Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1202/20.9T8OER-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: NULIDADE DE ACTOS PROCESSUAIS
RECURSO INTERLOCUTÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADO O PROCESSADO
Sumário: I – Não existe nenhuma nulidade processual, em si, quando uns embargos são apresentados em tempo considerando uma citação ocorrida depois de deferida a arguição de nulidade da citação anterior.
II – Mas se o despacho que deferiu a arguição de nulidade vem a ser revogado implicitamente pelo tribunal de recurso, a nova citação e todo o processado com base nela caem por arrastamento por força daquela revogação, como nulidades derivadas (art. 195/2 do CPC), isto, naturalmente, depois do trânsito em julgado do acórdão revogatório.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo  identificados:

1\ Em 20/03/2020, o Condomínio do empreendimento no lote A na Q requereu uma execução sumária para pagamento de 6.739,86€ contra G.
2\ A 24/08/2020, a agente de execução juntou aos autos certidão da nota de citação do executado, feita mediante afixação no dia 20/08/2020.
3\ A 23/09/2020, a AE declara que vai proceder à transferência/pagamento do valor supra indicado e, considerando que se encontra assegurado o pagamento da dívida exequenda, dos juros, bem como dos honorários e despesas do AE, decide extinguir o processo executivo, de tanto notificando as partes por carta elaborada na mesma data.
4\ A 03/12/2020, o executado veio arguir a nulidade da sua citação e requerer a repetição do acto para que seja assegurado o contraditório.
5\ Apesar da oposição do exequente, o tribunal, por despacho de 21/05/2021, julgou nula a citação do executado e determinou (i) a anulação de todos os actos subsequentes e (ii) a citação do executado com observância das formalidades legais.
6\ Na sequência de nova citação, ocorrida a 14/06/2021, o executado veio deduzir oposição à execução a 13/09/2021. O exequente contestou os embargos sem levantar qualquer questão sobre a tempestividade dos embargos.
7\ A 29/06/2021, o exequente apelou da decisão de 21/05/2021.
8\ A 09/02/2022, o tribunal julgou os embargos procedentes (por falta de título executivo), sentença que foi notificada por carta elaborada a 10/02/2022.
9\ A 17/03/2022, o TRL julgou a apelação procedente e, consequentemente, indeferiu, por intempestiva, a arguição da nulidade da citação, acórdão que foi notificado por carta de 18/03/2022.
10\ A 21/03/2022, o exequente recorreu da sentença dos embargos – para que seja revogada e substituída por outra que decrete a absolvição do exequente da instância -, dizendo que a mesma “não é conforme com as regras de processo, designadamente com aquelas que regulam a nulidade dos actos processuais e a extinção do direito à prática de determinados actos”. Nas primeiras 12 conclusões, o exequente pretende, seguindo de perto o acórdão do TRL de 17/03/2022, o aditamento de factos na matéria de facto provada, para depois, nas conclusões seguintes, com base nesses factos, dizer, no essencial, que a citação de 20/08/2020 foi regular e que, por isso, decorridos mais de 11 meses sobre a data da citação, o executado não podia, em 13/09/2021, deduzir oposição à execução por embargos, por ter-se extinguido em 21/09/2020 o seu direito a praticar esse acto, nos termos dos artigos 139/3 e 728/1 do CPC, pelo que, ao admitir os embargos de executado por despacho de 19/09/2021, o tribunal a quo violou aqueles artigos, sendo que a apresentação dos embargos pelo executado é também um acto nulo, nos termos do artigo 195/1 do CPC, nulidade que o exequente invoca; com a anulação dos embargos devem ser anulados todos os actos do processo de embargos, incluindo a decisão nele tomada, porque são nulos, nos termos da norma do artigo 195/2 do CPC e absolver-se o exequente da instância, como exige a norma do artigo 278/1-b do CPC.
