Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | HIGINA CASTELO | ||
Descritores: | EMBARGO DE OBRA NOVA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I.–O deferimento da providência cautelar de embargo de obra nova pressupõe, entre outros requisitos, uma obra, trabalho ou serviço novo em curso. II.–Sendo desculpável o desconhecimento da recente finalização da obra, não age de má-fé quem intenta o respetivo procedimento cautelar. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acórdão Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: I.–Relatório «AA», requerente no procedimento cautelar de embargo de obra nova que move à Sociedade Construções «CC» Lda., notificado da sentença proferida em 27 de março de 2024, que julgou improcedente a providência requerida, e com essa sentença não se conformando, interpôs o presente recurso. O requerente havia intentado o presente procedimento cautelar contra a requerida, pedindo o embargo de obra em curso em propriedade contígua à sua residência, invocando quedas de detritos e danos causados na sua propriedade pela execução da dita obra. A requerida deduziu oposição, pugnando pela improcedência do procedimento cautelar e pela condenação do requerente como litigante de má-fé. Findos os articulados, o procedimento seguiu os regulares termos e, após audiência, foi proferida sentença que julgou improcedente por não provado o procedimento cautelar e, em consequência, indeferiu a providência requerida. Mais foi o requerente condenado como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa no valor de 3,5 (três vírgula cinco) UC e de indemnização à contraparte. O requerente não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma: «I.– Em 27-04-2024, foi proferida pelo Tribunal a quo a seguinte decisão: «Atentos os fundamentos de facto e de Direito supra expostos: A) Julgo improcedente por não provado o presente procedimento cautelar, em consequência do que indefiro a providência requerida; B) Condeno o Recorrente «AA», como litigante de má-fé no pagamento, de uma multa no valor de 3,5 (três vírgula cinco) UC’s a que acresce a respetiva indemnização à contraparte; C) Condeno o Recorrente «AA» no pagamento das custas.» II.– O Recorrente, não se conformando com a decisão proferida, vem dela interpor recurso pelos motivos que melhor se explicam adiante. III.–No ponto 3 da matéria de facto, foi dado como provado que: «Durante a execução dos trabalhos, algumas pedras caíram na propriedade do Recorrente». IV.–Ora, no art.º 9 do requerimento inicial, foi alegado o seguinte: «No entanto as ocorrências de incidentes mantiveram-se, nomeadamente com pedras que caiam para o jardim do Recorrente, tendo inclusive acertado nos seus habitantes e caído na piscina.» V.–Decorre, quer das declarações do Sr. «AA», quer da testemunha «BB», sua esposa, não só que caíram diversas pedras na sua propriedade, durante toda a edificação da obra, como também que estas acertaram na cara da sua filha, durante o verão, quando esta estava na piscina, conforme transcrições dos depoimentos. VI.–Assim, da prova produzida em sede da audiência de julgamento, é possível verificar que não foram apenas algumas pedras que caíram esporadicamente na propriedade do Recorrente; houve sim uma reiterada queda de pedra e detritos de obra, ao longo do decurso da mesma, que, inclusive, atingiram moradores da casa do Recorrente. VII.–Atendendo a que, quer as declarações do Recorrente, quer o testemunho da Senhora «BB» foram considerados pelo Tribunal a quo isentos, credíveis e verdadeiros, então sempre cumpriria que fosse dado como provado que: “No decurso de toda a obra caíram diversas pedras e detritos de obra, na propriedade do Recorrente, tendo os mesmo inclusive atingido moradores da mesma”. VIII.–No que respeita ao facto 9. da matéria de facto provada, refere:-se «O muro de vedação do imóvel do Recorrente apresenta fissuras, surgidas em data não concretamente apurada», IX.–Tal facto revela-se incompleto e insuficiente face à prova produzida nos autos. X.–Nos autos são referidos três grupos de fissuras distintos: Fissuras verticais de pouca expressão existentes antes do início dos trabalhos e da colocação da vedação de ocultação; Fissuras existentes nas zonas circundantes à zona da colocação da vedação de ocultação; Uma fissura mais prominente horizontal, apenas percetível no interior da residência do Recorrente. XI.–Ora, o Recorrente, em toda a sua alegação, refere-se, e sempre se referiu, unicamente à fissura horizontal existente na base do muro, no interior da sua propriedade. XII.–Tanto que assim é que foi neste sentido que juntou prova documental de tal fissura: fotografias de destaque da mesma, conforme registo fotográfico constante do relatório (Doc. 5) junto com o requerimento inicial, e registo fotográfico junto com o requerimento apresentado em juízo em 23-11-2023, ref.ª citius …, no qual é evidente a referida fissura horizontal. XIII.–Tais registos fotográficos não foram objeto de apreciação pelo Tribunal a quo. XIV.–Ora, a referida distinção entre os três tipos de fissuras não é feita pelo tribunal a quo, que se socorre dos testemunhos das testemunhas «DD» e «EE» para sustentar a prova do facto 9 dos Factos Provados. XV.–As identificadas testemunhas, nos seus depoimentos, referiram-se tão só às fissuras mencionadas supra no ponto 1 e 2, não se tendo pronunciado relativamente à fissura mencionada no ponto 3. XVI.–Ao invés, quer do depoimento da testemunha «BB», quer das declarações do Recorrente resulta a existência, no seu lado do muro, de uma fissura horizontal, cujo aparecimento coincidiu com o momento em que o Recorrido terá efetuado um furo de captação de água, no lado oposto do muro, a cerca de uns meros dois ou três metros do mesmo. Tal furo terá sido efetuado com recurso a maquinaria vibratória, que perfurou o terreno do Recorrido, a meros dois ou três metros da zona do muro onde se verificou a fissura alegada pelo Recorrente, a uma profundidade de 50 a 60 metros. XVII.–De tais declarações do Recorrente e da Senhora «BB» (vide transcrições), conjugadas com o relatório de vistoria da Câmara Municipal de Sintra, é possível aferir que a fissura identificada pelo recorrente foi causada no seguimento dos trabalhos de execução do furo, ou seja em meados de Dezembro/Janeiro de 2022, uma vez que em 12-01-2023, aquando da vistoria camarária, parte do muro de contenção já havia sido construído. XVIII.–Ainda que o tribunal a quo não tivesse valorado o testemunho do Eng.º «FF», nem os pareceres que este elaborou - como efetivamente sucedeu - sempre cumprirá dizer que tendo o Recorrente feito remissão para o referido relatório, na sua alegação fáctica, no sentido de, através do mesmo, identificar os danos sofridos pelo Recorrente, não poderia o Tribunal a quo ignorar tais factos, efetivamente alegados, nomeadamente no que concerne à identificação da fissura cuja origem se imputou ao Recorrido, conforme alegado nos artºs 21 a 24.º do requerimento inicial. XIX.–Assim, da prova produzida pelo Recorrente, quer documental, quer testemunhal, resulta, provada a existência e origem da fissura, localizada na base do seu lado do muro, em local muito próximo daquele onde se realizou o furo para captação de água. Furo esse efetuado pela Recorrida, na sua propriedade, com uma profundidade de cerca de 50 metros, que dista apenas cerca de dois ou três metros do local onde se verificava a fissura alegada pelo Recorrente; o que tudo também o Recorrente provou. Ora, face às regras de experiência comum, verifica-se que a realização do furo de captação de água, efetuada com recurso a maquinaria suscetível de elevada ação vibratória, é passível de, em consequência, causar danos num muro com as características do muro da propriedade do Recorrente. XX.–A Recorrida, por seu turno, fez prova de que o muro possuía outras fissuras; mas não aquela que foi alegada e identificada pelo Recorrente, como existente e tendo sido provocada pela Recorrida. XXI.–Assim, o Tribunal a quo cometeu um erro notório na apreciação dos factos uma vez que o Recorrente sempre e só se referiu à fissura horizontal existente na base do muro, do lado da sua propriedade, como tendo sido a único dano causado no seu muro de vedação, pela recorrida. XXII.–Assim deveria ter sido dado como provado que o muro de vedação do imóvel do Recorrente apresenta fissuras, verticais, de pouca expressão, originadas antes do inicio dos trabalhos do Recorrido e da colocação da vedação de ocultação; apresenta também fissuras existentes nas zonas circundantes à zona da colocação da vedação de ocultação; e ainda uma fissura prominente horizontal localizada na base do muro apenas no lado interior da residência do Recorrente na zona próxima e diametralmente oposto àquela onde foram realizados os trabalhos de escavação furo de captação de água. XXIII.