência do conhecimento da proveniência do objecto da acção num dos ilícitos-típicos precedentes, da origem dos bens (que faz parte do elemento intelectual do dolo).
E também no mesmo sentido se refere em outro acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto, no processo nº JTRP000384I 1, em 19.10.2005, "Entendemos que o elemento subjectivo não pode resultar como extrapolação e efeito lógico do conjunto dos factos objectivos que são imputados ao arguido; com efeito, no nosso ordenamento jurídico, ninguém sustenta a existência de presunções de dolo.
Tendo em conta o caso concreto, o RAI é parcialmente omisso relativamente à narração dos factos caracterizadores do dolo, mais concretamente ao dolo-do-tipo, exigido para o preenchimento do crime de branqueamento de capitais, sendo certo que isto não constitui uma simples fórmula jurídica sem conteúdo útil, mas matéria de facto e um elemento constitutivo do crime em causa.
Na verdade, no que concerne ao elemento subjectivo exigido para o preenchimento do tipo, neste caso o crime de branqueamento de capitais, é imprescindível que os respectivos factos integradores sejam descritos, de forma precisa, na acusação ou no RAI, independentemente de, em regra, na ausência de confissão ou de confissão congruente com a factualidade que venha a ser apurada, a sua inferência se fazer com base nesta. Não basta, pois, a narração dos factos materiais em que se consubstancia a prática da infracção.
Enquanto elemento constitutivo do crime em presença, o dolo não se presume, devendo, isso sim, constar expressamente do RAI.
Como se refere no Ac. RE 1/3/05, proc. n.º 2/05-1: "A ideia de um «dolo in ré pisa», que sem mais resultaria da simples materialidade da infracção, é hoje indefensável no direito penal. A moderna tendência para a personalização do direito penal não se compadece com uma estrita indagação da culpa dentro dos férreos moldes das antigas presunções de dolo — cf. Prof. Figueiredo Dias, Revista de Legislação e Jurisprudência, 105, pg. 142."
E já no Ac. RP 8/4/92, proc. nº 9240111, se salientava que "Não é admissível a ideia de um "dolos in ré pisa", isto é, a presunção do dolo resultante da simples materialidade de uma infracção, embora se aceite que a respectiva comprovação possa operar-se pelo recurso às presunções simples ou naturais, apreciadas livremente segundo as regras da experiência."
No mesmo sentido o STJ no acórdão de 22.10.2003, no proc. n.º 2608/033.a, SASTJ, n.ºs 74, 149, considerou que o dolo deve ser expressamente invocado para poder ser revelado.
Conforme vimos, a Assistente limitou-se a dizer no seu RAI, que os arguidos sabiam que estavam a transferir vantagens, tendo actuado com o propósito de dissimular a sua origem ilícita (artigo 401 do RAI).
Segundo Castro Mendes (1973, 629-630), o acto ilícito, para além de representar uma mera violação ou infracção da lei, traduz-se no não cumprimento ou violação de um dever, ofensa ou lesão de um direito subjectivo, e toma o nome de ilícito de acordo com o ramo de direito que pode ser ilícito penal, civil.
O acto ilícito manifesta-se em todas as áreas do direito e pode revestir a natureza de ilícito civil, administrativo, tributário, laboral, penal e etc.
O ilícito penal é tipificado pelo Direito Penal, ou seja, só pratica o acto ilícito penal gerador da responsabilidade penal, o indivíduo que contraria o tipo penal específico.
Assim sendo, a mera referência a origem ilícita não satisfaz a exigência para o preenchimento do dolo-do-tipo, na medida em que o conceito ilícito é muito vago e insuficiente para preencher o conhecimento quanto à origem das vantagens e nem se argumente que isso se mostra implícito nos factos narrados. Com efeito, os "factos" que constituem o "objecto do processo" têm que ter a concretude suficiente para poderem ser contraditados e deles se poder defender o arguido e, sequentemente, a serem sujeitos a prova idónea, o que manifestamente não se verifica no caso concreto.
Para além disso, a alegação que as vantagens têm origem na prática de crime ou constituem produto da prática de crime, também não é suficiente para preencher o dolo do tipo, na medida em que o crime de branqueamento, em qualquer das suas modalidades, é um crime necessariamente doloso, impondo-se que o agente saiba, no momento da prática da acção, que o objecto da acção de dissimulação ou ocultação é proveniente de um dos factos ilícitos típicos previstos no catálogo do artigo 368-A nº 1 do CP.
Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2008, p 869: O tipo subjectivo do crime de branqueamento previsto no nº 3 é congruente com o tipo objectivo, O mesmo não se passa com o tipo subjectivo do crime previsto no nº 2, na medida em que este tipo inclui um elemento subjectivo adicional: a intenção de dissimular a origem ilícita da vantagem ou a intenção de evitar que o autor ou participante das infracções previstas no nº 1 seja criminalmente perseguido ou submetido a urna reacção criminal.
Em ambos os casos, o agente não tem de conhecer o concreto facto típico ilícito que esteve na origem da vantagem, nem o local onde foi praticado, nem os seus autores (nº 4). É suficiente que o agente saiba que a vantagem provém de um crime pertencente ao elenco do nº 1 e que esse conhecimento seja contemporâneo ao momento da realização da operação. Mas não se basta que ele configure a possibilidade da proveniência ilícita da vantagem».
Neste mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de Outubro de 2019, "o crime de branqueamento de capitais, tanto na modalidade tipificada no n.º 2, como na modalidade prevista no nº 3 do art.º 368.º-A do CP, é um crime de intenção que exige o dolo específico, traduzido no propósito, ou melhor, dois propósitos (os quais podem ser cumulativos ou alternativos), que acrescem à consciência e vontade relativa aos elementos objectivos do crime -- o agente tem de actuar com o .fim de dissimular a origem ilícita das vantagens em causa, ou com o fim de evitar que o autor ou participante das infracções subjacentes seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal. Assim, em qualquer das diferentes condutas previstas, é preciso que o agente saiba qual a fonte ou origem dos bens e/ou rendimentos (elemento cognitivo do dolo). Tem de agir, praticando alguma das condutas típicas ciente de que aqueles bens  ou produtos resultam da prática de algum dos crimes subjacentes. Além disso, é indispensável que queira (elemento volitivo), por si ou através de outra pessoa. praticar alguma ou algumas daquelas condutas.
(...)
«Já nos casos do no 3, pese embora o texto da lei não faça qualquer referência expressa ao propósito de dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, o dolo especifico é também exigido no n." 3 do artigo 368.º- A do Código Penal".
Com efeito, uma coisa é a prova do dolo, outra bem diferente é a sua alegação em concreto.
Aliás, nos termos do disposto na al. b) do n.º 3 do art.º 283.º do Código de Processo Penal, não há lugar à existência de factos implícitos.
Assim, também não se pode ter como implícito ou subentendido na acusação aquele elemento subjectivo, constitutivo do crime de branqueamento.
Cumpre dizer, também, que, para além do conhecimento, por parte do agente material do branqueamento, que as vantagens têm origem num dos ilícitos típicos do catálogo do nº 1 do artigo 368ºA do CP é imprescindível, ainda, que que esse conhecimento esteja presente no momento da actuação do mesmo agente. Com efeito, tratando-se de um crime doloso o mesmo tem de estar verificado no momento da actuação do agente, sendo totalmente irrelevante o dolo posterior.
A estrutura acusatória do nosso processo penal e o princípio da vinculação temática que o enforma obstam a que, em julgamento, a acusação (e a pronúncia) que não contenha uma descrição fáctica subsumível a um tipo legal de crime venha a ser suprida de forma a que factos inócuos passem a ter, com o acrescento dos que permitam a subsunção jurídica a urna norma incriminatória, relevância criminal.
As alterações dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, consentidas no quadro legal (art.ºs 303º, 358º e 359º do C.P.P.) pressupõem, necessariamente, a existência, de raiz, de um substrato factual que confira suporte a uma imputação criminal. Só assim se respeitam, ademais, as garantias de defesa do arguido que não pode ser surpreendido, em julgamento, com a imputação da prática de um crime quando, até então, os factos cuja prática lhe vinha imputada, não integravam, ou não eram suficientes para integrar, um ilícito criminal.
É por isso que o art.º 283.º, n.º 3 al. b) do CPP exige que a acusação contenha, sob pena de nulidade (...) a narração, ainda que sintética, dos factos que .fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.
Esta mesma exigência recai sobre o Assistente quando surge como o requerente da instrução.
Com efeito, dispõe o nº 2 do artigo 287º do CPP, cuja epígrafe é "Requerimento para abertura de instrução", que "O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do CPP.
Segundo o Prof. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, III, pág. 139., formalmente, o assistente indica como o M.º P.º deveria ter actuado, ou seja, que «não deveria arquivar mas acusar e em que termos o deveria ter feito», invocando razões daquela dupla vertente, sendo imprescindível que do requerimento de abertura de instrução conste a narração dos factos constitutivos do crime ou crimes imputados a cada um dos arguidos e das disposições legais.
No mesmo sentido Frederico de Lacerda da Costa Pinto in Segredo de justiça e Acesso ao Processo, In jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, pág. 90. "para todos os efeitos o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente é material e funcionalmente equiparado a uma acusação, quer quanto às exigências que tem de respeitar (art.º 287.º, n.º 2 do CPP), quer quanto ao regime de constituição de arguido (art.º 57.º, n.º 1 do CPP), quer ainda quando à vinculação temática do Tribunal de instrução criminal (art.ºs 303.º, n.º 1 e 309.º, n.º 1)"
Deste modo, não basta qualquer descrição de factos, mas uma narração de factos objectivos, concretos e determinados que fundamentem a imputação de um crime concreto a alguém devidamente individualizado.
A exigência de indicação precisa na acusação, assim como no RAI, dos factos imputados ao arguido, emanação clara do princípio do acusatório consagrado no n.º 5 do art.º 32.º da Constituição, tem como implicação directa que ninguém pode ser julgado por um crime sem precedência de acusação por esse crime, deduzida por órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento.
As garantias de defesa, a que se refere o art.º 32.º n.º 1, da Lei Fundamental, inculcam, assim, a necessidade de o arguido conhecer, na sua real dimensão, os factos de que é acusado, para que deles possa convenientemente defender-se.
Esta estrutura do processo penal significa que o seu objecto é fixado pela acusação que delimita a actividade cognitiva e decisória do tribunal, tendo em vista assegurar as garantias de defesa do arguido, protegendo-o contra a alteração ou alargamento do objecto do processo.
Daqui resulta que o juiz de instrução, não obstante investigar autonomamente o caso submetido a instrução, não pode intrometer-se na delimitação do objecto do processo (acusação ou RAI) no sentido de o alterar, corrigir ou completar.
Na verdade, qualquer descrição factual descritiva do dolo que viesse a ser feita nesta fase processual, redundaria numa alteração substancial da acusação, neste caso concreto do RAI, pois implicaria uma total inscrição de factos "novos", da inteira responsabilidade do Juiz de Instrução, que assim se substituiria à Assistente e, como tal, estaria ferida da nulidade cominada no art.º 309. º do Código de Processo Penal (acórdão da Relação de Coimbra de 24-11-94, Colectânea de Jurisprudência, 1994, V-61).
O T. Constitucional, no Ac. 358/04, de 19/05 (P. 807/03, in DR II, de 28/06/04) ponderou: «A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução. (...)».
Conforme jurisprudência fixada no acórdão 7/2005 do STJ, de 12/5/2005 (publicado no DR I-A, n.º 212, de 4/11/2005): «Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido».
Em suma, os factos descritos no RAI relativos ao imputado crime de branqueamento, mesmo que viessem todos a provar-se seriam insuficientes para o preenchimento do dito crime, o que configura, nesta parte, uma falta de descrição ou narração de factos.
Assim sendo, tendo em conta a doutrina e a jurisprudência acima referidas, bem como todo o exposto, nos termos do artigo 283º nº 3, 307º nº 1 e 308º nºs 1 e 3 do CPP, quanto ao crime de branqueamento imputado aos arguidos HF_____ , MP______ , MP____  , VS____ BSK Healthco SGPS, Burgolegacy, Delk Pharma, Delk Açores e Healthco Unip determino, nesta parte, a não pronúncia dos mesmos arguidos e o consequente arquivamento dos autos quanto ao aludido crime de branqueamento.
Quanto ao crime de falsificação de documento
A Assistente imputa ao Arguido HF_____ a prática de 5 crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, CP sendo 4 pela alínea d) e um pela alínea a).
E imputou ao arguido MP______  a prática de 2 crimes de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, do CP sendo 1 pela alínea d) e um pela a).
Imputou ainda à BSK um crime de falsificação de documento p e p pelo artigo 256º nº 1 al. a) do CP.
A factualidade relativa ao crime de falsificação mostra-se descrita nos artigos 220-240 e 300 a 327 do RAI.
Quanto ao elemento subjectivo consta nos artigos 392 e 393 do RAI o seguinte:
Os Denunciados HF_____ , MP______  e MP____ sabiam que, através das suas condutas, faziam falsamente constar, em diversos documentos, entre os quais mensagens de correio electrónico, apresentações e relatórios acima identificados, factos juridicamente relevantes, relacionados com a actividade comercial da Denunciada BSK, tendo agido com a intenção de obter para os mesmos, bem como para os restantes Denunciados, benefícios patrimoniais ilegítimos, causando à Assistente e ao Grupo Roche elevados prejuízos patrimoniais.
Ao fazer falsamente constar factos juridicamente relevantes em tais documentos, os Denunciados HF_____ , MP______ e MP____ actuaram ainda com a intenção de preparar, facilitar, executar e encobrir a prática do comportamento criminoso.
Cumpre referir que, não obstante a Assistente imputar á arguida MP____ a conduta relativa ao elemento subjectivo do crime de falsificação de documento não lhe imputou qualquer crime de falsificação, o que revela uma das várias incongruências do RAI.
Os crimes em causa reportam-se, segundo à assistente, aos seguintes documentos:
à informação prestada pelo arguido HF_____  aquando da elaboração do relatório pela empresa IQVIA (então IMS Health) na qual referiu que "[a BSK] são nossos parceiros de exportação (Palops). Temos toda a documentação de exportação destes players" (cfr. Documento n.º 20) (fls. 193).
Por força da resposta fornecida pelo Denunciado HF_____, o relatório apresentado à Assistente pela IQVIA (então IMS Health) veio a incorporar informação falsa relativamente à repartição de vendas, nos mercados internacionais (cfr. Documento n.º 21). (fls. 195)
Por, em duas ocasiões o arguido HF_____  ter elaborado apresentações à Assistente, através das quais, no exercício das suas funções enquanto Head of Market Access & Key Account Management, definiu um plano de expansão estratégica da actividade da Assistente para o mercado angolano onde fez constar informação falsa.
Por o arguido HF_____  ter respondido à Assistente, por email de 29.05.2020 (cfr. documento n.º 16 junto com a Denúncia), asseverando que que a Denunciada BSK que havia exibido toda a documentação comprovativa da exportação do produto Accu-Check Aviva 50T para Angola, entre Janeiro e Abril de 2015. (fls. 178).
Quanto ao arguido MP______, por ter, através do email remetido à Assistente, a 06.12.2016 (cfr. Documento n.º 33 junto com a Denúncia), veiculado informação falsa, referindo, designadamente, em representação da Denunciada BSK, que "a última factura que recebemos de angola é de Março de 2016 e, temos um delay em cash flow de 9 meses neste momento, o que só no caso dos produtos Roche são aproximadamente 4,7 milhões de dólares". (fls. 272)
Quanto à factura n.º 16/1516, de 25.10.2016 emitida pela Denunciada BSK com o mesmo número e conteúdos diferentes e exibida à Assistente com o propósito de a manter iludida quanto ao efectivo exercício de uma actividade comercial (da Denunciada BSK) em Angola.
O artigo 255.º, al. a) do Código Penal sob a epígrafe «Definições Legais» dispõe:
«Para efeito do disposto no presente capítulo considera-se: a) Documento a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa ou animal para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta;»
Segundo o referido artigo 256º n.ºs 1, quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo, fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento, ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso, ou fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, sendo que se tais factos respeitarem a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale de correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267º, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de muita de 60 a 600 dias.
Quanto à al. a), fabricar documento falso consiste no «... acto de fabricar um documento a falsificação intelectual em que o documento, isto é, a declaração documentada idónea a provocar um facto juridicamente relevante, é distinta da declaração realizada. Procede-se a uma "contrafacção total, isto é, a feitura "ex novo" e "ex integro» (Moniz, Helena, in Comentário Conimbricense do Código Penal — Parte Especial, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, p. 682).
Em relação a al. d), diverge das demais porquanto a conduta aqui descrita consiste em fazer constar falsamente facto juridicamente relevante, pelo que não é qualquer declaração falsa que preenche esta modalidade de acção, mas apenas quando a declaração falsa se reporte a um facto que crie, modifique ou extinga uma relação jurídica. No caso desta al. d) não se "contempla qualquer falsificação de documento, mas sim urna .falsa declaração em documento regular. A ,ficar, tornar-se-á necessária urna interpretação restritiva, papel a desempenhar pela doutrina" (Actas 1993 298 "(Idem, p. 683).
O bem jurídico acautelado com semelhante incriminação é, pois, a segurança e a confiança do tráfico jurídico, especialmente do tráfico probatório, ou seja, a verdade intrínseca do documento enquanto tal, não se protegendo o património nem sequer a confiança na verdade do conteúdo do documento (cfr. Figueiredo Dias e Costa Andrade, in O Legislador de 1982 optou pela Descriminalização do Crime Patrimonial de Simulação, Parecer publicado na C.J., VIII, tomo 3 — 20 e ss.).
A apreensão da correcta noção de documento revela-se imprescindível para a presente decisão instrutória, pelo que, se impõe a respectiva análise tendo em vista determinar, tendo em conta o que consta do RAI, se estamos ou não perante um documento para efeitos penais.
Para efeitos da lei penal a noção de documento delimita o campo da ilicitude, porquanto não integra o tipo uma "qualquer falsificação de uma declaração, mas apenas a falsificação de uma declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante (Moniz, Helena, in Comentário Conimbricense do Código Penal — Parte Especial, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, p. 666).
Ainda segundo a mesma autora, "Documento é pois a declaração de um pensamento humano que deverá estar corporizado num objecto que possa constituir meio de prova; só assim se compreende que o crime de falsificação de documentos proteja o específico bem jurídico que é a segurança e credibilidade no tráfego jurídico probatório" - in "O crime de falsificação de documentos - Da falsificação intelectual e da falsidade em documento", Coimbra Editora, 1999.
E, quanto ao que aqui releva, a conduta do arguido será objectivamente típica se os mesmos fabricarem documento falso, falsificarem ou alterarem documento ou ainda se fizerem constar de documento falsamente facto juridicamente relevante.
Estamos, assim, perante situações de contrafacção total de documentos (em que a declaração documentada, idónea a provar um facto juridicamente relevante, é distinta da declaração realizada), de falsificação material (em que o documento original é posteriormente alterado) e de narração de facto falso juridicamente relevante.
Quanto ao elemento subjectivo, exige-se para o preenchimento do crime em causa o dolo, que pode assumir qualquer uma das suas modalidades típicas, conforme artigo 14.º do Código Penal.
O dolo, entendido como elemento subjectivo geral, deve referir-se a todos os elementos objectivos do tipo de ilícito correspondente, assegurando a congruência entre o tipo objectivo e o tipo subjectivo.
Para além disso, o desenho típico subjectivo dos crimes de falsificação exige ainda um dolo específico, urna vez que se exige a "intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo", o que significa que é um crime intencional.
Segundo Helena Moniz, "Constitui beneficio ilegítimo toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado" — in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 685.
Como vimos supra, os documentos que a Assistente identificou como sendo falsos, no que concerne à conduta imputada ao arguido HF_____ , dizem respeito ao correio electrónico remetido por este arguido no dia 9-11-2015 a cartuxo, F__ (EX2 - Lisboa) onde refere o seguinte "Estes são os nossos parceiros de exportação (Palops). Temos toda a documentação de exportação destes players", o documento constante de fls. 195, documento em língua inglesa, data de elaboração Setembro de 2015, sem autoria e sem qualquer intervenção do arguido HF_____, o documento de fls. 178 relativo ao correio electrónico remetido pelo arguido HF_____, no dia 29-5-2015 para JH, em língua inglesa, com o objecto "parallei export meetings", documento de fls. 1425-1456, denominado "Angola/ Business Plan", língua inglesa, onde consta o nome do arguido HF_____  e data de Setembro de 2013, documento de fls. 162, em língua inglesa, sem autoria, denominado "additional sales upside Angola" de 2014.
Quanto ao arguido MP______ , a assistente identificou como falsos o documento de fls. 272 e 272 verso, correio electrónico de 6-12-2016 remetido pelo arguido MP______  ao arguido HF_____  sobre o assunto — objectivos vendas 2017 BSK e a factura n° 16/1516, de 25-10­2016 emitida pela BSK Medical a favor da BSK Angola, junta a fls. 264.
O crime em causa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com multa.
Nos termos do artigo 118º nº 1 al. c) do CP, o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido cinco anos.
Nos termos do artigo 119º nº 1 do CP o prazo de prescrição do procedimento criminal corre deste o dia em que o facto se tiver consumado.
Assim sendo, quanto aos crimes de falsificação imputados ao arguido HF_____  o prazo de prescrição de 5 anos iniciou-se 9-11-2015, Setembro de 2013, 29-5-2015, 2014 e Setembro de 2015.
Quanto ao arguido MP______, os crimes de falsificação imputados têm como data de consumação 25-10-2016 e 6-12-2016.
De acordo com o artigo 121º nº 1 al. a) do CP, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a constituição de arguido.