11\ A 08/04/2022, o executado apresentou contra-alegações em que defende que a decisão do tribunal recorrido, sobre a questão de mérito, é a correcta e acrescenta: os factos que o exequente pretende aditar dizem apenas respeito às formalidades da citação e notificações, que em nada interessam para a decisão que foi tomada, que diz respeito à falta de título executivo; a nulidade de admissão dos embargos de executado, nos termos do artigo 195/1 do CPC não pode ser arguida na presente sede, já que devem ser arguidas perante o tribunal onde foram cometidas, no prazo de 10 dias previsto no artigo 149/1 do CPC, o que a exequente não fez; a admissão de um articulado poderia ser objecto de recurso autónomo ao abrigo do disposto no artigo 644/2-d do CPC a interpor no prazo de 15 dias a contar da decisão por força do constante do artigo 638/2 do CPC, o que o exequente também não fez; na contestação, o exequente não se insurgiu contra a admissão dos embargos de executado; a nulidade processual do artigo 195/1 do CPC não pode ser agora conhecida oficiosamente, por força do artigo 196 do CPC; não obstante, a admissão ou não dos embargos é irrelevante, em virtude de nos encontrarmos perante uma situação de inexistência de título executivo, que inquina todo o processo e prejudica o conhecimento de qualquer outra questão, sendo de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo; ainda que fosse tomada uma decisão sobre a admissão dos embargos, tal não alteraria a falta de pressuposto processual essencial e levaria exactamente à mesma decisão: extinção dos autos por inexistência de título executivo.
12\ Não foi interposto recurso ou apresentada reclamação contra o acórdão do TRL no apenso respectivo que, em 09/05/2022, foi remetido ao tribunal recorrido, o qual determinou, em 11/05/2022, que fosse dele dado conhecimento ao AE; o apenso está arquivado e com visto em correição.
13\ A 16/05/2022, o recurso da sentença de embargos foi admitido e mandado remeter para este TRL, sem que se tenha tirado qualquer consequência do acórdão do TRL de 17/03/2022.
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Questão que importa decidir: da nulidade dos actos processuais praticados desde a nova citação, isto é, muito depois do prazo tendo em conta a citação anterior, mantida de pé pelo acórdão do TRL que indeferiu a arguição da nulidade.
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Os factos que importam à apreciação destas questões são os que constam do relatório deste acórdão, estando provados pelos documentos que sintetizam.
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Antes de mais, todos os factos que o exequente quer aditar não têm qualquer relevância para a decisão. O tribunal recorrido não estava a discutir a tempestividade dos embargos, nem o podia fazer, porque a questão nem sequer lhe tinha ou podia ter sido colocada, sob pena de litispendência (arts. 577/-i, 580 e 581 do CPC) com o objecto do recurso interposto do despacho que tinha deferido a arguição da nulidade da citação.
Posto isto,
A questão posta pelo exequente está mal enquadrada.
É evidente que não há nenhuma nulidade, por si, nos embargos deduzidos. Nem o exequente pode estar agora a discutir a tempestividade dos embargos ou a preclusão de os deduzir.
O que se passa é muito simplesmente uma questão da influência de uma decisão sobre actos dependentes do objecto dela. Ou mais precisamente da influência do resultado de um recurso interlocutório sobre uma decisão dependente daquela que era objecto do recurso.
Ou seja: tendo sido decidido que era improcedente a arguição da nulidade da citação, cai por arrastamento, por força da aplicação analógica da norma do art. 195/2 do CPC, tudo o que foi feito de novo a partir da decisão revogada e, por isso, a nova citação, os embargos deduzidos e a decisão proferida nos embargos. 
Se o autor, por exemplo, recorreu autonomamente do despacho de não admissão de um meio de prova (art. 644/2-d, parte final, do CPC), ele não tem de recorrer da sentença desfavorável que entretanto tenha sido proferida, pois que esta não transita enquanto não tiver sido decidida a questão do recurso do despacho anterior que não admitiu o meio de prova e que poderá levar à anulação da sentença, por arrastamento, se o recurso impuser a admissão do meio de prova rejeitado.