–Quanto ao facto provado no ponto 15 da matéria de facto provada, considerou o Tribunal a quo provado que: «As fissuras que o muro do imóvel do Recorrente apresenta foram prejudicadas pela montagem da estrutura metálica de vedação colocada por este, ao exercer mais força sobre o muro já fragilizado;» XXIV.– Ora, da prova produzia não pode o Tribunal chegar a tal conclusão, conforme resulta do depoimento da testemunha «EE» e «DD», vide transcrições dos depoimentos. XXV.– Resulta da matéria de facto dada como provada – facto 11 – que “Logo que teve início a obra da requerida, por volta de Março/Abril de 2022, o Recorrente instalou, unicamente ao longo do seu muro fronteiriço com o lote da requerida, uma barreira de ocultação metálica.” XXVI.– Dos testemunhos supra transcritos, resulta que a vedação de ocultação não causou danos contínuos no muro: «o que tinha no inicio é o que tem», conforme referido pela testemunha «EE». Ou seja, o muto manteve a sua estabilidade ao longo do tempo. XXVII.– Se a vedação de ocultação tivesse causado algumas fissuras, tais fissuras não são alegadas pelo Recorrente como sendo da responsabilidade da Recorrida. Recorda-se que apenas é imputada à ação da Recorrida a origem de uma única fissuração horizontal na base do muro; e não a existência de fissuras verticais, circundantes à zona de fixação da vedação de ocultação. XXVIII.–Não era possível às testemunhas da Recorrida, apreciarem as causas da origem da fissura invocada (a horizontal) uma vez que estas não conseguiam vê-la do exterior da propriedade do Recorrente, nem foram confrontadas com o registo fotográfico de tal fissura junto aos autos. XXIX.– O Tribunal a quo imputa ao Recorrente a alegação de danos que ele não fez, nem quis fazer, acabando, desse modo, por não se pronunciar relativamente aos danos efetivamente alegados por aquele e imputados à Recorrida. XXX.– Mais: as testemunhas arroladas pela Recorrida nunca determinam que a vedação de ocultação provocou mais fissuras ou que o estado do muro se degradou durante a execução da obra, referindo apenas que o muro não tem “capacidade estrutural” para suportar a vedação. XXXI.– No art.º 17.º do RI, alegou o Recorrente: «O relatório apurou que o muro de vedação do requerido é um muro sem qualquer resistência estrutural, porém, como é possível verificar da prova apresentada, a Requerida exerceu sob este forças, escavou terras e realizou ações que danificaram o muro.» XXXII.– Ora, o Tribunal a quo desvalorizou o testemunho do Eng.º «FF», bem como os pareceres por este realizados, mas não podia ignorar os factos concretos alegados, ainda que por remissão a este. De facto, pretendeu o Recorrente que ao longo do decurso da obra foram realizadas diversas ações que danificaram o muro, nomeadamente causando a fissura alegada. XXXIII.– Da prova produzida é possível apurar, sem recorrer ao parecer técnico, as seguintes: a) Fixação de elementos e utilização do muro para fins da obra; b) Danos causados por elementos metálicos (maquinas de escavação ou outro); c) Realização de um furo de captação de águas em proximidade do muro. XXXIV.– Relativamente ao ponto a) é possível verificar nas fotografias juntas com o requerimento apresentado em 23-11-2023, ref.ª citius …, que é bastante visível que foram fixados elementos de madeira no muro, destinado exclusivamente para fins da obra. Porque ao contrario do que alegou a Recorrida, que seria para ajudar a suportar o muro, da analise detalhada da fotografia constante da primeira página dos documentos se verifica que o elemento de madeira fixo não está a exercer qualquer contra força no muro. Por sua vez, também neste elemento se verifica que, este elemento de madeira está a servir qualquer outra função de apoio à obra, como é possível aferir pela existência de demais objetos de natureza e posição similar. XXXV.– Relativamente ao ponto b), é possível verificar pelo registo fotográfico constantes dos Doc. 1 e 3 da oposição, que aquando da limpeza de terreno foi danificado o muro do Recorrente. Bastará observar as fotografias para verificar que previamente à limpeza do terreno, o muro não detinha os danos verificados. Também é possível verificar que nas fotografias constantes do Doc. 3 junto com a oposição à providência, que no chão encontram-se pequenos pedaços de argamassas e tijolo, elementos que certamente não se encontram no meio natural. Ditam as regras da experiência comum que estes danos só podem ter sido causados por meio de ação mecânica, compatível com o uso de maquinas escavadoras usadas na limpeza do terreno. XXXVI.– O legal representante da Recorrida, confrontado com as fotografias juntas com a oposição à referida providência, identificou os momentos em que estas foram tiradas reportando-as ao momento da limpeza do terreno. Ora, é fácil deduzir que qualquer maquina escavadora que passe com alguma proximidade facilmente raspa o muro, tendo certamente isso que aconteceu. XXXVII.– Também a testemunha «BB», no seu depoimento confrontada com o documento 3 junto com a oposição, referiu o seguinte «A linha horizontal marcava aquilo que era o nível do solo antes de começar as escavações e em outras fotografias conseguem ver bocados de cimento que resultaram do trabalho.» XXXVIII.– Também do depoimento da testemunha «DD», foi mencionado a propósito dos trabalhos de limpeza do terreno que «Tirou-se só as ervas para fazer a marcação de obra.» - vide transcrições supra alegadas. XXXIX.– Assim, ficou provado quer pelo registo fotográfico já mencionado, quer pelo testemunho da Senhora «BB», quer pelas regras da experiencia comum que existiram ações das maquinas durante a limpeza do muro que danificaram o muro de vedação do Recorrente. XL.– Por ultimo, ficou amplamente provado que foi realizado um furo a 2 ou 3 metros do muro do Recorrente, com cerca de 50 a 60 metros de profundidade, tendo o mesmo sido referido por todas as testemunhas, vide transcrições supra referidas. XLI.– Por sua vez, tanto o Recorrente como a testemunha «BB», referem como momento de deteção da fissura alegada, ao momento em que foi feito o furo.- vide transcrições supra alegadas. XLII.–Do registo fotográfico junto pelo Recorrente por requerimento junto aos autos em 23- 11-2023, ref.ª citiuis …, é possível verificar que em obra se encontrava uma maquina de perfuração de terras. XLIII.– Mais: foi amplamente provado que foi realizado um furo, pelo Recorrido, na sua propriedade, com uma profundidade de cerca de 50 metros, que distava cerca de dois ou três metros do local onde se verificava a fissura alegada pelo Recorrente. Ora, face às regras de experiência comum, é percetível que a realização do furo causa vibrações de terras, e estas são passíveis de causar danos a um muro com as características do muro da propriedade do Recorrente. XLIV.– Assim deveria ter sido dado como provado que a Recorrida exerceu sob este forças, escavou terras e realizou ações que danificaram o muro, nomeadamente pela fixação de elementos e utilização do muro para fins da obra, danos causados por elementos metálicos(maquinas de escavação ou outro) e realização de um furo de captação de águas em proximidade do muro. XLV.– Faz-se constar da douta sentença Recorrida que: “Da atuação processual do Recorrente constata-se foi alegado no requerimento inicial que: i) A barreira de ocultação está colocada em toda a extensão do muro que percorre o terreno do Recorrente delimitando-o dos terrenos contíguos; ii) E que, só na zona em que esse muro é contíguo à obra da requerida, é que o muro apresenta danificações e infiltrações, iii) Ao que acresce que a vedação metálica foi colocada anos antes do início da obra e nunca deu quaisquer problemas ou danos até ao início dos trabalhos realizados pela requerida. XLVI.– Com esta alegação, pretende o Recorrente demonstrar a ligação entre o alegado dano e a realização da obra, descartando, com base naquela factualidade, as conclusões que já sabia terem sido alcançadas pela fiscalização da Câmara Municipal de Sintra.” XLVII.– Quanto ao ponto foi transcrito pela Mª. Juiz do seguinte modo“ i) - A barreira de ocultação está colocada em toda a extensão do muro que percorre o terreno do Recorrente delimitando-o dos terrenos contíguos;”. XLVIII.– A verdade é que foi alegado pelo Recorrente, no art.º 12.º do seu RI: “(…) delimitando-o dos terrenos contiguo.” XLIX.– Ora, tratou-se de um evidente lapso de escrita porquanto o Recorrente, embora tenha utilizado a palavra “terrenos” no plural, utilizou a palavra “contiguo” no singular. Tal lapso de escrita poderia significar que ambas as palavras deveriam estar escritas no plural ou no singular. L.– Ora, o Tribunal a quo, na interpretação que fez da referida expressão – e resulta do sublinhado das letras “s” na transcrição do ponto i) supra - entendeu que o Recorrente se referia a terrenos contíguos (plural) e não ao terreno contiguo (singular), como seria correto, LI.