Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
206/03.0TASEI.L2-3
Relator: MARIA ELISA MARQUES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PENA A CUMPRIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Havendo 8 anos a descontar de uma pena de 9 e, sendo que a lei serve a justiça, vingando a substância sobre a formalidade não se devem emitir mandados de detenção para suportar formalmente a decisão de que o arguido deve ser libertado.

O arguido, já cumpriu o que legalmente lhe está imposto cumprir quanto à pena de nove anos de prisão determinada nos presentes autos, sendo que, a privação da liberdade do arguido para liquidar a pena, calcular 5/6, verificar que tal marco se encontra ultrapassado e decidir a libertação se afigura um formalismo incompatível com a falta de fundamento legal para a sua detenção.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Recorre o Ministério Público da decisão de 20/09/2021 a fls. 3495 e vº do Juízo Central Criminal de Lisboa, J 23, que não deu guarida à promoção por aquele formulada de serem emitidos mandados de detenção do condenado com vista ao cumprimento da pena, por considerar não deverem ser emitidos «para suportar formalmente a decisão de que o arguido deve ser libertado” posto já ter «estado privado da sua liberdade mais tempo do que aquele que lei impõe para a concessão da liberdade condicional» e «competir ao TEP a tramitação processual da execução da pena e o determinar o seu cumprimento, não pode este Tribunal, porque incompetente para o efeito, substituir-se à decisão de conceder a liberdade condicional ao arguido», terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
 
1 - Constitui objeto do presente recurso o douto despacho proferido a fls. 3495 e 3496 dos autos identificados em epígrafe, o qual, repristinando o argumentário vertido no despacho de fls. 3406, não determinou a execução do remanescente da pena aplicada ao arguido PJ____, nos termos do disposto no art.º 477º e segs. do C. de Processo Penal;
2 - Com efeito e surpreendentemente, a Mmª Juiz a quo que, por despacho proferido em 20.09.2021, entendeu repristinar toda a argumentária vertida no despacho de fls. 5406, considerando não dever emitir mandados de detenção para suportar formalmente a decisão de que o arguido deve ser de imediato libertado, e ainda por competir ao TEP a tramitação processual da execução da pena e determinar o seu cumprimento, não podendo este tribunal, porque incompetente para o efeito, substituir-se à decisão de conceder a liberdade condicional ao arguido; 
3 - E sendo que, do cotejo das posições assumidas pelo tribunal da condenação e do tribunal de execução de penas temos um vazio decisório que conduz à situação absurda, e que se arrasta, vai já quase para dois anos, do condenado não poder ter a pena que lhe foi aplicada, por decisão transitada em julgado, cumprida e extinta e, consequentemente, não poder ter resolvida a sua situação jurídico penal, e a que tem direito; 
4 - Não podemos, pois, perfilhar o entendimento que subjaz à declaração de incompetência do tribunal a quo para determinar o cumprimento da pena, conforme decidido pelo tribunal superior, ou seja, para o cumprimento da exigência executiva do caso julgado, porque desde logo a Mmª Juiz a quo, ao que parece, não teve em consideração o estatuído nos art.ºs 477º, 478º e 479º do Código de Processo Penal, tendo feito errada interpretação e aplicação dos mesmos e, consequentemente, violando-os o despacho recorrido de forma flagrante; 
5 - Nesta conformidade, deve ser concedido provimento ao presente recurso e ser revogado o douto despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que acolha a promoção do Ministério Público exarada a fls. 3494 dos autos e determine a execução da pena única aplicada, aliás, tal como decidido pelo mencionado douto acórdão Supremo Tribunal de Justiça. 
 
2. O recurso foi admitido – fls. 3518
3. Nesta instância o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto, acompanhou nos seus precisos termos o recurso interposto.
4. O arguido respondeu ao Parecer nos termos que consta de fls. 3577-3578 e verso, que aqui se dão por reproduzidos, considerando, nada obstar «a que o Ministério Público aprecie e apresente o seu cálculo que refletirá na liquidação da pena” e que «à semelhança do que ocorria aquando a apresentação do requerimento com a referência citius 26868722, o arguido, estaria já em liberdade definitiva, uma vez que decorreram já mais de 2 anos desde o transito em julgamento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça” e restando-lhe «“apenas” o cumprimento de 12 meses de prisão, que sempre serão em liberdade condicional atento o vertido no artigo 61 n.º 4 do C.P.P.» 
Daí que «promover uma detenção do arguido para cumprimento de pena é, na verdade e salvo melhor entendimento, promover uma detenção e prisão ilegal, entendimento que não deve merecer qualquer acolhimento, porque é por todos consabido que à pena deverá ser descontada, por inteiro, a pena de 8 anos já cumprida, sendo que o arguido ultrapassa já, largamente os 5/6 de cumprimento de pena. Por tal razão, deve o Ministério Público, porque a tal está funcionalmente vinculado, promover a liquidação da pena do arguido, levando em linha de conta o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado».
5. Colhidos os vistos e realizada a Conferência (art.ºs 418º e 419º Código de Processo Penal), cumpre apreciar e decidir.
 