O arguido HF_____  foi constituído como arguido no dia 17­6-2021 (fls. 1784) e o arguido MP______  no dia 21-6-2021 (fls. 1781).
No caso em apreço não ocorreu nenhuma causa de suspensão do prazo de prescrição (artigo 120º do CP).
Assim sendo, quanto aos 5 crimes de falsificação de documento imputados ao arguido HF_____ , o prazo de 5 anos relativo à prescrição do procedimento criminal, tendo em conta a data de consumação dos mesmos identificada no RAI, ocorreu em Setembro de 2018, 31-12-2019, 9­11-2020, 29-5-2020 e Setembro de 2020.
Uma vez que o HF_____  foi constituído arguido em 17-6-2021, faz com que o procedimento criminal quanto aos alegados crimes de falsificação já estivesse verificado, dado que entre esses dois momentos não ocorreu nenhuma causa de suspensão ou de interrupção do prazo de prescrição.
Nesta conformidade, declaro extinto o procedimento criminal, por prescrição, quanto aos 5 crimes de falsificação de documento imputados ao arguido HF_____ .
Quanto ao arguido MP______, tendo em conta a data da consumação dos dois crimes de falsificação que lhe foram imputados, 25-10-2016 e 6-12-2016 e a data de constituição como arguido, 21-6-2021, verifica-se que o prazo de 5 anos apenas se consumou em 25-10-2021 e 6-12-2021, ou seja, em data posterior à sua constituição como arguido o que faz com que o procedimento criminal não se mostre extinto por prescrição.
Tendo em conta o teor dos documentos que a Assistente considera como constituindo objecto de falsificação, correio electrónico de 6-12-2016 remetido pelo arguido MP______  ao arguido HF_____  sobre o assunto — objectivos vendas 2017 — BSK e a factura nº 16/1516, de 25-10­2016 emitida pela BSK Medical a favor da BSK Angola, junta a fls. 264, verifica-se que os mesmos não se reportam a um facto que crie, modifique ou extinga uma relação jurídica, ou seja, não se faz constar nos documentos em causa factos com interesse jurídico o que faz com que a conduta imputada ao arguido não integre os elementos do tipo objectivo do crime de falsificação constante da al. d) do artigo 256.º do Código Penal.
Com efeito, pelo facto de o arguido MP______  ter feito constar no correio electrónico de 6-12-2016 que "a última factura que recebemos de angola é de Março de 2016 e, temos um delav em cashflow de 9 meses neste momento, o que só no caso dos produtos Roche são aproximadamente 4,7 milhões de dólares", mesmo que se considere como sendo urna declaração de facto falso a mesma não é juridicamente relevante, na medida em que nada acrescenta algo mais à ilicitude da conduta que uma simples declaração oral.
Em relação à factura n° 16/1516, de 15-10-2016 a mesma, tal como já mencionado pelo MP no despacho de arquivamento, não é susceptível de configurar um crime de falsificação de documento na modalidade prevista na alínea a) do artigo 256º nº 1 al. a) do CP.
Com efeito, o facto de existirem duas facturas emitidas pela BSK com o mesmo número e conteúdo diferentes é insuficiente para concluirmos que a emissão da factura 16/1516, de 15-10-2016 constitui o fabrico de documento falso, tanto mais que não está indiciado qual das duas facturas corresponde à realidade.
Cumpre dizer que a própria Assistente admite que a factura foi redigida e exibida à Assistente com o propósito de a manter iludida quanto ao efectivo exercício de uma actividade comercial por parte da BSK em Angola, isto é, como um artifício do alegado crime de burla e não como uma falsificação de documento.
Há que dizer ainda que quanto ao elemento subjectivo do crime de falsificação de documento relativo à emissão da factura, o mesmo não se mostra descrito no RAI.
De acordo com o alegado nos artigos 327 e 392 do RAI verifica-se que a Assistente não descreve o elemento subjectivo do crime de falsificação relativo à factura, apenas descreve quanto ao correio electrónico e quanto aos relatórios.
Assim sendo, a conduta imputada ao arguido MP______  não integra os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de falsificação constante da al. a) do artigo 256.° do Código Penal.
Assim sendo, nos termos do artigo 283º nº 3, 307º nº 1 e 308º nº 1 e 3 do CPP, quanto aos crimes de falsificação de documento imputados aos arguidos HF_____ , MP______  e BSK determino, nesta parte, a não pronúncia dos mesmos arguidos e o consequente arquivamento dos autos quanto aos aludidos crimes.
Da decisão instrutória são expurgados os factos relatados nos artigos 327, 392, 393, 431 a 452.
Quanto ao crime de burla qualificada
A Assistente imputou, ainda, aos Arguidos HF_____ , MP______ , MP____  , VS____  e BSK a prática, em co-autoria, de um crime de burla qualificada p e p pelo artigo 218 n° 1 do CP.
Os factos relativos ao imputado crime de burla qualificada estão descritos no RAI sob os artigos 55 a 353.
Quanto ao elemento subjectivo:
Artigos 391 (dolo da culpa) 108. 120, 141, 175, 218, 293, 394, 399,                                                    
405 (dolo do tipo).
Nos termos do artigo 217° n° 1 do CP: Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre .factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, sendo que se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias e que a pena é a de prisão de 2 a 8 anos se agente .fizer da burla modo de vida.
São, assim, elementos objectivos deste tipo:
a) o uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocado;
b) para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial.
E o tipo subjectivo, por sua vez, preenche-se com a intenção de obtenção, para o agente ou para terceiro, de um enriquecimento ilegítimo.
O bem jurídico protegido é o património de outra pessoa.
No entender de Simas Santos e Leal-Henriques (Código Penal Anotado, 3.ª edição, 2.º Volume, Parte Especial, Editora Rei dos Livros, 2000, p. 839), aquele enriquecimento ilegítimo «pode ocorrer por diversas formas: mediante um aumento patrimonial dos bens de terceiro ou do agente (...); mediante uma diminuição do passivo patrimonial do agente ou de terceiro (...); mediante a poupança de despesas, que são satisfeitas pelo lesado (..)». Essencial é, sempre, que o enriquecimento obtido não corresponda, objectiva ou subjectivamente, a qualquer direito.
Já no que concerne ao elemento «uso de erro ou engano, astuciosamente provocado», impor ia realçar que o mesmo se traduz, desde logo, na mentira que provoca no lesado ou em outra pessoa uma falsa representação da realidade, sendo essa mentira utilizada intencionalmente pelo agente do crime como forma de provocar essa «ilusão».
Seguindo a lição de Miguez Garcia e Castela Rio (Código Penal —Parte geral e especial com notas e comentários, Almedina, 2014, p. 915), «[b] agente engana mistificando, induzindo em erro, provocando uma contradição entre a representação e a realidade».
No Comentário Conimbricence (A. Almeida Costa, II, pág. 301) referem-se a propósito deste elemento três modalidades: «quando o agente provoca o erro de outrem, descrevendo-lhe, por palavras ou declarações expressas (sob a forma oral ou escrita), uma falsa representação da realidade. A segunda observa-se na hipótese de o erro ser ocasionado, não expressis verbis, mas através de actos concludentes, i.e., de condutas que não consubstanciam, em si mesmas, qualquer declaração, mas, a um critério objectivo - a saber, de acordo com as regras da experiência e os parâmetros ético-sociais vigentes no sector da actividade -, mostram-se adequados a criar urna falsa convicção sobre certo facto passado, presente ou futuro. Em terceiro lugar, refere-se a burla por omissão: ao contrário do que sucede nas situações anteriores, o agente não provoca, agora, o engano do sujeito passivo, limitando-se a aproveitar o estado de erro em que ele já se encontra»
No que, por fim, ao elemento «prática de actos que causem um prejuízo patrimonial» concerne, deve existir uma perfeita e sucessiva relação de causa-efeito entre a conduta enganosa ou astuciosa e a prática de actos que causem, ao enganado ou a um terceiro, um efectivo prejuízo patrimonial.
Quanto ao elemento subjectivo do tipo, seguindo Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.a edição actualizada, UCE, 2015, p. 851), admitem-se «as formas de dolo directo e necessário, uma vez que a astúcia é incompatível com o dolo eventual (...). O tipo inclui ainda um elemento subjectivo adicional: a intenção de obter, para si ou para terceiro, enriquecimento ilegítimo. Não é necessário que se verifique o enriquecimento, mas apenas a vontade de o obter».
No RAI a Assistente imputou o crime de burla aos arguidos em co-autoria.
Estatui o artigo 26º do Código Penal que "É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução".
Como refere Maia Gonçalves, CP, 2007, pág. 144 "Os casos de comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes, o que pode ser da maior importância para determinar a punição e a transmissibilidade das circunstâncias.
A simples consciência de colaboração parece não ser suficiente para que haja comparticipação, em face da exigência de acordo, que a lei faz".
Porém, para Faria e Costa, aquele acordo prévio parece não ser indispensável bastando a simples consciência de colaboração para existir a comparticipação.
Na verdade, refere aquele professor in "Formas do crime, Jornadas de Direito Criminal, O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar", pág. 170:
"Desde que se verifique uma decisão conjunta ("por acordo ou juntamente com outro ou outros') e uma execução também conjunta estaremos caídos na figura jurídica da co-autoria ("toma parte directa na sua execução"). Todavia, para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime juntamente com outro ou outros. É evidente que na sua forma mais nítida tem de existir um verdadeiro acordo prévio — podendo mesmo ser tácito — que tem igualmente que se traduzir numa contribuição objectiva conjunta para a realização típica. Do mesmo modo que, em princípio, cada co-autor é responsável como se fosse autor singular da respectiva realização típica ... .
No mesmo sentido, Johannes Wessels, in "Direito Penal, Parte Geral (Aspectos Fundamentais)", Porto Alegre, 1976, págs. 121 e 129: "A co-autoria baseia-se no princípio do actuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis. Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, co--titular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes ".
Ou, como diz Germano Marques da Silva, in "Direito Penal Português", II, págs. 282-283: "É co-autor material quem, em caso de comparticipação, «toma parte directa na execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros». Esta cooperação na execução do crime pode resultar de acordo o não, mas neste caso importa ainda que os comparticipastes tenham consciência de cooperarem na acção comum».
A este respeito diz-se no Ac. deste STJ, Proc. JSTJ000 in www.dgsi.pt — que "A decisão conjunta pressupõe um acordo que pode ser tácito, pode bastar-se cora a consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime"
Porém, é a teoria do domínio do facto que se apresenta corno eixo fundamental de interpretação da teoria da comparticipação e de análise do artigo 26° do CP. Autor é, segundo esta concepção, quem domina o facto, quem toma a execução "nas suas próprias mãos", de tal modo que dele depende decisivamente o "se" e o "como" da realização típica.
As três formas de autoria previstas no artigo 26º do CP — autoria imediata, autoria mediata e co-autoria — correspondem a três tipos diversos de domínio do facto: a) o agente domina o facto na medida em que é ele próprio quem procede à realização típica, quem leva a cabo o comportamento com o seu próprio corpo; b) o agente domina o facto, e a realização típica mesmo sem nela fisicamente participar, quando domina o executante através de coacção, de erro ou de um aparelho organizado de poder; c) ou domina o facto através de uma divisão de tarefas com outros agentes, desde que, durante a execução, possua uma função relevante para a realização típica.
Quando uma pluralidade de agentes comparticipa num facto nem sempre é fácil definir e autonomizar com exactidão o contributo de cada um para a realização típica. O facto aparece como a obra de uma vontade que se dirige para a produção de um resultado. Porém, para a autoria não só é determinante a vontade de direcção, mas também a importância objectiva da parte do facto assumida por cada interveniente. Daí resulta que só possa ser autor quem, segundo a importância da sua contribuição objectiva, comparte o domínio do curso do facto.
Sem embargo, na co-autoria cabe ainda a actuação que, atendendo à "divisão de papéis", não entre formalmente no arco da acção típica, basta que se trate de uma parte necessária da execução do plano global dentro de uma razoável "divisão de trabalho" (domínio funcional do facto).
A co-autoria consiste, assim, numa "divisão de trabalho" que torna possível o facto ou que facilita o risco.
Requer, no aspecto subjectivo, que os intervenientes se vinculem entre si mediante uma resolução comum sobre o facto, assumindo cada qual, dentro do plano conjunto (expresso ou tácito, prévio ou não à execução do facto), uma tarefa parcial, mas essencial, que o apresenta corno co-titular da responsabilidade pela execução de todo o processo. A resolução comum de realizar o facto é o elo que une num todo as diferentes partes.
No aspecto objectivo, a contribuição de cada co-autor deve alcançar uma determinada importância funcional, de modo que a cooperação de cada qual no papel que lhe correspondeu constitui uma peça essencial na realização do plano conjunto (domínio funcional).
O STJ tem seguido a tese de que, para a co-autoria, não é indispensável que cada um dos intervenientes participe em todos os actos para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um seja elemento componente do todo indispensável à sua produção.
A decisão conjunta pressupõe um acordo que pode ser tácito, pode bastar-se com a consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime.
As circunstâncias em que os arguidos actuaram nos momentos que antecederam o crime podem ser indicio suficiente, segundo as regras da experiência comum, desse acordo tácito».
«Na comparticipação criminosa sob a forma de autoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado e uma execução igualmente conjunta. Porém, para que se verifique o primeiro requisito, de natureza subjectiva, é necessário que se prove que os dois ou mais comparticipantes quiseram a execução do mesmo crime, que fosse conseguido ou atingido um determinado resultado, qualquer que seja o meio (e com a expressa anuência a certo ou certos meios) para tanto ser conseguido. Já relativamente à execução propriamente dita, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos Os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado" cfr. Ac. STJ de 18.07.1984, BMJ 339, 276.
«O planeamento de um crime por várias pessoas reunidas em conjunto constitui uma decisão colectiva que responsabiliza cada urna das pessoas intervenientes. Assim, tendo havido lugar à execução do plano criminoso ou simples começo de execução, serão responsáveis como co-autores do crime todas as pessoas que participem na elaboração do plano». cfr. Ac. STJ de 28.10.1993, Proc. 44499-3".
Deste modo, de acordo com a doutrina e a jurisprudência são os seguintes os elementos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria:
i) a intervenção directa na fase de execução do crime (execução conjunta do facto);
ii) o acordo para a realização conjunta do facto;
iii) acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto;
iv) que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente; e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor;
v) o domínio funcional do facto, no sentido de "deter e exercer o domínio positivo do facto típico" ou seja o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.
No caso em apreço o MP considerou, conforme consta do despacho de arquivamento, que não se vislumbra que a outra parte tenha, astuciosamente, provocado um erro ou engano nos ofendidos.
Mais referiu que, atendendo à matéria denunciada, a omissão das relações familiares entre os denunciados, ainda que constitua uma violação do Código de Conduta da denunciante, não tem qualquer relevância penal - a denunciante Roche não celebrou com a BSK Medical, SA qualquer acordo ou estabeleceu uma relação comercial por causa da inexistência de laços familiares entre os representantes de ambas as sociedades, mas sim porque esta última prometeu vender os produtos adquiridos a preço descontado apenas no mercado africano o que, alegadamente, não fez.
Mais concluiu o MP que a situação em causa configura um incumprimento do acordo celebrado entre as partes e não um facto astuciosamente provocado pela denunciada.
Em sede de debate instrutório, o MP pugnou pela verificação de elementos probatórios que justificam a submissão do arguido HF_____  a julgamento pela prática de um crime de burla qualificada, na medida em que este arguido criou um esquema de aparência de cumprimento contratual por parte da BSK o que levou a Assistente a ficar convencida que estava a comercializar produtos para a Angola e que com isso a BSK desviou esses mesmos produtos para a Europa, quando a Roche não tinha necessidade de um intermediário para a Europa.
Que através dessa conduta o arguido HF_____  fez com que a BSK tivesse obtido um lucro em prejuízo da Roche.
A Assistente também pugnou pela verificação de indícios suficientes quanto ao crime de burla qualificada.
Os arguidos sustentaram que os elementos que constam dos autos não preenchem os elementos dos crimes imputados pela Assistente.
Tendo presente os elementos constitutivos do crime de burla acima identificados, os factos imputados pela Assistente no RAI e os elementos de prova que constam dos autos, cumpre verificar, em primeiro lugar, se os factos descritos no RAI são susceptíveis de preencherem o crime de burla para, em seguida, verificarmos se a prova constante dos autos é bastante para concluirmos pela existência de indícios suficientes quanto ao crime em causa e quanto à autoria do mesmo.
Quanto ao RAI, basta a simples leitura para que se conclua que estamos perante urna peça processual de alguma prolixidade, onde proliferam factos misturados com conclusões, opiniões, afirmações, factos inócuos e descrição de alguns elementos de prova, ou seja, estamos perante uma peça processual onde não foi dado integral cumprimento ao disposto no n.º 2, do artigo 287.º do CPP.
Apesar desta prolixidade ainda assim é possível identificar os factos, no que concerne ao crime de burla qualificada, embora tenha sido deixada ao tribunal a tarefa de desvendar a factual idade relevante para a decisão e o seu tio condutor
Cumpre agora apreciar os elementos de prova que constam dos autos e verificar se a partir dos mesmos existem indícios suficientes da verificação do crime de burla e quem são os seus autores.
Correio electrónico de 25-7-2013, junto a fls. 148, do qual resulta que o MP______  (Pharma) remeteu à Roche, por sua vez remetido ao arguido HF_____ e posterior aprovação com intervenção deste do preço a praticar pelo produto Accu-check Activa 50T e resposta da Roche, na mesma data (fls. 148, 150 e 152).
Correio electrónico de 7-8-2013 enviado pela Pharma para a Assistente a colocar uma encomenda do produto Accu-check Activa 50T e indicação do preço da mesma pela Roche, no qual teve intervenção o arguido HF_____ .
Destes documentos resulta também a intervenção de outros funcionários da Roche, nomeadamente de R___  e CA____  o que afasta a ideia veiculada pela Assistente de que a decisão quanto ao início da relação comercial entre a Roche e a Pharma partiu apenas do arguido HF_____  ou apenas com intervenção deste por parte da Roche.
Do teor do correio electrónico em causa, em particular do constante de fls. 148, resulta que o contacto do arguido MP______  foi com a estrutura da Rache e não directamente com o arguido HF_____  e desse mesmo documento resulta que o objectivo do mesmo era, "para promoção e venda directa aos nossos clientes".
Daqui resulta indiciado que o preço por embalagem do produto em causa, a comercializar pela Pharma, foi fixado com a intervenção do arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche, preço esse, inferior ao que era praticado pela Roche a outros armazenistas nacionais.
Dos elementos de prova que constam dos autos, nomeadamente dos documentos acima mencionados e das declarações do arguido HF_____  prestadas em sede de interrogatório judicial, não resulta indiciado que a decisão quanto ao preço do produto tenha sido fixada exclusivamente pelo arguido HF_____  e que essa decisão foi tomada à revelia da estrutura da Roche.
Com efeito, ao contrário do alegado pela assistente no artigo 93 do RAI, não foi produzida qualquer prova no sentido de que o arguido HF_____  tenha instruído R___ , funcionária da Assistente, quanto ao preço a praticar. O arguido alegou que trabalhava com uma equipa e que essa decisão era tomada em equipa. A R___  não foi inquirida nestes autos e não foi indicada ou produzida qualquer prova que indicie que a decisão quanto ao preço a praticar tenha sido tornada de forma oculta, contra instruções da Roche ou em prejuízo da Roche.
Do correio electrónico de 7-8-2013 resulta que o arguido MP______  dirigiu-se directamente à funcionária R___  a quem faz a encomenda do produto e solicita a informação para efectuar o pagamento, (fls. 154 verso).
Tendo em conta o facto das comunicações do arguido MP______ , por parte da Pharma, terem sido com a estrutura da própria Roche e não directa ou exclusivamente com o arguido HF_____ , faz com que se mostre não indiciado o alegado pela Assistente no artigo 107 do RAI, isto é, que a aquisição em causa permaneceu desconhecida da Roche até finais de 2016.
O arguido MP______  não prestou declarações e o arguido HF_____  negou ter estabelecido qualquer acordo com aquele tendo em vista a testarem a possibilidade de colocar a Pharma a adquirir produtos à Assistente a preços fixados pelo próprio arguido e abaixo dos praticados aos restantes armazenistas nacionais.
As restantes arguidas também não prestaram declarações.
Com efeito, pelo simples facto de os arguidos em causa serem cunhados entre si e o facto de o arguido HF_____    trabalhar para a Roche, não nos permite inferir a existência de um acordo entre ambos com vista a obter vantagens patrimoniais à custa do património da Roche.
Assim sendo, o alegado pela Assistente nos artigos 107, 108, 109, 110, 111, 112 e 113 do RAI não se mostra indiciado.
Do correio electrónico de fls. 166 resulta que a arguida, no dia 14-2-2014, informou a Roche que devido a uma reestruturação da Pharma a empresa passou a denominar-se BSK Medical SA.
Resulta indiciado, das próprias declarações do arguido HF____ prestadas em sede de instrução, a sua relação familiar com o arguido MP______ , a sua ligação à BSK, as funções que exerceu na Roche e a sua intervenção nas negociações com a Pharma/BSK.
A ligação do arguido HF_____  às sociedades arguidas, mostra-se indiciada também pelo teor dos documentos que constam de fls. 1420­1425 - registo central de beneficiário efectivo - dos quais resulta que o arguido HF_____  é o beneficiário efectivo das sociedades arguidas.
A BSK foi criada em 30-1-2014 por MP____ CC____ , FF___  e HF_____  (fls. 160).
De fls. 127 consta o código de conduta da Roche ao qual o arguido HF_____ , atenta a sua qualidade de funcionário da Roche, estava vinculado, em particular quanto às regras relativas ao conflito de interesses.
O arguido HF_____ , conforme resulta do documento de fls. 275 (acordo de revogação do contrato de trabalho) exerceu funções para a Roche entre 1.5-2002 e 31-12-2016.
Da conjugação destes elementos mostra-se indiciado que o arguido HF_____ , para além de não ter reportado, como lhe competia por força do código de conduta, ao seu superior hierárquico, as suas relações familiares e comerciais à sociedade BSK, teve intervenção directa nas negociações com a Pharma e BSK quanto à comercialização dos produtos Accu-check Activa 50T e na fixação do respectivo preço, o que indicia uma violação do respectivo código de conduta e uma actuação em conflito de interesse próprio com o da sua entidade patronal — Roche.
Da análise feita ao conteúdo do correio electrónico trocado entre o arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche, e o arguido MP______  (seu cunhado), que consta de fls. 261 e 266, evidencia urna formalidade que em nada deixa transparecer uma relação familiar e de proximidade entre ambos, o que indicia que o arguido HF_____  procurou ocultar esse facto perante a sua entidade patronal. Em todo o caso, cumpre dizer que estamos num contexto de relações comerciais entre duas empresas, sendo uma delas, como é a Assistente, com uma estrutura com alguma dimensão, o que pode explicar a utilização do tom formal nas comunicações mantidas entre os arguidos HF_____  e MP______ .
Essa mesma preocupação em manter o tom formal e não revelar a relação familiar foi mantida em sede de reuniões com o seu superior hierárquico, , conforme resulta do depoimento prestado por este em sede de instrução, assim como pelo depoimento da testemunha H___.
Cumpre referir que estas duas testemunhas, pelas funções que exercem ou exerceram na Roche Portugal, em particular no período em que o arguido HF_____  exerceu funções, revelaram um conhecimento directo dos factos relacionados com as relações comerciais entre a Roche e a BSK, qual o papel do arguido HF_____  nessas negociações, informações prestadas por este e qual o papel deste arguido na definição do mercado angolano.
Cumpre referir ainda, conforme resulta da conjugação dos elementos de prova que constam dos documentos de fls. 146 (site das publicações societárias do Ministério da Justiça) e de fls. 154 (correio electrónico de 21­8-2013 de MP______ ), que a Pharma não existia juridicamente, sem que o arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche e interlocutor nas negociações tenha reportado essa situação perante os seus superiores hierárquicos.
A fls. 162 consta a apresentação elaborada pela equipa da Roche em 2014, na qual teve participação o arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche, sobre o potencial de crescimento em Angola.
Deste documento resulta que a equipa da Roche propôs, com vista ao crescimento de facturação da Roche, o estabelecimento de parcerias comerciais com stakeholders locais e contratar parceiros com base portuguesa, mas presença local em Angola.
Conforme alegado pela própria Assistente no artigo 122 do RAI, o documento em causa foi elaborado a pedido da testemunha JH____ pela equipa da Roche, na qual fez parte o arguido HF_____ , e não apenas por este arguido.
O arguido HF_____ , em sede de interrogatório judicial, admitiu ter participado na elaboração do projecto relativo ao mercado angolano e identificou qual o potencial em termos de negócios. Negou, contudo, que a criação da BSK estivesse relacionada com o projecto da Roche para o mercado de Angola.
Nenhuma prova foi produzida no sentido de que foi o arguido HF_____  a impor à equipa que elaborou o documento de fls. 161 -- Additional sales upside Angola — as conclusões que constam do mesmo e, muito menos, que essas conclusões tenham sido incluídas com o propósito de apenas fazer crer à Roche a necessidade de encontrar uni parceiro para Angola e que esse parceiro seria a BSK. (tradução a fls. 2512)
Tendo em conta a data da criação da BSK, 30-1-2014, a data de elaboração do plano de vendas em Angola, as ligações do arguido HF_____  à BSK e as funções que este desempenhava para a Roche é possível inferir que a criação da BSK estava relacionada com a necessidade que a equipa da Roche identificou quanto a Angola e que era propósito deste arguido estabelecer uma relação comercial entre a Roche e a BSK.
A reforçar esta inferência temos o conteúdo do documento de fls. 165, correio electrónico remetido pela arguida MP____ à Roche, em 17-2­2014, no qual dá conta da restruturação da Pharma e a sua substituição pela BSK, bem como o documento de fls. 165 parte final, correio electrónico do arguido HF_____  para CA____ da Roche, em 24-2-2014, no qual aquele arguido, na qualidade de funcionário da Roche, consegue que sejam dadas as mesmas condições de preço à BSK que já eram concedidas à Pharma.
Quanto ao correio electrónico de 24-2-2014 (fls. 165) verifica-se que o mesmo diz respeito a correio enviado por CA____ key account manager da Roche, o que indicia que o processo de abertura da BSK como cliente da Roche seguiu os trâmites da estrutura da Roche e não, como alega a Assistente, urna decisão oculta tomada exclusivamente pelo arguido HF_____.
O arguido HF_____, em sede de interrogatório judicial, admitiu que quando foi criada a BSK já sabia do interesse da Roche no mercado de Angola, mas negou que tivesse sido criada com esse propósito, tanto mais que não sabia que a BSK iria fazer uma proposta à Roche.
Estas declarações, atenta a ligação familiar do arguido HF_____  aos arguidos MP______, seu cunhado, e MP____ , sua irmã, bem como a sua própria ligação à BSK, fazem com que, apelando às regras da experiência comum, não mereçam credibilidade nesta parte.
O arguido MP______, assim, corno as restantes arguidas ao prestaram declarações.
Deste modo, apesar de se mostrar indiciado que a criação da BSK está relacionada com as oportunidades de negócio identificadas pela equipa da Roche relativamente à Angola e que o arguido HF_____  violou as suas obrigações, enquanto funcionário da Roche, ao não ter revelado a sua ligação à BSK, é insuficiente para inferirmos pela existência de um ardil, ou corno refere a Assistente no artigo 141º do RAI, que o arguido actuou com o propósito de criar astuciosamente na Assistente a convicção séria da viabilidade do mercado angolano, bem como preparar o terreno para que a Assistente viesse a fornecer-lhe, através da BSK, grandes quantidades do produto Accu-check Aviva 50T.
O arguido HF_____  ao fazer parte do processo de decisão relacionado com a Pharma e a BSK indicia uma situação de conflito interesse, na medida em que o arguido tinha um interesse pessoal extraprofissional que o pode ter conduzido a não agir no melhor interesse da empresa para a qual trabalhava e para a qual estava obrigado a cumprir com regras profissionais e deontológicas.
Contudo, a violação de obrigações profissionais e deontológicas apesar de constituir, em abstracto, fundamento para eventual responsabilidade civil ou fundamento para um despedimento com justa causa, não constitui, necessariamente, um comportamento criminoso ou que mereça tutela penal.
Há que referir, ainda, que o comportamento dos arguidos HF_____, MP______  e da própria BSK, na forma como se mostra descrito no RAI e dos elementos factuais que se mostram indiciados, é susceptível de configurar também uma violação, tendo em conta a relação contratual que se estabeleceu entre a Assistente e a BSK, dos ditames da boa-fé objectiva, nomeadamente os deveres de lealdade, probidade e verdade e constituir, por isso, fundamento de eventual indemnização cível, mas nunca a verificação de uma situação de uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocados com vista a determinar a Assistente à prática de actos que lhe causem prejuízo patrimonial, ou seja, não configuram uma situação de crime de burla qualificada.
Cumpre referir que já existe uma acção cível — processo 14636/18.0T8SNT — que corre termos no tribunal cível de Lisboa na qual a assistente deduziu um pedido reconvencional no valor de 7.134.080,21€,
Da conjugação dos documentos juntos a fls. 154 e 165, correio electrónico de 21 de Agosto de 2013 entre o arguido MP______ e AR e R____ , ambas funcionárias da Roche e correio electrónico de 17-2-2014 entre   e CA____ da Roche, indicia-se que a relação comercial entre a Assistente e a Pharma iniciou-se em Agosto de 2013 e com a BSK em Fevereiro de 2014 apesar de não existir nenhum contrato escrito, tal como veio a acontecer com a assinatura do contrato de distribuição exclusiva em 21 de Março de 2016.
Quanto ao preço que foi estabelecido para o fornecimento do produto Accu-Check aviva 50T — 10€ por unidade, não se mostra indiciado que JH___ apenas tenha acedido nesse valor mediante a condição de o fornecimento se destinar exclusivamente ao mercado angolano.
Com efeito, não existe um acordo escrito quanto à relação comercial entre a BSK e a Roche relativa ao período de Fevereiro de 2014 a Março de 2016, da análise feita ao correio electrónico relacionado com os contactos destinados à parceria comercial não transparece essa condição quanto ao preço, o arguido HF_____  em sede de interrogatório negou essa factualidade e a testemunha JH____ referiu que o preço em causa tinha em vista apenas o mercado angolano.
Do correio electrónico de 3 de Março de 2014 (fls. 1463) entre HF_____  para CA____ da Roche resulta que os preços acordados com a BSK Medical era para estes trabalharem nas instituições de saúde nacionais, o que contraria a versão da Assistente. Cumpre dizer que CA____ era um funcionário da Roche, o que indicia que esta tinha conhecimento, ou tinha condições para saber, que os produtos em causa não eram exclusivamente para Angola.
Do documento de fls. 378 verso, condições gerais fixadas pela Roche subscrito por JF___  e CM__ , da Roche, o que contraria a versão da Assistente que apenas o arguido HF_____ tinha conhecimento do preço fixado para a BSK.
Correio electrónico de 23-6-2014 (fls. 381 verso) de CA____ para a equipa da Roche a propósito da BSK, do qual se indicia que a relação comercial que se estabeleceu entre a BSK e a Roche não tinha como condição a venda exclusiva para a Angola e que o conhecimento do preço era do conhecimento da Roche e não apenas do arguido HF_____ .
As facturas que constam de fls. 1466-1470 apenas indiciam o volume das vendas da Assistente à BSK em Abril de 2014 e não o objectivo dessas vendas.
Em face destes elementos de prova e perante a ausência de um documento escrito de onde resulte que a relação comercial estabelecida entre a BSK e a Roche, entre 2014 e Março de 2016 tinha corno objectivo apenas vendas para o mercado angolano, mostra-se impossível considerar como indiciado o alegado pela Assistente nos artigos 172 e 178 do RAI, ou seja, que o preço de 10€ por unidade era exclusivamente para vendas da BSK no mercado angolano.
Deste modo, não estando indiciada a referida condição não é possível concluir, em termos de indiciação, que o preço de 10€ por unidade de Accu-check Aviva atribuído à BSK foi fixado pelo arguido HF_____  através da utilização de um engenho ou ardil perante a Roche ou que não existia qualquer racionalidade económica na venda do produto àquele preço.
Cumpre relembrar, conforme resulta do correio electrónico acima mencionado, que o preço de 10€ por unidade era do conhecimento da estrutura da Roche, pelo menos da equipa com quem o arguido HF_____  trabalhava, e não apenas deste arguido ou fixado unilateralmente por este.
Assim sendo, não se mostra indiciada a factualidade alegada pela Assistente nos artigos 62, 90, 97, 119, 120, 125, 126, 127 na parte em que refere que o arguido HF_____  apresentou na Roche o plano de negócios para a Angola, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 141, 144, 149, 150, 152, 154, 172 e 178.
Correio electrónico do arguido HF_____, (fls. 178) na qualidade de funcionário da Roche, 29-5-2015, para JH____, no qual assegura os contactos que manteve com a BSK e que todos os produtos comercializadas com a BSK chegaram a Angola. (fls. 2517 tradução).
Correio electrónico de 1-9-2015 (fls. 180) trocado entre o arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche, com JH____, seu superior hierárquico, a propósito da existência do produto comercializado com a BSK na Alemanha.
As facturas de fls. 474 a 504 demonstram que a BSK, durante o ano de 2015, ou seja, em data anterior à celebração do denominado contrato de distribuição com a Roche, comercializou o produto Accu-check Aviva 50T para países europeus (Medi-Spezial e Pharmediq) ao preço de 16.40€ e 15.85€ unidade e em 2016 — facturas de fls. 506 a 516 — comercializou ao preço de 17.00€ unidade, o que lhe permitiu uma margem de lucro tendo em conta o valor que lhe era fornecido pela Assistente.
Da própria petição inicial da BSK, constante de fls. 349 ss, resulta que esta assume as vendas de produtos que adquiriu à Roche para outros mercados que não Angola e Moçambique.
Estes documentos indiciam que as informações prestadas pelo arguido HF_____  ao seu superior hierárquico relacionadas com o destino dos produtos vendidos à BSK, não eram verdadeiras na medida em que os produtos foram exportados para países europeus. Indicia-se, ainda, ter o arguido HF_____  violado os seus deveres de lealdade para com a sua entidade patronal e ter actuado numa situação de conflito de interesse atenta a sua ligação à BSK.
Contrato de distribuição entre a Roche e a BSK, celebrado em 21-3­2016 (fls. 197) no qual consta urna cláusula de exclusividade em que a BSK será o distribuidor exclusivo da gama de produtos accu check para Angola e Moçambique para o período compreendido entre 21-3-2016 e 21-3-2020.
O contrato em causa foi assinado, pelo lado da Roche, por JH___ e FF e pelo lado da BSK, por MP______. Tendo em conta a intervenção de JH___ na assinatura do contrato, a posição deste dentro da estrutura da Roche e o facto de ter sido superior hierárquico do arguido HF_____  entre 2013 e 2016, indicia-se que o conteúdo do contrato era do conhecimento da Roche e que foi aprovado por esta.
Deste documento resulta, também, que a relação comercial entre a Assistente e a BSK só foi formalizada em 21-3-2016 e que à BSK foi atribuído o exclusivo dos produtos para os mercados de Angola e Moçambique. Mais resulta que o preço do produto accu-check Aviva 50T passou para 9% unidade (cfr. Fls. 417 e 418).
Correio electrónico de 27-10-2016 e 24-11-2016 entre o arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche, para H___  , seu superior hierárquico, a propósito da exportação de produtos desviados do mercado dos PALOP para o Reino Unido (fls. 257, 259).
A testemunha H___   apenas conheceu o arguido HF_____ em Setembro de 2016, altura em que iniciou funções na Roche Portugal, razão pela qual não tem qualquer conhecimento directo quanto às negociações entre a Pharma/BSK com a Roche que conduziram à relação comercial iniciada em 2014 e formalizada em contrato em Março de 2016.
Em Abril de 2017 a Roche suspendeu as vendas de Accu Ckeck Aviva ao preço de 9€ para a BSK até que esta comprovasse que estava apenas a vender para o mercado angolano e moçambicano e que, a serem retomadas, continuariam a destinar-se a estes mercados.
No dia 9-2-2018 a BSK resolveu o contrato por carta e no dia 19-8­2018 intentou a acção cível contra a Roche, no qual solicita uma indemnização a título de prejuízos decorrentes do alegado incumprimento da Roche no montante de 21.938.277€. (doc. fls. 351)
Por sua vez, a Roche apresentou contestação/reconvenção no dia 7­12-2018, na qual alega que a BSK não cumpriu o contrato relativamente à obrigação de vender em exclusivo para Angola e Moçambique e pede a condenação da BSK no pagamento de uma indemnização no valor de 7.134.080,21€.
No dia 22-11-2019 a Roche apresentou denúncia com vista à instauração de procedimento criminal contra as pessoas identificadas a fls. 10 e 11 destes autos a qual deu origem ao presente inquérito e instrução.
Destes elementos de prova resulta indiciado que existe uma divergência entre a Assistente e a BSK quanto à interpretação da cláusula segunda do contrato de distribuição celebrado em 21 de Março de 2016. Com efeito, segundo a BSK, a cláusula em causa configura urna vantagem concedida pela Roche traduzida no exclusivo dos mercados de Angola e Moçambique, por seu lado, a Assistente entende que a cláusula constitui uma obrigação sobre a BSK no sentido de apenas comercializar os produtos em causa para os mercados de Angola e Moçambique.
Esta conclusão mostra-se bem evidente se tivermos em conta os contactos e as negociações que foram mantidas entre a Assistente e a BSK relacionadas com o denominado assunto de exportação paralela que se iniciaram em finais de 2016 e culminaram em 9-2-2018 (fls. 461), com a resolução pela BSK do contrato de distribuição global e do contrato de distribuição exclusiva e a posterior concordância por parte da Roche (fls. 462). Cfr. Correspondência trocada entre a BSK e a Roche entre 12 de Abril de 2017 e ide Março de 2018, que consta de fls. 435 a 462).
Deste modo, mesmo que se considere como indiciado que a BSK Medical estava obrigada a comercializar os produtos que lhe eram fornecidos pela Roche unicamente nos mercados de Angola e de Moçambique e que, não obstante essa obrigação, adquiriu produtos à Roche e coloco-os em exportação paralela fora desses mercados, esta factualidade é insuficiente para consideramos indiciado a existência de um crime de burla qualificada. Com efeito, a factualidade em causa configurará apenas uma situação de eventual incumprimento contratual a ser apreciada no âmbito da competente acção cível já intentada.
Há que dizer que a Assistente só reagiu criminalmente um ano após ter sido demanda pela BSK na acção cível.
Quanto aos restantes arguidos, urna vez que estes não prestaram declarações e dado que nenhuma prova foi feita quanto ao conhecimento dos mesmos relativamente à forma corno o arguido HF_____.  se relacionava com a entidade patronal, não se mostra indiciada a existência de qualquer acordo de vontades, ainda que tácito, com vista a induzir e manter a Assistente em erro e a obterem com isso um enriquecimento ilícito.
Em face do exposto, não se mostra indiciada a factualidade descrita nos artigos 183, 186, 189, 190, 234, 235, 236, 237, 240, 241, 245, 246, 262, 273, 276, 277, 282, 319, 330, 339, 350, 351, 391, 392, 393, 394, 399, 400, 401, 404, 405 a 416.            
Tendo em conta o requerimento de abertura de instrução, os factos considerados como indiciados e não indiciados, verifica-se que os mesmos são insuficientes para integrarem um comportamento astucioso ou ardiloso praticado pelos arguidos, em particular pelo arguido HF_____, e que tenha sido em consequência dessa astúcia ou ardil que a assistente tenha praticado actos que lhe causaram um prejuízo de natureza patrimonial.
Cumpre referir que essa astúcia Ou ardil tem de ser determinante para a prática dos actos por parte da vítima e determinante de um prejuízo para a mesma. Ora, o que se mostra indiciado é apenas a violação de deveres laborais, deontológicos e a actuação em conflito de interesses por parte do arguido HF_____, bem como ama situação de alegada culpa na formação dos contratos ou de incumprimento contratual por parte da BSK para com a Assistente e não a existência de urna situação de falsa representação da realidade concreta a funcionar como um vício influenciador da decisão da assistente.
Assim, ainda que constando da matéria de facto indiciada, que o arguido HF_____, na qualidade de funcionário da Roche, não cuidou de cumprir os seus deveres de diligência, lealdade, que actuou em conflito de interesses e que ocultou informações relevantes para a sua entidade patronal, esta factualidade não autoriza o enquadramento jurídico-criminal da correspondente actuação no âmbito do crime de burla.
Como ficou indiciado, o arguido HF_____, apesar da intervenção directa que teve na definição da relação comercial entre a BSK e a Roche, nunca actuou de forma unilateral e nunca ocultou da entidade patronal os aspectos essenciais relativos aos elementos contratuais.
Como já referimos acima, a factualidade descrita no RAI e aquela que se mostra indiciada apenas terá relevância do plano da responsabilidade civil contratual ou pré-contratual e não no âmbito do crime de burla.
Assim sendo, nos termos dos artigos 307º nº 1 e 308º n.ºs 1 e 3 do CPP, também quanto ao crime de burla qualificada imputado aos arguidos HF_____, MP______, MP____ , VS____ e BSK determino a não pronúncia dos mesmos arguidos e o consequente arquivamento dos autos.
Ao abrigo do disposto no artigo 307º nº 1 do CPP a factualidade indiciada e não indiciada será feita por remissão para o RAI expurgando-se, necessariamente, as conclusões, elementos de prova, factos inócuos e aspectos jurídicos.
Factos Indiciados
Factos descritos no RAI sob os artigos 55 a 87, 91, 92, 98 a 106, 114 a 118, 122, 131, 140, 145, 156, 160, 166, 171, 173, 179, 188, 196, 197, 198, 202, 205, 208, 210, 213, 214, 216, 271, 287, 288, 290, 293, 295, 324, 335, 336, 340, 341, 344, 347 e 348.
Factos não indiciados
Os factos descritos nos artigos 93, 94, 95, na parte em que refere que foi o arguido HF_____  que deu instruções e fixou os preços, 97, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 119, 120, 121, 124, 125, 126, 127 na parte em que refere que o arguido HF_____  apresentou na Roche o plano de negócios para a Angola, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 141, 143, 144, 149, 150, 152, 153, 154, 157, 159, 161, 167 a 170, 172, 175, 176, 178, 183, 186, 190, 204, 206, 218, 221, 234, 235, 236, 237, 240, 241, 245, 246, 251, 252, 262, 273, 276, 277, 279, 282, 291, 315, 319, 329, 330, 339, 349, 350, 351, 352, 391, 392, 393, 394, 399, 400, 401, 404, 405 a 416, 480.
As referências à arguida MP____ nos artigos 143, 161, 177. As referências ao arguido MP______  nos artigos 304, 306, 327, 330, 394 e 405.
Não se pronunciam os arguidos HF_____ , MP______ , MP____ , VS____ BSK, Healthco SGPS, Burgolegacy, Delka Pharma, Delk Açores e Healthco Unip pela prática de qualquer dos crimes imputados no R.A.I.
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Notifique, sendo pessoalmente todos os arguidos que não se encontram presentes a esta leitura.
Nos termos do artigo 515 n.º 1 al. a) do CPP fixo a taxa de justiça a cargo da assistente em 7 UC.
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Analisando