(note-se, à cautela – porque já se viu uma parte processual querer tirar disto uma conclusão oposta à que se refere -, que isto é diferente de admitir que possa ser interposto recurso da sentença até ao trânsito em julgado dela; não há necessidade de interpor recurso da sentença final ou do despacho dependente, mas, a querer-se interpor recurso deles, ele tem de ser interposto no prazo normal)
Como já explica há muito Lebre de Freitas (CPC anotado, vol. 1.º, 2014, Coimbra Editora, pág. 385 = nº. 8 da anotação ao art. 195 da 4.ª edição, reimpressão da de 2017, Almedina, pág. 405 e ≈ n.º 8 da anotação ao art. 201 da 1.ª edição do vol. 1, Coimbra Editora, 1999, pág. 351):
“Ocorrida a nulidade de acto processual que, nos termos do n.º2 [do art. 195] deva acarretar a nulidade da sentença, não são invocáveis o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art. 613-1) nem o trânsito em julgado da sentença (art. 628), que não se dão enquanto a arguição estiver pendente, para entender que o juiz deixa de poder conhecer da nulidade oportunamente arguida ou que esta se sana pelo facto de contra a decisão final não ser interposto recurso, não podendo a sentença subsistir […]”
Ou dito de outro modo: CPC anotado, vol. 2.º, 2017, Almedina, pág. 730):
“se um acto da sequência processual anterior à sentença esti­ver ferido de anulabilidade (por exemplo, iniciaram-se as alegações orais quando faltava ainda produzir determinado meio de prova) e esta tiver sido tempestivamente arguida, a sentença será anulada em conformidade com o disposto no art. 195-2. Neste caso, não é necessário o recurso da decisão final, com a fina­lidade de impedir o trânsito em julgado: este não se dá enquanto não for pro­ferida decisão sobre a nulidade […] É, porém, prudente fazê-lo à cautela, visto haver decisões contrárias […].”
Ou ainda de outro modo (CPC anotado, vol. 3.º, 3.ª edição, Almedina, 2022, pág. 124):
O recurso da decisão que julgue que não se verifica a nulidade dum acto processual que acarretaria a nulidade da sentença final, nos termos do art. 195-2, não implica, em nosso entender, a necessidade de interpor recurso da sentença, que só se deverá considerar transitada em julgado se o tribunal ad quem confirmar a decisão recorrida (ver o n.° 8 da anotação ao art. 195): se outro motivo não houver além desse para pôr em causa a sentença, a nulidade derivada desta resultará da procedência do recurso, dada a relação de prejudicialidade e automática dependência existente entre a questão da anulação do ato processual em causa (por falta ou nulidade da citação do réu ou outra nulidade principal; por nulidade secundária que possa ser apreciada no recurso, por ofensa de princípio fundamental, nos termos do art. 630-2) e a questão da nulidade da sentença (não com fundamento no art. 615-1-d, mas no art. 195-2). […].
Neste sentido, ainda:
- o ac. do TRL de 11/07/2013, 4359/10.3TBCSC, não publicado:
“revogado parcialmente o despacho, importa tirar as consequências em relação ao incidente da reclamação de bens, fazendo-se as necessárias adaptações do disposto nos arts. 712/4 e 201, ambos do CPC” [na redacção anterior à reforma do 2013].
- o ac. do TRP de 19/09/2013, 343/12.0TVPRT, também não publicado:
Revogado o despacho e admitida a prova que antes tinha sido rejeitada, importa tirar as consequências em relação ao processado posterior, fazendo-se as necessárias adaptações do disposto no art. 195/2 do CPC (≈ 201/2 [antes da reforma de 2013]); Se já tiver ocorrido julgamento, o que é provável dada a data para que foi designado, o mesmo deve ser reaberto, para audição das testemunhas arroladas, caso elas sejam apresentadas, anulando-se então (no caso de terem de ser ouvidas as testemunhas aditadas) os termos subsequentes ao encerramento da audiência de discussão e julgamento.