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. Da análise dos presentes autos retiramos, pelo seu relevo para a apreciação e decisão do recurso, as seguintes ocorrências processuais:
a). Por acórdão do STJ de 16/1/2020, transitado em julgado e 30/1/2020, foi o arguido PJ____   condenado, em cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas nos processos n.º 12831/03.5TDLSB, 1249/09.6TBPDL, 1108/03.6TAFAR e 206/03.0TASEI, na «pena única de nove anos de prisão, à qual “deve ser descontada a pena de oito anos de prisão já cumprida pelo arguido, nos termos do art.º 80º Código Penal.»- cf. fls. 3281 e 3264-3276 (acórdão do STJ).
b). Remetidos os autos ao Juízo Central Criminal de Lisboa, J 23, foi proferido despacho a ordenar a passagem de “mandados para cumprimento da pena única de nove anos, à qual deve ser descontado o período de 8 anos de prisão já cumpridos, sem prejuízo de ulteriores descontos que haja a considerar”. – cf. despacho de 14.2.2020 a fls.3284.
c). Através do requerimento fls. 3327-3328, de 6.8.2020, veio o arguido pedir a anulação do mandado por entender não haver lugar à emissão de mandados por ser desnecessária a reclusão do arguido, dado estarem cumpridos os 5/6 da pena dos 9 anos em que foi condenado, descontada a pena de 8 anos já cumprida e requerendo que tal fosse comunicado ao TEP.
d). Sobre esse requerimento - e após pronúncia do MP no sentido de se aguardar o cumprimento dos mandados emitidos - incidiu despacho datado de 23.9.2020 a fls. 3334 do seguinte teor:
«PJ____  foi condenado, em cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas nos processos n.º 12831/03.5TDLSB, 1249/09.6TBPDL, 1108/03.6TAFAR e 206/03.0TASEI, na pena única de nove anos de prisão, à qual, nos termos do artigo 80.º do Código Penal, será descontada a pena de oito anos de prisão, conforme resulta do acórdão proferido pelo STJ a 16 de Janeiro de 2020.
Foram emitidos mandados para detenção do condenado com vista ao cumprimento da referida pena de oito anos de prisão.
O condenado vem requerer que se proceda, antes do cumprimento dos aludidos mandados, ao cômputo da pena.
Nada obsta, porém, a que se proceda à liquidação da pena de prisão a cumprir pelo condenado, logo que transite em julgado a decisão condenatória, e se tome imediatamente posição sobre o tempo de prisão já cumprido (artigo 477.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 4, do Código de Processo Penal.
Assim, prossigam os autos com termo de vista para tal fim.
Em consequência, susta-se o cumprimento dos mandados.
Comunique-se, de imediato, às entidades executantes».
e). Em 24/9/2020, o Ministério Público exarou a seguinte promoção:
«Tomei conhecimento da informação/documentação que antecede.
O arguido PJ____ foi condenado em cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas nos processos nºs 12831/03.5TDLSB, 1249/09.6TBPDL, 1108/03.6TAFAR e 206/03.0TASEI (estes autos), na pena única de 9 anos de prisão. (Cfr. o douto acórdão do S.T.J. de 16.01.2020, transitado em julgado em 30.01.2020).
Esta condenação constitui uma pena nova e sendo que a sua execução ainda não teve início. Por esse motivo, não será possível indicar os marcos inerentes ao cômputo respetivo.
No entanto e para efeitos de nota de privação de liberdade (art.º 80º nº 1 do Código Penal), há que considerar que o arguido esteve privado da liberdade durante 8 anos à ordem do referido processo 12831/03.5TDLSB (vide o douto acórdão de STJ a fls. 3264 e segs. e ainda fls. 3304 e segs.). 
E sendo que não sofreu tempo de privação de liberdade à ordem dos restantes processos identificados supra            (vide    os         presentes         autos, designadamente, a fls. 3296 e 3299).
Assim e para efeitos de cumprimento da pena única ora aplicada, resta ao arguido o cumprimento de 1 ano de prisão, cuja supervisão em eventual execução competirá ao TEP, a quem deverá ser dado o inerente conhecimento» - cf. fls. 3340.
f). Em 28/9/2020 foi proferido o seguinte despacho: 
« PJ____  foi condenado, em cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas nos processos n.º 12831/03.5TDLSB, 1249/09.6TBPDL, 1108/03.6TAFAR e 206/03.0TASEI, na pena única de nove anos de prisão, à qual caberá descontar, nos termos do artigo 80.º do Código Penal, oito anos de prisão já cumpridos.
Alega o condenado que terá já cumprido mais 6 meses do que os necessários para beneficiar da liberdade condicional aos 5/6 da pena, nos termos do artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal.
Considerando o ora requerido, solicite ao Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, Proc. N.º 5038/10.7TXLSB – Juiz 5, informação sobre o tempo de prisão efectivamente cumprido, remetendo, para melhor esclarecimento, cópia do requerimento apresentado. – cf. fls. 3341