A) DA (ALEGADA) NULIDADE DA DECISÃO INSTRUTÓRIA de NÃO PRONÚNCIA, por OMISSÃO DE PRONÚNCIA

Começaremos por analisar a questão da nulidade colocada pela assistente Roche no seu recurso, a qual no fundo tem a ver com a questão de saber se a decisão instrutória recorrida aqui em apreço, preenche ou não todos os requisitos legalmente exigíveis em termos de fundamentação.
Veio a assistente Roche invocar (conclusões 4 e 5), que a decisão instrutória de não pronúncia enferma, de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto o Sr. Juiz de Instrução Criminal, não se debruçou sobre a totalidade dos factos alegados, não tendo existido referência, em particular, a 177 factos articulados pela Recorrente no RAI - cfr. artigos 360 a 380 da motivação do Recurso e ponto 4 das conclusões.
Ou seja, para sustentar esta sua pretensão, veio sublinhar que este vício resulta do seguinte:
-  o Sr. JIC não descrever todos os factos, que no entendimento desse Tribunal de Instrução, estão ou não suficientemente indiciados, por referência ao RAI da assistente, faltando a referência a um conjunto de 177 factos articulados nesse RAI, sem qualquer justificação para essa omissão e em clara violação do preceituado nos números 2 e 3 b) do 283º do CPP, aplicável por remissão do nº 2 do artº 308º do CPP;
 - e também em virtude da falta de uma correta análise da prova documental realizada no inquérito e da prova documental e testemunhal produzida no âmbito da instrução, meios de prova esses que a assistente elenca no ponto 5 alíneas a), b) e c) das suas conclusões.
Mais acrescenta que dada a extensão e relevância desses 177 factos, ficamos sem compreender o racional do Tribunal, quanto à prática dos crimes em causa (imputados pela assistente Roche aos arguidos e dos quais defende existirem inequivocamente indícios suficientes nos autos), porque assim o impossibilitou, ao ter omitido o enquadramento dos ditos factos, no elenco de factos indiciados e não indiciados
O M.P. pelo contrário, na sua resposta ao recurso e em sede de alegações na audiência realizada neste Tribunal da Relação, veio defender dever ser julgada improcedente tal nulidade.
Sustenta a sua posição, alegando que a decisão instrutória de não pronúncia se encontra fundamentada de facto e de direito, e analisa todas as questões levantadas pela assistente recorrente, não se verificando qualquer omissão de pronúncia, sendo a decisão do caso concreto correcta (conclusão 12).
Por sua vez, os arguidos na sua resposta ao recurso, também se manifestaram no sentido da improcedência do vício de “omissão de pronúncia”, defendendo que na decisão de não pronúncia foram enumerados e fundamentados todos os factos considerados relevantes e o posicionamento assumido quanto aos mesmos, assim como foram apreciados todos os meios de prova apresentados.
E por fim, acrescentam também que mesmo concedendo que esse vício aí se encontrasse, o mesmo apenas acarretaria a irregularidade da decisão e não a sua nulidade, nos termos a seguir transcritos (com sublinhados nossos):
“(…) É, no entanto, evidente que deve improceder a nulidade invocada pela Recorrente com base na alegada omissão de pronúncia.
VEJAMOS ENTÃO:
Nos termos do preceituado no artigo 283º, nº 3, alínea b), por remissão do artigo 308º, nº 2, ambos do CPP, a decisão instrutória deve conter "a narração , ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada".
Neste sentido, a decisão instrutória deve conter a narração dos factos que fundamentam a respectiva decisão.
De acordo com a jurisprudência, fundamental que a decisão instrutória de não pronúncia, tal como a de pronúncia, descreva os factos que em concreto foram determinantes da não pronúncia, para que desse modo o conjunto de factos que se consideraram indiciados e os não indiciados, possam garantir os direitos de defesa do arguido, mormente para que o tribunal de recurso possa avaliar se efectivamente existem ou não os necessários pressupostos para submeter o agente a julgamento."[29](sublinhado nosso)
Na Decisão Recorrida, procedeu-se a uma (extensa) análise e fundamentação acerca dos diferentes factos alegados no Requerimento de Abertura de Instrução, tendo sido, por fim, descritos os factos que foram determinantes da não pronúncia.
Sob as epígrafes "Factos Indiciados" e "Factos não indiciados", procedeu o Mmº Juiz a quo à indicação expressa dos factos assim considerados,
Quanto aos demais, referiu o Mmº Juiz a quo que, "ao abrigo do disposto no art° 3070 n° 1 do CPP a factualidade indiciada e não indiciada será feita por remissão para o RAI, expurgando-se necessariamente as conclusões, elementos de prova, factos inócuos e aspetos jurídicos-.
Por outro lado, ao longo de toda a Decisão Instrutória, foram sendo enumerados e fundamentados os factos considerados relevantes e o posicionamento assumido relativamente aos mesmos.
Veja-se, a título de exemplo, que a propósito do crime de associação criminosa, a Decisão Instrutória menciona expressa e detalhadamente, por referência aos factos articulados no RAI, a razão pela qual se exclui a aplicabilidade deste tipo de crime aos factos descritos pela Recorrente - cfr. Decisão Instrutória, pp. 22 a 27.
Mais,  relativamente ao crime de branqueamento de capitais o mesmo exercício logrou fazer o Mmº Juiz de Instrução, enumerando de forma expressa os factos relevantes ao eventual preenchimento dos elementos do tipo, por forma a afastar a sua verificação in casu, fundamentando a sua decisão - cfr. Decisão Instrutória, pp. 33 a 48.
Por outro lado, relativamente a todos os crimes imputados, o Mmo. Juiz a quo elencou de forma clara e cristalina os fundamentos da decisão proferida que são particularmente claros uma vez que analisam, com detalhe, os elementos objetivos e subjetivos de cada um dos ilícitos, concluindo pela não verificação de todos e cada um dos crimes imputados.
Não se vislumbra, por isso, como pode ver a Recorrente em tal Decisão Instrutória, uma pretensa omissão de pronúncia, já que ao Juiz de Instrução Criminal apenas se exige que proceda à narração dos factos que fundamentem a sua decisão, e que sejam relevantes.
O que manifestamente sucedeu neste caso, como se viu supra.
E é tudo quanto se retira das referidas normas legais, i.e., dos artigos 308º, nº 2 e 283º, nº 3, alínea b) do CPP, uma vez que em nenhuma destas normas se prescreve o dever de individualizar exaustivamente cada um dos factos articulados pela Recorrente no RAI no elenco de factos indiciados e não indiciados constantes da Decisão Instrutória, aos quais faz referência a Recorrente - cfr. Artigo 370 do Recurso.
(…) Ademais, e conforme consta do despacho do Mmº Juiz a quo, do elenco de factos indiciados e não indiciados não devem constar pretensos factos que sejam tão-só conclusões, referências a elementos de prova, aspetos jurídicos ou factos que se considerem inócuos para a decisão ora em apreço,
Aliás, para além da indicação a esmo de artigos no seu requerimento de abertura de instrução, a Recorrente não analisa, a propósito da nulidade invocada, onde é que a eventual omissão de pronúncia afeta a conclusão da decisão instrutória de não pronúncia relativamente a cada um daqueles crimes, por referência a cada um daqueles factos omitidos.
Pelo que não pode a Recorrente alegar que do simples facto de não constarem deste elenco todos os factos por si considerados no RAI, deve a Decisão Instrutória considerar-se nula por omissão de pronúncia, uma vez que (i) tal não resulta das normas que, inclusivamente, invocou a este respeito e que (ii) ficaram vertidos na Decisão Instrutória todos os factos relevantes à decisão de não pronúncia.
Assim, deve improceder a alegada nulidade da Decisão Instrutória, por omissão de pronúncia, porquanto se viram cumpridos todos os requisitos exigíveis à Decisão Instrutória.
MAS MESMO QUE ASSIM NÃO SE CONSIDERE, O QUE NÃO SE CONCEDE E POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO SE EQUACIONA,
Sempre se deveria considerar não estar em causa qualquer nulidade.
Com efeito, a remissão operada pelo artigo 308º, nº 2 para o artigo 283º, nº 3, alínea b) do CPP deve entender-se como abrangendo unicamente o despacho de pronúncia, porquanto tal preceito prevê um conjunto de requisitos formais para a acusação que só têm cabimento se estiver em causa uma decisão instrutória que se consubstancie num despacho de pronúncia.
Assim, relativamente a um despacho de não pronúncia que seja omisso quanto à descrição dos factos considerados indiciados e não indiciados - o que, in casu, não se concede e por mera cautela e rigor de patrocínio se equaciona -, não estaria em causa uma nulidade, mas sim uma mera irregularidade que não foi invocada pela Recorrente.
Com efeito, de acordo com o princípio da legalidade, são nulos os atos que, sendo praticados com violação ou inobservância da lei, esta expressamente comine com essa consequência, sendo nos demais casos o ato ilegal considerado meramente irregular - cfr. Artigo 118º, n.ºs 1 e 2 do CPP.
Termos em que sempre se deveria considerar que a pretensa omissão de pronúncia alegada pela Recorrente - que como visto supra, não deverá considerar-se verificada -, apenas daria lugar a uma irregularidade.”

Quid Juris?
Nos termos do art.º 286º n.º 1 CPP, o fim da instrução é a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Por isso, no requerimento de abertura de instrução terá de ser exposto um conjunto de razões que espelhe o desacerto do juízo indiciário que foi consequente na decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito e as razões de facto e de direito da discordância relativamente a essa decisão do M.P no sentido de acusar ou não os arguidos, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo e dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito, de harmonia com o disposto no artº 287º/2 do C.P.P.
Do mesmo modo, a decisão instrutória, deve conter ainda que de forma sintética, os factos que possibilitam chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária para levar ou não um arguido a julgamento e se nenhum facto resultar indiciado o JIC deve dizê-lo expressamente, tudo isto por imposição legal expressa, decorrente do preceituado no n.ºs 2 e 3 do art.º 283º do C.P.P, aplicável por remissão do art.º 308º do C.P.P.
Os indícios são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou pelo menos quando se verifica uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.
A lei processual penal comina expressamente com o vício da nulidade a decisão instrutória que não contenha descrição desses factos, por ausência de fundamentação de facto da mesma, nulidade essa que entendemos ser uma nulidade sanável e não insanável em face da interpretação conjugada do preceituado no art.º 119 alíneas a) a f) - onde se encontram elencadas as nulidades insanáveis - e do artº 283º/3/b) do C.P.P.
Tal como surge claramente expresso no Acórdão proferido em 3.12.2014 no processo nº 7/13.8PASCF.L1, relatado pela Srª Desembargadora Laura Goulart Maurício, na 3ª secção deste Tribunal:
Para que seja proferida uma decisão de pronúncia a lei não exige a prova no sentido da certeza-convicção da existência do crime, mas basta-se com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida em inquérito/e/ou instrução não constitui pressuposto do sentido da decisão de mérito final (e daí acrescentamos nós, ser apelidada de “prova indiciária”).
Trata-se de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase de julgamento, a qual só deverá ocorrer quando existam indícios suficientes da prática pelo arguido do crime que lhe é imputado, por forma a que da sua lógica conjugação e relacionação se conclua pela culpabilidade do arguido formando-se um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal”.
Deste modo, no que respeita à questão colocada pela assistente Roche, da nulidade da decisão instrutória por falta de clara definição da factualidade que o Sr JIC considera suficientemente indiciada ou não e falta do exame crítico da prova documental e testemunhal produzida, entendemos que não assiste razão à recorrente.
Neste ponto, acompanhamos e subscrevemos na íntegra a argumentação dos arguidos supra transcrita, pela sua clareza e porque se entende que essa sua posição tem inteira correspondência com a realidade dos autos.
Também nós entendemos, que no caso em apreço, tal como detalhadamente ficou expresso na resposta dos arguidos, foi feita na decisão instrutória objecto deste recurso, uma correcta enumeração e análise dos factos indiciários constantes do RAI, que se consideraram relevantes e foi ali explicado o posicionamento do TIC relativamente aos mesmos, bem como foram devidamente enumerados aqueles factos elencados no RAI, que não foram considerados indiciados, sendo que essa referida análise conduziu à decisão final de não pronúncia dos arguidos.
Além de que, como bem sublinharam os arguidos, a assistente Roche Lda, não explicou em que medida e porque razão é que entendeu que a alegada ausência de referência pelo Sr. JIC aos referidos 177 factos constantes do seu RAI - que não se mostram analisados na decisão recorrida segundo veio defender -, a prejudica em concreto.
Ou em que medida essa alegada omissão, impede quem quer que seja, de perceber os fundamentos que sustentaram a não pronúncia dos arguidos, relativamente a todos e cada um dos crimes imputados pela assistente, nos exactos termos mencionados na decisão proferida pelo Tribunal a quo em 26.11.2021.  
Todavia e sem prejuízo do que acabamos de dizer, não acompanhamos a argumentação dos arguidos, no que respeita à consequência resultante dessa omissão de pronúncia, porquanto a acontecer a mesma, entendemos que tal vício daria azo a uma nulidade e não a uma mera irregularidade processual – sendo porém tal discussão aqui despicienda, porquanto como melhor explicaremos de seguida, tal vício não se verifica no caso presente.
Em resumo e tal como bem foi sublinhado no caso em apreço, quer pela assistente quer pelos arguidos, todos concordam que a decisão instrutória - despacho de pronúncia ou de não pronúncia -, deve conter, ainda que de forma sintética, os factos que possibilitam chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária, nos termos do preceituado no artigo 283º, nº 3 alínea b), por remissão do artigo 308º n.º 2, ambos do CPP.
E, se nenhum facto resultar indiciado, o juiz deve dizê-lo expressamente.
Podemos também ter por assente, que a não descrição dos factos indiciados e não indiciados, acarreta a nulidade da decisão instrutória – art.º 283º, n.º 3, al. b), do CPP – por ausência de fundamentação de facto da mesma.
E tal vício poderá nesse circunstancialismo, inquinar as decisões instrutórias, sejam elas de pronúncia ou não pronúncia (não havendo para nós razões para distinguir entre elas, repudiando-se assim a posição daqueles que exigem que a narração dos factos indiciados e não indiciados, seja apenas obrigatória quando a decisão instrutória for uma decisão de pronúncia, como defende alguma jurisprudência que não acompanhamos) porquanto nos termos legais, se exige sempre em qualquer caso, a clara definição da factualidade que o Sr. JIC considera suficientemente indiciada ou não, reportada naturalmente à acusação, ou no caso de não ter havido acusação, ao requerimento de abertura de instrução (RAI).
Não existe quanto a nós, razão para distinguir as decisões de pronúncia das decisões de não pronúncia, quanto a esta exigência legal, porque só após tal enumeração, se poderá seguir a tarefa de decidir se os factos considerados como indiciados, são suficientes para a sujeição de um arguido a julgamento pelos crimes, que lhe estão a ser imputados.
Vejamos com mais detalhe, o caso dos presentes autos.
No dia 22.11.2019, a ROCHE - Sistemas de Diagnósticos, Sociedade Unipessoal Ldª. apresentou queixa-crime contra HF_____, AP____, MP____, FF___, CC___, VS____, BSK Medical, SA, HEALTHCO - Business Serviçes & Management, SGPG, SA, Burgolegacy, SA, Delk Pharma Unipessoal, Ld.", Delk Açores, Ld.". Healthco, Unipessoal, Ld." e incertos.
Alegando em síntese, que no período compreendido entre os anos de 2013 a 2017, o primeiro denunciado, HF_____ , ex-funcionário da denunciante, engendrou juntamente com familiares seus (pessoas singulares, aqui denunciados) e através de diversas sociedades (restantes denunciados, pessoas colectivas), um esquema de aquisição de produtos Roche (Accu-Check Aviva 50T), supostamente para fornecimento dos mercados angolano e moçambicano - e por isso, adquiridos a preço descontado (€10 a unidade inicialmente e €9 a unidade numa fase posterior, em vez dos 16,44 € habituais), dado que eram destinados aos referidos mercados africanos - mas desviou esses mesmos produtos para a Europa, guardando para si a margem que tais vendas lhe proporcionavam, obtendo para si (e para os seus familiares) um beneficio ilegítimo (e causando um correspondente prejuízo patrimonial à denunciante) avaliado em 12.000.000,00€ (doze milhões de euros), o qual foi disseminado através do grupo empresarial denunciado.
Após analisar a prova documental que foi junta com a denúncia pela ofendida Roche, para sustentar a factualidade por ela apresentada, que em abstracto seria idónea para imputar aos sujeitos por ela denunciados, a prática dos crimes de falsificação de documento (artº 256º/1 do C.P), burla qualificada (artº 217º e 218º/2 a) do C.P), associação criminosa (artº 299º do C.P.P) e branqueamento (artº 368º-A do C.P), o M.P em 10.7.2020 proferiu despacho de arquivamento do inquérito (artº 277º/1 do C.P.P).
Esse despacho surgiu, sem o M.P ter realizado nenhuma outra diligência de prova (que não considerou ser útil ou necessário para a descoberta da verdade dos factos), por entender que da análise da prova documental apresentada pela Roche denunciante, era já possível concluir pela impossibilidade de imputar a qualquer um dos denunciados, qualquer dos mencionados crimes, por inexistentes.
Reagindo contra esse arquivamento, veio a firma Roche constituir-se assistente e requerer a abertura de instrução, sustentando deverem ser pronunciados os arguidos HF_____, MP______ , MP____  , VS____ BSK, Healthco SGPS, Burgolergy, Delk Phainia, Delk Açores, Healthco Unip, pelos factos descritos no requerimento de abertura de instrução de fls. 1106 a 1203 (RAI), por integrarem esses factos a prática, em concurso real, dos crimes de falsificação de documento, burla qualificada, associação criminosa e branqueamento.
Defendeu por isso, dever o TIC proferir uma decisão instrutória de pronúncia, imputando a cada um dos arguidos a prática dos seguintes crimes:
(i) Ao arguido HF_____ , em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
- 4 (quatro) crimes de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256º nº 1, al. d), do CP;
- 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256º nº 1, al. a), do CP;
- 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218º nº 1, do CP;
- 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299º nº 1, do CP; e
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368º-A  nº 2, do CP;
(ii) Ao arguido MP______ , em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
- 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256º nº 1, al. d), do CP;
- 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256º nº 1, al. a), do CP;
- 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218º nº 1, do CP;
- 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299º nº 1, do CP; e
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368º- A  nº 2, do CP.
(iii) À arguida MP____  , em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
- 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218º, nº 1, do CP;
- 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299º, nº 1, do CP; e
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368º- A, nº 2, do CP.
(iv) À arguida VS____ em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
- 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218º, nº 1, do CP;
- 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299º, nº 1, do CP; e
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368º- A, nº 2, do CP.
(v) À arguida BSK, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
- 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido nos termos do artigo 256º, nº 1, al. a), do CP;
- 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 218º, nº 1, do CP;
- 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do artigo 299º nº 1, do CP; e
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368º- A, nº 2, do CP.
(vi) À arguida Healthco SGPS, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368º- A, nº 2, do CP.
(vii) À arguida Burgolegacy, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368º - A, nº 2, do CP.
(viii) À arguida Delk Pharma, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368°- A, nº 2, do CP.
(ix) À arguida Delk Açores, em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368º - A, nº 2, do CP.
(x) À arguida Healthco Unip., em concurso real, co-autoria material e na forma dolosa (dolo directo):
- 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido nos termos o artigo 368º - A, nº 2, do CP.