- o post do Prof. Miguel Teixeira de Sousa publicado a 21/01/2016 no blog do IPPC: Recurso de decisão interlocutória e suspensão do trânsito em julgado, que, entre o muito mais, esclarece:
“- Enquanto estiver pendente um recurso sobre uma decisão interlocutória de cuja decisão depende a correcção da sentença final, esta sentença não pode transitar em julgado;
- Depois do proferimento da decisão de recurso sobre a decisão interlocutória, pode verificar-se uma de duas situações:
(i) O recurso interposto da decisão interlocutória é decidido contra o recorrente; nesta hipótese, a sentença final transita em julgado no momento do trânsito em julgado da decisão de recurso;
(ii) O recurso interposto é decidido a favor do recorrente; nesta situação, há que aplicar, por analogia, o disposto no art. 195.º, n.º 2, CPC: a procedência do recurso implica a inutilização e a repetição de todos os actos que sejam afectados por aquela procedência; entre esses actos inclui-se a sentença final.”
- o ac. do TRP de 18/02/2016, 788/14.1T8VNG-A.P1:
VI – Revogado um despacho que admite um documento que é depois usado na fundamentação de dois factos provados que serviram de fundamento da decisão de direito proferida, há que [art. 195 do CPC] anular também a decisão daqueles dois pontos de facto provados e a decisão de direito baseada neles e determinar que seja proferida nova sentença que inclua nova decisão daqueles pontos de facto, desta vez sem consideração pelo documento cuja inadmissibilidade ficou decidida.
- o ac. do TRL de 09/03/2017, proc. 5208/14.9T8ALM-B.L1-2:
III – Se “o recurso interposto [de despacho interlocutório] é decidido a favor do recorrente […], há que aplicar, por analogia, o disposto no art. 195/2 do CPC: a procedência do recurso implica a inutilização e a repetição de todos os actos que sejam afectados por aquela procedência; entre esses actos inclui-se a sentença final.”
- o ac. do TRL de 17/05/2017, proc. 28048/15.3T8LSB.L1-4
II – A eventual revogação da decisão intercalar que contende com o resultado da lide provoca efeitos anulatórios da tramitação processual que se lhe segue e afecta a própria decisão final, tornando prejudicado o recurso interposto desta.
- o ac. do TRG 17/5/2018, proc. 710/15.8T8VRL.G2:
1 - A ratio da admissibilidade da apelação autónoma e imediata das decisões sobre os meios de prova, para lá do obviar a atrasos processuais, está na conveniência de evitar a prática de actos inúteis, atenuando-se os riscos de futura inutilização do processado;
2 - Sendo revogada a decisão que rejeitou um meio de prova, tem de se produzir o meio de prova prejudicado pela rejeição e as diligências e os trâmites processuais não podem deixar de ficar sujeitos às vicissitudes do decidido;
3 - Assim, a procedência do recurso de apelação do despacho que rejeita um meio de prova implica a inutilização e a repetição de todos os actos que sejam afectados por aquela procedência, entre eles a sentença final proferida (artigo 195/2 do CPC, aplicável por analogia), ficando, consequentemente, prejudicado o recurso da sentença, anulada.     
- o ac. do TRL de 05/07/2018, proc. 12018/16.7T8SNT-F.L1-2, não publicado:
Revogada uma sentença de declaração de insolvência (com a inerente anulação por arrastamento do processado subsequente que não pudesse vir a ser aproveitado), não subsiste a sentença da qualificação da insolvência posterior à sentença revogada e dependente desta.
- o ac. do TRL de 07/11/2019, proc. 2877/11.5TBPDL-F.L1-2:
II – Se uns embargos de executado forem julgados procedentes por inexigibilidade da dívida, tal poderá implicar a anulação da decisão da extinção da execução baseada num alegado pagamento, não voluntário, da dívida exequenda, por arrastamento, por exemplo, da anulação deste pagamento (ou por não se provar o mesmo).
