Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
30852/22.7T8LSB.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: ARROLAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) O arrolamento constitui uma providência cautelar de garantia ou de caráter conservatório que visa impedir o extravio, a ocultação ou a dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos litigiosos, sendo dependente de uma ação à qual interesse a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas a arrolar.
II) Os requisitos – cumulativos - da providência de arrolamento (não especial) são os seguintes:
a) A probabilidade da existência de um direito sobre bens ou documentos (o designado “fumus boni iuris”, que traduz a possibilidade de antever a aparência do direito invocado pelo requerente à conservação de bens ou documentos); e
b) O justo receio (“periculum in mora”) de extravio, ocultação ou dissipação de bens ou de documentos (o receio justificado de que tais bens ou documentos possam ser extraviados ou dissipados, devendo o requerente alegar factos concretos e objetivos dos quais se possa extrair a conclusão de que esse receio é real e efetivo, não bastando simples temores ou receios meramente subjetivos).
III) A invocação de, a requerente e os requeridos se encontrarem “de relações cortadas”, de o 2.º requerido se manter “alheado de todos os assuntos relacionados com a herança do Avô”, de jamais ter manifestado “vontade ou intenção de beneficiar das disposições testamentárias feitas pelo seu avô em seu benefício, reconhecendo expressa e repetidamente, desde sempre e até há pouco mais de um mês que as mesmas não lhe eram destinadas”, de que se obrigou “de resto, por acordo que celebrou com a sua mãe, a entregar-lhe os bens que lhe foram legados em testamento pelos seus avós”, “[o]brigação esta que reconhecia publicamente”, “[à] vista de todos”, assim como, a invocação da precaridade da condição pessoal e económica do mesmo requerido, constituem circunstâncias inoperantes para dar como verificado, justo receio de dissipação, ocultação ou extravio dos bens objeto de legado testamentário aos 1º e 2º requeridos, por tais alegações não apresentarem relação ou interferência com os mencionados bens.
IV) Também não justifica o arrolamento a circunstância de ter sido alienado pelos 1.º e 2.º requeridos um dos bens legados à 3.ª requerida, por valor diverso daquele que a requerente tinha perspetivado para a correspondente compra e venda ou de o 2.º requerido ter outorgado em tal escritura sem prévio anúncio ou nota à requerente.
V) O risco de alienação ou de oneração do imóvel pela 3.ª requerida não configura justificado receio para efeitos de decretamento do arrolamento, pois, encontrando-se tal bem imóvel, como os demais objeto de legados, presuntivamente, na esfera do respetivos proprietários e registados a seu favor (cfr. artigo 7.º do Código do Registo Predial), não se verifica que o efeito decorrente da anulação das deixas testamentárias (na sequência da eventual procedência da ação anulatória a propor), comporte, sob qualquer perspetiva, o seu extravio (situação de perda de rasto, de descaminho, de desaparecimento do local onde o bem podia ser encontrado e não saber onde o mesmo se encontra), dissipação (situação de destruição, total ou parcial, de consumo, de gasto, de dispersão, desvanecimento ou desfazimento no que concerne à integridade do bem) ou ocultação (processo voluntário de esconder o rasto, a localização do bem, para que o mesmo não possa ser encontrado por outros interessados).
VI) A venda (ato de transmissão) não configura ou representa, em si mesma, uma situação de dissipação do património, pois, desde logo, o património do vendedor é ingressado pela contrapartida decorrente do preço do bem vendido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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1. Relatório:
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1. MMP, identificada nos autos, intentou o presente procedimento cautelar especificado de arrolamento contra JP, AP e MP, também identificados nos autos.
Pediu a requerente que, sem audição prévia dos requeridos, fosse decretado o arrolamento dos seguintes bens/direitos:
a) Prédio misto sito à Estrada da Moura – Coja, freguesia de Coja, concelho de Arganil, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arganil sob o n.º …;
b) Prédio urbano sito à Vinha da Sobreira – Coja, dita freguesia de Coja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arganil sob o número …;
c) Prédio urbano sito ao Olival do Casal, referida freguesia de Coja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arganil sob o n.º …;
d) Prédio urbano sito ao Paço, mencionada freguesia de Coja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arganil sob o n.º …;
e) Metade da Fração autónoma designada pela letra “D” do prédio urbano sito em Santa Isabel – Rua … – número …, …-A e …-B, freguesia de Santa Isabel, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …; e
f) Metade do direito a mil e quinhentos, vinte e um mil novecentos e oitenta e um avos do prédio rústico denominado Murtinhais, sito em Alfarim, freguesia de Sesimbra (Castelo), concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º ….