– Fácil seria, no entanto, verificar a existência de tal lapso evidente de escrita, e que o Recorrente pretendia, efetivamente, utilizar a expressão no singular, quando, no RI, se alega que a vedação de ocultação se encontra instalada em toda a extensão do muro, pretendeu o Recorrente referir que tal instalação existia em toda a extensão do muro que separa as propriedades – do Recorrente e do Requerido. E fê-lo com a intenção de explicar a relação entre os danos por si alegados – fissura – e a obra na medida em que estranho seria apenas se verificassem danos apenas na zona exatamente oposta àquela em que foi feito o furo de captação de águas, inexistindo fissura similar na restante parte do muro onde se mostra instalada a vedação de ocultação, LII.– Com efeito, no art.º 13 do requerimento inicial o Recorrente utiliza expressamente a expressão “secção do muro”; não alegando, por exemplo, “lado contiguo” ou “lateral” ou “todo o muro confinante”. Exatamente porque o que pretendeu referir, na senda da demais matéria de facto alegada, e documentação junta com o requerimento inicial, é que a fissura horizontal, cuja origem imputou à Recorrida, surgiu apenas naquela exata parte do muro, e que tinha origem nos trabalhos efetuados pelo Requerido, designadamente no furo por este efetuado. LIII.– Reitera-se portanto nesta sede, os relatos quer do Recorrente, quer da Testemunha «BB», que de forma espontânea identificam o aparecimento da fissura no momento da realização do furo- vide transcrições supra referidas. LIV.– Razão pela qual tal foi facto foi alegado nos exatos termos supra. Não pretendeu, pois, o Recorrente induzir o Tribunal em erro, fazendo-o crer que a vedação estaria colocada em todo o perímetro da propriedade, mas sim que estaria colocada apenas em toda a extensão do muro adjacente, contiguo à obra. LV.– O Tribunal a quo faz constar na sua douta sentença, invocando o Recorrente alega que o restante muro de vedação que existe na propriedade não teria quaisquer danos, apenas existindo estes no muro contiguo à obra. Se assim fosse, então o Recorrente certamente teria junto fotografias da restante parte muro de vedação para demonstrar o seu bom estado de conservação, bem como alegado a existência de danos em toda a extensão do muro de vedação contiguo a obra. O que não fez. LVI.– De facto, dos danos alegados pelo Recorrente imputados Recorrida, bem como da prova produzida por aquela, verifica-se, repete-se, que apenas se imputa aos trabalhos desenvolvidos na obra da Recorrida, a fissura provocada pela escavação do furo de captação de água, existente em apenas numa secção do muro. LVII.– Foi a Recorrida quem invocou a existência de outras fissuras para negar a sua responsabilidade pela origem da referida fissura horizontal. No entanto, tais “outras” fissuras não foram alegadas pelo Recorrente como imputáveis à ação da Recorrida, nem esta se pronunciou sobre a concreta fissura cuja responsabilidade o Recorrente lhe imputou. LVIII.– Assim, demonstrado fica que, toda a conduta, alegação e prova produzida pelo Recorrente tem o mesmo encadeamento lógico, compatível com a sua alegação e atuação. LIX.– Quanto ao ponto ii) – “E que, só na zona em que esse muro é contíguo à obra da requerida, é que o muro apresenta danificações e infiltrações “– cumpre esclarecer: LX.– Ao contrário do que o Tribunal a quo faz crer na sua sentença, repete o Recorrente não imputou à Recorrida a existência de todas e quaisquer fissuras existentes no muro; mas sim uma única fissura em concreto, devidamente identificada, descrita e fotografada no relatório apresentado sob o Doc. 5 junto com o requerimento inicial. LXI.– Cumpre ainda referir que tal fissura, única cuja responsabilidade pela origem e existência em concreto se imputou à Requerida, encontra-se localizada no lado interior da propriedade do Recorrente, no muro, em zona diametralmente oposta àquela onde foi escavado e construído um furo de captação de água, na propriedade da Recorrida. Daí que o Recorrente tivesse imputado a existência de tal fissura à Requerida. LXII.– Relativamente ao ponto iii)“Ao que acresce que a vedação metálica foi colocada anos antes do início da obra e nunca deu quaisquer problemas ou danos até ao início dos trabalhos realizados pela requerida.“ LXIII.– Questionado pela Mandatária sobre há quanto tempo se mostrava colocada a vedação metálica, o Recorrente informou-a que “há anos”. LXIV.– Tendo a Mandatária entendido que tal vedação se encontrava colocada há anos antes do início da obra; quando, na realidade, o Recorrente pretendeu dizer “há anos” à data da conferencia com a sua Mandatária, prévia à entrada em juízo da presente Providencia, – as obras da Recorrente haviam começado há cerca de dois anos. Quando explicada a situação à Mandatária o Recorrente transmitiu que tendo a vedação sido colocada em momento muito anterior à verificação do dano. LXV.– Conforme resulta provado nos autos, o Recorrente colocou a vedação no início da obra, ou seja, em meados de março/abril de 2022. A verificação dos danos ocorreu apenas em meados de Dezembro/Janeiro de 2022/2023, ou seja largos meses após, conforme resulta do Relatório Camarário e demais prova produzida. LXVI.– Ora, se a vedação fosse, por si só, suscetível de causar a alegada fissura horizontal, a mesma – ou fissuras equivalentes - ter-se-ia verificado em momento muito anterior ao do seu aparecimento, e não em momento próximo ou coincidente com o da realização dos trabalhos de execução do furo. Tanto que assim é que, no art.º 15.º do requerimento inicial, se utiliza a expressão «(….) até ao inicio dos trabalhos realizados pela Requerida» e não outra expressão como “inicio da obra” ou “início da construção”. LXVII.– No mesmo sentido, o Recorrente, designadamente nos art.ºs 21.º, 22.º 23.º,24.º e 25.º do requerimento inicial, remete para o relatórios efetuados, identificando os danos e quais, no seu entender, são as respetivas causas, identifica a fissura em concreto, bem como as ações praticadas pela Recorrida que a originaram. LXVIII.– Assim, se percebe que não se verifica qualquer tentativa de ludibriar o Tribunal a quo na explanação dos factos. LXIX.– É, pois, fácil entender que em conversa havida em língua não materna de ambos os intervenientes – Mandatária e Recorrente – se tenha perdido o alcance e / significado exato ou de algumas das expressões e sentidos utilizados. LXX.– Pelo que, a própria Mandatária, tendo-se apercebido ao longo das declarações de parte do Recorrente, da discrepância entre o feito constar no seu RI e o resultante das mesmas, em sede de alegações, salientou tal situação, de erros de interpretação / comunicação dos factos; referindo ainda o facto de o próprio Recorrente, em sede de declarações, ter retificado / precisado os factos do RI. LXXI.– Acresce que, como já supra referido, a Mª Juiz a quo considerou as declarações prestadas pelo Recorrente em sede de julgamento sérias, espontâneas e credíveis. LXXII.– Imprecisões essas que, repete, se deveram ao facto de o Recorrente, de naturalidade ucraniana, não dominar a língua portuguesa e, no contacto com a sua Mandatária, ao lhe transmitir os factos, na língua inglesa, terem os mesmos sido objeto de interpretação literal desenquadrada do seu contexto. LXXIII.– Certo é que, quando o Recorrente prestou declarações em sede de audiência – de modo considerado sério, espontâneo e credível pela Mª Juiz –, não tentou, de qualquer modo, ludibriar, ocultar ou manipular os factos efetivamente ocorridos, de modo a que os mesmos correspondessem ipsis verbis aos alegados; Desse modo acabando por, de motu próprio, e de boa-fé, esclarecer pormenores e detalhes da realidade dos factos. LXXIV.– No ponto 7 dos Factos Provados, fez constar a Mª. Juiz Recorrida: Na sequência da vistoria realizada pela Câmara Municipal de Sintra, foi emitida informação com o seguinte teor: “Informação Proposta n.º …/2023 LXXV.– Ora, resulta inequívoco da Informação Camarária supra que não foi possível ao técnico subscritor da mesma a verificação das causas das situações denunciadas pelo ora Recorrente. LXXVI.–Tais situações seriam, como denunciado pelo ora Recorrente: “anomalias que se verificam no seu muro de vedação, nomeadamente fissuras e escorrências de águas. Informa também que o seu vizinho não procedeu à execução do muro previsto no projeto de arquitetura.” LXXVII.– Por outro lado, o técnico subscritor faz constar da informação por si elaborada que “Constatou-se que, do que foi possível verificar, que as fissuras poderão ter sido ocasionadas por assentamentos, por retração do reboco e pelo peso e oscilação provocada pelos ventos fortes sobre a vedação existente no seu muro.” LXXVIII.