Foi aberta a instrução e no decurso desta fase, foram realizadas diligências de prova (testemunhal e documental), com vista a comprovar se efectivamente tudo se passou na realidade, tal como a assistente Roche veio defender no seu RAI.
Contudo, no final da instrução, o Sr. JIC entendeu dever no caso em apreço, não levar os arguidos a julgamento, confirmando a decisão de não acusar, já anteriormente sustentada pelo M.P – razão pela qual, foi proferida a decisão de não pronúncia, por existir uma fortíssima probabilidade de os arguidos serem absolvidos, caso os autos prosseguissem para julgamento – art.º 308º/1 do C.P.P.
E para tal conclusão, em relação a cada um dos crimes imputados aos arguidos pela assistente Roche, o Sr. JIC apreciou detalhadamente todos os factos relevantes que constam do seu RAI, referindo porque razão considerou que a factualidade ali descrita não é suficiente para se poder concluir pela responsabilidade penal dos arguidos.
Com efeito e tal como foi salientado nas conclusões da resposta do M.P ao recurso da assistente, na decisão recorrida podemos ler em resumo o seguinte:
Crimes de associação criminosa: Não resulta da factualidade alegada no RAI que os arguidos se tivessem proposto a criar uma associação como entidade autónoma e transcendente, como centro de motivação e imputação de ações criminosas, sendo que os arguidos HF_____  e MP______  não se submetiam à vontade coletiva da estrutura ou organização, sendo antes os demais arguidos que se submeteram ao plano do primeiro arguido, não resultando em momento algum um sentimento de pertença a uma organização.
Não indica o RAI, factos concretos subsumíveis ao crime de associação criminosa mas apenas referências abstratas, conclusivas e vagas, que não poderiam conduzir a qualquer imputação aos arguidos deste tipo de crime.
Crime de branqueamento: O RAI é parcialmente omisso relativamente à narração dos factos que preenchem e definem o dolo respeitante ao crime de branqueamento, p.p. pelo art.º 368° A, n.º 2 do CP, mas mesmo que todos os factos relativos a esta matéria viessem a ser dados como provados ainda assim, seriam insuficientes para o preenchimento do crime em causa.
Crime de burla qualificada: Ainda que os factos se tivessem passado de acordo com a versão apresentada pela recorrente, de tal não decorre que os arguidos astuciosamente, tenham provocado um erro ou engano nos ofendidos, na medida em que a omissão das relações familiares entre os mesmos, ainda que constitua uma violação do Código de Conduta da denunciante, não assume relevância penal.
A recorrente ROCHE - Sistemas de Diagnósticos, Sociedade Unipessoal, Ld.a não celebrou com a BSK Medical, SA qualquer acordo ou estabeleceu uma relação comercial por causa da inexistência de laços familiares entre os representantes de ambas as sociedades, mas sim porque segundo a recorrente, esta última empresa prometeu vender os produtos  adquiridos a preço descontado apenas no mercado africano, o que alegadamente não fez, situação que configura um incumprimento do acordo celebrado entre as partes, o que é diverso da existência de facto astuciosamente provocado.
Entendendo inexistir a prática do crime de burla (simples e qualificada) - crime precedente do crime de branqueamento e o crime-fim da associação criminosa, inexistem também estes dois tipos de crime
Crime de falsificação de documento: O procedimento criminal quanto aos factos imputados ao arguido HF_____, que integram a prática de crimes de falsificação, encontra-se prescrito.
Quanto ao arguido MP______ , mesmo que se considere o teor do correio eletrónico como falso, tal não é juridicamente relevante e quanto à factura, tal documento não é susceptível de configurar o crime em causa, na modalidade prevista na al. a) do art.º 256º, n.º 1 do CP.
O direito penal, constitui uma 'ultima ratio' no quadro do ordenamento jurídico globalmente considerado.
A factualidade relativa à alegada emissão de uma factura falsa apenas poderia, eventualmente, integrar, a prática de um crime de fraude fiscal, tendo sido extraída certidão para investigação autónoma pelo M.P.

Deste modo, no final da decisão instrutória e em modo de resumo, o Sr. JIC enunciou claramente de entre a factualidade descrita no RAI, aqueles factos que entendeu mostrarem-se fortemente indiciados e aqueles que não se mostraram fortemente indiciados - cfr passagem a seguir transcrita:
“(…) Ao abrigo do disposto no artigo 307º nº 1 do CPP a factualidade indiciada e não indiciada será feita por remissão para o RAI expurgando-se, necessariamente, as conclusões, elementos de prova, factos inócuos e aspectos jurídicos.
Factos Indiciados
Factos descritos no RAI sob os artigos 55 a 87, 91, 92, 98 a 106, 114 a 118, 122, 131, 140, 145, 156, 160, 166, 171, 173, 179, 188, 196, 197, 198, 202, 205, 208, 210, 213, 214, 216, 271, 287, 288, 290, 293, 295, 324, 335, 336, 340, 341, 344, 347 e 348.
Factos não indiciados
Os factos descritos nos artigos 93, 94, 95, na parte em que refere que foi o arguido HF_____  que deu instruções e fixou os preços, 97, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 119, 120, 121, 124, 125, 126, 127 na parte em que refere que o arguido HF_____  apresentou na Roche o plano denegócios para a Angola, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 141, 143, 144, 149, 150, 152, 153, 154, 157, 159, 161, 167 a 170, 172, 175, 176, 178, 183, 186, 190, 204, 206, 218, 221, 234, 235, 236, 237, 240, 241, 245, 246, 251, 252, 262, 273, 276, 277, 279, 282, 291, 315, 319, 329, 330, 339, 349, 350, 351, 352, 391, 392, 393, 394, 399, 400, 401, 404, 405 a 416, 480.
As referências à arguida MP____ nos artigos 143, 161, 177. As referências ao arguido MP______  nos artigos 304, 306, 327, 330, 394 e 405.(…)”.
    
Acontece assim, que no final da instrução, o Sr. JIC se decidiu no sentido da inexistência de indícios suficientes dos crimes imputados aos arguidos e em consequência, entendeu não deverem os mesmos ser levados a julgamento, tendo fundamentado de facto e de direito correctamente a sua decisão, como lhe exigia o artº 283º/2 e 3 ex vi do artº 308º/2 do C.P.P.
Nada mais lhe é pedido em termos de fundamentação, nomeadamente não lhe é exigível que expressamente fizesse menção e analisasse todos e quaisquer pontos enunciados pela assistente no RAI.
No caso em apreço, o que resulta da simples leitura da decisão instrutória é que na análise do RAI, não foram relevados pelo Sr JIC, quer as considerações gerais, quer os juízos conclusivos ou de direito ali emitidos, sobre a prova indiciária objecto desse mesmo RAI.
E por outro lado, dúvidas não poderão existir acerca do entendimento expresso pelo Tribunal a quo nessa mesma decisão instrutória, no sentido de que a versão dos factos apresentada pela assistente Roche e plasmada no seu RAI, não permite levar a julgamento os arguidos por ela denunciados, sendo claramente ali enunciadas as exactas razões que sustentam esse entendimento, em relação a cada um dos diferentes e concretos ilícitos em causa.
Relembramos aqui que antes de partir para uma análise detalhada dos indícios existentes, face a cada um dos vários crimes denunciados pela Roche, o Sr. JIC procede a uma elucidativa e correctíssima exposição doutrinária e jurisprudencial sobre o que se deve entender por “indícios suficientes” e sobre as regras de apreciação da “prova indiciária”.
E depois acabar por concluir que a tarefa a executar no caso em apreço, era apurar se em face da prova recolhida até ao final da instrução, seria possível considerar suficientemente indiciados no RAI, os factos ilícitos, que ali são imputados aos arguidos (embora por lapso tenha ficado escrito na “na acusação”), passagem essa que aqui se deixa transcrita, com sublinhados nossos:
“A este propósito, a jurisprudência também tem formulado alguns entendimentos que exprimem o estatuído na lei: indiciação suficiente é a verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em julgamento, se poderão vir a provar em juízo de certeza e não de mera probabilidade, os elementos constitutivos da infracção pelos quais os agentes virão a responder.
Veja-se Ac. do STJ de 21-05-03 in www.dgsi.pt " ... na suficiência dos indícios está contida a 'mesma exigência de verdade' requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo 'prova bastante' para a acusação (ou para a pronúncia).
Numa decisão mais recente (Acórdão da RL de 9-4-2013) reafirma-se: «Assim, o juízo sobre a suficiência dos indícios, no contexto probatório em que se afirma, deverá passar pela bitola da probabilidade elevada ou particularmente qualificada, correspondente à formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de condenação...»
Não se exigindo a certeza - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável - que tem de preceder um juízo condenatório, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação...enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado...»
Embora para a pronúncia não seja necessária a certeza da existência da infracção, os factos indiciários deverão ser suficientes e bastantes, de modo que, uma vez logicamente relacionados e conjugados, consubstanciem um todo persuasivo da culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade no que respeita aos factos que lhe são imputados.
A prova, mesmo a indiciária, como é o caso daquela que é recolhida nas fases de inquérito e de instrução, é apreciada de harmonia com as regras de experiência e a livre convicção do tribunal, tendo como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência e a livre convicção da entidade competente (Art.º 127.º do CPPenal).
Assim, os indícios qualificam-se de suficientes quando justificam a realização de um julgamento; tal ocorre quando a possibilidade de condenação, em função dos indícios, for razoável.
Cumpre dizer, também, que no que concerne à dedução de acusação ou de pronúncia, constitui uma garantia fundamental de defesa, manifestação do princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado, que ninguém seja submetido a julgamento penal senão havendo indícios suficientes de que praticou um crime. E o conteúdo normativo a conferir a esse conceito de indícios suficientes não pode ser alhear-se do mencionado princípio da presunção de inocência.
No desenvolvimento deste entendimento, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n° 439/2002, de 23 de Outubro, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, considerou que "(...) a interpretação normativa dos artigos citados [286° n° 1, 298° e 308° n.º 1, do CPP] que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, previstas no art.º 32º n.º 2, da Constituição"
Fixadas as directrizes, que de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, interessa agora, apurar, por um lado, se em face da prova recolhida até ao momento se indicia suficientemente a prática pelos arguidos dos factos que lhes são imputados na acusação, e, por outro lado, concluindo-se afirmativamente, se tais factos sustentam a imputação jurídico-criminal efectuada naquele articulado acusatório.
Neste âmbito, importa referir que não serão as considerações produzidas em sede de debate instrutório pelos ilustres defensores dos arguidos que permitirão, por si só, a infirmação de toda a prova anteriormente recolhida contra os mesmos na fase de inquérito. Para pugnar por uma não pronúncia não basta dizer que não há indícios e nem fazer uma leitura isolada de alguns artigos da acusação e retirada do contexto. A acusação, sobretudo num caso como este, terá que ser analisada no seu todo só assim se compreendendo a ligação e actuação dos diversos intervenientes. Só fazendo esta análise global é que poderemos compreender e concluir pela verificação ou não de indícios que justifiquem a submissão dos arguidos ou alguns deles à fase seguinte.”
 Subscrevemos inteiramente todas estas considerações acabadas de transcrever, que fazemos nossas, abstendo-nos de tecer mais argumentos sobre estes pontos, para não sermos redundantes.
O que o Sr. JIC fez no caso em apreço, foi assim de uma forma cuidada e crítica, interpretar conjugadamente toda a prova produzida em inquérito e instrução, para no final negar a possibilidade de imputação aos arguidos, dos factos ilícitos que são descritos no RAI, afirmando que não existem elementos de prova indiciária suficientes que demonstrem terem os mesmos ocorrido da forma descrita pela assistente, antes se configurando haver um diferente contexto por detrás da factualidade ali descrita.
Percebemos que a decisão instrutória recorrida não é a que a Roche Lda gostaria que tivesse sido proferida pelo TIC, mas daí não pode a assistente concluir que inexiste decisão ou que o Tribunal a quo não conheceu de matéria que lhe competia apreciar e decidir.
Acresce que, no nosso sistema processual penal, a omissão de pronúncia constitui o não conhecimento de questões cujo conhecimento a lei impõe, consubstanciando-se no silêncio do Tribunal ou na ausência de posição ou de decisão sobre questão de que devia conhecer.
Porém, de acordo com a jurisprudência do STJ, está em causa o não conhecimento de determinada questão e não a falta de abordagem de todas as razões ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais em defesa dos seus pontos de vista.
O Tribunal a quo, analisou todos os artigos constantes do RAI, e pronunciou-se em relação aos factos juridicamente relevantes aí enunciados, considerando-os indiciariamente provados ou não provados, nos termos que fez constar do decisão instrutória recorrida, justificando a sua decisão de facto, explanando os motivos que o levaram a considerar verosímeis umas provas e outras não, resultando evidente que não incorreu em qualquer omissão de pronúncia, porquanto não recaía sobre o TIC qualquer obrigação de se pronunciar sobre todos os artigos constantes do RAI, para estar em condições de poder concluir ser credível a versão dos factos apresentada pela assistente.
De tudo o que acima ficou dito, é claro para nós, que a simples leitura do texto da decisão de não pronúncia ora recorrida, permite alcançar quais os factos de entre aqueles descritos pela assistente Roche no seu RAI, que o Sr. JIC considerou indiciariamente provados e não provados e porque razão existem outros pontos/argumentos mencionados na motivação do RAI, que não integram a enumeração dessa factualidade considerada indiciada e não indiciada, nada havendo a censurar a tal ponderação e inexistindo assim qualquer omissão de pronúncia.
Em síntese, também nós entendemos que o Sr. JIC analisou toda a factualidade e argumentação relevante vertida no RAI, no sentido de averiguar acerca da existência de condutas por parte dos arguidos, susceptíveis de consubstanciar a prática dos crimes referidos pela assistente Roche, inexistindo no despacho recorrido, qualquer dos vícios apontados pela recorrente.
Isto é, não padece o mesmo de qualquer nulidade por omissão de pronúncia ou por falta de fundamentação, tendo o Sr. JIC procedido a uma análise de toda a factualidade relevante e de todos os meios de prova produzidos em sede de inquérito e de instrução, narrando quais os factos que resultaram indiciados e não indiciados, após análise conjugada de toda essa prova, e formulando a subsequente interpretação dos factos indiciados e o respectivo enquadramento jurídico, tudo como claramente podemos constatar da simples leitura do texto da decisão recorrida.
Improcede assim o recurso da assistente neste segmento.   

B) DA (ALEGADA) INDICIAÇÃO SUFICIENTE nos presentes autos, DA PRÁTICA PELOS ARGUIDOS (aqui recorridos) dos crimes de falsificação de documento (conclusões nº 11 e 12) burla qualificada (conclusões nº 15 e 16, devendo discutir-se a fronteira que a assistente entende ter sido ultrapassada, entre a mero incumprimento contratual e o preenchimento do tipo de burla (conclusões 14 alínea j); associação criminosa (conclusões 22º e 23º) e branqueamento (conclusões 26, 27, 28 e 29).
Isto é, trata-se aqui de saber se foram recolhidos indícios suficientes nos autos, como defende a assistente Roche, da prática pelos arguidos HF_____, MP______, MP____, VS____ BSK, Healthco SGPS, Burgolergy, Delk Phainia, Delk Açores, Healthco Unip dos vários ilícitos acima mencionados.
Por outras palavras, trata-se de saber se ponderada e analisada toda a prova produzida em sede de inquérito e de instrução, estão reunidos elementos de prova bastantes para sustentar a existência de indícios de facto suficientes, da prática pelos arguidos dos crimes já mencionados, e como tal, se deveria ter sido proferida uma decisão de pronúncia de todos os arguidos, no final da instrução.
Iremos pois detalhadamente analisar a decisão instrutória de não pronúncia, relativamente a cada um daqueles referidos ilícitos.
Dos Crimes de falsificação
Releva a factualidade descrita no RAI, nos pontos 220 a 240 e 300 a 327 (quanto ao tipo objectivo deste crime) e nos pontos 392 e 393 (tipo subjectivo)
Começaremos por reproduzir a passagem da decisão recorrida de não pronúncia, onde se resume a factualidade relevante que foi elencada no RAI da assistente, e a apreciação que é feita da mesma pelo Sr. JIC, quer em termos de prova indiciária produzida, quer em termos de enquadramento jurídico, para aferir e comprovar acerca da sua forte indiciação, aqui controvertida:
A Assistente imputa ao Arguido HF____ a prática de 5 crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, CP sendo 4 pela alínea d) e um pela alínea a).
E imputou ao arguido MP____  a prática de 2 crimes de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, do CP sendo 1 pela alínea d) e um pela alínea a).
Imputou ainda à BSK um crime de falsificação de documento p e p pelo artigo 256º n.º 1 al. a) do CP.
A factualidade relativa ao crime de falsificação mostra-se descrita nos artigos 220-240 e 300 a 327 do RAI.
Quanto ao elemento subjectivo consta nos artigos 392 e 393 do RAI o seguinte:
“Os Denunciados HF_____, MP______  e MP____ sabiam que, através das suas condutas, faziam falsamente constar, em diversos documentos, entre os quais mensagens de correio electrónico, apresentações e relatórios acima identificados, factos juridicamente relevantes, relacionados com a actividade comercial da Denunciada BSK, tendo agido com a intenção de obter para os mesmos, bem como para os restantes Denunciados, benefícios patrimoniais ilegítimos, causando à Assistente e ao Grupo Roche elevados prejuízos patrimoniais.
Ao fazer falsamente constar factos juridicamente relevantes em tais documentos, os Denunciados HF_____ , MP______  e MP____ actuaram ainda com a intenção de preparar, facilitar, executar e encobrir a prática do comportamento criminoso.
Cumpre referir que, não obstante a Assistente imputar à arguida MP____ a conduta relativa ao elemento subjectivo do crime de falsificação de documento não lhe imputou qualquer crime de falsificação, o que revela uma das várias incongruências do RAI.”
No que respeita aos 5 crimes de falsificação de documento imputados ao arguido HF_____, o Tribunal a quo na decisão recorrida, analisa toda a matéria vertida no RAI, a este respeito, bem como os documentos que a recorrente entende serem falsos, ou seja, correio eletrónico, documentos constantes de fls. 195, 178, 1425-1456, 162, quanto ao arguido HF_____  e 272 e 272 verso e 264 (este último uma factura).
Conclui assim o Sr. JIC na decisão recorrida, que quanto ao arguido HF_____ , mesmo que os factos que lhe são imputados neste ponto pela Assistente Roche Lda, consubstanciassem a prática de crimes de falsificação, sempre o procedimento criminal respectivo se encontraria prescrito, explanando o respectivo raciocínio e forma de contagem dos prazos em causa.
Desta forma, é proferida uma decisão que simplesmente declarou extinto o procedimento criminal por força da prescrição, quanto a este arguido, por estes crimes de falsificação denunciados.
No que respeita ao arguido MP______, o Tribunal a quo, analisou o teor dos documentos que a assistente considera falsos, concluindo que quanto ao correio eletrónico mesmo que se considere o seu teor como falso, o mesmo não é juridicamente relevante e quanto à factura o Sr JIC adere aos fundamentos expressos no despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público.
Ou seja, considera que tal documento não é susceptível de configurar o crime em causa, na modalidade prevista na al. a) do artº 256° n° 1 do CP, já que o facto de existirem duas faturas com o mesmo número e conteúdos diferente, por si só, é insuficiente para se concluir pela elaboração de documento falso, tanto mais que não resulta indiciado qual das duas é verdadeira ou corresponde à realidade.
A decisão do Sr. JIC de julgar extinto e julgar extinto o procedimento criminal contra o arguido HF_____, quanto aos mencionados 5 crimes de falsisficação, por força da prescrição, foi aceite pela assistente Roche, que se conformou com tal decisão não fazendo por isso referência a tal decisão nas suas conclusões (não obstante emitir a sua discordância quanto às razões que estiveram na base dessa decisão, no ponto 66 das suas alegações de recurso).
Assim como se conformou com o entendimento expresso pelo Tribunal a quo, quanto a um dos crimes de falsificação imputados ao arguido MP______, referente ao email contendo as informações alegadamente falsas prestadas por este arguido, quanto à actividade da BSK em Angola – entendimento esse, que assenta resumidamente, na circunstância facilmente observável, de não se reportarem essas informações a factos com interesse jurídico, não integrando por isso os elementos objectivos do tipo objectivo deste crime (art.º 256º 1 d) do C.P.). 
E tanto é assim, que a assistente acaba por nos pontos 7 a 12 das suas conclusões (sendo certo, como se sabe, que as mesmas delimitam o objecto do recurso, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de questões que extravasem o objecto dessas conclusões), centrar a sua impugnação quanto à falsificação, na factualidade respeitante à emissão da factura 16/1516 de 25.10.2016, não fazendo já referência à factualidade restante, que mencionara na denúncia e no seu RAI – nomeadamente a factualidade respeitante às informações prestadas pelo recorrido MP_____  quanto à actividade da BSK em Angola – que a assistente havia defendido na sua denúncia, serem informações falsas, invocando que o mesmo fez constar de emails, factos que sabiam serem falsos (parágrafos 332-334 do RAI e e documento 33 junto com a denúncia). 
O M.P e os arguidos recorridos, de forma coincidente, vieram contrapor não se verificar qualquer crime de falsificação no que respeita a esta factura 16/1516 de 25.10.2016, pugnando pela manutenção da decisão recorrida nesta parte.

Quid Juris?
Nos termos do artigo 255º do Código Penal, sob a epígrafe "definições legais" podemos ler o seguinte:
"Para efeito do disposto no presente capítulo considera-se:
a) Documento - a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa ou animal para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta;"
Dispõe-se, por seu turno, nas alíneas a) e d) do artigo 256º, n° 1 do Código Penal:
"Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
(…)
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;"
Como bem ensina Helena Moniz[30] relativamente à alínea a) do artigo 256.º, fabricar documento falso consiste no acto de fabricar um documento cuja declaração documentada é "idónea a provocar um facto juridicamente relevante" completamente distinta da declaração efectivamente realizada.
Já no que concerne à alínea d), a conduta descrita consiste em fazer constar falsamente facto juridicamente relevante, pelo que não poderá ser qualquer declaração falsa a preencher esta modalidade de ação, mas apenas tão-só a declaração falsa que se reporte a um facto que crie, modifique ou extinga uma relação jurídica.
Para efeitos da lei penal, a noção de documento delimita o campo da ilicitude, porquanto não integra o tipo, como explica Helena Moniz[31], uma "qualquer falsificação de uma declaração, mas apenas a falsificação de uma declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante" (sublinhados nossos).
Quanto ao elemento subjetivo, exige-se para o preenchimento do tipo o dolo, que pode assumir qualquer uma das suas modalidades típicas, conforme o previsto no artigo 14º do Código Penal.
E, a acrescer, um dolo específico, uma vez que se exige a "intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo".
O bem jurídico acautelado com semelhante incriminação é, pois, a segurança e a confiança do tráfico jurídico, especialmente do tráfico probatório, ou seja, a verdade intrínseca do documento enquanto tal, não se protegendo o património nem sequer a confiança na verdade do conteúdo do documento (cfr. Figueiredo Dias e Costa Andrade, in O Legislador de 1982 optou pela Descriminalização do Crime Patrimonial de Simulação, Parecer publicado na C.J., VIII, tomo 3 - 20 e ss.)[32].
Feitas estas considerações jurídicas e ponderando a factualidade acima referida, uma palavra apenas para dizer que, tal como o Tribunal recorrido, também nós entendemos que as declarações/informações apostas em emails trocados entre os arguidos ou entre estes e a estrutura da Roche, ou apostas em relatórios, ou mesmo declarações expressas sobre as potencialidades do mercado Africano (Angola e Moçambique) para efeitos de elaboração de planos de expansão estratégicos da actividade da assistente Roche, ainda que pudessem vir a comprovar-se serem falsas, nomeadamente no que respeitava à actividade da BSK em Angola, por desconformes com a realidade, não são seguramente idóneas para preencher o tipo objectivo do crime de falsificação de documento previsto no art.º 256º/1 alínea d) do C.P..
E não o são, porquanto tais declarações/afirmações não se reportam a factos com interesse jurídico, isto é, a factos que criem, modifiquem ou extingam relações jurídicas – tal como ficou expressamente a constar da decisão recorrida, onde se pode ler o seguinte: “Com efeito, pelo facto de o arguido MP______  ter feito constar no correio electrónico de 6-12-2016 que "a última factura que recebemos de angola é de Março de 2016 e, temos um delav em cashflow de 9 meses neste momento, o que só no caso dos produtos Roche são aproximadamente 4,7 milhões de dólares", mesmo que se considere como sendo uma declaração de facto falsa, a mesma não é juridicamente relevante, na medida em que nada acrescenta algo mais à ilicitude da conduta que uma simples declaração oral.”
Concordamos inteiramente com tal apreciação, nada tendo a censurar à mesma.

Posto isto, vejamos então o caso particular da factura nº 16/1516, onde se encontra aposta a data de emissão “25.9.2016” e a data de vencimento “25.10.2016” enviada pelo arguido MP_____  ao arguido HF____ , por email de 25.11.2016 e que chegou ao conhecimento da assistente Roche nessa data, por ter sido tal email endereçado ao arguido HF____  “com conhecimento” aos responsáveis da Roche, CA____ e  ZH____  (documentos 29 e 30 juntos com a denúncia).
Decidiu o Tribunal a quo do seguinte modo:
Em relação à factura n° 16/1516, de 15-10-2016 (ficou por lapso de escrita referida a data de “15.10.2016” quando resulta do teor do despacho recorrido que se estava a querer escrever “25.10.2016” pelo que aqui se rectifica esse lapso) a mesma, tal como já mencionado pelo MP no despacho de arquivamento, não é susceptível de configurar um crime de falsificação de documento na modalidade prevista na alínea a) do artigo 256º nº 1  do C.P..
Com efeito, o facto de existirem duas facturas emitidas pela BSK com o mesmo número e conteúdo diferentes é insuficiente para concluirmos que a emissão da factura 16/1516, de 15-10-2016 constitui o fabrico de documento falso, tanto mais que não está indiciado qual das duas facturas corresponde à realidade.
Cumpre dizer que a própria Assistente admite que a factura foi redigida e exibida à Assistente com o propósito de a manter iludida quanto ao efectivo exercício de uma actividade comercial por parte da BSK em Angola, isto é, como um artifício do alegado crime de burla e não como uma falsificação de documento.
Há que dizer ainda que quanto ao elemento subjectivo do crime de falsificação de documento relativo à emissão da factura, o mesmo não se mostra descrito no RAI.
De acordo com o alegado nos artigos 327 e 392 do RAI, verifica-se que a Assistente não descreve o elemento subjectivo do crime de falsificação relativo à factura, apenas descreve quanto ao correio electrónico e quanto aos relatórios.
Assim sendo, a conduta imputada ao arguido MP______  não integra os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de falsificação, constante da al. a) do artigo 256° do Código Penal.”
Veio na realidade a assistente alegar, que a factura n.º 16/1516, com vencimento em 25.10.2016 foi emitida pela denunciada BSK, não fazendo parte da sua contabilidade e exibida à assistente com o propósito de a manter iludida, quanto ao efectivo exercício de uma actividade comercial da BSK em Angola, apondo assim na mencionada factura, elementos falsos – acrescentando ainda a assistente que pela BSK foi posteriormente apresentada outra factura, já no âmbito da acção cível instaurada pelo arguido HF_____  contra a Roche, sendo que essa outra factura ostenta o mesmo número, mas possui um conteúdo diferente e faz parte da contabilidade da BSK.
Fundamentou esta sua pretensão, argumentando do seguinte modo nas suas conclusões:
Contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que os autos indiciam, de forma suficiente, a prática, pelos Arguidos, do crime de falsificação de documento, concretamente, quanto à fatura nº 16/1516, devendo ser considerados suficientemente indiciados, os factos descritos nos parágrafos 297 a 327 e 392 do RAI e as consequentes razões de imputação contidas nos parágrafos 431, 451 e 452 do RAI, considerando, designadamente, como indiciado:
c. A factualidade articulada nos parágrafos 297, 298 e 299 do RAI, designadamente que em 24.11.2016, e porque se mantinham as suspeitas sobre a origem das vendas paralelas no mercado europeu, ZH___   solicitou diretamente ao Arguido HF_____  que o mesmo remetesse documentação que comprovasse as vendas da BSK para Angola, por forma a descartar esta origem — para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 28 junto com a Denúncia, e o depoimento da testemunha ZH___  , ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 2021070117423312843_4462833, com início às 17:42:33 e termo às 18:47:39, concretamente ao minuto 00:10:23 e ao minuto 00:49:35;
d. A factualidade articulada nos parágrafos 300, 301, 302, 303, 304, 305 e 306 do RAI, designadamente que em 24.11.2016 o Arguido HF_____  remeteu um e-mail ao seu cunhado, o Arguido MP______ , em tom formal, pedindo o envio de documentos da exportação para os países PALOP do produto Accu-Chek Aviva 50T, e que, em resposta, MP______  referiu que a Roche teria na sua posse todas as provas das vendas do mencionado produto — bem sabendo que isso não era verdade, quer por nunca ter remetido qualquer elemento documental que o comprovasse, quer porque a BSK não exportou qualquer Accu-Chek Aviva 50T para Angola —, referindo trabalhar com várias outras multinacionais em Angola, e manifestando o seu desagrado pela desconfiança da Roche, anexando ao e-mail a fatura nº 16/1615 — para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos 29, 63 e 83 juntos com a Denúncia, e o depoimento da testemunha H___ , ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701174233 12843_4462833, com início às 17:42:33 e termo às 18:47:39, concretamente ao minuto 00:50:30;
f. A factualidade articulada nos parágrafos 307 e 308 do RAI, designadamente que a fatura nº 16/1516, datada de 25.10.2016, remetida por MP______  a HF_____ , inclui um total de 65.150 (sessenta e cinco mil cento e cinquenta) unidades de Accu-Chek Aviva 50T e 5.670 (cinco mil, seiscentas e setenta) unidades de Accu-Chek Performa, com valores líquidos, respetivamente, de €674.302,50 e €32.602,50, que haviam sido adquiridos, supostamente, por uma alegada subsidiária da BSK em Angola — para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento n.º 30 junto com a Denúncia, e o depoimento da testemunha ZH___ ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701174233_12843_4462833, com início às 17:42:33 e termo às 18:47:39, concretamente ao minuto 00:51:36;
g. A factualidade articulada nos parágrafos 309, 310, 311, 312, 313 e 314 do RAI, designadamente que a fatura nº 16/1516, datada de 25.10.2016, remetida por MP______  a HF_____ , não consta da contabilidade da BSK, constando da contabilidade uma outra fatura com o mesmo número e data, com montante, produto e destino completamente distintos daqueloutra — para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.º 30, 63, 64-81, 82 e 83 juntos com a Denúncia, e as declarações do Arguido HF_____ , prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constantes da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 01:18:11;
h. A factualidade articulada nos parágrafos 315, 316, 317 e 318 do RAI, designadamente que a sociedade BSK Angola, à qual foi emitida a fatura remetida por MP______  à Roche em 25.11.2016, nunca existiu — para o que deverá contribuir a consulta aos websites institucionais da Imprensa Nacional Angolana, e Administração Geral Tributária Angolana para consulta, respetivamente, do registo de constituição da sociedade comercial e do número de identificação fiscal da sociedade comercial;
h. A factualidade articulada nos parágrafos 320, 321, 322, 323, 324, 325 e 326 do RAI, designadamente que de acordo com a fatura n.º 16/1516 remetida à Roche, a BSK Medical havia vendido, para Angola, produtos Roche no valor de €706.905,00 (setecentos e seis mil e novecentos e cinco euros), e outros produtos anonimizados no total de €2.095.330,00 (dois milhões, noventa e cinco mil, trezentos e trinta euros), sendo que o valor de vendas para o mercado angolano aí contido não é consonante com a realidade contabilística da empresa — para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.ºs 29, 30, 63 e 83 juntos com a Denúncia, e as declarações do Arguido HF_____  prestadas em diligência instrutória de 02.07.2021, constantes da gravação 20210702142059_12843_4462833, com início às 14:20:59 e termo às 16:25:35, concretamente ao minuto 01:21:10;
i. A factualidade articulada nos parágrafos 319, 327 e 392 do RAI, designadamente que os Arguidos BSK, HF_____  e MP______  adulteraram a fatura remetida à Roche, remetendo-a à Roche, em e-mail de 25.11.2016, numa tentativa de demonstrar que a BSK exportava para Angola grandes quantidades de produto Roche, bem sabendo não corresponder à verdade, por forma a manter o fornecimento do produto Accu-Chek Aviva 50T — para o que deverão contribuir, entre outros, todos os elementos referidos nas alíneas anteriores, e o depoimento da testemunha ZH___, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701174233_12843_4462833, com início às 17:42:33 e termo às 18:47:39, concretamente ao minuto 00:52:09.
15. Os elementos factuais descritos preenchem o tipo objetivo e subjetivo do ilícito de falsificação de documento contido na alínea a) do nº 1 do artigo 256º do CP, uma vez que dali resulta evidente que (i) ao terem aposto na fatura n° 16/1516 o nome de uma sociedade adquirente inexistente, elementos identificativos de uma sociedade adquirente inexistente, identificação de produto, quantidade e valor não vendidos, (ii) ao terem-no feito com o propósito de manter a Recorrente em erro sobre o destino de fornecimento dos produtos que lhe eram adquiridos pela BSK por um preço substancialmente mais barato, exatamente porque previsto que os vendesse para o mercado Angolano, estavam os Arguidos a fabricar documento falso, o que fizeram com conhecimento e vontade, procurando daí retirar um benefício ilegítimo.
16. A Decisão Recorrida deverá ser revogada na parte em que determina a não pronúncia dos Arguidos e o consequente arquivamento dos autos quanto ao crime de falsificação de documento, devendo ser substituída por outra que determine a pronúncia dos Arguidos HF_____ , MP______ , e BSK pela prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º nº 1 alínea a) do CP.