III- Uma decisão que esteja dependente de outro acto, pode vir a ser anulada por arrastamento, devido à nulidade de outro acto anterior e, por isso, não transita em julgado enquanto existir essa possibilidade.
- o ac. do TRL de 11/03/2021, proc. 8836/17.7T8LSB.A.L1-6:
III) Embora inexista norma expressa quanto à anulação da decisão final, a integração da lacuna deve fazer-se por recurso ao regime do artigo 195/2 do CPC.
IV) Essa consequência é a única que se coaduna com o regime jurídico estabelecido quanto às apelações que sobem autonomamente, com efeito devolutivo e cujo resultado tem influência na decisão final.
V) A admissão, em apelação autónoma, de meio de prova rejeitado em primeira instância implica a anulação dos actos, trâmites e decisões que dependam dessa admissão ou com ela impliquem, não sendo adequada a resolução da questão pelo recurso ao caso julgado.
- o ac. do STJ de 25/05/2021, proc. 17893/17.5T8LSB-A.L1.S1
IV. Conforme o art. 10/3 do CC, não existindo na lei norma que regule um caso análogo, a lacuna tem de ser integrada através da elaboração de norma ad hoc, i.e., de regra criada pelo intérprete dentro do espírito do sistema. Enquanto estiver pendente um recurso sobre uma decisão interlocutória de cuja decisão depende a competência internacional dos tribunais portugueses para proferir a decisão final, esta decisão não pode transitar em julgado.
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Entretanto, existem dois pontos a desenvolver no caso:
Quando o tribunal recorrido proferiu a sentença de embargos, a 09/02/2022, o TRL ainda não tinha proferido o acórdão de 17/03/2022 a indeferir a arguição de nulidade da citação. Não havia, por isso, ainda, nulidades derivadas da revogação do despacho que tinha deferido a arguição da nulidade da citação (art. 195/2 do CPC) e a questão da tempestividade dos embargos não tinha sido colocada pelo exequente (nem tinha de o ser, porque a intempestividade seria uma decorrência da revogação do despacho que tinha deferido a arguição da nulidade). Pelo que, o tribunal recorrido não incorreu em qualquer nulidade, nem deu, com a sentença de embargos, cobertura a qualquer nulidade processual, nem a consumou. Para além disso, quando o exequente recorreu, a 21/03/2022, o acórdão do TRL tinha acabado de ser proferido, ainda não tinha transitado e, por isso, não originava, ainda, a necessidade de revogação das nulidades derivadas.
Mais, a questão não tinha de ser objecto de um recurso [embora, se compreenda a cautela de evitar eventuais entendimentos contrários sobre o trânsito em julgado da sentença de embargos, cautela e entendimentos de que fala Lebre de Freitas, acima, obra citada, vol. 2, pág. 730, mas que terá de correr por conta do recorrente]. O exequente podia-se ter limitado a colocar a questão ao tribunal recorrido ou o tribunal recorrido, ao receber o apenso de recurso em separado com o ac. do TRL de 17/03/2022, podia ter tirado as devidas consequências do decidido nesse acórdão.
Quer tudo isto dizer que o recurso do exequente tem de ser julgado improcedente, por falta de fundamento e por desnecessário, com custas pelo exequente.
*
Mas (i) estando agora este tribunal a apreciar um recurso que devia ter por objecto a decisão de embargos, (ii) sabendo que esses embargos estão agora abrangidos numa série de nulidades derivadas por arrastamento da revogação – agora já transitada em julgado - de um despacho anterior, (iii) tendo a questão dessa nulidade já sido discutida entre as partes; (iv) não tendo o tribunal recorrido tirado nenhuma consequência da revogação do despacho anterior pelo acórdão do TRL de 17/03/2022 quando já tinha conhecimento dele antes de ter mandado subir este recurso e ele já estava transitado em julgado; e (v) tendo também em consideração razões de economia processual, já que nada justificaria que este processo prosseguisse obrigando que a questão fosse colocada de novo no tribunal recorrido; considera-se que, este TRL se deve substituir ao tribunal recorrido, tanto mais que a retirada de consequências de um acórdão interlocutório revogatório é de conhecimento oficioso e tanto pode ser feita pelo tribunal recorrido como por qualquer outro tribunal que se tenha de pronunciar sobre um processo que está afectado por aquele acórdão revogatório.