– Ora, o relatório camarário não é inequívoco. LXXIX.– Não só o seu autor refere que as fissuras – que não a fissura horizontal -“poderão ter sido ocasionadas” – o que demonstra incerteza sobre a causa das mesmas como também, a final, acaba por concluir que não lhe foi possível verificar as causas das anomalias do muro de vedação. LXXX.– Acresce que o teor do relatório supra contém, na sua maior parte, “transcrições” de informações prestadas pelo diretor da Obra: veja-se, a título exemplificativo “Após contato com o diretor de obra, da construção que está a ser edificada, o mesmo referiu (…)”, “Por correio eletrónico, que se junta em anexo, vem informar o diretor de obra (…)”, “Informa também, (…)” LXXXI.– Mais: o Relatório Camarário termina referindo que: “ Face ao teor da exposição do reclamante e do diretor de obra, tratando-se de conflitos entre proprietários, e dado que não é possível verificar as causas, e para a obra existe um seguro, propõe-se que este assunto seja sanado entre os particulares.” LXXXII.– Ora, o relatório camarário em causa é tudo menos esclarecedor e conclusivo. LXXXIII.– Como pode, então, a Mº. Juiz Recorrida considerar, como faz, que a Recorrente descartou “as conclusões que já sabia terem sido alcançadas pela fiscalização da Câmara Municipal de Sintra?” LXXXIV.– Se tais conclusões são no sentido de não ter sido possível o apuramento, a verificação das causas das anomalias do muro de vedação ? Nem tão pouco se percebendo se em tal relatório se inclui na a “fissura horizontal” faz parte das “fissuras” a que o mesmo alude. É, pois, contraditória a conclusão a que a Mª Juiz chegou– de que o Recorrente pretende, com a alegação dos factos identificados em i) supra, demonstrar a ligação entre o alegado dano e a realização da obra, descartando as conclusões do relatório da CMS - em relação ao facto dado como provado no ponto 7 dos Factos Provados. LXXXV.– De salientar que o Recorrente contratou um técnico especializado unicamente para encontrar resposta às suas duvidas: se teria sido, ou não, a obra a causar aqueles danos na sua propriedade. Tal facto é compatível com a alegação que o Recorrente faz de que apenas teve efetivo conhecimento dos danos e das suas causas com a elaboração dos relatórios juntos em Doc. 6 do requerimento inicial, demonstrando mais uma vez a legítima conduta e interposição da presente providência. LXXXVI.– Refere ainda a Mª. Juiz recorrida que: “Por outro lado, alega o Recorrente e no requerimento inicial que: iv) A requerida, na obra que realizou, na divisória em causa não construiu em toda a extensão do muro do Recorrente; v) E que a reparação do seu muro terá de ser efetuada antes da conclusão dos trabalhos do muro de contenção [da requerida] sob pena de não ser mais possível reparar o muro do Recorrente que ficará tapado pelo muro de contenção efetuado pela requerida. LXXXVII.– Pretendeu assim o Recorrente demonstrar não só que a obra estava em curso mas, também, que haveria urgência justificativa do decretamento de providência. Estes são elementos estruturantes da sua posição. Verifica-se, contudo que o Recorrente sabia que estes factos não eram verdadeiros, isto é, sabia que é falso que a barreira de ocultação esteja instalada em todo o muro da sua propriedade, sendo que apenas foi instalada na secção que confronta com o lote da requerida; sabe ainda que é falso que esta vedação esteja colocada anos antes do início da obra, sendo que, ao invés, foi colocada precisamente no início da obra e sabe, portanto, que não lhe assistem aqueles concretos fundamentos para fazer a correlação entre a zona da fissuração e a da obra. Sabe, outrossim, não podendo deixar de saber porque reside no local que, em Outubro de 2023 (à data da propositura do procedimento) já o muro se mostrava completamente erigido e que, portanto, a essa data, já o seu muro se encontrava tapado pelo muro de contenção efetuado pela requerida, não lhe assistindo um dos requisitos que invocou para o decretamento/ utilidade da providência. Ainda assim, não se coibiu de alegar nos termos em que o fez.” LXXXVIII.– Ora, relativamente à invocação dos pontos iv) e v) supra referidos que a Mª. Juiz a quo considera terem sido alegados para fundamentar que a obra estava em curso e que haveria urgência que justificasse o decretamento da providencia, cumpre, desde logo, esclarecer, conforme supra alegado, que o próprio Recorrente acreditava que tais correspondiam à verdade. LXXXIX.– Para todos os efeitos, no momento da apresentação em juízo da providencia, o Recorrente acreditava, e estava plenamente convicto, que a construção do muro ainda era uma realidade. XC.– Acresce que, da análise das fotografias juntas aos autos sob o registo fotográfico junto com o requerimento apresentado em 23-11-2023, ref.ª citiuis …, verifica-se que era impossível ao Recorrente aperceber-se do alegado termo de construção do muro, uma vez que do terreno (jardim e área da piscina) da sua moradia não é possível visualizar o muro construído pelo Requerido, face à vedação de ocultação que impede a visão da área exterior da propriedade da Recorrida. XCI.– Pelo que, atendendo ao supra alegado, bem como ao facto de o muro em causa ter sido construído em duas etapas, como consta do ponto 17 dos Factos Provados – “17. A requerida realizou a construção do muro divisório entre dos dois lotes dos autos em duas fases distintas: a primeira parte do troço do muro, que foi finalizada em Janeiro de 2023, e a segunda parte do troço do muro, que foi concluída em Agosto de 2023.”, é perfeitamente credível que, como sucedeu, para o Recorrente – e, aliás, sucederia a qualquer homem médio, na sua situação, à data da entrada em juízo do R.I.,- o mesmo ainda estivesse a ser alvo de intervenção / construção. XCII.– Mas mais: o Requerido, ao longo de todo o processo atuou com a maior lisura e boa-fé. XCIII.– Por outro lado, que a Mª Juiz recorrida termina com uma consideração / constatação que não se compreende: a imputação, ao Recorrente, do conhecimento inequívoco do termo da construção do muro – e que, portanto, já o seu muro se encontrava tapado pelo muro de contenção efetuado pela Requerida - apenas e tão só porque reside no local: “é vizinho”. XCIV.– Com efeito, o muro de contenção erigido pela Requerida tem a mesma altura do muro de vedação construído e existente no terreno do Recorrente (conforme se pode constatar do registo fotográfico junto aos autos no Requerimento inicial, bem como na oposição apresentada); XCV.– A vedação de ocultação, colocada sobre o muro do Recorrente, tem mais de um metro de altura, pelo que impede que, quem se encontra no terreno do Recorrente, possa visualizar o muro da Requerida. Ora, atendendo a que, conforme resulta do depoimento das testemunhas supra indicadas, continuava a existir movimento “na obra” encontrando-se ainda no local, maquinaria, camiões de carga e descarga, pessoas e materiais, tal facto criou, assim, a convicção do Recorrente que a obra não estava terminada. E, considerando que o muro de contenção da Requerida foi construído em duas fases - uma primeira que terminou em Janeiro de 2023 e a outra em Agosto de 2023 - tal significa que durante um período de oito meses, a construção do muro sofreu um interregno. XCVI.– O Recorrente sabia que, pelo menos em Julho de 2023, através da ia ao local do técnico que elaborou os documentos 5 e 6 juntos com o requerimento inicial, o muro ainda não tinha sido completamente construído. Atendendo ainda a que era fisicamente impossível ao Recorrente ver o que se passava no terreno da Requerida, designadamente, acompanhando a progressão da obra relativa ao muro. Como poderia o Recorrente saber que à data da entrada em juízo da presente providência já o muro estaria terminado ? XCVII.–Note-se ainda que entre a data em que o Recorrido terminou a construção do muro – final de Agosto de 2023 - e a apresentação da presente providencia – inicio de Outubro de 2023 decorreu apenas cerca de um mês e meio. XCVIII.–Mais, conforme decorre do depoimento do representante legal da Recorrida, que o muro foi construído em duas fases, referiu ainda que: « Sim em agosto estava pronto. Não sei se já estava pintado, estava rebocado e cavado, isso estava acabado. Pintura isso se calhar foi….»- vide transcrições supra referidas. XCIX.– Ora do testemunho do legal representante, conjugado com a fotografia junta em Doc. 6 da oposição, é possível concluir que após a conclusão do muro ainda foram efetuados trabalhos de nivelamento de terras e colocação de pavimento, trabalhos esses cuja data da respetiva conclusão não foi possível aferir. C.– Mas mais: de tal registo fotográfico ainda é possível verificar que, estando tais trabalhos em curso, facilmente impossibilitariam o Recorrente de percecionar se o muro estaria ou não concluído, uma vez que no local estavam pessoas, maquinas e materiais. CI.