g). Nessa sequência foram juntos aos autos, entre o mais, pelo TEP despacho datado de 20-06-2012, que decidiu conceder «a liberdade condicional ao recluso PJ____  a partir de 20.06.2012, pelo tempo de prisão que, a contar da sua libertação, lhe faltaria cumprir, ou seja, até 04.12.2014. […] – cf. fls. 3394-3399
O mesmo tribunal por despacho de 22-02-2016 declarou “integralmente cumprida e extinta a aludida pena de prisão, com efeitos a 04 de dezembro de 2014». – cf. 3450
h). Em 19/11/2020, o Ex.mº PGA junto do tribunal de condenação reiterou a promoção expendida a fls. 3340. – cf. fls. 3402
i). Sobre esta promoção recaiu o despacho proferido em 9/12/2020 do seguinte teor:
«PJ____   foi condenado, em cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas nos processos n.º 12831/03.5TDLSB, 1249/09.6TBPDL, 1108/03.6TAFAR e
206/03.0TASEI, na pena única de nove anos de prisão, à qual, nos termos do artigo 80.º do Código Penal, será descontada a pena de oito anos de prisão, conforme resulta do acórdão proferido pelo STJ a 16 de Janeiro de 2020.
Foram emitidos mandados para detenção do condenado com vista ao cumprimento da referida pena.
O condenado veio requerer que se proceda, antes do cumprimento dos aludidos mandados, ao cômputo da pena sustentando ter já cumprido mais 6 meses do que os necessários para beneficiar da liberdade condicional aos 5/6 da pena, nos termos do artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal.
Apreciando e decidindo:
Conforme se deixou já exposto, nada obsta a que se proceda à liquidação da pena de prisão a cumprir pelo condenado, logo que transite em julgado a decisão condenatória, e se tome imediatamente posição sobre o tempo de prisão já cumprido (artigo 477.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 4, do Código de Processo Penal.
No caso, a realização do cômputo da pena assume especial relevo atenta a questão suscitada, nos termos do artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.  Da referida norma resulta que, diferentemente dos restantes casos de concessão da liberdade condicional, em que se exigem pressupostos materiais que dependem da apreciação do juiz, quando se perfizerem cinco sextos da pena é poder-dever do tribunal colocar o condenado em liberdade condicional. Assim, a liberdade condicional opera ex vi legis, dependendo tão-só da verificação dos requisitos formais enunciados na referida norma, ou seja, da verificação objectiva do decurso de um determinado tempo de cumprimento da pena.
A lei não refere que o condenado tenha de cumprir os cinco sextos da pena sem qualquer interrupção, portanto “Não contemplando a lei a natureza ininterrupta do cumprimento da pena como fundamento para a concessão desta modalidade de liberdade condicional, cumpridos os cinco sextos da pena o condenado tem obrigatoriamente de ser colocado em liberdade condicional, independentemente de qualquer juízo prudencial, ou de julgamento sobre a avaliação de circunstâncias de oportunidade ou de conveniência.
Esta solução é também a que melhor se adequa ao princípio constitucional da proporcionalidade, em matéria de restrições aos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição” (in acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-03-2005, processo n.º 05P1151, disponível em www.dgsi.pt).
Transpondo tais noções para o caso em apreço, o requerente foi condenado na pena única de 9 (nove) anos de prisão.
Foi privado da liberdade em 04-12-2006 no âmbito do processo n.º 12831/08.5TDLSB, cuja pena foi englobada no cúmulo realizado nestes autos (cf. folhas 3264 e ss., 3392 e ss.) e libertado em 20-06-2012, com a concessão da liberdade condicional até 04-12-2014, data de extinção da pena aplicada no aludido processo (folhas 3275 a 3276 e 3394 e ss. 3450). Adoptando-se a solução perfilhada no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça nos autos, o tempo que importaria descontar, nos termos do artigo 80.º do Código Penal, é o da pena cumprida, sendo parte em reclusão e parte em liberdade condicional, de 8 (oito) anos de prisão.
Caso a pena tivesse sido cumprida interruptamente, deveria ser colocado em liberdade condicional obrigatória quando perfizesse sete anos e seis meses de prisão, correspondentes a cinco sextos da pena.
Atingiu, portanto, os cinco sextos da pena, tendo cumprido já 6 (seis) meses para além do referido marco.
A privação da liberdade seria ilegal e fundamento de habeas corpus (artigo 222.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal), tal como sustentado pelo requerente.
Atento o exposto, e a incompetência deste tribunal para apreciar a liberdade condicional, competência atribuída ao TEP, nos termos do artigo no artigo 138º, alínea c), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, comunique a presente liquidação ao referido tribunal, nos termos do artigo 477.º do Código de Processo Penal» - cf. fls. 3406 e vº.