Pelo contrário, os arguidos na sua resposta ao recurso, vieram defender que não existiu qualquer falsificação dessa factura, e que tal conclusão se retira da prova constante dos autos, conforme passagem a seguir reproduzida (com sublinhados nossos):

Desde logo, após ser confrontada com a acusação efetuada pela Recorrente ROCHE, os Arguidos logo encetaram diligências com vista a apurar a razão subjacente ao facto de existirem duas faturas com o mesmo número, mas com valores diferentes,
Tendo lhes sido explicado pela estrutura da BSK em Angola que a fatura a que alude a Recorrente datada de 25.09.2016, era, afinal, uma mera fatura proforma, que, por esse mesmo motivo, não foi registada na contabilidade da empresa.
Como já tivera oportunidade de esclarecer em requerimento avulso, não se conseguiu apurar a razão subjacente à emissão de uma fatura sem a referência proforma, mas a verdade é que tudo indica que se deveu a um fraco domínio do sistema informático por parte da equipa administrativa local angolana - realidade que todas as empresas que operam no mercado angolano bem conhecem.
O reenvio dessa fatura pelo Recorrido HF_____  à ROCHE, em 25.11.2016, tratou-se, assim, de um mero lapso a que este é totalmente alheio, lapso esse a que o Recorrente MP______  é também alheio.
O que sucedeu foi o seguinte, conforme esclarecimentos prestados pelo Recorrido HF_____  na diligência do dia 2 de Julho de 2021: o Recorrido MP______ , confrontado com o pedido urgente da ROCHE, transposto no email desta datado de 24.11.2016, requereu ao seu escritório em Angola que lhe enviassem, por email e com urgência, a última fatura de exportação de produtos Accu Chek para aquele território, tendo-lhe sido enviada, pelos serviços locais, a fatura proforma.
Aliás, o único efeito que se surpreende dos documentos juntos pela Recorrente aos autos - e que vem precisamente confirmar o referido pelos Arguidos - é o que consta do artigo 298º do RAI, que refere:
"estamos sob uma enorme pressão na questão do parallel trade e precisamos de nos defender como pudermos para evitar que nos retirem o profit de 2016".
O efeito era, por isso interno, de justificação entre as subsidiárias da Recorrente como, aliás, teve HF____  a oportunidade de explicar quando foi ouvido. Por outro lado, havia ali "profit" relevante como se verifica pela necessidade de o salvaguardar a propósito destas justificações.
Claro está que se os Arguidos pretendessem esconder o que quer que fosse nunca teriam junto à petição inicial da ação cível a única fatura que contabilisticamente existia na BSK com n° 16/1516 e que contrariava a enviada à Roche, em 25.11.2016.
Seria, pois, expectável ou sequer verosímil que, se tivesse efetivamente falsificado uma fatura com a consciência do que havia ocorrido (a qual a Recorrida BSK sabia estar na posse da Recorrente ROCHE) e a Recorrida BSK, ainda assim, na ação cível que instaurara contra a ROCHE, tivesse junto aos autos uma outra fatura que não a falsificada?
Convenhamos: tal comportamento seria contrário às regras da experiência comum, o que contribui, de forma decisiva, para comprovar que a tese da ROCHE é, para dizer o mínimo, irrealista.
Por último vimos como as informações e/ou documentos trocados não tiveram aptidão sequer para convencer as pessoas escolhidas habilmente pela Recorrente do que quer que fosse uma vez que se surpreendem nos autos as mesmas evidências de desconfiança que supostamente tinham ficado esclarecidas em momento anterior.
Assim, como já se disse, em reunião realizada a 6 de Abril documentada num email de MP______  a fls. 283 (vol. I) a Recorrente sugeria, considerando a indicação de presença de produtos que produz e comercializa para territórios externos em mercados europeus, acordar procedimentos complementares ao previsto no Contrato de Distribuição ou em alterar o mesmo, como vista a se integrarem nesse, mecanismos de reforço que dêem adequadas garantias quanto ao cumprimento das regras legais e de Compliance que se aplicam às partes.
Por outro lado, de forma mais decisiva, em 19 de Abril de 2017, a Recorrente remeteu à BSK um pedido de documentação, que refere ser "bastante mais abrangente do que o anterior visando apurar (art.º 341 do RAI) quanto é que, afinal, a Denunciada BSK estava a colocar, do que lhe comprava, nos mercados angolano e moçambicano (doc. 35 junto com a denúncia)". (…).
Não corresponde, por isso, à realidade, que a fatura tenha tido a virtualidade de convencer ZH___   do que quer que seja (…)
Acresce que a Recorrente não refere em nenhum momento o que foi feito com aquela informação, que email foi enviado na estrutura interna da Recorrente ROCHE, ou seja, se aquele documento foi enviado para algum lado e de que forma. (…)”
Esta explicação adiantada pelos arguidos aqui recorridos, é verosímil.
Acresce ainda, para além do mais supra referido, também não foram articulados factos no RAI, donde se possa extrair a verificação dos elementos que integram o tipo subjectivo deste tipo de crime, em relação aos dois arguidos, HF_____  e MP______ , tal como bem ficou expresso na decisão recorrida, nos seguintes parágrafos:
Há que dizer ainda que quanto ao elemento subjectivo do crime de falsificação de documento relativo à emissão da factura, o mesmo não se mostra descrito no RAI.
De acordo com o alegado nos artigos 327 e 392 do RAI verifica-se que a Assistente não descreve o elemento subjectivo do crime de falsificação relativo à factura, apenas descreve quanto ao correio electrónico e quanto aos relatórios”
Tal como bem ficou expresso pelos arguidos, na sua resposta ao recurso:
“De acordo com a lição deste Professor "o dolo não pode esgotar-se no tipo de ilícito (...) , mas exige do agente um qualquer momento emocional que se adiciona aos elementos intelectual e volitivo contidos no "conhecimento e vontade de realização"; uma tal posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas. O que significa que a estrutura do dolo do tipo por que perguntamos aqui só se alcança quando se tenha a consciência clara de que, com ela, não fica por si mesma justificada a aplicação da moldura penal prevista na lei para o crime doloso respetivo; antes se torna indispensável um elemento que já não pertence ao tipo de ilícito, mas à culpa ou ao tipo de culpa. Com esse elemento se depara quando se atente em que a punição por facto doloso só se justifica quando o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever - ser jurídico-penal. "[33].
Tudo isso, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter atuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever - ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).
E não obstante o esforço da Recorrente em justificar a inserção do elemento subjetivo no art.º 392º do RAI, certo é que não pode considerar-se que "diversos documentos" (expressão ali referida) integre a factura referida, exigindo-se na delimitação do elemento subjectivo a descrição detalhada (e não por aproximação ou presunção) do dolo do tipo, conceitualizado, na sua formulação mais geral, como conhecimento e vontade referidos a todos os pressupostos do tipo objetivo, e o dolo da culpa, traduzido na consciência, por parte do arguido, de que com a sua conduta sabe que actua contra direito, com consciência da censurabilidade da conduta.
Tal como não integram esses elementos os art.ºs 309º, 312º, 315º, 319º ou 326°, chamados à míngua do preenchimento dos requisitos de que a lei faz depender a incriminação.
A deficiente descrição dos factos integradores do elemento subjetivo do tipo ou a omissão integral de descrição do tipo subjetivo, não é suscetível de ser integrada, com recurso a semelhanças ou a considerações de carácter genérico.
É pois inequívoco que tal conduta é insuscetível de configurar a prática de um crime de falsificação de documento na modalidade prevista na alínea a) do artigo 256°, nº 1 do Código Penal.”

Em resumo, ao contrário do alegado pela assistente Roche, nas conclusões (ponto 9) do seu recurso, não é possível inferir, da factualidade por ela descrita nos parágrafos 309, 312, 313, 315, 319, 326, 327 e 392 do RAI, que existiu essa atitude interior destes dois arguidos HF____  e MP______ , de voluntária e conscientemente, isto é, tendo representado todas as circunstâncias do facto e sabendo proibida por lei a sua conduta, terem querido a realização do facto.
Isto é, terem querido no caso em apreço, a desconformidade com a realidade, dos dizeres apostos na factura, no que respeita à identificação da pessoa colectiva emitente, dos produtos, qualidades e valores da venda e data de vencimento da mesma, apenas com o propósito de manterem a assistente Roche iludida quanto ao efectivo exercício de uma actividade comercial da BSK em Angola e assim causarem prejuízo à firma aqui recorrente.
Na realidade, a explicação avançada pelos arguidos recorridos, de que a factura em causa não passava de uma factura proforma e que o reenvio dessa fatura pelo arguido HF_____  à ROCHE, em 25.11.2016, se tratou de um mero lapso a que este arguido é totalmente alheio, assim como o arguido MP______ , é uma explicação verosímil (que carecia de ser investigada), pelo que não existem efectivamente no RAI, factos que indiciáriamente suportem o preenchimento do tipo objetivo e subjectivo do tipo de falsificação aqui em análise, nem serve a fase da intrução para investigar aquilo que não foi investigado pelo M.P, em sede do inquérito.
Deste modo, podemos assentar que o RAI da assistente, não contem factos que indiciem de forma suficiente a prática de um crime de falsificação, assente na emissão dessa factura da BSK com n.º 16/1516, que foi dada a conhecer à Roche por email enviado em 25.11.2016, porquanto a análise da prova indiciária documental e testemunhal produzida nos autos, não permitem extrair essa conclusão de que a actuação dos arguidos preenche objectiva e subjectivamente todos os elementos típícos do ilícito em questão.
  Quanto à eventual utilização dessa factura, alegadamente adulterada, para configurar o “artifício” a que se alude no tipo objectivo do crime de burla, necessário para a imputação aos arguidos desse mesmo crime de burla (que adiante será analisado), fácilmente se verifica que tal falsificação, mesmo que se mostrasse fortemente indiciada (o que já vimos não ser o caso), nunca seria idónea para preencher tal requisito.
Com efeito, como já acima ficou dito, o conhecimento dessa factura por parte da Roche só se verificou em 25.11.2016, já muito perto da saída do arguido HF_____  da Roche (o seu contrato com a Roche cessou efeitos em 31.12.2016).
Ora na altura a que se reporta a emissão dessa factura, já há muito que a BSK vinha a desenvolver a sua actividade comercial de revendedora de produtos da Roche (tendo sido acordado entre ambas as empresas em 21.3.2016, uma cláusula de exclusividade da BSK relativamente ao mercado Africano) pelo que a não ser verdadeira a sua actividade comercial de vendas para África, como revedendora da Roche, enganando a assistente, como pretende demonstrar a Roche, seguramente que esse engano não foi provocado/induzido pela conduta de falsificação da factura da BSK com n.º 16/1516.
Na realidade essa factura tem aposta uma data de emissão posterior ao início da actividade comercial alegadamente falsa, desenvolvida pela BSK e só chegou ao conhecimento da Roche por email recepcionado em 25.11.2016.
Em conclusão, tudo ponderado, os factos e o direito, achamos que não assiste razão à assistente Roche neste ponto e subscrevemos a decisão instrutória recorrida, na parte em que conclui acerca da inexistência de factos suficientes descritos no RAI, que permitam defender estar indiciada a prática pelos arguidos do crime de falsificação que lhes foi imputado pela assistente, a partir da análise feita pelo Sr. JIC de toda a prova documental e testemunhal produzida em sede de inquérito e instrução.
Não basta com efeito, a simples denúncia acerca da existência de duas facturas emitidas pela BSK com o mesmo nº mas diferentes conteúdos e destinos, para permitir formular semelhante imputação criminosa, sendo certo também, que ao contrário do alegado pela assistente, essa irregularidade documental verificada, teve consequências para os arguidos, porquanto o M.P em 10.7.2020, logo aquando da prolação do despacho de arquivamento, admitiu que pudesse estar em causa a prática pelos mesmos de um crime de fraude fiscal e ordenou que fosse extraída certidão para averiguação autónoma por parte da ATA – Autoridade Tributária e Aduaneira, acerca da existência de eventual crime de natureza fiscal.
Concorda-se assim, pelas razões supra expostas, com a decisão de não pronúncia, quanto a este crime de falsificação de documento, relativamente aos três arguidos, HF_____, MP______ e BSK, nos termos constantes da decisão recorrida, que aqui se dá por reproduzida e se mantém.
Do Crime de Burla Qualificada
Releva a factualidade descrita no RAI nos artigos 55 a 353 (quanto ao tipo objectivo deste crime) e nos artigos 391, 108, 120, 141, 175, 218, 293, 394, 399 (quanto ao tipo subjectivo).
A assistente Roche imputou aos arguidos HF_____ , MP______, MP____ , VS____  e BSK, a prática em co-autoria de um crime de burla qualificada p.p no art.º 218º/1 do C.P. (sendo embora esta a qualificação que consta no elenco dos crimes imputados aos arguidos, no final do RAI e que será aqui tida em conta, observa-se porém que ao longo da motivação, a assistente defendera a imputação aos mesmos arguidos, do crime de burla qualificado agravado nos termos do art.º 218º/2 a) do C.P.).
Da matéria factual vertida no RAI e no recurso objecto dos autos, consta nomeadamente, com relevância para a análise que agora nos prende, o seguinte:
d. "Em 30.01.2014 HF_____ , em, conjunto com FF____  e CC____, seus pais, MP____, sua irmã, e VS____ sua companheira à data, constituiu a sociedade comercial BSK - cf. Documento n.º 9 junto com a Denúncia (parágrafo 113 do RAI);
e. HF_____  era titular do equivalente a 99,6% do respetivo capital social ­Documento nº 4 junto com o RAI (parágrafo 115 do RAI);
f. HF_____  não comunicou à Roche a sua participação social na BSK, nem as suas relações familiares com os demais acionistas e administrador único, apesar de conhecer as obrigações e procedimentos estabelecidos no Código de Conduta da Roche, em matéria de prevenção de conflito de interesses que a isso obrigavam - cf. Documento n.º 4 junto com a Denúncia (parágrafo 118 do RAI);
n. Por inerência ao exercício das suas funções enquanto Head of Market Access & Key Account Management, HF_____  sabia que a Roche, pelo menos desde 2012, tentava entrar no mercado angolano com a gama de produtos Accu-Chek, sem sucesso relevante (parágrafo 121 do RAI);
o. HF_____  sabia que o seu superior hierárquico, à data JH___, não conhecia bem o mercado angolano (parágrafo 124 do RAI);
p. Em fevereiro de 2014, HF_____  apresentou internamente, na qualidade de Head of Market Access & Key Account Management da Roche, uma revisão do plano de negócios que havia apresentado em setembro de 2013 para o crescimento em território angolano - cf. Documento n.º 10 junto com a Denúncia (parágrafo 133 do RAI);
q. A mencionada apresentação, não só refletia um aumento da rentabilidade do mercado angolano em relação à anterior apresentação, como indicava a necessidade de estabelecer parcerias comerciais com empresas com base portuguesa e presença local em Angola - cf. Documento n.º 10 junto com a Denúncia (parágrafo 133 - 138 do RAI);
r. Em 17.02.2014, a Arguida MP____  , à data exercendo funções enquanto Administradora única da BSK, assinando como  dirigiu à Assistente um email, remetido através dos endereços de correio eletrónico medicalbsk2014Pgmail.com e c(&bskmedical.pt através do qual dava conhecimento da alegada existência de uma operação de reestruturação societária, pela qual a Pharma, Lda. Se havia transformado na BSK Medical, S.A. - cf. Documento n.o 11 junto com a Denúncia (parágrafo 145 do RAI);
s. Essa reestruturação não existiu, pois que, como acima visto, a sociedade Pharma não existia;
t. Em 24.02.2014, HF_____  determinou que a BSK fosse aceite como novo cliente da Roche, tendo sido o próprio - como acima referido - quem determinou que lhe fossem aplicadas as mesmas condições contratuais que eram aplicadas à Pharma - Documento n.º 11 junto com a Denúncia (parágrafo 157 do RAI) - cf. declarações prestadas por JH___ em diligência instrutória;
u. O preço oferecido por HF_____  à BSK e a circunstância de o mesmo ter sido oferecido a uma empresa detida a 99% por aquele não foi do conhecimento do seu superior hierárquico (parágrafo 133 do RAI) - cf. declarações prestadas por JH___ em diligência instrutória;
v. Durante o mês de março de 2014, HF_____  foi sugerindo a JH___ a possibilidade de a BSK ser o parceiro certo para o aproveitamento do mercado angolano (parágrafo 166 do RAI) - cf. declarações prestadas por JH___ em diligência instrutória;
w. No final de março de 2014, início de abril de 2014, JH___ acedeu a que a BSK fosse indicada como distribuidora não exclusiva da Roche para o mercado angolano, beneficiando a mesma de preço descontado de €10,00 (dez euros) para o produto Accu‑Chek Aviva 50T (parágrafo 171 do RAI); - cf. declarações prestadas por JH___ em diligência instrutória;"
Quanto a esta questão em concreto, que passaremos a analisar, daremos ainda aqui por reproduzidas, por serem inteiramente válidas e pertinentes, todas as considerações de natureza jurídica constantes da decisão recorrida, no que respeita ao seu enquadramento, do ponto de vista do direito, e começaremos depois por fazer um resumo histórico dos procedimentos anteriores, contidos nestes autos, para nos situarmos processualmente.
Vejamos.
Preceitua o artigo 217º nº 1 do Código Penal: "Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa".
E, a forma agravada deste crime, consagrada nos termos do artigo 218º/1 do C.P, dispõe que: “Quem praticar o facto previsto no n° 1 do artigo anterior, é punido se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias”
Sendo que nos termos do artº 2 a) do mesmo preceito do Código Penal:"Quem praticar o facto previsto no n.º 1 do artigo anterior, se o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado, é punido com pena de prisão de dois a oito anos".