– Neste sentido, refere a testemunha «DD» no seu depoimento quando questionado quando tempo durou a obra, referiu que (inicio da gravação 00:23:52 e fim da gravação 00:24:00): «Eu estive lá para aí há dois meses estava em finalização portanto, teve do principio ao fim um ano e meio talvez.» CII.– Pelo que é perfeitamente aceitável que, qualquer pessoa na posição do Recorrente tivesse o mesmo entendimento que este relativamente ao não termo da obra do muro. CIII.– Acresce que, não foi produzida prova que demonstrasse que o Recorrente tivesse tido efetivamente conhecimento de que o muro estava concluído, aquando da entrada em juízo do RI. Bem como, resulta dos relatórios apresentados, vide doc. 5 e 6 do requerimento inicial, que para efetuar a reparação dos danos, o não muro não poderia estar construído. CIV.– Face ao exposto, o Recorrente, ao contrário do feito constar da douta sentença recorrida, sempre acreditou ter fundamento sério para deduzir a sua pretensão; nada nos autos revelando o contrário. Sendo que a invocação, na douta sentença, de factos falsos, como já supra explicado, não se deveu a dolo da sua parte, nos termos supra alegados. CV.– De outra sorte, não teria este, repete, carreado para os autos documentos, nem produzido depoimento, que manifestamente contrariavam a alegação de dois pontos RI. CVI.– Mais, conforme resulta do supra explicado, o Tribunal a quo, deu como provados factos incompletos , bem como omitiu factos que conjugados com a alegação feita pelo Recorrente demonstram que este tinha fundamento sério para interpor a presente providencia. CVII.– Mais, tratando-se de matéria técnica, o Recorrente apenas se poderia basear nos conhecimentos técnicos que contratou, nomeadamente na pessoa do Eng.º «FF» para criar a sua convicção. CVIII.– Atendendo ao facto que próprio regime da providência cautelar determina principio da atualidade, então cumpre dizer que: A presente providencia deu entrada em 12 de outubro de 2023, tendo a audiência de julgamento iniciado em Março de 2024, ou seja decorridos 6 meses. Não foi dado como provado que continuamente caiam pedras no jardim e piscina do Recorrente, baseando-se a convicção do Tribunal a quo no testemunho da Senhora «BB», conforme consta da fundamentação dos factos não provados, nomeadamente o facto j)- que refere que atualmente apenas passam areias e não pedras. CIX.– Porém, a queda de pedras no jardim e piscina apenas cessou com a conclusão da obra, pelo que à data da apresentação da presente providencia tal ainda se verificava, conforme matéria já supra alegada. Assim, á data da apresentação da presente providencia tal facto ocorria, não podendo o Tribunal a quo afirmar que o Recorrente sabia não existir fundamento para a apresentação da presente providência por inexistência de perigo. CX.– Entendeu a Mª Juiz recorrida que a conduta processual do Recorrente é passível de ser censurada por se enquadrar no previsto no art. 542.º, n.º 2, als. a) e b), do Código de Processo Civil, por, segundo ela, “ (…) constata-se que o Recorrente sabia que não tinha fundamento sério para a dedução da sua pretensão, para além de que alegou factos que sabia não corresponderem à verdade.” CXI.– Nos termos do art.º 542º, n.º 1, do CPC, tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir; segundo o n.º 2, do mesmo artigo, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar [alínea a)] ou tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa [alínea b)]. CXII.– A condenação como litigante de má-fé há de afirmar a reprovação e censura dos comportamentos da parte que, de forma dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente, pretendeu convencer o tribunal de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar CXIII.– No intuito de moralizar a atividade judiciária, o art.º 542º, n.º 2, oriundo da revisão de 1995, alargou o conceito de má-fé à negligência grave, enquanto que, anteriormente, a condenação como litigante de má-fé pressupunha uma atuação dolosa, isto é, com consciência de se não ter razão, motivo pelo qual a conduta processual da parte está, hoje, sancionada, civilmente, desde que se evidencie, por manifestações dolosas ou caracterizadoras de negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes) - cf., de entre vários, o acórdão da RG de 10.5.2018-processo 27/15.8T8TMC.G1, publicado no “site” da dgsi. CXIV.– É jurisprudência pacífica que a figura nítida do litigante de má-fé ocorre nos casos em que o litigante sabe que não tem razão e, apesar disso, litiga, atuação que merece censura e condenação; considera-se que a litigância de má-fé consubstancia algo mais do que uma litigância imprudente, só existindo quando a parte excede os limites da prudência normal, atuando culposamente, ou seja, quando se excedam os limites da normal dinâmica processual. CXV.– Na realidade, constitui hoje entendimento prevalecente na nossa jurisprudência o de que a condenação por litigância de má-fé só deve ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal. CXVI.– No entanto, entende ainda a jurisprudência maioritária que, deve continuar-se a ser cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má-fé, o que só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a ação da justiça. CXVII.– Veja-se, a título meramente exemplificativo, o douto Ac. de 18 de Fevereiro de 2015, proferido no âmbito do processo nº 1120/11.1TBPFR.P1.S1, Nº Convencional, 6ª Secção, Relator Conselheiro Silva Salazar , acessível em www.dgsi.pt. CXVIII.– Ou seja, e em suma, poderá ser responsabilizado como litigante de má-fé não só aquele que profere declarações contrárias ao que subjetivamente sabe ser verdade, mas também aquele que apenas se encontra subjetivamente convencido da verdade de um facto inexistente ou inveracidade de um facto verdadeiro, porque desrespeitou o mínimo de diligência que lhe era exigido, recorrendo ao processo de modo totalmente leviano e imprudente. CXIX.– Do mesmo modo, tanto poderá ser considerado de má-fé aquele que oculta um facto essencial do qual tem perfeito conhecimento, como aquele que não podia deixar de o conhecer caso tivesse empregado o mínimo de diligência exigível a quem atua em juízo CXX.– No caso dos autos, crê o Recorrente, aqui Recorrente ter deixado demonstrado que desconhecia, sem culpa sua, a conclusão do muro do contenção da Requerida. CXXI.– Não só porque o mesmo demorou largos meses a ser construído - foi construído em duas fases: Janeiro e Agosto de 2023; CXXII.– Mas também porque, à data da entrada em juízo do RI, o “movimento na obra” continuava, e ainda porque para o Recorrente era fisicamente e materialmente impossível ver, do seu terreno, o estado de andamento da construção do muro. CXXIII.– Por maioria de razão, se acreditava que o muro ainda não tinha sido concluído, entendeu que existia urgência no decretamento do procedimento. Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser a sentença proferida pelo tribunal a quo em 27/03/2024 revogada e substituída por outra, assim se fazendo sã e serena JUSTIÇA!» A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação da decisão recorrida. Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito. OBJETO DO RECURSO Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões: a) A matéria de facto foi mal decidida e deve ser alterada? b) A condenação do recorrente como litigante de má-fé deve ser revogada? II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A 1.ª instância considerou indiciariamente provados os seguintes factos: 1.- O requerente é o legítimo proprietário do imóvel sito na Rua … Quinta da Beloura; 2.- Em Março de 2022, no lote contíguo àquele a que se refere 1., foram iniciadas pela requerida obras de construção de edifício, com o processo camarário …/2022; 3.- Durante a execução dos trabalhos, algumas pedras caíram na propriedade do requerente; 4.- Em data não concretamente apurada, coincidente com a da abertura de um furo de captação de água na propriedade da requerida, ocorreu uma inundação no jardim do imóvel do requerente, proveniente do muro de delimitação do seu terreno do da requerida; 5.- A residência do requerente foi construída em 2018, consistindo em moradia com piscina e jardim, encontrando-se vedada com um simples muro; 6.- O requerente solicitou junto da Câmara Municipal de Sintra que fosse realizada uma vistoria que determinasse se a construção estaria a ser adequadamente efetuada uma vez que desconhecia se as causas das infiltrações e queda de detritos tinham origem no incumprimento das normas de construção por parte da requerida; 7.- Na sequência da vistoria realizada pela Câmara Municipal de Sintra, foi emitida informação com o seguinte teor: «Informação Proposta n.º …/2023 Sintra, 2023-01-12 Assunto: …/2023 LOCAL: Rua … União de Freguesias de Sintra INFORMAÇÃO: Pelo Registo de entrada n.