j). Por despacho datado de 28/5/2021, foi ordenado se solicita –se ao TEP informação sobre se iria apreciar a situação processual do condenado considerando a pena única fixada no acórdão do STJ, remetendo cópia de fls. 3406 e do acórdão proferido pelo STJ a 16/1/2020. – cf. fls. 3455
K). A fls. 3481 e vº dos presentes autos, consta despacho (datado de 2/8/2021) do Juízo de Execução das Penas de Lisboa - Juiz 6 - do seguinte teor:
«O arguido que se encontra me liberdade, veio apresentar requerimento em que “persiste que lhe deve ser concedida a liberdade condicional”.
Como bem refere a Digna Magistrada do Ministério Público, os presentes autos tiveram início para acompanhamento da pena de 8 anos de prisão aplicada no processo n.º 12831/03.5TDLSB, a qual já foi declarada extinta. 
Tal pena foi englobada no cúmulo jurídico efetuado no processo n.º 206/03.0TASEI, que aplicou ao arguido a pena única de 9 anos de prisão tendo perdido autonomia.
Informe-se, pois, o processo supra referido de que no âmbito do processo n.º 12831/03.5TDLSB o arguido esteve detido em cumprimento de pena entre 4 de Dezembro de 2006 e 20 de junho de 2012, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional, ou seja, cumpriu 5 anos 6 meses e 16 dias de prisão.
Mais informe o processo n.º 206/03.0TASEI de que lhe compete a decisão sobre a emissão dos mandados de detenção do arguido, a fim de cumprir a pena única em que foi condenado, na qual será oportunamente descontado o período de prisão/prisão preventiva/detenção sofrida à ordem dos processos englobados no cúmulo jurídico. 
Só após a detenção do arguido e uma vez liquidada a pena que tem a cumprir poderá ser apreciada a sua pretensão de lhe ser concedida a liberdade condicional, pelo que se indefere, por ora, a pretensão do arguido.
Notifique
Quanto aos presentes autos devem ser arquivados, uma vez que a pena aplicada ao arguido no âmbito do processo nº 12831/03.5TBLSB já foi declarada extinta, o que se determina.
Caso o arguido venha a ser novamente detido para cumprimento de pena que ainda tem a cumprir, deverá ser aberto novo apenso para apreciação da liberdade condicional.»
l). O MP promoveu que solicitasse ao TEP para melhor esclarecimento o envio de cópia da promoção do MP a que o despacho alude. “Após o que tomaremos posição quanto à execução da pena única aplicada nestes autos”. – cf. promoção fls. 3484, datada de 2/9/2021.
m). Tal promoção exarada no TEP tem o seguinte teor:
«Os presentes autos tiveram início para acompanhamento da pena de 8 anos de prisão aplicada no processo n.º 12831/03.5TDLSB, a qual já foi declarada extinta. 
Tal pena foi englobada no cúmulo jurídico efetuado no processo n.º 206/03.0TASEI, que aplicou ao arguido a pena única de 9 anos de prisão tendo perdido autonomia.
Promovo que se informe o processo supra referido de que no âmbito do processo n.º 12831/03.5TDLSB o arguido esteve detido em cumprimento de pena entre 4 de Dezembro de 2006 e 20 de junho de 2012, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional, ou seja, cumpriu 5 anos 6 meses e 16 dias de prisão.
Em nosso entender a esse processo compete a decisão sobre a emissão dos mandados de detenção do arguido pelo que os presentes autos devem ser arquivados sendo aberto novo apenso para apreciação da liberdade condicional, caso o arguido venha novamente detido, o que se promove.»
n). Em 15/9/2021 foi exarada promoção pelo MP e do seguinte teor:
«Tomei conhecimento da documentação remetida pelo TEP de Lisboa.
Na sequência do expendido pelo TEP de Lisboa a fls. 3480 e segs., promovo a emissão dos mandados de detenção do arguido, a fim de cumprir a pena única em que foi condenado.
Oportunamente e com a maior brevidade possível deverá o TEP apreciar e decidir a eventual concessão de liberdade condicional ao mesmo.
Após a detenção do arguido elaboraremos a liquidação de pena.” – cf. fls. 3494
o). Sobre esta promoção recaiu o despacho ora sob recurso, proferido em 20/09/2021
a fls. 3495 e vº pela Mmª Juiz do Tribunal Central criminal, que decidiu nos seguintes termos:
«Resulta dos autos, em síntese, que o arguido foi condenado por decisão já transitada (cf. Ac. STJ de fls. 3264 e ss, em particular 3275 verso e 3276) numa pena única de nove anos de prisão, sendo que a esta pena deve ser descontada a pena de oito anos de prisão já cumprida.
Desta feita, e contas feitas, constata-se que o arguido cumpriu já mais de 5/6 da pena única em que foi condenado.
Repristina-se todo o argumentário vertido no despacho de fls. 3406, frente e verso, que se subscreve e aqui se não reproduz por mera economia processual, mas que se entende fazer parte integrante do presente despacho.
 