Nos termos do art.º 202º/a) do C.P, considera-se “valor elevado”, aquele que exceder o montante equivalente ao valor de 50 UC, avaliadas na data da prática dos factos.
E nos termos do artº 202º/b) do C.P, considera-se “valor consideravelmente elevado” aquele que exceder o montante de €20.400 (vinte mil e quatrocentos euros) equivalente ao valor de 200 UC, avaliadas na data da prática dos factos.
O bem jurídico protegido é o património de outra pessoa.
Integram assim o referido tipo de crime, os seguintes elementos objectivos:
c) o uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocado;
d) para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial.
E o tipo subjectivo, por sua vez, preenche-se com a intenção de obtenção, para o agente ou para terceiro, de um enriquecimento ilegítimo.
Concordamos também que relativamente ao enriquecimento ilegítimo, este "pode ocorrer por diversas formas"[34] sendo que o que não poderá nunca é este enriquecimento corresponder objectivamente ou subjectivamente a qualquer direito, como foi sublinhado pelo Sr. Juiz de Instrução no Tribunal a quo (página 58 da Decisão Instrutória).
Por seu turno, dos ensinamentos de ALMEIDA COSTA[35] resulta que o "erro ou engano sobre factos, astuciosamente, provocado" poderá revestir três modalidades:
"quando o agente provoca o erro de outrem, descrevendo-lhe, por palavras ou declarações expressas (sob a forma oral ou escrita), uma falsa representação da realidade. A segunda observa-se na hipótese de o erro ser ocasionado, não expressis verbis, mas através de atos concludentes, te., de condutas que não consubstanciam em si mesmas, qualquer declaração, mas, a um critério objetivo - a saber, de acordo com as regras da experiência e os parâmetros ético-sociais vigentes no sector da atividade -, mostram-se adequados a criar uma falsa convicção sobre certo facto passado, presente ou futuro. Em terceiro lugar, refere-se a burla por omissão ao contrário do que sucede nas situações anteriores, o agente não provoca, agora, o engano do sujeito passivo, limitando-se a aproveitar o estado de erro em que ele já se encontra."
Acresce ainda, que sempre se exige uma sucessiva e perfeitamente coincidente relação de causa-efeito (sob a forma de nexo causal), entre a conduta enganosa ou astuciosa e a prática de atos que causem, ao enganado ou a terceiro, um efetivo prejuízo patrimonial.
Finalmente, quanto à "intenção de obtenção, para o agente ou para terceiro, de um enriquecimento ilícito", referente  ao tipo subjetivo, sempre esclarece PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE[36]:
"as formas de dolo directo e necessário, uma vez que a astúcia é incompatível com o dolo eventual (...). O tipo inclui ainda um elemento subjetivo adicional: a intenção de obter, para si ou para terceiro, enriquecimento ilegítimo. Não é necessário que se verifique o enriquecimento, mas a vontade de o obter".
Importa por fim assinalar, que no RAI a assistente imputou este crime de burla qualificada aos arguidos, praticado sob a forma de co-autoria.
Estatui o artigo 26º do Código Penal: "É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução".
Como refere Maia Gonçalves, CP, 2007, pág. 144 "Os casos de comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes, o que pode ser da maior importância para determinar a punição e a transmissibilidade das circunstâncias. A simples consciência de colaboração parece não ser suficiente para que haja comparticipação, em face da exigência de acordo, que a lei faz".
Porém, para Faria e Costa, aquele acordo prévio parece não ser indispensável bastando a simples consciência de colaboração para existir a comparticipação (…).
A este respeito diz-se no Ac. deste STJ, Proc. JSTJ000 in www.dgsi.pt — que "A decisão conjunta pressupõe um acordo que pode ser tácito, pode bastar-se cora a consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime"
Porém, é a teoria do domínio do facto que se apresenta corno eixo fundamental de interpretação da teoria da comparticipação e de análise do artigo 26.º do C.P. Autor é, segundo esta concepção, quem domina o facto, quem toma a execução "nas suas próprias mãos", de tal modo que dele depende decisivamente o "se" e o "como" da realização típica.
As três formas de autoria previstas no artigo 26.º do C.P. — autoria imediata, autoria mediata e co-autoria — correspondem a três tipos diversos de domínio do facto: a) o agente domina o facto na medida em que é ele próprio quem procede à realização típica, quem leva a cabo o comportamento com o seu próprio corpo; b) o agente domina o facto, e a realização típica mesmo sem nela fisicamente participar, quando domina o executante através de coacção, de erro ou de um aparelho organizado de poder; c) ou domina o facto através de uma divisão de tarefas com outros agentes, desde que, durante a execução, possua uma função relevante para a realização típica.(…).
Daí resulta que só possa ser autor quem, segundo a importância da sua contribuição objectiva, comparte o domínio do curso do facto.
Sem embargo, na co-autoria cabe ainda a actuação que, atendendo à "divisão de papéis", não entre formalmente no arco da acção típica, basta que se trate de uma parte necessária da execução do plano global dentro de uma razoável "divisão de trabalho" (domínio funcional do facto).
A co-autoria consiste, assim, numa "divisão de trabalho" que torna possível o facto ou que facilita o risco.
Requer, no aspecto subjectivo, que os intervenientes se vinculem entre si mediante uma resolução comum sobre o facto, assumindo cada qual, dentro do plano conjunto (expresso ou tácito, prévio ou não à execução do facto), uma tarefa parcial, mas essencial, que o apresenta corno co-titular da responsabilidade pela execução de todo o processo. A resolução comum de realizar o facto é o elo que une num todo as diferentes partes.
No aspecto objectivo, a contribuição de cada co-autor deve alcançar uma determinada importância funcional, de modo que a cooperação de cada qual no papel que lhe correspondeu constitui uma peça essencial na realização do plano conjunto (domínio funcional).
O STJ tem seguido a tese de que, para a co-autoria, não é indispensável que cada um dos intervenientes participe em todos os actos para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um seja elemento componente do todo indispensável à sua produção.
A decisão conjunta pressupõe um acordo que pode ser tácito, pode bastar-se com a consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime. As circunstâncias em que os arguidos actuaram nos momentos que antecederam o crime podem ser indicio suficiente, segundo as regras da experiência comum, desse acordo tácito».(…)
Deste modo, de acordo com a doutrina e a jurisprudência são os seguintes os elementos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria:
vi) a intervenção directa na fase de execução do crime (execução conjunta do facto);
vii) o acordo para a realização conjunta do facto;
viii) acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto;
ix) que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente; e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor;
x) o domínio funcional do facto, no sentido de "deter e exercer o domínio positivo do facto típico" ou seja o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.
Resumo histórico do processo
No despacho de arquivamento do inquérito proferido nestes autos em 10.7.2020, a que já acima se fez, considerou o Ministério Público, não haver lugar à dedução de acusação pela prática de crime de burla, fundamentando a decisão do arquivamento, no facto de não se vislumbrar que a BSK e os arguidos pessoas singulares denunciados pela Roche, tivessem, astuciosamente, provocado um erro ou engano na Roche ofendida, não bastando para o preenchimento do tipo objetivo do crime de burla "que produza uma mera declaração desconforme com a verdade, é imperioso que o agente actue de forma engenhosa, que crie um estratagema ardiloso, que dirija ao ofendido uma encenação apta a ludibriá-lo, de modo a que este último pratique um acto de disposição patrimonial que o prejudique e que não o faria noutras circunstâncias", o que entendeu o M.P, não se verificar in casu.
E bem assim, o Sr. Juiz de Instrução, não pronunciou os arguidos pelo crime de burla, por considerar não existirem indícios de astúcia ou ardil, da existência de uma situação de falsa representação da realidade concreta, a funcionar como um vício influenciador da decisão do recorrente, antes e somente indícios de violação de deveres laborais e também uma actuação em conflito de interesses, por parte do arguido HF_____, eventualmente cumulado com culpa na formação e incumprimento dos contratos e boa fé contratual (páginas 81 e 82 da Decisão Instrutória).
Reproduzimos de seguida a parte da decisão instrutória de não pronúncia, que se reporta a este enquadramento histórico-processual da questão (com sublinhados nossos):
No caso em apreço o MP considerou, conforme consta do despacho de arquivamento, que não se vislumbra que a outra parte tenha, astuciosamente, provocado um erro ou engano nos ofendidos.
Mais referiu que, atendendo à matéria denunciada, a omissão das relações familiares entre os denunciados, ainda que constitua uma violação do Código de Conduta da denunciante, não tem qualquer relevância penal — a denunciante Roche não celebrou com a BSK Medical, SA qualquer acordo ou estabeleceu uma relação comercial por causa da inexistência de laços familiares entre os representantes de ambas as sociedades, mas sim porque esta última prometeu vender os produtos adquiridos a preço descontado apenas no mercado africano o que, alegadamente, não fez.
Mais concluiu o MP que a situação em causa configura um incumprimento do acordo celebrado entre as partes e não um facto astuciosamente provocado pela denunciada.
Em sede de debate instrutório, o MP pugnou pela verificação de elementos probatórios que justificam a submissão do arguido HF_____  a julgamento pela prática de um crime de burla qualificada, na medida em que este arguido criou um esquema de aparência de cumprimento contratual por parte da BSK o que levou a Assistente a ficar convencida que estava a comercializar produtos para a Angola e que com isso a BSK desviou esses mesmos produtos para a Europa, quando a Roche não tinha necessidade de um intermediário para a Europa.
Que através dessa conduta o arguido HF_____  fez com que a BSK tivesse obtido um lucro em prejuízo da Roche.
A assistente também pugnou pela verificação de indícios suficientes quanto ao crime de burla qualificada.
Os arguidos sustentaram que os elementos que constam dos autos não preenchem os elementos dos crimes imputados pela Assistente.
Tendo presente os elementos constitutivos do crime de burla acima identificados, os factos imputados pela Assistente no RAI e os elementos de prova que constam dos autos, cumpre verificar, em primeiro lugar, se os factos descritos no RAI são susceptíveis de preencherem o crime de burla para, em seguida, verificarmos se a prova constante dos autos é bastante para concluirmos pela existência de indícios suficientes quanto ao crime em causa e quanto à autoria do mesmo.
Quanto ao RAI, basta a simples leitura para que se conclua que estamos perante urna peça processual de alguma prolixidade, onde proliferam factos misturados com conclusões, opiniões, afirmações, factos inócuos e descrição de alguns elementos de prova, ou seja, estamos perante uma peça processual onde não foi dado integral cumprimento ao disposto no n.º 2, do artigo 287º do CPP.      
Apesar desta prolixidade ainda assim é possível identificar os factos, no que concerne ao crime de burla qualificada, embora tenha sido deixada ao tribunal a tarefa de desvendar a factual idade relevante para a decisão e o seu tio condutor.
Cumpre agora apreciar os elementos de prova que constam dos autos e verificar se a partir dos mesmos existem indícios suficientes da verificação do crime de burla e quem são os seus autores.”
Quid Juris?
Efectivamente a Roche recorrente veio defender neste recurso, verificar-se a indiciação suficiente dos elementos que integram o crime de burla qualificada, pugnando para que se considere suficientemente indiciada toda a factualidade descrita nos parágrafos 55 a 353 e 391 a 415 e ainda 453 a 475 do RAI.
Mais defendeu, dever entender-se em consequência, estar fortemente indiciada toda a factualidade articulada no RAI e por ela identificada de forma descriminada nas várias alíneas da conclusão 15 (que aqui se dá por reproduzida) argumentando nos seguintes termos (com sublinhados nossos):
“(…) é o próprio Tribunal a quo quem reconhece que se mostra indiciado que a criação da BSK estava relacionada com as oportunidades de negócio identificadas pela equipa da Roche relativamente a Angola, e que o Arguido HF_____  violou as suas obrigações ao não ter revelado a sua ligação à BSK; (ii) foi o próprio Arguido HF_____  quem foi desenvolvendo a estratégia de negócio da Roche para Angola, apresentando este mercado como particularmente rentável; (iii) a contratação e os termos iniciais de contratação da BSK foram definidos unilateralmente por HF_____ , sem conhecimento do seu superior hierárquico; (iv) a apresentação da BSK à Roche assenta numa reestruturação societária inexistente, o que o Arguido HF_____  sabia e não comunicou à Roche; (v) o preço oferecido por HF_____  à BSK e a circunstância de o mesmo ter sido oferecido — em condições mais vantajosas que para os demais revendedores nacionais — a uma empresa detida a 99% por aquele não foi do conhecimento do seu superior hierárquico; (vi) foi HF_____  quem sugeriu a J___ que o parceiro da Roche em Angola fosse a BSK; (vii) JH____  acedeu à contratação da BSK e parceria em Angola, e ao preço descontado com a condição de as vendas serem feitas naquele mercado.(…); Resulta, assim, evidente que (i) a BSK foi criada por HF_____  e restantes familiares no mesmo momento em que se acentuavam as necessidades da Roche em atuar no mercado angolano, (ii) HF_____  criou, dentro da Roche, a expectativa de que o mercado angolano seria um mercado muito relevante e lucrativo, e que, para tanto, devia ser contratado um parceiro com base portuguesa e presença local em Angola, (iii) HF_____  criou, junto de JH___, a convicção de que o melhor parceiro seria a BSK, (iv) a BSK foi efetivamente o parceiro escolhido, e (v) HF_____  fez tudo isto sem nunca ter comunicado à Recorrente a sua posição na BSK e a circunstância de os demais acionistas e administrador serem seus familiares diretos.(…); O Tribunal a quo não tem razão quando refere que não resulta indiciado que a relação comercial estabelecida entre a BSK e a Roche entre 2014 e 2016 tivesse como objetivo apenas vendas para o mercado angolano, porque (i) desconsidera a prova produzida quanto ao facto de ter sido HF_____  quem inicialmente, e de forma unilateral, fixou o preço praticado com a BSK, e que, no momento em que o propôs a JH___ este o aceitou com a condição de os produtos serem vendidos no mercado angolano; (…) desconsidera, aplicando as regras de experiência comum, a inexistência de motivos lógicos para que a BSK beneficiasse de um preço descontado em relação aos demais revendedores nacionais; (…)ignora que a relação contratual foi criada, logo, com intenção de ser incumprida pelos Arguidos; (iii) ignora que o contrato que veio a ser incumprido advém de uma relação comercial promovida, celebrada e mantida a partir do interior da Recorrente, por um funcionário que quebrou todas as regras de conduta internas da empresa, violou a confiança em si depositada pelos seus superiores, e, acompanhado da ação dos demais Arguidos, enriqueceu à custa do engodo, promovendo, em conjunto com os demais Arguidos, a contratação de uma sociedade inexistente, a contratação em condições mais vantajosas que para os demais revendedores nacionais, a criação de uma sociedade para dar uma aparência de regularidade (…) o envio de elementos falsos que comprovavam vendas em Angola inexistentes, e a circunstância de os produtos nunca terem sido vendidos em Angola, mas sim no mercado europeu, com grandes margens de lucro para a BSK (…); a BSK adquiriu uma grande quantidade de produto Accu-Chek Aviva 50T à Roche a preço descontado, que esta última havia fixado para a venda no mercado angolano - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.º 22-26 e 29 juntos com o RAI.(…) com o desvio das unidades de Accu-Chek Aviva 50T do mercado angolano para o mercado europeu, a BSK obteve grandes margens de lucro, o que os Arguidos ocultaram da Recorrente - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.g 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78 e 79 juntos com a Denúncia, e o Documento n.g 29 junto com o RAI.; (…) em 2016, o Arguido HF_____  e os demais Arguidos procuraram reforçar a posição da BSK como parceira da Roche, tendo o Arguido HF_____  convencido o seu superior hierárquico a descer o preço de €10,00 (dez euros) para €9,00 (nove euros) da unidade de Accu-Chek Aviva 50T, com a condição da BSK se tornar distribuidor exclusivo da Roche em Angola, usando-se, para o efeito, das informações e elementos falsos acima descritos, criando a convicção na Roche de que a BSK era, efetivamente, uma boa parceira comercial, e assim logrando alcançar os seus intentos - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos n.º 10, 16, 22 e 24 juntos com a Denúncia, o Documento n.º 18 junto com o RAI, e o depoimento da testemunha JH____, ouvida em diligência instrutória de 01.07.2021, constante da gravação 20210701144358 12843_4462833, com início às 14:43:59 e termo às 15:58:07, concretamente ao minuto 00:32:44.; (…)pese embora as vastas solicitações, a BSK não remeteu nenhum documento comprovativo das vendas do produto Accu-Chek Aviva 50T em Angola, o que levou a que a Roche suspendesse os fornecimentos dos seus produtos à BSK - para o que deverão contribuir, entre outros, os Documentos nº 35, 36, 37, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 58 juntos com a Denúncia.(…)  na sequência da suspensão de fornecimento, a BSK apresentou uma ação cível contra a Roche por alegado incumprimento contratual, na qual evidenciou que as suas vendas para o mercado angolano eram manifestamente residuais, e que havia desviado o produto que lhe havia sido fornecido pela Roche para o mercado europeu - para o que deverá contribuir, entre outros, o Documento nº 63 junto com a Denúncia.(…) a BSK adquiriu à Roche, entre 2014 e 2017, um total de produtos no valor de €11.760.610,00 (onze milhões, setecentos e sessenta mil, seiscentos e dez euros), tendo vendido na Europa um total de €20.787.941,00 (vinte milhões, setecentos e oitenta e sete mil, novecentos e quarenta e um euros), o que, atento o preço descontado a que a Recorrente vendeu o produto em causa à BSK, acarretou uma perda de margem da Recorrente e do Grupo Roche, nas vendas não permitidas de Accu-Chek Aviva 50T no mercado europeu, de, pelo menos €5.000.000,00 (cinco milhões de euros) — para o que deverão contribuir, entre outros, o Documento nº 63 junto com a Denúncia, e o Documento nº 2 junto com o Requerimento Roche de 24.02.2020.(…) Os elementos factuais descritos preenchem o tipo objetivo e subjetivo do ilícito de burla qualificada contido nº 1 do artigo 218º do CP, uma vez que os Arguidos não se limitaram a inventar uma mentira e a narrá-la, mas criaram, inclusive, elementos externos (falsos) dessa mesma realidade, tornando impossível à Recorrente suspeitar da sua conduta, e assim levando-a a contratar e manter a relação com a BSK, estando a Recorrente, nessa medida, numa situação de erro, astuciosamente provocada pelos Arguidos, que lhe criou um prejuízo patrimonial consideravelmente elevado, avaliável em cerca de €12.000.000,00 (doze milhões de euros), por perda de margens nas vendas ilícitas na Europa, e perda de negócio em Angola e Moçambique, levando, ao invés, ao enriquecimento dos Arguidos, o que estes pretenderam, desde o início, com a sua conduta. Deverá ser revogada a Decisão Recorrida na parte em que determina a não pronúncia dos Arguidos e o consequente arquivamento dos autos quanto ao crime de burla qualificada, devendo ser substituída por outra que determine a pronúncia dos Arguidos HF_____ , MP______ , MP____  , VS____  e BSK pela prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218º nº 1 do CP.”
Em resumo, poderemos dizer que a assistente veio discordar da decisão de não pronúncia, relativamente à imputação aos arguidos por ela denunciados, do crime de burla qualificada, por entender que os autos indiciam de forma suficiente, que:
- os arguidos acima identificados, inventaram uma mentira que narraram, criaram elementos falsos dessa realidade, levando a Roche a contratar o fornecimento à BSK do produto Accu-Check aviva 50T a um preço mais reduzido do que aquele praticado para os demais revendedores nacionais, e a manter a relação com esta firma durante vários anos, com base no erro provocado pelos mesmos, sofrendo assim em consequência da actividade ardilosa destes, um prejuízo patrimonial de cerca de €12.000.000,00 por perda de margens nas vendas ilícitas na Europa e perda do negócio em Angola e Moçambique.
Não assiste razão à ofendida Roche aqui recorrente, nem corresponde à realidade, a leitura que o M.P. fez em sede de debate instrutório, dos indícios existentes nos autos, como passaremos a explicar.
Para que na decisão instrutória, fosse possível imputar aos arguidos este crime de burla qualificada, nos termos pretendido pela Roche, era necessário que o RAI contivesse a enunciação de factos suficientes para o preenchimento do tipo objectivo e subjectivo deste crime e que subsequentemente esses factos se pudessem considerar fortemente indiciados, face à prova testemunhal e documental produzida nos autos, até ao encerramento da instrução.
Por outras palavras, no caso em apreço, da “arquitectura” deste ilícito de acordo com a tese da assistente Roche, tendo em conta os elementos de natureza jurídica já acima mencionados, quanto ao preenchimento deste tipo legal de crime, implicava ou passava por se considerar estar fortemente indiciado nos autos, a seguinte factualidade que se passará a analisar detalhadamente:
A) Da não comunicação à Roche, nomeadamente ao seu superior hierárquico, (inicialmente JH e depois H ) por parte do arguido HF_____ , das suas relações familiares e comerciais com a sociedade BSK, como lhe impunha o Código de Conduta da Roche, onde exerceu funções entre 1.5.2002 e 31.12.2016
B) Que o arguido HF_____ , pelas funções que exercia na Roche, foi responsável pela fixação do preço “atenuado” ou “descontado” do produto Accu-Check aviva 50T que foi fornecido pela Roche à BSK para ser vendido/distribuído por esta empresa.
c) A contratação em exclusivo da BSK, a partir de 21 Março de 2016, para comercializar em Angola e Moçambique o mencionado produto Accu-Check aviva 50T e que o fornecimento daquele produto pela Roche à BSK, com um preço “atenuado” ou “inferior” ao praticado usualmente no mercado, tivesse como condição sine qua non que o esse produto apenas fosse vendido pela BSK no mercado Africano (Angola e Moçambique);
D) A actividade comercial da BSK de venda daquele produto, no mercado Europeu, sem dar conhecimento à Roche, e a causação de um prejuízo patrimonial efectivo, causado ao património da Roche, pela actuação da BSK e dos arguidos por ela denunciados - dado o preço mais reduzido que foi praticado pela Roche no fornecimento daquele produto à BSK foi possível os arguidos exportarem e venderem o referido produto para países europeus, com uma elevada margem de lucro; defende assim a assistente Roche ter sofrido um prejuízo patrimonial de cerca de €12.000.000,00 por perda de margens nas vendas ilícitas na Europa e perda do negócio em Angola e Moçambique, gerando um enriquecimento patrimonial nos arguidos, o qual  foi sempre desde o início da criação da BSK, o seu objectivo.
Passemos então a analisar cada um dos 4 pontos acabados de referir.
A) No que respeita à oportunidade e objectivo visado com a criação da empresa BSK, atento o momento em que a mesma foi criada em 30.1.2014, resulta suficientemente indiciado dos autos, que foi propósito do arguido HF_____  tornar a BSK no parceiro que a Roche necessitava nessa altura, para o mercado Angolano, estabelecendo uma relação comercial entre a Roche e a BSK com vista à expansão da actividade da Roche para o mercado Africano; assim como está suficientemente indiciado o facto de o arguido H_  fazer parte integrante da BSK, ocultando ao seu superior hierárquico e à Roche esse facto, bem como ocultou as suas relações familiares com os demais arguidos – neste ponto, assiste razão à assistente.
Com efeito o arguido HF_____  trabalhou para a Roche, com contrato laboral que teve início em 1.5.2002 e se extinguiu em 31.12.2016, cfr documento junto a fls 275 dos autos.
De acordo com o Código de Conduta do Grupo Roche (documento 4 junto com a denúncia) no capítulo sobre comportamento profissional, sob a epígrafe “integridade pessoal” pondemos ler o seguinte, no ponto 23 que regula o “conflito de interesses”:
Não devemos usar indevidamente a nossa função na Roche para benefício pessoal ou para benefício de familiares ou pessoas próximas”;
E também: “Temos de considerar cuidadosamente o potencial conflito de interesses antes de aceitarmos um segundo emprego”;
Ou ainda: “Muitos conflitos de interesses reais ou potenciais podem ser resolvidos de uma forma aceitável tanto para o indivíduo como para a empresa. No caso de um conflito de interesses, o colaborador em questão deve informar imediatamente a sua chefia, de forma a encontrar a solução adequada”.
Sendo assim relativamente a este primeiro ponto A), consideramos absolutamente correctas as apreciações feitas na decisão recorrida, sobre a factualidade descrita no RAI, as quais evidenciam ter sido ponderada pelo Sr. JIC, a prova documental e testemunhal produzida em sede de inquérito e instrução (com respeito por todos os princípios que regem a apreciação da prova, nomeadamente as regras da experiência e da lógica) e que aqui fazemos nossas e deixamos transcritas:
Do correio electrónico de fls. 166 resulta que a arguida  , no dia 14-2-2014, informou a Roche que devido a uma reestruturação da Pharma a empresa passou a denominar-se BSK Medical SA.
Resulta indiciado, das próprias declarações do arguido HF_____  prestadas em sede de instrução, a sua relação familiar com o arguido MP______ , a sua ligação à BSK, as funções que exerceu na Roche e a sua intervenção nas negociações com a Pharma/BSK.
A ligação do arguido HF_____  às sociedades arguidas, mostra-se indiciada também pelo teor dos documentos que constam de fls. 1420­1425 - registo central de beneficiário efectivo - dos quais resulta que o arguido HF_____  é o beneficiário efectivo das sociedades arguidas.
A BSK foi criada em 30-1-2014 por MP____, CC____ , FF___  e HF_____  (fls. 160)
De fls. 127 consta o código de conduta da Roche ao qual o arguido HF_____ , atenta a sua qualidade de funcionário da Roche, estava vinculado, em particular quanto às regras relativas ao conflito de interesses.
O arguido HF_____ , conforme resulta do documento de fls. 275 (acordo de revogação do contrato de trabalho) exerceu funções para a Roche entre 1-5-2002 e 31-12-2016.
(…)
Da análise feita ao conteúdo do correio electrónico trocado entre o arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche, e o arguido MP______  (seu cunhado), que consta de fls. 261 e 266, evidencia uma formalidade que em nada deixa transparecer uma relação familiar e de proximidade entre ambos, o que indicia que o arguido HF_____  procurou ocultar esse facto perante a sua entidade patronal. Em todo o caso, cumpre dizer que estamos num contexto de relações comerciais entre duas empresas, sendo uma delas, como é a Assistente, com uma estrutura com alguma dimensão, o que pode explicar a utilização do tom formal nas comunicações mantidas entre os arguidos HF_____  e MP_____ .
Essa mesma preocupação em manter o tom formal e não revelar a relação familiar foi mantida em sede de reuniões com o seu superior hierárquico, JH____, conforme resulta do depoimento prestado por este em sede de instrução, assim como pelo depoimento da testemunha ZH____.
Cumpre referir que estas duas testemunhas, pelas funções que exercem ou exerceram na Roche Portugal, em particular no período em que o arguido HF_____  exerceu funções, revelaram um conhecimento directo dos factos relacionados com as relações comerciais entre a Roche e a BSK, qual o papel do arguido HF_____  nessas negociações, informações prestadas por este e qual o papel deste arguido na definição do mercado angolano.
Cumpre referir ainda, conforme resulta da conjugação dos elementos de prova que constam dos documentos de fls. 146 (site das publicações societárias do Ministério da Justiça) e de fls. 154 (correio electrónico de 21­8-2013 de MP_____), que a Pharma não existia juridicamente, sem que o arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche e interlocutor nas negociações, tenha reportado essa situação perante os seus superiores hierárquicos.
A fls. 162 consta a apresentação elaborada pela equipa da Roche em 2014, na qual teve participação o arguido HF_____, na qualidade de funcionário da Roche, sobre o potencial de crescimento em Angola.
Deste documento resulta que a equipa da Roche propôs, com vista ao crescimento de facturação da Roche, o estabelecimento de parcerias comerciais com stakeholders locais e contratar parceiros com base portuguesa, mas presença local em Angola.
Conforme alegado pela própria Assistente no artigo 122º do RAI, o documento em causa foi elaborado a pedido da testemunha JH___ pela equipa da Roche, na qual fez parte o arguido HF_____ , e não apenas por este arguido.
O arguido HF_____ , em sede de interrogatório judicial, admitiu ter participado na elaboração do projecto relativo ao mercado angolano e identificou qual o potencial em termos de negócios. Negou, contudo, que a criação da BSK estivesse relacionada com o projecto da Roche para o mercado de Angola.
Nenhuma prova foi produzida no sentido de que foi o arguido HF_____  a impor à equipa que elaborou o documento de fls. 161 -- Additional sales upside Angola — as conclusões que constam do mesmo e, muito menos, que essas conclusões tenham sido incluídas com o propósito de apenas fazer crer à Roche a necessidade de encontrar uni parceiro para Angola e que esse parceiro seria a BSK. (tradução a fls. 2512)
Tendo em conta a data da criação da BSK, 30-1-2014, a data de elaboração do plano de vendas em Angola, as ligações do arguido HF_____  à BSK e as funções que este desempenhava para a Roche, é possível inferir que a criação da BSK estava relacionada com a necessidade que a equipa da Roche identificou quanto a Angola e que era propósito deste arguido estabelecer uma relação comercial entre a Roche e a BSK.
A reforçar esta inferência temos o conteúdo do documento de fls. 165, correio electrónico remetido pela arguida MP____ à Roche, em 17-2­2014, no qual dá conta da restruturação da Pharma e a sua substituição pela BSK, bem como o documento de fls. 165 parte final, correio electrónico do arguido HF_____  para CA____ da Roche, em 24-2-2014, no qual aquele arguido, na qualidade de funcionário da Roche, consegue que sejam dadas as mesmas condições de preço à BSK que já eram concedidas à Pharma.”
Dúvidas não se colocam pois, quanto a estar suficientemente indiciado nos autos, que o arguido HF_____  era titular do equivalente a 99,6% do capital social da firma BSK (doc nº 9 junto com a denúncia), a MP____   era irmã do HF_____, o MP______  casado com a MP____ , era seu cunhado e a CC____  e FF____  seus pais (cfr documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com a denúncia) e VS____  que também participava no capital social desta sociedade BSK, era sua companheira à data e exerceu funções durante 12 anos na Roche (documento n.º 18 junto com a denúncia).
Assim como resulta suficientemente indiciado que a MP____, em 17.02.2014, exercia as funções de Administradora única da BSK e foi ela quem através de correio eléctrónico remetido à Roche, comunicou a operação de reestruturação societária, pela qual a Pharma Lda se havia transformado na BSK Medical S.A (cfr doc. n.º 11 junto à denúncia).  
Nesta medida, sem dúvida que o arguido HF____  ao manter em simultâneo a sua qualidade de funcionário da Roche e de participante no capital social da firma BSK (quase sócio maioritário), negociando em nome da Roche, nomeadamente o preço de produtos (medicamentos) a fornecer pela Roche à BSK e parcerias da Roche para o mercado Africano, sem comunicar à Roche a sua posição na referida sociedade BSK, nem comunicar a circunstância dos demais accionistas e administrador (MP_____ ) serem seus familiares, violou regras éticas de boa fé contratual e incorreu em situações de potenciais conflitos de interesses, fundamento para uma eventual responsabilidade civil (violação de deveres contratuais e de regras expressas no código de conduta do grupo Roche a que estava vinculado).
Mas daqui não resulta necessariamente que se imponha considerar estar também suficientemente indiciado em termos factuais no RAI, e comprovado pela prova documental e testemunhal produzida, que a conduta do arguido HF_____  assumiu contornos criminosos, por constituir um conjunto de artifícios através dos quais este arguido promoveu e criou uma relação contratual entre a Roche e a BSK que nunca pretendeu cumprir e que apenas prosseguiu a mesma, com o único propósito de enriquecer à custa do património da Roche, causando-lhe por essa via, um correspondente prejuízo patrimonial.
Com efeito, concordamos inteiramente neste ponto, com a seguinte apreciação da prova constante da decisão recorrida, que aqui se deixa transcrita:
O arguido HF____ ao fazer parte do processo de decisão relacionado com a Pharma e a BSK indicia uma situação de conflito interesse, na medida em que o arguido tinha um interesse pessoal extraprofissional que o pode ter conduzido a não agir no melhor interesse da empresa para a qual trabalhava e para a qual estava obrigado a cumprir com regras profissionais e deontológicas.
Contudo, a violação de obrigações profissionais e deontológicas apesar de constituir, em abstracto, fundamento para eventual responsabilidade civil ou fundamento para um despedimento com justa causa, não constitui, necessariamente, um comportamento criminoso ou que mereça tutela penal.
Há que referir, ainda, que o comportamento dos arguidos HF_____, MP______  e da própria BSK, na forma como se mostra descrito no RAI e dos elementos factuais que se mostram indiciados, é susceptível de configurar também uma violação, tendo em conta a relação contratual que se estabeleceu entre a Assistente e a BSK, dos ditames da boa-fé objectiva, nomeadamente os deveres de lealdade, probidade e verdade e constituir, por isso, fundamento de eventual indemnização cível, mas nunca a verificação de uma situação de uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocados com vista a determinar a Assistente à prática de actos que lhe causem prejuízo patrimonial, ou seja, não configuram uma situação de crime de burla qualificada.
Cumpre referir que já existe uma acção cível — processo 14636/18.0T8SNT — que corre termos no tribunal cível de Lisboa na qual a assistente deduziu um pedido reconvencional no valor de 7.134,080,21€.”
B) Não assiste razão neste ponto, à tese sustentada pela recorrente Roche, na medida em que da análise da prova documental e testemunhal produzida em sede de inquérito e instrução, não resulta suficientemente indiciado nos autos, que a decisão do preço mais “atenuado” fixado para o medicamento Acci-Check Activa 50 T fornecido pela Roche à BSK, tenha sido fixado unilateralmente pelo arguido HF_____ , nem que tenha sido este o único responsável pela aceitação da BSK como cliente da Roche e subsequementemente pela parceria comercial estabelecida entre a Roche e a BSK para extensão da actividade comercial da Roche para o mercado Africano (Angola e Moçambique).
É verdade, que resulta indiciado dos autos, que o preço por cada embalagem do produto aqui em causa, o Acci-Check Activa 50 T, a comercializar pela Pharma, foi fixado com a intervenção do arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche, preço esse que ficou inferior ao que era praticado pela Roche para outros armazenistas nacionais.
Todavia, da análise conjugada e crítica de toda a prova produzida, resulta apenas indiciado que o arguido HF_____  participou naquelas decisões tomadas pela Roche (não houve uma decisão unilateral deste) e que deste o início da criação da BSK em 30.1.2014, pretendeu estabelecer uma parceria entre a Rocha e a BSK mas não foi o único a dar um contributo para essa decisão da Roche, isto é, não foi o único responsável pela escolha da BSK como parceira da Roche, para prosseguir esse objectivo (a decisão foi colectiva) - sendo aceitável ou verosímil que o arguido HF_____  prosseguisse ou buscasse com a sua actividade, alcançar um incremento de benefícios económicos para ambas as firmas, a Roche e a BSK.
Tal como bem foi sublinhado pelos arguidos na sua resposta ao recurso, ao imputar este crime aos arguidos, a assistente desvalorizou por completo, não o devendo fazer, o facto de aos arguidos na BSK terem que lidar na sociedade Roche, com uma estrutura organizativa de uma entidade multinacional, querendo assim fazer passar a tese de ser possível que uma decisão com visibilidade na totalidade dessa estrutura (no momento inicial e em todos os momentos subsequentes) pudesse ser tomada e, sobretudo, mantida por uma única pessoa singular, à revelia dos responsáveis máximos da Roche.
Na verdade, nada foi referido de concreto no RAI, sobre o processo de abertura de clientes, de processamento das encomendas, da emissão de facturas por parte da Roche, como se fosse possível aceitar, que os vários departamentos responsáveis dentro da Roche (departamentos de encomendas, da qualidade, financeiro e de logística) não tivessem qualquer tipo de controlo na situação objecto destes autos e pudessem todos esses departamentos pactuar com a fixação de um preço de um produto fornecido à BSK, abaixo do nível que era praticado para outras empresas, com prejuízo para a Roche e sem que tal prejuízo fosse imediatamente detectado e denunciado internamente.
Defendem assim os arguidos, que a fixação de um preço para um cliente no âmbito de um fornecimento de um produto pela Roche, que causasse prejuízo patrimonial a esta entidade multinacional, nunca poderia em qualquer caso, ser um segredo de uma ou duas pessoas, atenta a organização e estrutura societária que a Roche possui e pela qual rege a sua actuação no mercado – explicação esta que consideramos ser coerente e verosímel.
 Daí também, tal como aliás foi reconhecido pela assistente no seu RAI, que depois de ter sido comunicado à Roche, pela arguida MP____ , a já acima referida reestruturação que fazia surgir a BSK (cfr documento nº 11 junto com a denúncia), nas semanas seguintes, foram enviados, por três vezes, preços à BSK - cf. Documentos n.ºs 19, 20 e 21 juntos com o RAI -, entre os quais avultava o Accu-Chek Aviva 50T, ao preço unitário de €10,00 (dez euros) (parágrafos 155 e 156 do RAI).
Sendo por isso de assinalar também, em concreto, que JF___ , diretor financeiro, e CM__ , diretora de vendas, assinaram a nova proposta de preços à BSK nas condições praticadas para a Pharma (fls. 170), tendo consentindo nas condições de revenda, inclusive no preço fixado para o mercado Africano, aquando da celebração do referido "Contrato de Distribuição Exclusiva" assinado em 21.3.2016 - cf. art.º 270º do RAI e Documento 22 da Denúncia (fls. 197 e seguintes).
Resulta assim ser acertado defender, estar fortemente indiciado, que outras pessoas pertencentes à Roche, para além dos arguidos, intervieram nos procedimentos relativos à fixação do preço e no envio prévio de encomendas para a BSK, o que, se traduz também na circunstância de estar fortemente indiciado a existência de condições para essas outras pessoas ligadas à Roche, estarem capacitadas pelas suas funções, para alertar e denunciar junto das respectivas chefias, todo e qualquer sinal de alguma situação fora do padrão (sobretudo no que diz respeito a preços) que fosse violadora da política comercial da multinacional Recorrente ROCHE, ou susceptível de lhe causar prejuízos económicos.
Por isso subscrevemos e acompanhamos aqui, a análise que consta da decisão instrutória recorrida, que consideramos inteiramente acertada:
“Dos elementos de prova que constam dos autos, nomeadamente dos documentos acima mencionados e das declarações do arguido HF_____  prestadas em sede de interrogatório judicial, não resulta indiciado que a decisão quanto ao preço do produto tenha sido fixada exclusivamente pelo arguido HF_____  e que essa decisão foi tomada à revelia da estrutura da Roche.
Com efeito, ao contrário do alegado pela assistente no artigo 93 do RAI, não foi produzida qualquer prova no sentido de que o arguido HF_____  tenha instruído R___ , funcionária da Assistente, quanto ao preço a praticar. O arguido alegou que trabalhava com uma equipa e que essa decisão era tomada em equipa. A R___  não foi inquirida nestes autos e não foi indicada ou produzida qualquer prova que indicie que a decisão quanto ao preço a praticar tenha sido tornada de forma oculta, contra instruções da Roche ou em prejuízo da Roche.
Do correio electrónico de 7-8-2013 resulta que o arguido MP______  dirigiu-se directamente à funcionária R___  a quem faz a encomenda do produto e solicita a informação para efectuar o pagamento, (fls. 154 verso).
Tendo em conta o facto das comunicações do arguido MP______ , por parte da Pharma, terem sido com a estrutura da própria Roche e não directa ou exclusivamente com o arguido HF_____ , faz com que se mostre não indiciado o alegado pela Assistente no artigo 107 do RAI, isto é, que a aquisição em causa permaneceu desconhecida da Roche até finais de 2016.
O arguido MP______  não prestou declarações e o arguido HF_____  negou ter estabelecido qualquer acordo com aquele tendo em vista a testarem a possibilidade de colocar a Pharma a adquirir produtos à Assistente a preços fixados pelo próprio arguido e abaixo dos praticados aos restantes armazenistas nacionais.
As restantes arguidas também não prestaram declarações.
Com efeito, pelo simples facto de os arguidos em causa serem cunhados entre si e o facto de o arguido HF_____  Fitniino trabalhar para a Roche, não nos permite inferir a existência de um acordo entre ambos com vista a obter vantagens patrimoniais à custa do património da Roche.
Assim sendo, o alegado pela Assistente nos artigos 107, 108, 109, 110, 111, 112 e 113 do RAI não se mostra indiciado.”
E também a seguinte passagem que aqui deixamos transcrita e subscrevemos na íntegra:
Da conjugação dos documentos juntos a fls. 154 e 165, correio electrónico de 21 de Agosto de 2013 entre o arguido MP______  e AR e R____ , ambas funcionárias da Roche e correio electrónico de 17-2-2014 entre   e CA____ da Roche, indicia-se que a relação comercial entre a Assistente e a Pharma iniciou-se em Agosto de 2013 e com a BSK em Fevereiro de 2014 apesar de não existir nenhum contrato escrito, tal como veio a acontecer com a assinatura do contrato de distribuição exclusiva em 21 de Março de 2016.
Quanto ao preço que foi estabelecido para o fornecimento do produto Accu-Check aviva 50T — 10€ por unidade, não se mostra indiciado que JH___ apenas tenha acedido nesse valor mediante a condição de o fornecimento se destinar exclusivamente ao mercado angolano.
Com efeito, não existe um acordo escrito quanto à relação comercial entre a BSK e a Roche relativa ao período de Fevereiro de 2014 a Março de 2016, da análise feita ao correio electrónico relacionado com os contactos destinados à parceria comercial não transparece essa condição quanto ao preço, o arguido HF_____  em sede de interrogatório negou essa factualidade e a testemunha JH___ referiu que o preço em causa tinha em vista apenas o mercado angolano.
Do correio electrónico de 3 de Março de 2014 (fls. 1463) entre HF_____  para CA____ da Roche resulta que os preços acordados com a BSK Medical era para estes trabalharem nas instituições de saúde nacionais, o que contraria a versão da Assistente. Cumpre dizer que CA____ era um funcionário da Roche, o que indicia que esta tinha conhecimento, ou tinha condições para saber, que os produtos em causa não eram exclusivamente para Angola.
Do documento de fls. 378 verso, condições gerais fixadas pela Roche subscrito por JF___  e CM__ , da Roche, o que contraria a versão da Assistente que apenas o arguido HF_____  tinha conhecimento do preço fixado para a BSK.
Correio electrónico de 23-6-2014 (fls. 381 verso) de CA____ para a equipa da Roche a propósito da BSK, do qual se indicia que a relação comercial que se estabeleceu entre a BSK e a Roche não tinha como condição a venda exclusiva para a Angola e que o conhecimento do preço era do conhecimento da Roche e não apenas do arguido HF_____ .
As facturas que constam de fls. 1466-1470 apenas indiciam o volume das vendas da Assistente à BSK em Abril de 2014 e não o objectivo dessas vendas.
Em face destes elementos de prova e perante a ausência de um documento escrito de onde resulte que a relação comercial estabelecida entre a BSK e a Roche, entre 2014 e Março de 2016 tinha corno objectivo apenas vendas para o mercado angolano, mostra-se impossível considerar como indiciado o alegado pela Assistente nos artigos 172 e 178 do RAI, ou seja, que o preço de 10€ por unidade era exclusivamente para vendas da BSK no mercado angolano.
Deste modo, não estando indiciada a referida condição não é possível concluir, em termos de indiciação, que o preço de 10€ por unidade de Accu-check Aviva atribuído à BSK foi fixado pelo arguido HF_____  através da utilização de um engenho ou ardil perante a Roche ou que não existia qualquer racionalidade económica na venda do produto àquele preço.
Cumpre relembrar, conforme resulta do correio electrónico acima mencionado, que o preço de 10€ por unidade era do conhecimento da estrutura da Roche, pelo menos da equipa com quem o arguido HF_____  trabalhava, e não apenas deste arguido ou fixado unilateralmente por este.
Assim sendo, não se mostra indiciada a factualidade alegada pela Assistente nos artigos 62, 90, 97, 119, 120, 125, 126, 127 na parte em que refere que o arguido HF_____  apresentou na Roche o plano de negócios para a Angola, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 141, 144, 149, 150, 152, 154, 172 e 178.”
C) A contratação em exclusivo da BSK, a partir de 21 Março de 2016, para comercializar em Angola e Moçambique o mencionado produto Accu-Check aviva 50T e que o fornecimento daquele produto pela Roche à BSK, com um preço “atenuado”, tivesse como condição sine qua non que o mesmo apenas fosse vendido pela BSK no mercado Africano (Angola e Moçambique).
Nos termos acima expostos, já vimos que não resulta indiciado nos autos que tivesse havido qualquer acordo entre o arguido MP______  e o arguido HF_____ , com vista a testarem a possibilidade de adquirir produtos à Roche a preços fixados pelo arguido HF_____  e abaixo daqueles praticados para os restantes armazenistas nacionais – sem prejuízo de resultar fortemente indiciado que o preço determinado pela Roche para o produto o Acci-Check Activa 50 T, a comercializar incialmente pela Pharma e depois pela BSK, foi fixado em valor inferior ao que era praticado pela Roche para outros armazenistas nacionais, tendo sido atribuído inicialmente em 2014, um valor de 10 euros a unidade e depois com a assinatura do contrato de exclusividade em 21.3.2016, foi acordado que esse valor passaria a ser de  9 euros a unidade.
Na verdade e tal como já foi dito acima, mostra-se indiciado nos autos que o processo de aceitação da BSK como cliente da Roche, e bem assim o processo de determinação do preço do produto acima mencionado o Acci-Check Activa 50 T, fornecido pela Roche à BSK, seguiu todos os trâmites normais dentro da estrutura da empresa Roche e por isso teve a intervenção do arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche, mas também houve intervenção de outros elementos pertencentes à estrutura da Roche, nomeadamente AR, R___ , CA____  , JF___  (director financeiro e CM__  (directora de vendas), pelo que esse preço não deixou de ser conhecido da estrutura da Roche, não havendo além do mais factos concretos indiciados no RAI e comprovados documentalmente, que indiciem ter esse preço sido fixado exclusivamente para a distribuição de tal produto no mercado Africano (de Angola ou Moçambique).
Na verdade, foi efectivamente assinado entre a Roche e a BSK, um contrato de prestação de serviços em 21.3.2016, nos termos do qual se atribuiu exclusividade à BSK para o mercado Africano – documento 22 junto com a denúncia.
Nos termos da cláusula segunda desse contrato, foi acordado o seguinte entre as partes contraentes: “1. O 2º contraente (BSK) será o distribuidor exclusivo da gama de produtos Accu Chek para o território angolano e moçambicano, assegurando a sua venda às instituições de saúde, a grossistas/armazenistas ou quaisquer distribuidores, bem como farmácias e instituições de saúde”.
Contudo, não resulta clara e expressamente desse contrato, qual o sentido a atribuir a essa cláusula, estando presentemente em curso e pendente entre as duas partes (o arguido HF___  e a sociedade Roche), nas instâncias civis, um litígio judicial quanto a este ponto, pois que a mesma permite duas leituras diferentes: uma versão em que essa exclusividade se traduziria numa restrição territorial imposta pela Roche à BSK, obrigando-a a comercializar os produtos em causa apenas para os mercados de Angola e Moçambique (versão da assistente); e outra versão (defendida pelos arguidos) em que essa exclusividade se traduzia num benefício atribuído à BSK pela Roche, na medida em que lhe concedia o exclusivo dos mercados de Angola e Moçambique, isto é, nesses mercados Africanos, a BSK passava a deter o privélgio de ser a única distribuidora da Roche dessa gama de protudos, mas tal benefício não lhe retirava o lugar de distribuidora global (não exclusiva) dos produtos da Roche noutros mercados (a nível nacional e internacional).
Na verdade, tal como consta da resposta dos arguidos ao recurso, com a celebração do contrato de distribuição exclusiva de 21.3.2016, sustentam os arguidos que a BSK passou a acumular o duplo papel de distribuidor global (não exclusivo) dos produtos fornecidos pela Roche e bem assim o de distribuidor exclusivo dos produtos da gama Accu-Check da área Diabetes Care, nos mercados de Angola e Moçambique.
E mais adiante na sua resposta, vieram ainda sublinhar e chamar a atenção para o facto de a firma BSK não ser uma entidade ardilosa ou que pudesse desenvolver a sua actividade comercial de distribuidora de produtos da Roche, sem o conhecimento expresso da recorrente multinacional Roche, como o demonstram a assinatura em 21 de Abril de 2016 e 21 de Junho de 2016 de dois contratos entre a Roche e a BSK (documentos 23 e 25 juntos com a denúncia) de prestação de serviços de promoção e vendas por parte da BSK da linha de produtos Accu-Check da área de Diabetes Care junto de instituições de saúde diversas (hospitais, farmácias, clínicas e outras instituições de saúde a nível nacional) e que evidenciam estar consolidado nessa altura a integração da BSK na estrutura comercial de vendas da Roche.
Por outro lado, da simples leitura do contrato de prestação de serviços assinado em 21.4.2016, com entrada em vigor em 3.6.2016, resulta claramente estarem aí previstas “fiscalizações” e “auditorias” à execução dos serviços objecto do contrato, pelo que o prestador dos serviços, no caso a firma BSK, dificilmente poderia agir comercialmente, com “rédea solta” sem que toda a sua actividade ao serviço da Roche não fosse escrutinada e regularmente fiscalizada.   
Por isso, também neste ponto, subscrevemos e acompanhamos aqui a análise que consta da decisão instrutória recorrida, a qual consideramos inteiramente acertada:
“Correio electrónico do arguido HF_____, (fls. 178) na qualidade de funcionário da Roche, 29-5-2015, para JH, no qual assegura os contactos que manteve com a BSK e que todos os produtos comercializadas com a BSK chegaram a Angola. (fls. 2517 tradução).
Correio electrónico de 1-9-2015 (fls. 180) trocado entre o arguido HF_____, na qualidade de funcionário da Roche, com JH, seu superior hierárquico, a propósito da existência do produto comercializado com a BSK na Alemanha.
As facturas de fls. 474 a 504 demonstram que a BSK, durante o ano de 2015, ou seja, em data anterior à celebração do denominado contrato de distribuição com a Roche, comercializou o produto Accu-check Aviva 50T para países europeus (Medi-Spezial e Pharmediq) ao preço de 16.40€ e 15.85€ unidade e em 2016 — facturas de fls. 506 a 516 — comercializou ao preço de 17.00€ unidade, o que lhe permitiu uma margem de lucro tendo em conta o valor que lhe era fornecido pela Assistente.
Da própria petição inicial da BSK, constante de fls. 349ss, resulta que esta assume as vendas de produtos que adquiriu à Roche para outros mercados que não Angola e Moçambique.
Estes documentos indiciam que as informações prestadas pelo arguido HF_____  ao seu superior hierárquico relacionadas com o destino dos produtos vendidos à BSK, não eram verdadeiras na medida em que os produtos foram exportados para países europeus. Indicia-se, ainda, ter o arguido HF_____  violado os seus deveres de lealdade para com a sua entidade patronal e ter actuado numa situação de conflito de interesse atenta a sua ligação à BSK.
Contrato de distribuição entre a Roche e a BSK, celebrado em 21-3­-2016 (fls. 197) no qual consta urna cláusula de exclusividade em que a BSK será o distribuidor exclusivo da gama de produtos accu check para Angola e Moçambique para o período compreendido entre 21-3-2016 e 21-3-2020.
O contrato em causa foi assinado, pelo lado da Roche, por JH___ e FF e pelo lado da BSK, por MP______ . Tendo em conta a intervenção de JH___ na assinatura do contrato, a posição deste dentro da estrutura da Roche e o facto de ter sido superior hierárquico do arguido HF_____  entre 2013 e 2016, indicia-se que o conteúdo do contrato era do conhecimento da Roche e que foi aprovado por esta.
Deste documento resulta, também, que a relação comercial entre a Assistente e a BSK só foi formalizada em 21-3-2016 e que à BSK foi atribuído o exclusivo dos produtos para os mercados de Angola e Moçambique. Mais resulta que o preço do produto accu-check Aviva 50T passou para 9% unidade (cfr. Fls. 417 e 418).
Correio electrónico de 27-10-2016 e 24-11-2016 entre o arguido HF_____ , na qualidade de funcionário da Roche, para ZH___ , seu superior hierárquico, a propósito da exportação de produtos desviados do mercado dos PALOP para o Reino Unido (fls. 257, 259).
A testemunha ZH___   apenas conheceu o arguido HF_____  em Setembro de 2016, altura em que iniciou funções na Roche Portugal, razão pela qual não tem qualquer conhecimento directo quanto às negociações entre a Pharma/BSK com a Roche que conduziram à relação comercial iniciada em 2014 e formalizada em contrato em Março de 2016.
Em Abril de 2017 a Roche suspendeu as vendas de Accu Ckeck Aviva ao preço de 9€ para a BSK até que esta comprovasse que estava apenas a vender para o mercado angolano e moçambicano e que, a serem retomadas, continuariam a destinar-se a estes mercados.
No dia 9-2-2018 a BSK resolveu o contrato por carta e no dia 19-8­2018 intentou a acção cível contra a Roche, no qual solicita uma indemnização a título de prejuízos decorrentes do alegado incumprimento da Roche no montante de 21.938.277€. (doc. fls. 351)
Por sua vez, a Roche apresentou contestação/reconvenção no dia 7­12-2018, na qual alega que a BSK não cumpriu o contrato relativamente à obrigação de vender em exclusivo para Angola e Moçambique e pede a condenação da BSK no pagamento de uma indemnização no valor de 7.134.080,21€.
No dia 22-11-2019 a Roche apresentou denúncia com vista à instauração de procedimento criminal contra as pessoas identificadas a fls. 10 e 11 destes autos a qual deu origem ao presente inquérito e instrução.
Destes elementos de prova resulta indiciado que existe uma divergência entre a Assistente e a BSK quanto à interpretação da cláusula segunda do contrato de distribuição celebrado em 21 de Março de 2016. Com efeito, segundo a BSK, a cláusula em causa configura urna vantagem concedida pela Roche traduzida no exclusivo dos mercados de Angola e Moçambique, por seu lado, a Assistente entende que a cláusula constitui uma obrigação sobre a BSK no sentido de apenas comercializar os produtos em causa para os mercados de Angola e Moçambique.
Esta conclusão mostra-se bem evidente se tivermos em conta os contactos e as negociações que foram mantidas entre a Assistente e a BSK relacionadas com o denominado assunto de exportação paralela que se iniciaram em finais de 2016 e culminaram em 9-2-2018 (fls. 461), com a resolução pela BSK do contrato de distribuição global e do contrato de distribuição exclusiva e a posterior concordância por parte da Roche (fls. 462). - Cfr. Correspondência trocada entre a BSK e a Roche entre 12 de Abril de 2017 e ide Março de 2018, que consta de fls. 435 a 462).
Deste modo, mesmo que se considere como indiciado que a BSK Medical estava obrigada a comercializar os produtos que lhe eram fornecidos pela Roche unicamente nos mercados de Angola e de Moçambique e que, não obstante essa obrigação, adquiriu produtos à Roche e coloco-os em exportação paralela fora desses mercados, esta factualidade é insuficiente para consideramos indiciado a existência de um crime de burla qualificada. Com efeito, a factualidade em causa configurará apenas uma situação de eventual incumprimento contratual a ser apreciada no âmbito da competente acção cível já intentada.
Há que dizer que a Assistente só reagiu criminalmente um ano após ter sido demanda pela BSK na acção cível.”
D) A actividade comercial da BSK de venda daquele produto, no mercado Europeu, sem dar conhecimento à Roche, e a alegada causação de um prejuízo patrimonial efectivo, no património da Roche, pela actuação da BSK e dos arguidos por ela denunciados, ao exportarem e venderem o referido produto Accu-Check Aviva 50T para países europeus, com uma elevada margem de lucro, dado o preço mais reduzido que foi praticado pela Roche no fornecimento desse produto.
Veio assim neste ponto defender a Roche, ter sofrido um prejuízo patrimonial efectivo de cerca de €12.000.000,00 por perda de margens nas vendas ilícitas na Europa e perda do negócio em Angola e Moçambique, gerando um enriquecimento patrimonial nos arguidos, afirmando ainda que foi sempre esse o seu objectivo, desde o início da criação da BSK.
Com efeito, pretendeu a assistente Roche no RAI e no seu recurso, fazer passar a tese de que através da conduta ardilosa dos arguidos (mediante a criação de diversas sociedades, as restantes pessoas colectivas aqui denunciadas), criaram os mesmos um esquema de aquisição de produtos Roche (Accu-check Aviva 50T) a preços “descontados” e cujo fornecimento alegadamente fora previsto pela Roche apenas para exclusiva comercialização pela BSK nos mercados Africanos, desviando os arguidos posteriormente esses produtos para o mercado Europeu (sem o conheciento e à revelia da Roche), guardando para si a margem que tais vendas lhe proporcionavam e assim obtendo o arguido HF_____  e seus familiares um benefício ilegítimo e causando um prejuízo avaliado em €12.000.000, 00 (doze milhões de euros), o qual teria sido disseminado atravé do grupo empresarial denunciado pela Roche nestes autos – cfr documento nº 63 junto com a denúncia e documento n.º 2 junto com o requerimento da Roche de 24.2.2020.
Sustenta ainda que, da não venda dos referidos produtos no mercado Angolano e Moçambicano pela BSK, resultou um prejuízo para a assistente, na ordem de 7 milhões de euros - cfr documento nº 63 junto com a denúncia e documento n.º 2 junto com o requerimento da Roche de 24.2.2020.
Outra versão oposta da realidade, foi defendida pelos arguidos que na sua resposta ao recurso defendem a seguinte posição : “(…) não demonstrou a Recorrente ter existido qualquer prejuízo patrimonial e nem qualquer enriquecimento injustificado por parte dos Recorridos (…)
Pelo que, sempre cumprirá dizer que a ser tão excecional e prejudicial como pretende a Recorrente transmitir, a prática de um preço a €10,00 aplicado pela ROCHE à Recorrida BSK, nunca os referidos diretores de vendas e financeiro teriam nele consentido, por não poderem ser praticados.
O conhecimento de tais vendas bem como dos níveis de exportação e o seu controle pelas restantes estruturas e departamentos da Recorrente ROCHE, resulta manifesto do depoimento de JH____ , em diligência instrutória de dia 01.07.2021, constante de gravação 20210701161632_12843_4462833 (…);
Quando iniciou relações com a ROCHE a Arguida BSK possibilitou àquela a criação de um novo canal de distribuição dos seus produtos, quer no mercado nacional, quer no mercado europeu (em face da regulamentação europeia relativa ao mercado único), quer no dos PALOP onde a Recorrente tentava entrar desde 2012 "com a gama de produtos Accu-Check sem sucesso relevante" (cfr. art.º 121º do RAI)
Assim, em 2014 a ROCHE acordou em conceder à BSK o direito de distribuir os dispositivos médicos da gama Accu-Chek, em particular os medidores de glicemia Accu-Chek Aviva e o Accu-Chek Performa, sendo que o Contrato de Distribuição Global celebrado não teve tradução escrita, uma vez que era política interna da ROCHE, nessa altura, não celebrar contratos escritos com os seus distribuidores.
Como já vimos, o email enviado pela Pharma (art.º 91 do RAI) nada refere sobre mercados fora de Portugal. O mesmo se passa com o email de fixação das condições que não é dirigido ao Arguido HF_____  mas a R___  (cfr. Art.º 94º do RAI), o mail da primeira encomenda (art.º 106º do RAI) e o primeiro email onde aparece a BSK (art.º 145º do RAI). E obviamente todos a partir daí.
Nesse compromisso inicial não existia (i) qualquer restrição territorial ou (ii) qualquer restrição quanto aos preços de revenda aos clientes finais, sendo que os preços unitários de compra foram fixados respetivamente em €5,50 (preço unitário do Accu-Chek Performa) e €10 (Accu-Chek Aviva).
Em relação à inexistência de restrição territorial, e porventura de forma mais clara, em nenhum momento a Recorrente ROCHE colocou qualquer entrave à possibilidade que a Recorrida BSK tinha em distribuir os produtos em mercados que não os mercados angolanos e moçambicanos.
Mais do que uma omissão (por distração ou esquecimento) a Recorrente ROCHE (nesse aludido período temporal entre 2014 e 2016) reconhecia, autorizava e motivava a revenda dos produtos sem limitações especiais ou temporais (…).
Assim, entre Março de 2014 e março de 2016, a relação comercial entre BSK e a ROCHE desenvolveu-se de forma frutífera para ambas as partes, sendo que ocorreu um aumento significativo do volume de vendas dos dois produtos referidos, quer através do aumento do volume de negócios de clientes existentes, quer através da angariação de novos clientes, como se verifica pelo quadro seguinte (constante do art.º 161º da petição inicial da acção cível)(…)”.
Na verdade, a assistente veio invocar que através de uma conduta ardilosa dos arguidos, foi mantida em erro e foi levada a fornecer à BSK, enormes quantidades de produtos Roche (Accu-check Aviva 50T) a preços descontados, o que de outro modo nunca teria fornecido, tendo incorrido assim num prejuízo patrimonial na ordem de 12 milhões de euros.
Mas não explica, por meio de factos descritos no RAI, de que forma e em concreto esse prejuízo aconteceu, nem tão pouco explica de que modo a frustração do “ataque” aos mercados Africanos (Angola e Moçambique) com o desvio dos produtos para o mercado Europeu, se traduziu em concreto para a Roche, no invocado prejuízo de 7 milhões de euros.
Com efeito, entendemos que também neste ponto não lhe assiste razão, porquanto desde logo, não se mostram indiciados no RAI factos concretos que demonstrem como era em concreto calculada a margem de lucro dos produtos fornecidos pela Roche à BSK e por esta vendidos e de que modo, conseguiu a BSK iludir os necessários controlos de váriada natureza (nomeadamente financeira e contabilistica), a que a sua actividade comercial sempre esteve sujeita por parte da Roche, para podermos perceber na realidade, os seguintes pontos relevantes:
a) de que modo e em que termos, esses resultados extremamente positivos alcançados pela BSK com as elevadas margens de lucro praticadas com a venda desses produtos Roche (Accu-check Aviva 50T) no mercado europeu, tiveram reflexos na contabilidade interna da BSK, conduzindo a um enriquecimento visível desta empresa e dos arguidos;
b) e de que modo e em que termos, esses resultados extremamente positivos alcançados pela BSK, com as elevadas margens de lucro praticadas com a venda desses produtos Roche (Accu-check Aviva 50T) no mercado europeu, alegadamente não tiveram reflexos na contabilidade interna da Roche, com a consequente causação de um prejuízo patrimonial na ordem de 12.000.000.00 euros.
Na realidade convém sublinhar, que o alegado enriquecimento ilícito, que a assistente atribui à BSK, resulta da apropriação por esta empresa da margem de lucro que obteve nas vendas que efectuou dos produtos Roche (Accu-check Aviva 50T) no mercado europeu na qualidade de revendedora da Roche.
Não é difícil perceber, que as margens da revendedora BSK, passaram a ser maiores, no contexto acima descrito, em função do preço reduzido a que foi fornecido pela Roche o produto objecto dessas vendas (Accu-check Aviva 50T), mas não podemos esquecer que os lucros obtidos pela BSK com essas vendas em grande escala, teriam também necessáriamente que ter reflexo no património da Roche fornecedora desse produto, com quem a BSK mantinha uma relação contratual, não estando indiciados factos concretos no RAI que infirmem esta realidade, em termos de contabilidade (numa perspectiva puramente comercial e de obtenção de lucros/proveitos económicos, afigura-se que a venda de 10 artigos a um preço de 100 euros cada, será sempre necessariamente menos vantajosa em termos económicos para o vendedor, do que a venda de 100 artigos pelo valor de 50 euros cada unidade).  
Assim sendo, mesmo a aceitar-se que a Roche sofreu os prejuízos que invoca, decorrentes da apropriação por parte da BSK das elevadas margens de lucro que praticou entre 2014 e 2016, com as vendas em grandes quantidades de produtos Roche (Accu-check Aviva 50T) no mercado europeu, o que se impõe concluir é que, esses alegados prejuízos não resultaram da alteração do destino de colocação do produto (que alegadamente foi desviado pelos arguidos dos mercados Africanos para o Europeu à revelia da assistente), nem de uma errada política de preços fixada para o referido produto vendido pela BSK na Europa, pois o que resulta indiciado, é exactamente o inverso, isto é, que a estratégia comercial seguida pela BSK foi bem sucedida, na medida em que as vendas na Europa do referido produto, foram um sucesso e permitiram aumentar os proveitos económicos obtidos com as mesmas.
O que se impõe concluir, é que a verificarem-se esses prejuízos económicos invocados pela Roche, os mesmos apenas teriam sido causados por uma apropriação indevida feita pelos arguidos da margem de lucro por eles obtida, com essas vendas no mercado europeu e que se não tivesse essa apropriação ilícita acontecido e os lucros obtidos nessas vendas, sido repartidos da forma que seria expectável de acordo com o contratado entre as partes, tudo estaria bem e não haveria a verificação de qualquer prejuízo económico para a Roche.
Deste modo, podemos constatar mais uma vez, que aquilo que estaria aqui equacionado, seria apenas uma violação contratual por parte dos arguidos, com relevância civil (violação do acordado pelas partes no que respeita à distribuição das margens de lucros) e nunca com relevância penal.
Tudo visto, os factos e o Direito, tal como bem ficou expresso na decisão recorrida e em obediência ao princípio da mínima intervenção do Direito Penal, concordamos e subscrevemos as conclusões que se encontram formuladas na decisão recorrida, quanto à inexistência nos autos de factos suficientes, imputados aos arguidos, que possam integrar um comportamento astucioso ou ardiloso dos mesmos, que fizessem a Roche incorrer num erro e nele permancer durante alguns anos.
E para além disso, também concordamos não estar indiciado no RAI que em consequência de uma qualquer astúcia ou ardil por parte dos arguidos, a Roche induzida em erro, tivesse praticou actos que lhe causaram prejuízo económico efectivo.
Tal como ficou correctamente expresso na decisão recorrida: “Cumpre referir que essa astúcia Ou ardil tem de ser determinante para a prática dos actos por parte da vítima e determinante de um prejuízo para a mesma. Ora, o que se mostra indiciado é apenas a violação de deveres laborais, deontológicos e a actuação em conflito de interesses por parte do arguido HF_____, bem como ama situação de alegada culpa na formação dos contratos ou de incumprimento contratual por parte da BSK para com a Assistente e não a existência de urna situação de falsa representação da. realidade concreta a funcionar como um vício influenciador da decisão da assistente.
Assim, ainda que constando da matéria de facto indiciada, que o arguido HF_____, na qualidade de funcionário da Roche, não cuidou de cumprir os seus deveres de diligência, lealdade, que actuou em conflito de interesses e que ocultou informações relevantes para a sua entidade patronal, esta factualidade não autoriza o enquadramento jurídico-criminal da correspondente actuação no âmbito do crime de burla.
Como ficou indiciado, o arguido HF_____, apesar da intervenção directa que teve na definição da relação comercial entre a BSK e a Roche, nunca actuou de forma unilateral e nunca ocultou da entidade patronal os aspectos essenciais relativos aos elementos contratuais.
Como já referimos acima, a factualidade descrita no RAI e aquela que se mostra indiciada apenas terá relevância do plano da responsabilidade civil contratual ou pré-contratual e não no âmbito do crime de burla”.
Em conclusão, consideramos que o Sr. JIC fez uma correcta apreciação da prova documental e testemunhal produzida em sede de inquérito e instrução, e decidiu bem, dando razão aos arguidos aqui recorridos, no sentido de que os factos trazidos aos autos pela assistente Roche, não consubstanciam matéria de facto indiciada, que permita o seu enquadramento jurídico-criminal no âmbito do crime de burla qualificada, tratando-se sim de factualidade com relevância em sede de responsabilidade civil.
Pelo exposto, improcede o recurso dos arguidos também neste segmento.