º …/2023, veio o munícipe, apresentar um pedido de intervenção por denuncia de particular, em que reclama sobre diversas situações, que segundo ele estão relacionadas com a construção, que está a decorrer no lote contíguo, e que possui o processo camarário …/2021 (comunicação prévia), que se encontra com autorização administrativa. A denúncia incide sobre anomalias que se verificam no seu muro de vedação, nomeadamente fissuras e escorrências de águas. Informa também que o seu vizinho não procedeu à execução do muro previsto no projeto de arquitetura. Após deslocação ao local, constatou-se que o titular do processo camarário …/2021, já executou parte do muro previsto e confinante com o reclamante, faltando apenas um pequeno troço. Constatou-se que, do que foi possível verificar, que as fissuras poderão ter sido ocasionadas por assentamentos, por retração do reboco e pelo peso e oscilação provocada pelos ventos fortes sobre a vedação existente no seu muro. Junta-se fotos do local. (fotos) Após contato com o diretor de obra, da construção que está a ser edificada, o mesmo referiu que as reclamações já vêm desde que começaram a limpeza do terreno. Por correio eletrónico, que se junta em anexo, vem informar o diretor de obra, que relativamente aos danos causados pelas infiltrações de águas provenientes da perfuração, já procederam à limpeza e substituição da gravilha dos canteiros. Informa também, que as reclamações, tem vindo desde o início da obra desde que começaram a limpeza do terreno, e que o mesmo já apresentava fissuras de retração de reboco e até mesmo deficiente construção do mesmo. Muro esse que foi intervencionado também pelo proprietário para colocação de uma vedação metálica, a qual também poderá originar algumas fissuras no próprio muro. Vedação essa que com a força do vento já esteve caída e que foi depois novamente intervencionada para tentar suportar melhor essas forças, provocando tensões nesse próprio muro. Face ao teor da exposição do reclamante e do diretor de obra, tratando-se de conflitos entre proprietários, e dado que não é possível verificar as causas, e para a obra existe um seguro, propõe-se que este assunto seja sanado entre os particulares. Mais se informa, se assim o entender, deverá requerer, caso assim o entenda, um Pedido de Vistoria de Segurança e Salubridade, nos termos do artigo 89.° e seguintes do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16/12, com as alterações vigentes, devendo para isso deslocar-se a qualquer Divisão de Atendimento Municipal (DATM) desta Câmara Municipal de Sintra. À consideração superior Divisão de Fiscalização Municipal, 12 de janeiro de 2023 O técnico (…) Parecer(s) Despacho A consideração Superior do Chefe de Divisão, propondo informar o requerente Parecer(s) Despacho Concordo com o proposto. À SASE.(…)» 8.- O muro de vedação do imóvel do requerente é um muro ser qualquer resistência estrutural; 9.- O muro de vedação do imóvel do requerente apresenta fissuras, surgidas em data não concretamente apurada; 10.- O muro de vedação do imóvel do requerente já apresentava fissuras no lado do lote da requerida previamente ao início dos trabalhos desta; 11.- Logo que teve início a obra da requerida, por volta de Março/Abril de 2022, o requerente instalou, unicamente ao longo do seu muro fronteiriço com o lote da requerida, uma barreira de ocultação metálica; 12.- A fixação inicialmente adotada pelo requerente para a barreira a que se reporta 11., consistia apenas num aparafusamento simples da barreira metálica no seu muro, tendo a força do vento derrubado a estrutura colocada pelo requerente, em data não concretamente apurada; 13.- Nesta sequência, o requerente fixou novamente tal estrutura metálica reforçando a mesma e rasgando o muro no sentido do chão, chumbando tal reforço com cimento; 14.- O muro de vedação do imóvel do requerente foi construído sem estrutura de suporte abaixo da terra; 15.- As fissuras que o muro do imóvel do requerente apresenta foram prejudicadas pela montagem da estrutura metálica de vedação colocada por este, ao exercer mais força sobre o muro já fragilizado; 16.- São visíveis várias fissuras ao redor da estrutura implementada no muro do requerente; 17.- A requerida realizou a construção do muro divisório entre dos dois lotes dos autos em duas fases distintas: a primeira parte do troço do muro, que foi finalizada em Janeiro de 2023, e a segunda parte do troço do muro, que foi concluída em Agosto de 2023; 18.- À data da apresentação do requerimento inicial do Requerente do presente procedimento cautelar de embargo de obra nova, a 12.10.2023, os trabalhos de construção a ser desenvolvidos pela requerida no seu lote já haviam terminado; 19.- Estão apenas por terminar alguns detalhes no interior da moradia construída pela requerida no lote. E considerou indiciariamente não provada a seguinte factualidade: a) O prédio a que se reporta 1. mostra-se inscrito na matriz sob o art. 11638.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º 2086; b) As obras a que se reporta 2. tiveram início no Verão de 2022; c) Após a ocorrência a que se alude em 4., mantiveram-se ainda episódios de inundações no terreno do requerente; d) Em 17 de Julho de 2023, foi realizada perícia ao muro danificado, de modo a apurar as causas dos seus danos, pelo Eng.º «FF»; e) O Eng.º «FF» veio a elaborar novo relatório; f) Em toda a extensão do muro que percorre o terreno do requerente, delimitando-o dos terrenos contíguos, está colocada a barreira de ocultação; g) A única secção do muro está severamente danificada e que tem infiltrações é a secção do muro contiguo à obra da requerida; h) A vedação metálica existente no muro do imóvel do requerente foi colocada anos antes do início da obra e nunca revelou quaisquer problemas ou danos até ao início dos trabalhos realizados pela requerida; i) O proprietário do lote vizinho ao do requerente, na obra que realizou, na divisória entre os dois lotes, não construiu em toda a extensão o muro previsto no projeto de arquitetura; j) Até à presente data, continuam a cair pedras e detritos no terreno do requerente, causando perigo a bens e pessoas; k) O muro do imóvel do requerente poderá cair dentro da piscina e atingir os seus utilizadores; l) Aproximam-se as épocas das chuvas, pelo que é necessário proceder à reparação de imediato de forma a prevenir danos extramente gravosos para a propriedade do requerente e dos utilizadores do jardim; m) A reparação terá de ser efetuada antes da conclusão dos trabalhos de construção do muro de contenção sob pena de não ser mais possível reparar o muro do requerente que ficará tapado pelo muro de contenção efetuado pela requerida. III. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO 1. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO O recorrente (requerente da providência cautelar) pede a alteração dos factos 3 (conclusões III a VII), 9 (conclusões VIII a XXII) e 15 (conclusões XXIII a XLIV). Os referidos pontos da matéria de facto contêm as seguintes asserções: 3. Durante a execução dos trabalhos, algumas pedras caíram na propriedade do requerente; 9. O muro de vedação do imóvel do requerente apresenta fissuras, surgidas em data não concretamente apurada; 15. As fissuras que o muro do imóvel do requerente apresenta foram prejudicadas pela montagem da estrutura metálica de vedação colocada por este, ao exercer mais força sobre o muro já fragilizado. O recorrente pretende que passem a ter a seguinte redação: 3. No decurso de toda a obra caíram diversas pedras e detritos de obra, na propriedade do recorrente, tendo os mesmos inclusive atingido moradores da mesma; 9. O muro de vedação do imóvel do recorrente apresenta fissuras, verticais, de pouca expressão, originadas antes do início dos trabalhos do recorrido e da colocação da vedação de ocultação; apresenta também fissuras nas zonas circundantes à zona da colocação da vedação de ocultação; e, ainda, uma fissura prominente horizontal localizada na base do muro apenas no lado interior da residência do recorrente na zona próxima e diametralmente oposta àquela onde foram realizados os trabalhos de escavação do furo de captação de água; 15. A recorrida exerceu forças sobre o muro do imóvel do recorrente, escavou terras e realizou ações que danificaram o muro, nomeadamente pela fixação de elementos e utilização do muro para fins da obra, danos causados por elementos metálicos (máquinas de escavação ou outros) e realização de um furo de captação de águas na proximidade do muro. O recorrente discorreu extensivamente sobre os meios de prova que, em seu entender, impõem a alteração dos descritos factos para o sentido que lhes confere. Quem interpõe recurso de apelação pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto, conquanto observe as regras contidas no artigo 640.