Alegou, para tanto e em suma, que:
- O pai da requerente e do 1.º requerido, MDP, faleceu em 12-07-2014, com 92 anos de idade, no estado de casado em primeiras núpcias com MHP, em comunhão geral de bens;
- Desse casamento nasceram 2 filhos: MMP, requerente, e JP, 1º requerido;
- À morte de MDP sucederam-lhe como herdeiros o cônjuge sobrevivo, MHP, e os 2 filhos;
-A escritura de habilitação de herdeiros foi outorgada em 29-07-2014;
- Em 09-01-2017, faleceu MHP, tendo sido outorgada escritura de habilitação de herdeiros em 16-01-2017, de onde resulta a designação da ora requerente como cabeça-de-casal;
- O Requerido AP é filho da Requerente e a Requerida MP é sobrinha de MDP, filha do seu irmão;
- No dia 05-06-2013, MDP e MHP, pais da Requerente e do 1º Requerido e avós do 2º Requerido, AP, outorgaram, cada um, um testamento público no Cartório Notarial de Arganil onde declararam, nomeadamente, que “para pagamento da dívida que, no presente momento, o seu casal tem para com o seu filho JP, proveniente de empréstimos que este lhe foi fazendo entre o ano de mil novecentos e noventa e nove e o ano de dois mil e dois, lega-lhe a quantia de trezentos e quarenta e dois mil seiscentos e quarenta e cinco euros; se o dinheiro existente à data do seu falecimento for insuficiente para pagamento da mencionada dívida, lega ao referido filho os bens imóveis abaixo referidos em primeiro e segundo lugares. Na eventualidade de se vir a verificar a situação descrita em segundo lugar, se o valor fixado na avaliação dos imóveis referidos exceder o valor em dívida à data do seu falecimento, o legatário fica com o encargo de entregar metade do remanescente ao neto dele testador AP. Que os legados acima referidos ficam sem efeito se a obrigação for cumprida até à data do falecimento dele testador. Que lega ainda, em nua propriedade, ao mencionado filho JP e ao neto AP, e em usufruto ao seu referido cônjuge”, os bens imóveis acima identificados;
- A vontade real dos testadores não correspondia de facto à vontade por eles declarada no testamento, sendo que, testadores e os beneficiários da herança destes, sabiam que a dívida que declararam existir ao seu filho JP nunca existiu, pelo que nada havia a restituir e os testadores não pretenderam instituir os JP e AP como seus legatários e não pretenderam deixar-lhes os prédios identificados nas alíneas a) a f), facto este conhecido de toda a família, incluindo dos requeridos;
- A disposição visava antes beneficiar a sua filha, a requerente;
- Pretenderam os testadores, por via da conjugação do testamento com os acordos complementares de 27/02/2013 e do que acima se transcreve, instituir o seu neto como fiduciário dos bens deles testadores, que estes pretendiam fossem recebidos pela sua filha MMP, em termos tais que a igualassem em relação ao seu irmão, acautelando por via deste negócio indireto a sua situação financeira e patrimonial, ficando o neto AP como administrador desses bens e incumbido de os entregar formalmente à mãe assim que esta pudesse recebê-los;
- Em ação judicial instaurada por JP, MDP contra a sua irmã MMP e respetivos filhos, AP e NP (Pº …/…, que corre termos no Juízo Central Cível de Coimbra - J1, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra) o ali autor declarou, na petição, confessar que o testamento não corresponde à vontade real dos testadores e que os mesmos procuravam tão-só salvaguardar a posição da requerente, por via dos legados feitos ao neto AP, que instituíram como fiduciário dos bens com que pretendiam de facto beneficiar a sua filha, em igualdade com o irmão, aqui requerido, JP;
- Desde o falecimento dos testadores que, entre todos os herdeiros, foi mutuamente aceite que era a Requerente quem deveria ser integrada nos bens deixados em legado ao neto AP, tendo, por diversas vezes, o requerido JP reunido, prestado contas e negociado a partilha da herança exclusivamente com a requerente;
- A requerida MP conhecia, não ignorava e estava perfeitamente ciente da vontade real dos pais da Requerente de, por via do legado que fizeram ao neto, pretenderem de facto beneficiar a filha, tendo-lhe sido, inclusivamente, apresentados os acordos familiares que titulavam essa vontade e o acordo entre todos os herdeiros, estando aquela obrigada à prestação de contas;
- Inesperada e inexplicavelmente o requerido AP deixou de falar com a mãe e o irmão e sem lhes dar nota disso, tomou a iniciativa de contactar a prima, a aqui Requerida MP, com quem nunca tivera qualquer contacto ou negociação para tratar dos assuntos da herança e outorgou escritura de compra e venda da metade do prédio da Rua D. João V, juntamente com o seu tio JP, pelo preço declarado na escritura de €37.500,00, que declarou ter recebido, preço que, ou não corresponde ao valor efetivamente recebido, havendo divergência entre o preço declarado e o preço realmente recebido, ou revela que aliciou a sua prima a ocultar o negócio à Requerente, a troco de um desconto significativo de preço, não obstante saber que tal prédio integrava a herança aberta por óbito do seu avô;
- O Requerido AP tem vindo a passar por dificuldades económicas, agravadas por um divórcio recente;
- O dinheiro recebido com a venda da parte do prédio formalmente registada em seu nome é de fácil dissipação, o que se revela mais provável em função das dificuldades económicas que atravessa, sendo muito provável que utilize o dinheiro agora recebido para pagar as dívidas que acumulou na sua atividade profissional;