Ou seja, na verdade, o arguido, já cumpriu o que legalmente lhe está imposto cumprir quanto à pena de nove anos de prisão determinada nos presentes autos, sendo que, a nosso ver, a privação da liberdade do arguido para liquidar a pena, calcular 5/6, verificar que tal marco se encontra ultrapassado e decidir a libertação se afigura um formalismo incompatível com a falta de fundamento legal para a sua detenção, pois esse dados emergem notoriamente da decisão do STJ – aplica a pena única de nove anos e manda descontar a pena de oito anos. Tudo o mais é uma mera operação aritmética, sendo evidente que oito anos consubstanciam número superior a 5/6 de nove anos.
A lei serve a justiça. Desta feita, vingando a substância sobre a formalidade, entende-se que não se devem emitir mandados de detenção para suportar formalmente a decisão de que o arguido deve ser libertado. Repete-se: por via da integração de outras penas na dos autos, o arguido já esteve privado da sua liberdade por mais tempo do que aquele que lei impõe para a concessão da liberdade condicional. Destarte, por competir ao TEP a tramitação processual da execução da pena e o determinar o seu cumprimento, não pode este Tribunal, porque incompetente para o efeito, substituir-se à decisão de conceder a liberdade condicional ao arguido. Este, ao requere-la (cf. fls. 3481, proc. 5038/10.7TXLSB-A) já a aceitou tacitamente.
 E permitimo-nos acrescentar que ao TEP competirá fazê-lo em decisão adaptada ao caso, onde fixará os termos dessa liberdade condicional, suportada num Relatório ad hoc realizado pela DGRS (nos exatos termos em que sucede aquando do cumprimento do remanescente da pena na residência por doença grave).
Assim, transitado que seja o presente despacho, comunique ao TEP.
- a liquidação de fls. 3406 verso,
- ou ao Ministério Público entenda por bem vir a formalizar novo para o efeito (caso que, a suceder, levará a que nos seja aberta conclusão). Nos temos do art.º 477 do CPP.
Notifique.
p). É deste despacho que, como vimos, vem interposto o presente recurso.