º do CPC. Segundo elas, e sob pena de rejeição do respetivo recurso, o recorrente deve especificar: i. os pontos da matéria de facto de que discorda; ii. os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida; e, iii. a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O recorrente cumpriu estes ónus. Sucede que, ainda que se provassem os factos ora em questão com a extensão e conteúdo pretendidos pelo recorrente, tal não teria qualquer influência no desfecho da causa, como passamos a expor. Trata-se de um procedimento cautelar de embargo de obra nova, previsto e regulado nos artigos 397.º e ss. do CPC. Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente (n.º 1 do artigo 397.º do CCP). Este procedimento e o deferimento da providência homónima pressupõem, entre outros requisitos, uma obra, trabalho ou serviço novo em curso. «A referência à suspensão, como objetivo da providência, tem o claro significado de limitar o embargo às obras ou trabalhos já iniciados mas ainda por concluir (…). Pode ainda afirmar-se que apenas interessa para o efeito o que possa decorrer de obras relevantes, excluindo as meramente secundárias, os acabamentos ou o aproveitamento de obras anteriores» (cf. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV, 4.ª ed., 2010, pp. 253-255, cit. em Código de Processo Civil Anotado, I, de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, 2018, p. 472). Ficou provado, sem que o recorrente ponha em crise estes factos, que: «17. A requerida realizou a construção do muro divisório entre dos dois lotes dos autos em duas fases distintas: a primeira parte do troço do muro, que foi finalizada em Janeiro de 2023, e a segunda parte do troço do muro, que foi concluída em Agosto de 2023; 18. À data da apresentação do requerimento inicial do Requerente do presente procedimento cautelar de embargo de obra nova, a 12.10.2023, os trabalhos de construção a ser desenvolvidos pela requerida no seu lote já haviam terminado; 19. Estão apenas por terminar alguns detalhes no interior da moradia construída pela requerida no lote». Consequentemente, o desfecho dos autos, mesmo que se provassem os factos nos exatos termos pretendidos pelo recorrente, seria sempre a improcedência da providência requerida. Assim sendo, a pretendida reapreciação da matéria de facto seria absolutamente inútil, pelo que prescindimos de a efetuar. A este propósito, leia-se o enfático sumário do Ac. STJ de 17/05/2017, proc. 4111/13.4TBBRG.G1.S1 (Fernanda Isabel Pereira): «III - O princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo. IV - Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.» 2. DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ Resta reapreciar a bondade da decisão de condenação do requerente como litigante de má-fé. Nas conclusões XLV e ss., o recorrente rebate esta condenação invocando, em síntese, que desconhecia que a obra estivesse concluída, e não tinha como sabê-lo, pois não se avista do exterior, nem do interior da sua propriedade; e que o tribunal a quo distorce, na argumentação que fundamenta a condenação, os factos alegados pelo autor na petição. Excluindo a invocação de normas, a sua interpretação e citações doutrinárias a ela referentes, a fundamentação da condenação do requerente como litigante de má-fé foi a que se segue: «Da atuação processual do requerente constata-se foi alegado no requerimento inicial que: i) A barreira de ocultação está colocada em toda a extensão do muro que percorre o terreno do requerente delimitando-o dos terremos contíguos; ii) E que, só na zona em que esse muro é contíguo à obra da requerida, é que o muro apresenta danificações e infiltrações, iii) Ao que acresce que a vedação metálica foi colocada anos antes do início da obra e nunca deu quaisquer problemas ou danos até ao início dos trabalhos realizados pela requerida. Com esta alegação, pretende o requerente demonstrar a ligação entre o alegado dano e a realização da obra, descartando, com base naquela factualidade, as conclusões que já sabia terem sido alcançadas pela fiscalização da Câmara Municipal de Sintra. Por outro lado, alega o requerente no requerimento inicial que: iv) A requerida, na obra que realizou, na divisória em causa não construiu em toda a extensão do muro do requerente; v) E que a reparação do seu muro terá de ser efetuada antes da conclusão dos trabalhos do muro de contenção [da requerida] sob pena de não ser mais possível reparar o muro do requerente que ficará tapado pelo muro de contenção efetuado pela requerida. Pretendeu assim o requerente demonstrar não só que a obra estava em curso mas, também, que haveria urgência justificativa do decretamento de providência. Estes são elementos estruturantes da sua posição. Verifica-se, contudo que o requerente sabia que estes factos não eram verdadeiros, isto é, sabia que é falso que a barreira de ocultação esteja instalada em todo o muro da sua propriedade, sendo que apenas foi instalada na secção que confronta com o lote da requerida; sabe ainda que é falso que esta vedação esteja colocada anos antes do início da obra, sendo que, ao invés, foi colocada precisamente no início da obra e sabe, portanto, que não lhe assistem aqueles concretos fundamentos para fazer a correlação entre a zona da fissuração e a da obra. Sabe, outrossim, não podendo deixar de saber porque reside no local que, em Outubro de 2023 (à data da propositura do procedimento) já o muro se mostrava completamente erigido e que, portanto, a essa data, já o seu muro se encontrava tapado pelo muro de contenção efetuado pela requerida, não lhe assistindo um dos requisitos que invocou para o decretamento/ utilidade da providência. Ainda assim, não se coibiu de alegar nos termos em que o fez. Com efeito, constata-se que o requerente sabia que não tinha fundamento sério para a dedução da sua pretensão, para além de que alegou factos que sabia não corresponderem à verdade. Pelo exposto, entende-se, pois, que a conduta processual do requerente é passível de ser censurada por se enquadrar no previsto no art. 542.º, n.º 2, als. a) e b), do Código de Processo Civil.» O recorrente rebate, nas conclusões XLV e ss. Passamos a apreciar, ponto por ponto, os fundamentos da condenação. i. No artigo 12.º do requerimento inicial, o requerente alegou: «O muro percorre toda a extensão do terreno do Requerente delimitando o seu terreno dos terrenos contiguo, e em toda a extensão do muro está colocada a barreira de ocultação»; Tratou-se de um aparente lapso de escrita porquanto o recorrente, embora tenha utilizado a palavra “terrenos” no plural, utilizou a palavra “contíguo” no singular, não se podendo extrair de tal lapso de escrita que o requerente quisesse usar o plural e não o singular. Ainda que tivesse querido referir terrenos, no plural, não se alcança a relevância da afirmação para a apreciação da lisura processual. ii. O Tribunal a quo fez constar na sentença que o requerente alega que o restante muro de vedação que existe na propriedade não teria quaisquer danos, apenas existindo estes no muro contiguo à obra. Porém, o que o requerente alega é diferente. Art. 13.º do r.i.: «a única secção do muro está severamente danificada e que tem infiltrações é a secção do muro contíguo à obra da Requerida» (sublinhado nosso). O recorrente não imputou à recorrida a existência de todas e quaisquer fissuras existentes no muro; mas sim uma fissura em concreto, devidamente identificada, descrita e fotografada no relatório apresentado com o requerimento inicial. A fissura grande e horizontal que se vê nas fotografias 19, 21 e 22 do citado relatório. Foi a recorrida quem invocou a existência de outras fissuras para negar a sua responsabilidade pela origem da referida fissura horizontal. No entanto, tais “outras” fissuras não foram alegadas pelo recorrente como imputáveis à ação da recorrida, nem esta se pronunciou sobre a concreta fissura cuja responsabilidade o recorrente lhe imputou. iii. Relativamente ao ponto iii., efetivamente, no artigo 15.