DO CRIME DE BRANQUEAMENTO e DO CRIME DE ASSOCIAÇÂO CRIMINOSA
Veio a assistente Roche insurgir-se contra a decisão de não pronuncia pela crime de associação criminosa, alegando não assistir razão ao Tribunal a quo, porque consta da factualidade vertida no RAI nos artigos 55 a 416, a fundação da associação criminosa, e a descrição dos elementos que dela faziam parte, aí se lendo, designadamente, que a sociedade BSK (i) foi constituída pelos Arguidos HF_____ , MP____ e VS____  [v. parágrafos 113-116 do RAI e Documento nº 9 junto com Denúncia], e (ii) foi explorada pelos Arguidos HF_____ , MP______ , MP____ e VS____  [v. parágrafos 113-117 do RAI e Documento nº 9 junto com Denúncia].
Não assiste razão ao Tribunal a quo, porque consta da factualidade vertida no RAI que os Arguidos (i) constituíram a BSK com o propósito de adquirir junto da Recorrente o produto Accu-Chek Aviva 50T, por valor inferior ao seu valor de mercado, mediante a indução da Recorrente em erro quanto ao destino do mesmo [v. parágrafos 112 a 141 do RAI], (ii) tinham conhecimento de que o projeto empresarial da BSK se fundava no aproveitamento ilícito das condições de fornecimento obtidas junto da Recorrente, por intermédio do Arguido HF_____  [v. parágrafos 112 a 157 do RAI], (iii) atuaram com o propósito de constituir um grupo dedicado à exploração de uma atividade ilícita, correspondente à obtenção de produto Accu-Chek Aviva 50T, mediante a indução e manutenção da Recorrente em erro quanto ao real destino dos produtos adquiridos [v. parágrafos 112 a 339 do RAI].
Não assiste razão ao Tribunal a quo ao referir que não estão preenchidos os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de associação criminosa, uma vez que:
g. A associação foi constituída e executada por uma pluralidade de pessoas, designadamente pelos Arguidos HF_____ , MP______ , MP____  , VS____  e BSK;
h. Os elementos constantes dos autos demonstram um elemento de duração ou permanência do grupo, tendo constituído uma sociedade para a prática dos crimes em causa, a qual perdurou no tempo, e com esse objetivo, por um período, pelo menos, de três anos;
i. A associação constituída pelos Arguidos tinha um mínimo de estrutura organizatória, evidente (i) na sofisticação da prática criminosa em causa, evoluindo de uma aparência de sociedade, para a constituição de uma efetiva sociedade; (ii) a criação de uma estrutura de decisão dentro da própria associação, e de responsáveis para os canais de comunicação com a Recorrente; (iii) a manutenção, desde o início, do mesmo corpo de intervenientes; (iv) a manutenção da sociedade para assegurar a manutenção das relações com a Recorrente;
j. A atuação dos Arguidos revela que os mesmos planearam e executaram, num dado período de tempo, um esquema criminoso, revelador de um processo de formação de vontade colectiva, ali exteriorizado;
k. A atuação dos Arguidos, designadamente o encadeamento lógico e temporal dos atos materiais praticados por cada um dos Arguidos individualmente considerado, revela a existência de um sentimento comum de ligação por parte dos membros da associação;
l. A atividade da associação era dirigida à prática de crimes, sendo, aliás, esse o seu único escopo, conhecido por todos os Arguidos.