Assim, tendo em consideração as regras já atrás referidos e o dito sobre elas, há que anular todo o processado nestes autos, incluindo a petição de embargos, em consequência da revogação implícita, pelo acórdão do TRL de 17/03/2022, do despacho que deferiu a arguição da nulidade da citação, o que implica a absolvição da instância de embargos, tal como pedido pelo exequente (art. 278/1-b do CPC).
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Quanto à questão levantada pelo voto de vencido diga-se que: o exequente podia ter-se limitado a esperar pelo trânsito em julgado do acórdão do TRL de 17/03/2022 e depois, no tribunal de 1.ª instância, ter colocado a questão da anulação de todo o processado, a título de nulidades derivadas, tal como decorre do defendido por Lebre de Freitas e Teixeira de Sousa; ora, sendo o recurso originalmente desnecessário a sua inutilidade não decorre da revogação implícita do despacho que ordenou a nova citação (o que implica a revogação indirecta dessa citação por aquele acórdão). Por outro lado, ao ter decidido interpor um recurso desnecessário e com um fundamento errado (e para o poder dizer, este TRL tinha que apreciar as razões do recurso) as custas do recurso não podem ficar a cargo do executado, como teriam de ficar se o recurso fosse julgado extinto – no tribunal recorrido ou neste TRL - em consequência das nulidades derivadas decorrentes da revogação do despacho interlocutório: art. 536/3 do CPC. Por fim, a competência deste TRL para o conhecimento das questões que levaram à anulação oficiosa de todo o processo de embargos, só existe porque o recurso foi interposto; e, se conhecido o recurso, ele fosse procedente, a questão da anulação oficiosa não se colocaria.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, mas anula-se oficiosamente todo o processo, incluindo a petição de embargos, com fundamento na revogação decorrente do acórdão do TRL de 17/03/2022 proferido no apenso B, e em consequência absolve-se o exequente da instância de embargos.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte (não existem outras), pelo exequente (que perde o recurso).
As custas, também na vertente de custas de parte, dos embargos, correm por conta do executado (porque o processo é todo anulado em consequência da revogação de um despacho que tinha deferido uma arguição de nulidade deduzida pelo executado).

Lisboa, 23/06/2022
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas (com a seguinte declaração de voto:

Voto vencida.
Com efeito, independentemente de o recurso poder ser considerado originalmente desnecessário ou inútil (lembro que o argumento de que não se dá o trânsito em julgado da decisão final enquanto estiver pendente o recurso de decisão interlocutória que seja de considerar prejudicial é solução que Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, Almedina, pág. 212, nota 330, considera duvidosa), o certo é que foi interposto e remetido a este TRL, que tem competência para verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso.
Ora, verificando-se que o decidido pelo TRL no recurso que foi interposto em separado (acórdão interlocutório revogatório) implica forçosamente a invalidação de todo o processado nos embargos, incluindo o despacho que os recebeu, devendo, pois, o saneador-sentença recorrido considerar-se como prejudicado, encontra-se o presente recurso desprovido de objeto, estando prejudicado o seu conhecimento (isto porque o resultado do recurso que foi interposto em separado se revelou prejudicial relativamente à apreciação do recurso da decisão final); neste sentido, numa situação próxima, veja-se o ac. da RL de 10-11-2016, no proc. n.º 4444-07.9TBALM-C.L1-6, disponível em www.dgsi.pt; logo, ouvidas as partes, assim haveria de ser decidido, não se tomando conhecimento do objeto do recurso, por força de questão prévia/prejudicial atendível, determinando-se a baixa dos autos à 1.ª instância para ser dado integral cumprimento ao determinado pelo TRL no referido acórdão interlocutório.