º do r.i., o requerente alegou «Acresce que a vedação metálica foi colocada anos antes do início da obra e nunca revelou quaisquer problemas ou danos até ao início dos trabalhos realizados pela Requerida». Porém, veio a apurar-se, nomeadamente pelo depoimento de parte do recorrente, que a vedação foi colocada quando a requerida iniciou as obras. Alega o recorrente em sede de recurso que não teve qualquer intenção de ludibriar o tribunal; as obras tiveram início um par de anos antes da propositura da ação; quando a mandatária do requerente lhe perguntou há quanto tempo se mostrava colocada a vedação metálica, o recorrente terá dito “há anos”, tendo a mandatária entendido que tal vedação se encontrava colocada anos antes do início da obra; quando, na realidade, o recorrente terá pretendido dizer “há anos” à data da conferência com a sua mandatária. Conforme resulta provado nos autos, o recorrente colocou a vedação no início da obra, ou seja, em março/abril de 2022; e os danos no muro apenas terão ocorrido em dezembro de 2022 ou janeiro de 2023, ou seja largos meses após, conforme resulta do Relatório Camarário e demais prova produzida. Justificou o requerente que o facto de comunicar com a sua mandatária em inglês, língua não materna de qualquer deles, pode ter levado ao mal-entendido a respeito a altura em que foi aposta a parte metálica que alteou o muro do requerente. De notar, ainda, a apreciação que o tribunal a quo fez do depoimento do requerente: «Tendo sido ouvidos o requerente, «AA», e o legal representante da requerida, «CC», ambos se afiguraram sérios, espontâneos e credíveis nas suas declarações, em alguns aspetos nucleares até coerentes entre si, dando nota dos factos na medida dos seus conhecimentos, tendo contribuído positivamente para a formação da convicção do Tribunal, sendo portanto no lugar próprio aludido à sua contribuição sem necessidade de outras considerações, que não as que se estimem por necessárias no lugar próprio». O tribunal a quo, para justificar a condenação por má-fé processual, invoca, ainda, que o requerente descartou «as conclusões que já sabia terem sido alcançadas pela fiscalização da Câmara Municipal de Sintra». No entanto, do relatório da referida fiscalização não resulta a falta de razão do requerente; o relatório é titubeante, coloca hipóteses, mas não afirma certezas: «as fissuras poderão ter sido ocasionadas por…», «Após contato com o diretor de obra, da construção que está a ser edificada, o mesmo referiu que…», «Muro esse que foi intervencionado também pelo proprietário também pelo proprietário para colocação de uma vedação metálicas, a qual também poderá originar…», «tratando-se de conflitos entre proprietários, e dado que não é possível verificar as causas, e para a obra existe um seguro, propõe-se que este assunto seja sanado entre os particulares». Não sendo este relatório assertivo sobre as causas dos danos alegados pelo requerente, não se lhe pode censurar que o tenha procurado outro parecer. Acresce que, apesar disso, o requerente deu conta, nos artigos 7.º e 8.º do requerimento inicial, de que «solicitou junto da Câmara de Sintra que fosse realizada uma vistoria que determinasse se a construção estaria a ser adequadamente efetuada, uma vez que desconhecia se as causas das infiltrações e queda de detritos tinham origem no incumprimento das normas de construção por parte da Requerida»; «A vistoria realizada em pela Câmara determinou que os estragos não tinham origem na obra que está a ser realizada pela Ré mas sim, pela sua barreira de ocultação». Perante isto, não se perceciona qualquer falta de lisura. Se o requerente entende que, apesar do que consta do relatório da Câmara, os incidentes se mantiveram, nomeadamente com pedras a cair para o seu jardim, tendo inclusive acertado nos seus habitantes e caído na piscina, e com episódios de inundações no terreno do requerente, não se pode censurá-lo quando contrata um técnico especializado para encontrar resposta para as suas dúvidas e, muito menos qualificar a sua atuação como litigância de má-fé. Se os alegados incidentes são suficientes para embargar uma obra é questão diversa, intrínseca ao mérito da causa, mas irrelevante para a boa-fé processual. Por último, a condenação do requerente como litigante de má-fé assenta nas seguintes alegações do requerente: «iv) A requerida, na obra que realizou, na divisória em causa não construiu em toda a extensão do muro do requerente; v) E que a reparação do seu muro terá de ser efetuada antes da conclusão dos trabalhos do muro de contenção [da requerida] sob pena de não ser mais possível reparar o muro do requerente que ficará tapado pelo muro de contenção efetuado pela requerida. Pretendeu assim o requerente demonstrar não só que a obra estava em curso mas, também, que haveria urgência justificativa do decretamento de providência. Estes são elementos estruturantes da sua posição. Verifica-se, contudo que o requerente sabia que estes factos não eram verdadeiros, isto é, sabia que é falso que a barreira de ocultação esteja instalada em todo o muro da sua propriedade, sendo que apenas foi instalada na secção que confronta com o lote da requerida; (…). Sabe, outrossim, não podendo deixar de saber porque reside no local que, em Outubro de 2023 (à data da propositura do procedimento) já o muro se mostrava completamente erigido e que, portanto, a essa data, já o seu muro se encontrava tapado pelo muro de contenção efetuado pela requerida, não lhe assistindo um dos requisitos que invocou para o decretamento/ utilidade da providência. Ainda assim, não se coibiu de alegar nos termos em que o fez». Afirma o requerente que estava convencido da veracidade dos factos que alegou, nomeadamente que o muro ainda se encontrava em construção: por um lado, era impossível ao recorrente aperceber-se do alegado termo de construção do muro, uma vez que do terreno (jardim e área da piscina) da sua moradia não se consegue visualizar o muro construído pelo requerido; por outro, o muro em causa foi construído em duas etapas, como consta do ponto 17 dos factos provados, tendo demorado cerca de ano e meio a ser construído, acabando em agosto de 2023; mesmo nessa data, não ficou sequer pintado, conforme decorre do depoimento do representante legal da recorrida, ao referir «Sim em agosto estava pronto. Não sei se já estava pintado, estava rebocado e cavado, isso estava acabado. Pintura isso se calhar foi….»; à data da providência é provável que ainda existisse movimento “na obra”, como o requerente alega, uma vez que ainda estavam por terminar acabamentos da moradia (facto 19). A litigância de má-fé pressupõe que, com dolo ou negligência grave, se deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; se altere a verdade dos factos ou se omitam factos relevantes para a decisão da causa; se pratique omissão grave do dever de cooperação; ou se faça do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (n.º 2 do artigo 542.º do CPC). Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, «A lei não coloca entraves irrazoáveis à introdução em juízo de pretensões ou de meios de defesa, nem consente que se faça do direito de ação uma interpretação correspondente a uma verdadeira petição de princípio, segundo a qual o acesso aos tribunais estaria reservado aos que tivessem razão. Se um dos objetivos do exercício do direito de ação é o reconhecimento de uma situação jurídica tutelável, o recurso legítimo aos tribunais não pode restringir-se àqueles que inequivocamente tenham a razão do seu lado. Ao invés, a lei confere uma vasta amplitude ao direito de ação ou de defesa, de maneira que, para além da repercussão no campo das custas judiciais, não retira do decaimento qualquer outra consequência a não ser que alguma das partes aja violando as regras e princípios básico por que devem pautar a sua atuação processual» (Código de Processo Civil Anotado, I, 2018, pp. 592-3). A factualidade provada e analisada não nos permite subsumir a conduta do requerente a nenhum dos pressupostos da litigância de má-fé descritos no n.º 2 do artigo 542.º do CPC. Como vimos acima, o requerente não alterou a verdade dos factos, não foi feita prova direta de que tivesse tido conhecimento de que o muro estava concluído, aquando da entrada em juízo do requerimento inicial e, considerando os factos assentes, não podemos acompanhar a conclusão do tribunal a quo no sentido de que o requerente soubesse e não pudesse desconhecer, sem culpa grave, da conclusão do muro pela requerida. O muro tinha levado ano e meio em construção, em agosto ainda estava, pelo menos, por pintar, obras continuavam em curso na propriedade da requerida, o muro da requerida não é visível da propriedade da requerente… Nesta sequência, afigura-se-nos que o requerente agiu sem culpa ou com culpa leva ao não averiguar por todos os meios se porventura o muro estaria concluído aquando da propositura do procedimento cautelar em 12 de outubro. Relembramos que o requerente esteve mais de ano e meio a suportar não apenas os inconvenientes óbvios de uma obra contígua à sua casa (barulhos e pós), mas também quedas de pedras e inundações. Efetuou várias diligências no sentido de minorar os seus prejuízos, incluindo contactar a Câmara e contratar um especialista. Não encontramos comportamento censurável. IV.–DECISÃO Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a condenação do requerente como litigante de má-fé e absolvendo-o do respetivo pedido. Custas por recorrente e recorrida na proporção de 10% e 90%, respetivamente. Lisboa, 11/07/2024 Higina Castelo (relatora) - Laurinda Gemas - Vaz Gomes |