A assistente veio ainda defender, estar suficientemente indiciada no RAI a prática, pelos arguidos ora Recorridos HF_____ , MP______ , MP____  , VS____ BSK, Healthco SGPS, Burgolegacy, Delk Pharma, Delk Açores e Healthco Unipessoal, em coautoria, de um crime de branqueamento, invocando que os arguidos por ela denunciados, têm vindo a transferir, ocultar e dissimular vantagens concentradas na BSK, ilícitamente obtidas, depois de induzirem a assistente em erro, quanto ao condicionalismo em que o fornecimento do produtos Accu-Check Aviva 50T foi efectuado à arguida BSK.
Para o efeito, veio elencar no RAI o seguinte:
"399. O Denunciado HF_____  sabia que com a sua conduta estava a incorrer na prática de um facto proibido por lei, tendo atuado com consciência e vontade de obter vantagens patrimoniais ilegítimas, para si e para os restantes Denunciados, em prejuízo da Assistente e do Grupo Roche.
401. Os Denunciados HF_____ , MP______ , MP____ e VS____ pretenderam ainda com as suas condutas transferir as vantagens por si obtidas por meio dos seus comportamentos criminosos, tendo atuado com o propósito de dissimular a sua origem ilícita, bem como de evitar a sua própria perseguição criminal.
(…)
405. O Denunciado BSK sabia que com a sua conduta estava a incorrer na prática de um facto proibido por lei, tendo atuado com consciência e vontade de obter vantagens patrimoniais ilegítimas, para si e para os restantes Denunciados, em prejuízo da Assistente e do Grupo Roche.
(…)
Sendo que, recorde-se, estes factos são precedidos dos narrados nos parágrafos 356 a 393 do RAI onde são narrados os comportamentos objetivos de cada um dos Arguidos, evidenciando este sentimento interior de desconformidade com a legalidade e de vontade de atuação nesse sentido."

Contrariamente à assistente Roche, que imputou aos arguidos a prática destes dois crimes, veio o M.P na sua resposta ao recurso e também em sede de alegações, na audiência que teve lugar na Relação de Lisboa, defender que não se mostrando indiciada a prática do crime de Burla qualificada nem o crime de falsificação de documentos, os quais poderiam ser os crimes precedentes do crime de branqueamento e o crime fim do crime de associação criminosa, então impõe-se considerar também não haver indícios da prática destes dois tipos de ilícito.
De igual forma, os arguidos vieram defender a manutenção da decisão de não pronúncia quanto a estes dois ilícitos, aderindo à argumentação constante da decisão recorrida, sustentando nomeadamente, que falta no RAI a descrição de factos que traduzam a existência do dolo deste tipo, no que respeita ao crime de branqueamento, não podendo o mesmo ter-se por enunciado de forma implícita.
Concluem assim que esse dolo de tipo está insuficientemente delimitado no art.º 401º do RAI, sendo ainda forçada e incompleta a caracterização do mesmo, com o elenco da factualidade referida nos art.ºs 399º, 405º, 408º a 415º, os quais se reportam apenas ao dolo específico dos demais tipos de crimes imputados aos arguidos e não ao dolo de tipo do crime de branqueamento.  
Quid Juris?
Dispõe o artigo 368°-A do C.P, com a redacção vigente à data dos factos, com a epígrafe "Branqueamento":
"1. Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infracções referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos, assim como s bens que com eles se obtenham.
4 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o .fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de dois a doze anos.
5 - Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos."
E por sua vez dispõe, o art.º 299º n° 1 do CP o seguinte:
"1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou atividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes é punido com pena de prisão de um a cinco anos."

O Tribunal a quo entendeu na sua decisão instrutória ora recorrida que se impunha não pronunciar os arguidos quanto a estes dois ilíticos, argumentando em resumo, quanto ao crime de associação criminosa, não estar suficientemente indiciado que os arguidos HF_____, MP______, MP____, VS____  e BSK teriam actuando querendo criar uma associação como entidade autónoma e transcendente e como centro de motivação e imputação de acções criminosas; e quanto ao crime de branqueamento, que não está suficientemente indiciado que o dinheiro que circulou pelas contas dos arguidos no período temporal referenciado pela assistente, fosse um “dinheiro” sujo, por ser proveniente da prática de um crime de burla qualificada, cometida pelos arguidos, HF____, MP_____, MP____, VS____  e BSK, faltando ainda o dolo do tipo, argumentando nos seguinte termos, que aqui se deixam transcritos e com os quais se concorda:
Quanto ao elemento subjectivo, no que se refere ao crime de branqueamento imputado aos arguidos, os factos são os seguintes:
artigo 401º do RAI: Os Denunciados HF_____ , MP______ , MP____ e VS____ pretenderam ainda com as suas condutas transferir as vantagens por si obtidas por meio dos seus comportamentos criminosos, tendo actuado com o propósito de dissimular a sua origem ilícita, bem como de evitar a sua própria perseguição criminal.
Tendo em conta os factos descritos no RAI (artigos 356-393 e 401), verifica-se que a menção constante nos artigos do RAI de que o facto praticado pelos arguidos se destinou a criar a aparência de que os montantes pecuniários em causa tinham origem lícita, a encobrir a verdadeira titularidade do dinheiro e a criar barreiras à detecção de tal circunstancialismo, satisfaz a parte da descrição do dolo de que o agente agiu com intenção de dissimular a origem ilícita dos vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal.
Assim, quanto ao dolo específico, o mesmo mostra-se descrito no RAI em termos factuais.
No que concerne ao dolo-do-tipo, ou seja, que os arguidos agiram, no momento em que aceitaram realizar o contrato de mútuo entre a BSK e Burgolegacy, no valor de 899.000,00€ em 2017, na aquisição pela BSK de participações financeiras da arguida Delk Pharma no total de 30.245,00€ em 2017, na aquisição pela BSK de participações financeiras da arguida Delk Açores no total de 157.000,00€, 80.000,00€ e 77.000,00€, nas compras feitas pela BSK à Delk Pharma no valor de 972.053,00€ e 142.220,00€, na transferência para a arguida Healthco SGPS o valor de 3.105.559,00€, sabendo que os fundos tinham origem na prática de um ilícito penal típico do catálogo do artigo 368.º-A n.º 1 do CP, no caso concreto, num crime de burla qualificada, constata-se que o RAI não enumera esses factos.
Como se vê, a assistente limitou-se a dizer que os arguidos tinham conhecimento que os fundos tinham origem na prática de crime e que eram produto do crime, sem que, em momento algum, diga que os arguidos conheciam ou que representaram como possível, no momento em que tiveram lugar as respectivas operações, que os alegados fundos constituíam uma vantagem de um crime de burla qualificada.(…) Tendo em conta o caso concreto, o RAI é parcialmente omisso relativamente à narração dos factos caracterizadores do dolo, mais concretamente ao dolo-do-tipo, exigido para o preenchimento do crime de branqueamento de capitais, sendo certo que isto não constitui uma simples fórmula jurídica sem conteúdo útil, mas matéria de facto e um elemento constitutivo do crime em causa.
Na verdade, no que concerne ao elemento subjectivo exigido para o preenchimento do tipo, neste caso o crime de branqueamento de capitais, é imprescindível que os respectivos factos integradores sejam descritos, de forma precisa, na acusação ou no RAI, independentemente de, em regra, na ausência de confissão ou de confissão congruente com a factualidade que venha a ser apurada, a sua inferência se fazer com base nesta. Não basta, pois, a narração dos factos materiais em que se consubstancia a prática da infracção.
Enquanto elemento constitutivo do crime em presença, o dolo não se presume, devendo, isso sim, constar expressamente do RAI
(…)Assim sendo, a mera referência a origem ilícita não satisfaz a exigência para o preenchimento do dolo-do-tipo, na medida em que o conceito ilícito é muito vago e insuficiente para preencher o conhecimento quanto à origem das vantagens e nem se argumente que isso se mostra implícito nos factos narrados. Com efeito, os "factos" que constituem o "objecto do processo" têm que ter a concretude suficiente para poderem ser contraditados e deles se poder defender o arguido e, sequentemente, a serem sujeitos a prova idónea, o que manifestamente não se verifica no caso concreto.
Para além disso, a alegação que as vantagens têm origem na prática de crime ou constituem produto da prática de crime, também não é suficiente para preencher o dolo do tipo, na medida em que o crime de branqueamento, em qualquer das suas modalidades, é um crime necessariamente doloso, impondo-se que o agente saiba, no momento da prática da acção, que o objecto da acção de dissimulação ou ocultação é proveniente de um dos factos ilícitos típicos previstos no catálogo do artigo 368º-A n.º 1 do CP.”

Subscrevemos e acompanhamos também aqui, tal decisão no que respeita à inexistência de indícios da prática de um crime de associação criminosa, que consideramos corresponder a uma leitura correcta da factualidade indiciada nos autos, a partir da análise cuidada, crítica e conjugada de toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos e que aqui deixamos reproduzida, nada havendo a censurar ou a acrescentar ao já decidido na 1ª instância:
“(…) Na verdade, o alegado pela Assistente não é susceptível de configurar o crime em causa, na medida em que os factos descritos não preenchem minimamente, nem a dimensão objectiva, nem a dimensão subjectiva do crime de associação criminosa. Basta uma leitura mais atenta do RAI para verificarmos que os arguidos em causa nunca se propuseram a criar uma associação como entidade autónoma e transcendente e como centro de motivação e imputação de acções criminosas.(…) Com efeito, verificamos que o RAI começa por descrever a relação familiar que existia entre os arguidos, os locais onde trabalhavam, as circunstâncias que presidiram à constituição da BSK, as ligações de cada um dos arguidos à BSK, as relações comerciais entre a BSK e a Roche, para em seguida dizer, sem concretizar como, que criaram uma estrutura organizada. Portanto, o que temos aqui, segundo o RAI, é uma relação familiar e o aproveitamento dessa relação para a prática de factos, alegadamente ilícitos (…) Resulta líquido do RAI que os arguidos não se propuseram em pôr de pé uma realidade transcendente em relação aos próprios arguidos, o que eles se propuseram, segundo a Assistente, foi a uma coisa bem distinta: delinear um plano com vista à concretização de relações comerciais com a Assistente em condições contratuais mais favoráveis do que as normalmente praticadas e que o próprio arguido HF_____ , atento as funções que exercia na Roche, faria por assegurar e que para a execução desse plano necessitaram de colaboração (comparticipantes) de outros arguidos. (artigos 477, 478 e 479 do RAI).
Não se verifica, também, o menor sinal de vontade colectiva e do respectivo processo de formação e afirmação, fundamentais à existência de uma associação criminosa. Na verdade, o que temos descrito no RAI é a vontade dos arguidos HF_____  e MP______  que desenharam o plano e não a submissão destes arguidos à vontade colectiva da estrutura ou da organização, ou seja, são os demais arguidos que se submetem aos desígnios e ao plano traçado pelo arguido HF_____ .
Do RAI também não resulta o sentimento de pertença a uma associação. Não se vislumbra que os arguidos, todos eles, tenham erigido os desígnios ou propósitos da associação em premissas da sua actuação.
Daqui resulta que não temos uma pluralidade de pessoas ligadas por um desígnio comum, nem a verificação de um processo de formação de vontade colectiva.
Estes factos, por si só, são mais do que suficientes para concluirmos pela falta de um processo de formação de vontade colectiva e de uma estrutura estável e organizada.(…) Assim, forçoso é concluir pela insuprível falta dos pressupostos objectivos e nucleares da factualidade típica do crime de associação criminosa. Na verdade, à luz dos factos descritos no RAI, e mesmo sem necessidade de recorrer à falta de elementos de prova, nunca se poderiam imputar aos arguidos as acções típicas de promover, fundar, chefiar ou dirigir grupo.
O mesmo se diga em relação ao elemento subjectivo. Também aqui mostra-se irremediavelmente comprometido o preenchimento da factualidade típica do crime de associação criminosa. Com efeito, na matéria descrita no RAI, falta em absoluto qualquer referência aos elementos intelectual e volitivo, reportados ao tipo objectivo do crime de associação criminosa. O que vemos é que todas as referências de natureza subjectiva constantes da acusação, em particular quanto aos arguidos HF_____  e MP______ , na qualidade de alegados fundadores, se reportam ao crime de burla qualificada que nada tem que ver com o crime de associação criminosa.
Da leitura do RAI, tanto na sua direcção cognitiva como volitiva, o dolo reporta-se em exclusivo ao crime de burla.(…) A associação criminosa distingue-se da comparticipação pela estabilidade e permanência que a acompanha, embora o fim num e noutro instituto possa ser o mesmo; mas o elemento distintivo fundamental da associação criminosa em relação à comparticipação reside na estrutura nova que se erige, uma estrutura autónoma superior ou diferente dos elementos que a integram e que não aparece na comparticipação. É mais que a actuação conjunta de várias pessoas.
Não se mostra indiciado o alegado nos artigos 400º e 480º do RAI.
Assim sendo, nem os autos, nem o RAI fornecem elementos factuais e indícios probatórios suficientes que sustentem uma decisão de pronúncia pelo crime de associação criminosa p e p pelo 299º do CP, razão pelo qual se impõe, por força do artigo 307º nº 4 do CPP, desde já, decisão de não pronúncia relativamente a todos os arguidos a quem foi imputado a comissão deste crime(…)”.

Já quanto ao crime de branqueamento, tendo em conta os elementos deste tipo de crime e factualidade descrita no RAI, resulta da leitura deste preceito e também de tudo o acima exposto no que respeita à improcedência da pretensão da assistente (decai a sua pretensão de imputar aos arguidos da prática de um crime de burla qualificada e de falsificação de documentos, assim como de um crime de associação criminosa) que a imputação deste novo ilícito (crime de branqueamento) também não tem qualquer sustentação factual nos autos e está votada ao insucesso.
A assistente pretendia demonstrar que os arguidos aqui denunciados, provocaram a transferência de património entre as diversas sociedades denunciadas, fazendo-as actuar fora dos respectivos escopos sociais, com o propósito de dissimular as vantagens obtidas através da prática dos crimes de burla e falsificação de documentos, que constituem os crimes precedentes do crime de branqueamento. 
Tal como bem foi delineado na decisão recorrida, o crime de branqueamento é um crime contra a realização da justiça, na medida em que através da sua prática o agente persegue o fim de dissimular a origem ilícita dos bens a branquear, sendo que dissimular a origem ilícita dos bens é uma forma de evitar a perseguição criminal.
Donde decorre, que a punição de uma determinada conduta a título de branqueamento, exige a existência de um facto típico ilícito que integre o catálogo previsto no artº 368º-A do C.P., o qual seja gerador de vantagens, sendo este crime doloso.
Dúvidas não se colocam assim de que no crime de branqueamento se censura uma actividade que constitui uma actividade derivada ou induzida de outras actividades, isto é, que pressupõe a presença de um facto ilícito típico prévio.
Deste modo, se no caso em apreço, não ficou suficientemente indiciado no RAI, condutas dos arguidos que se traduzam em factos idóneos para preencher os elementos objectivos e subjectivos dos crimes de burla e de falsificação de documento a eles imputados, (não tendo sido apurados elementos suficientes para poder imputar, ainda que em termos indiciários, tais crimes aos arguidos), então também resulta impossível pretender fazer crer que o dinheiro movimentado pelos arguidos, que circulou nesse período de tempo descrito pela assistente, através das suas respectivas contas bancárias, seja dinheiro “sujo”, por constituir o produto da prática de um crime, nomeadamente do crime de burla qualificada cometidos pelos arguidos HF_____, MP______, MP____, VS____  e BSK.
Além do mais, também concordamos que no RAI, não ficaram descritos factos suficientes que integrem o dolo de tipo quanto a este específico crime, nos termos expostos na decisão recorrida, já acima reproduzidos.
Nos termos e pelas razões supra enunciadas, inviabilizada fica pois a imputação dos crimes de branqueamento e de associação criminosa aos arguidos, devendo manter-se a decisão recorrida também neste ponto.
Em conclusão, tudo visto, os factos e o direito, achamos que também aqui não assiste razão à assistente Roche e subscrevemos a decisão instrutória recorrida na parte em que aí se conclui acerca da inexistência de factos suficientes descritos no RAI, que permitam defender estar indiciada a prática pelos arguidos dos crimes de associação criminosa e de branqueamento, a partir da análise feita pelo Sr. JIC de toda a prova documental e testemunhal produzida em sede de inquérito e instrução.
Concorda-se assim, pelas razões supra expostas, com a decisão de não pronúncia, quanto a todos os crimes acima analisados, relativamente a todos os arguidos denunciados pela assistente e aqui recorridos, nos termos constantes da decisão recorrida, que aqui se dá por reproduzida e se mantém.
Assim sendo, improcede na íntegra o recurso da assistente Roche.

III- Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar totalmente não provido o recurso interposto pela assistente “Roche-Sistemas de Diagnósticos, Soc. Unipessoal Lda”, da decisão instrutória de não pronúncia dos arguidos arguidos HF_____, MP______, MP____, VS____, BSK, Healthco SGPS, Burgolegacy, Delka Pharma, Delk Açores e Healthco Unip, nos termos e pelos fundamentos supra expostos, mantendo-se essa decisão instrutória proferida a 26.11.2021, nos seus precisos termos.
b) Custas pela assistente recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Lisboa, 9 de Novembro de 2022
Ana Grandvaux
Rui Teixeira
Alfredo Gameiro
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[1] Que corresponde ao Titulo I ("Dos articulados") do Livro III ("Processo de Declaração") do Código de Processo Civil (CPC), constante dos art.ºs 552.° e seguintes e que Inclui a "Petição Inicial" (Capítulo I), a "Contestação" (Capítulo III) e, neste caso específico, a "Reconvenção" (secção III) e "Tréplica" (Capitulo IV);
[2] JORGE FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, 2001, p. 43
[3] V. HANS WELZEL, Studien zum System des Strafrechts, p. 140 e ss
[4] JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal - Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2004, p. 121
[5] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.06.2009, proferido no âmbito do processo n.° 586/05.3TAACB-Cl, disponível em www.dgsi.pt
[6] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02.08.2018, no âmbito do processo n.º 5278/14.0TDLSB.L1-9, www.dgsi.pt
[7] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23.10.2017, proferido no âmbito do processo n.° 781/14.4GBGMR.G1, disponível em www.dgsi.pt
[8] GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2000, p. 335.
[9] MONIZ, HELENA, Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, p. 682
[10] MONIZ, HELENA, Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, p. 666
[11] O  Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 1/2003 considerou que o crime de falsificação de documento é um crime contra a vida em sociedade, em que é protegida a segurança e confiança do tráfico probatório, a verdade Intrínseca do documento enquanto tal, como bem jurídico.
[12] Cfr. Direito Penal - Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora , 2004 pág. 333
[13] SIMAS SANTOS E LEAL-HENRIQUES, Código Penal Anotado, 3.a edição, 2.º volume, Parte Especial, Editora Rei dos Livros, 2000, p. 839. Exemplificando os Autores esclarecem "pode ocorrer por diversas formas: mediante um aumento patrimonial dos bens de terceiro ou do agente (...); mediante uma diminuição do passivo patrimonial do agente ou de terceiro (..); mediante a poupança de despesas, que são satisfeitas pelo lesado (...);".
[14] ALMEIDA COSTA, Comentário Conimbricense, II, p. 301.
[15] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.8 ed. UCE, 2015, p. 851.
[16] A ROCHE como empresa certificada que era e sendo uma empresa farmacêutica tinha a obrigação legal de, ao abrir qualquer cliente no seu sistema, pedir toda a documentação referente aos clientes, para validações de alvará (por exemplo). Era este departamento, juntamente com o departamento de qualidade que procedia a essa avaliação e validação.
[17] Ferramenta online que, pelo contribuinte da empresa, fornece detalhadamente toda a história da empresam desde a sua fundação, com informação sobre órgãos sociais, vendas, margens, resultados IES etc. Nesta análise figuram Igualmente os seus sócios, os adminitsrtadores da empresa e os seus cônjuges.
[18] Não é aliás verdade, a propósito das tiras, que a ROCHE venda estes produtos a € 16,00. A ROCHE faz arbitragem de preços e tem preços para estes produto que vão desde os  €7,5 até aos €30,00 para este produto na Europa.
[19] Os Recorridos seguem, nesta parte, o que haviam mencionado nos requerimentos Juntos na fase de instrução.
[20] Ação cível, processo n.º 14636/18.0T8SNT, que corre termos no Tribunal Cível de Lisboa, na qual a Assistente deduziu um pedido reconvencional no valor de €7.134.080,21.
[21] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.06.2009, proferido no Âmbito do processo n.º 586/05.3TAACB-C1, disponível em www.dgsi.pt.
[22] In Revista de Legislação e Jurisprudência - "O crime de Associação de Malfeitores (interpretação do artigo 263.° do código Penal)", Ano 70, p. 97 e p. 98.
[23] Cfr. neste sentido Ac. Do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Março de 2021, proferido no processo 5148/20.2JAPRT-A.P, disponível em www.dgsi.pt;
[24] LOURENÇO MARTINS, "Branqueamento de capitais: Contra medidas e nível Internacional e nacional", In Revista Portuguesa de Ciência Criminal (RPCC), Ano 9, Fasc. 3.0, Julho-Setembro, 1999, pp. 450 a 451.
[25] PEDRO CAEIRO, A consumação do branqueamento pelo facto precedente, In Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, 2010, p. 200, nota 35.
[26] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.07.2013, proferido no âmbito do processo n.o 1/05.23FLSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt.
[27] Acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa27, de 20.06.2017, proferido no âmbito do processo n.o 208/13.9TELSB-E.L1-5, disponível em www.dgsi.pt.
[28] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 30.10.2019, proferido no âmbito do processo n.o 405/14.0TELSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt.
[29] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02.08.2018, no âmbito do processo n.o 5278/14.0TDLSB.L1-9, www.dgsi.pt
[30] MONIZ, HELENA, Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, p. 682
[31] MONIZ, HELENA, Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, p. 666
[32] O  Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 1/2003 considerou que o crime de falsificação de documento é um crime contra a vida em sociedade, em que é protegida a segurança e confiança do tráfico probatório, a verdade Intrínseca do documento enquanto tal, como bem jurídico.
[33] Cfr. Direito Penal - Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora , 2004 pág. 333
[34] SIMAS SANTOS E LEAL-HENRIQUES, Código Penal Anotado, 3.ª edição, 2.º volume, Parte Especial, Editora Rei dos Livros, 2000, p. 839. Exemplificando os Autores esclarecem "pode ocorrer por diversas formas: mediante um aumento patrimonial dos bens de terceiro ou do agente (...); mediante uma diminuição do passivo patrimonial do agente ou de terceiro (..); mediante a poupança de despesas, que são satisfeitas pelo lesado (...);".
[35] ALMEIDA COSTA, Comentário Conimbricense, II, p. 301.
[36] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.8 ed. UCE, 2015, p. 851.