2. – CONHECENDO
 
2.1. Objecto do recurso:
A questão a decidir consiste em saber:
- se, no caso vertente, o tribunal Central Criminal deve emitir mandados «de detenção do arguido, a fim de cumprir a pena única em que foi condenado».
2.2. Como já referido, é do despacho referido em o) que, vem interposto o presente recurso.
 Nesse despacho, a Mmª Juíza a quo sustenta a decisão de não emissão de mandados no entendimento de que ter o arguido "(...) cumprido o que legalmente lhe está imposto cumprir quanto à pena de nove anos de prisão determinada nos presentes autos, sendo a privação da liberdade do arguido para liquidar a pena, calcular 5/6, verificar que tal marco se encontra ultrapassado e decidir a libertação se afigura um formalismo incompatível com a falta de fundamento legal para a sua detenção, pois esse dados emergem notoriamente da decisão do STJ – aplica a pena única de nove anos e manda descontar a pena de oito anos. Tudo o mais é uma mera operação aritmética, sendo evidente que oito anos consubstanciam número superior a 5/6 de nove anos».
Face à factualidade acima elencada em 1). a, c, e, f, g, i., parece-nos claramente acertada tal decisão. Como bem sustenta a Mmª Juíza «a lei serve a justiça. Desta feita, vingando a substancia sobre a formalidade, entende-se que não se devem emitir mandados de detenção para suportar formalmente a decisão de que o arguido deve ser libertado. Repete-se: por via da integração de outras penas na dos autos, o arguido já esteve privado da sua liberdade por mais tempo do que aquele que lei impõe para a concessão da liberdade condicional», à qual acrescentaremos apenas as seguintes notas.
2.2.1. Recorde-se que, por decisão do STJ de 16/1/2020, transitado em julgado e 30/1/2020, foi o arguido PJ____  condenado, em cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas nos processos n.º 12831/03.5TDLSB, 1249/09.6TBPDL, 1108/03.6TAFAR e 206/03.0TASEI, na “pena única de nove anos de prisão” beneficiando, na execução dessa pena, do desconto de 8 anos de prisão já cumprida pelo arguido ou conforme textua o mencionado Aresto
 
«à qual deve ser descontada a pena de oito anos já cumprida pelo arguido».
Tendo-se referido expressamente na fundamentação a esse respeito que: “a nossa posição sobre esta matéria, seguindo jurisprudência desta secção, reflectida no Proc. nº 118/12.7YFLSB.S1, de 31.10.2012 (com texto integral disponível em www.dgsi.pt) que considerou que se impunha efectuar o desconto integral da pena cumprida (seja parte em reclusão seja parte em liberdade condicional).
Ora como vimos a decisão provinda do topo da hierarquia dos Tribunais, não aponta soluções possíveis. Pelo contrário, é muito clara quanto a ter de ser descontada na pena de 9 anos que fixou em cúmulo a pena de 8 anos já cumprida, daí que se imponha aos tribunais designadamente à 1ª instância. 
Assim, colocada a questão de saber, como no caso se coloca, se por força do que se vem dizer devem ser emitidos mandados de detenção para o arguido ingressar no EP a fim de cumprir a pena única em que foi condenado (art.º 478 do CPP), parece-nos que a conclusão a que se chegou na decisão recorrida na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-03-2005, processo n.º 05P1151, é a que «melhor se adequa ao princípio constitucional da proporcionalidade, em matéria de restrições aos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 18º, nº 2, da Constituição».
Na verdade, traduzindo-se a execução do mandado de detenção numa restrição importante de um direito fundamental como o direito à liberdade, impõe que se pondere o princípio geral de direito, com consagração constitucional, da proporcionalidade também chamado da proibição do excesso (- sobre o tema, v. Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, p. 392).
Seria, no mínimo, incompreensível que, por raciocínios quiçá formalmente correctos, a tutela do direito do arguido de “cumprir a pena que ainda tem a cumprir” não conduzindo, como é o caso, à prisão/reclusão intra-muros tenha de ter para o titular o significado de ficar privado da sua liberdade até que seja tomada a decisão de liberdade condicional. 
Em nosso entender, a detenção só deva ser admissível quando possa conduzir a reclusão efectiva. Não sendo o caso, caberia designadamente ao MP nos termos do art.º 261 do CPP, por cobro a detenções ilegais ou desnecessárias.
Resta dizer que, nesta peculiar situação, não vemos que esta solução, feita que seja a liquidação, seja um obstáculo, à apreciação da liberdade condicional pelo tribunal competente para o efeito.
Do que se vem de dizer conclui-se pela improcedência do recurso.

III- DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso.
Sem tributação.

Lisboa, 9/11/2022
Maria Elisa Marques
Adelina Barradas de Oliveira
Maria Margarida Almeida

(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária - art.º 94 do CPP)