- Os testadores MDP e esposa, pretenderam, por via de disposição testamentária feita aparentemente a favor do neto AP, e por acordo que com este outorgaram, beneficiar a sua mãe, num verdadeiro negócio simulado, onde a beneficiária efetiva seria a sua mãe, tendo a requerente sempre atuado com o conhecimento, acordo e aceitação de todos os Requeridos, como se da verdadeira legatária se tratasse, o que não era contestado por quem fosse;
- A disposição testamentária a favor de AP é nula ou deve ser anulada;
- O requerido AP não tem outros bens de valor além dos que lhe foram legados pelo avô e que se obrigou a entregar à sua mãe, dedicando-se à venda de bens de pequeno valor, a turistas, em Vila Nova de Milfontes, especialmente nos meses de verão, tendo vindo a demonstrar maiores dificuldades financeiras, agravadas pelo recente processo de divórcio por força do qual paga mensalmente uma pensão de alimentos;
- Nos últimos dois meses deixou de contactar com a mãe e o irmão, como sempre fazia, procurando assumir a gestão dos bens que lhe foram legados, vendendo um desses imóveis por um valor substancialmente mais baixo do que o de avaliação e que a sua mãe vinha negociando com o adquirente, não contacta, nem responde aos contactos da sua mãe e recusa-se a entregar-lhe os bens legados pelo avô, que sempre reconheceu pertencerem- lhe;
- A Requerente tem direito a receber do Requerido AP os bens que lhe foram legados pelo avô, sendo muito provável que o Requerido AP procure vender e venda efetivamente os outros bens que lhe foram legados, à semelhança do que já fez com a fracção “D”;
- Quanto ao prédio vendido à Requerida MP, sendo nulo ou anulado o testamento, como se pretende, nula é a venda subsequente; e
- Existe o risco de a Requerida MP alienar ou onerar o imóvel que adquiriu aos Requeridos JP e AP, frustrando assim a possibilidade de a Requerente requerer judicialmente a nulidade daquela venda e haver para si o prédio.
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2. Por despacho datado de 27-12-2022, foi indeferido o pedido da requerente, de dispensa de citação prévia dos requeridos e ordenada a citação destes para apresentarem oposição.
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3. O 1.º requerido deduziu oposição invocando a exceção de incompetência territorial do tribunal e impugnando, concluindo pela improcedência da providência de arrolamento.
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4. O 2.º requerido deduziu oposição invocando, igualmente, a exceção de incompetência territorial e concluindo pela improcedência da providência de arrolamento.
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5. A 3.ª requerida deduziu oposição, por exceção - invocando erro no meio processual e uso manifestamente reprovável do recurso aos meios judiciais – e por impugnação, concluindo pela procedência das exceções perentórias deduzidas, com a sua absolvição do pedido e, sem conceder, pela improcedência da providência cautelar, bem como, pela condenação da requerente como litigante de má fé, em multa e indemnização.
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6. Por despacho datado de 20-01-2023, foi determinada a notificação da requerente para se pronunciar, em 10 dias, sobre as oposições, pronúncia que a requerente efetuou, por requerimento entrado em juízo em 09-02-2023.
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7. Após, em 16-02-2023, foi proferido despacho onde, nomeadamente, se lê o seguinte:
“1.
1.1.
MMP, intentou o presente procedimento cautelar especificado de arrolamento contra:
JP,
AP e
MP,
Pedindo que, sem audição prévia dos Requeridos, seja decretado o arrolamento dos seguintes bens/direitos:
a) Prédio misto sito à Estrada da Moura — Coja, freguesia de Coja, concelho de Arganil, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arganil sob o n.º …;
b) Prédio urbano sito à Vinha da Sobreira — Coja, dita freguesia de Coja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arganil sob o número …;
c) Prédio urbano sito ao Olival do Casal, referida freguesia de Coja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arganil sob o n.º …;
d) Prédio urbano sito ao Paço, mencionada freguesia de Coja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arganil sob o n.º …;
e) Metade da Fração autónoma designada pela letra “D” do prédio urbano sito em Santa Isabel — Rua D. João V — número …, …-A e …-B, freguesia de Santa Isabel, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …;
f) Metade do direito a mil e quinhentos, vinte e um mil novecentos e oitenta e um avos do prédio rústico denominado Murtinhais, sito em Alfarim, freguesia de Sesimbra (Castelo), concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º ….
1.2.
Por despacho proferido a fls.171 dos autos, foi indeferido o pedido de dispensa de citação prévia e ordenada a citação dos requeridos para apresentarem oposição, o que fizeram.
Na sua oposição, os requeridos suscitam a incompetência deste tribunal em razão do território.
Cumpre, porque se trata de um dos pressupostos processuais, apreciar:
Dispõe o n.º 1 do artigo 78.° do CPC que o arrolamento tanto pode ser requerido no tribunal onde deva ser proposta a acção respectiva, como no do lugar onde os bens se encontrem ou, se houver bens em várias comarcas, no de qualquer destas.
Considerando o que é pedido e localizando-se um dos bens cujo arrolamento se requer nesta comarca, julgamos que é suficiente para atribuir competência a este tribunal, sendo irrelevante que o mesmo bem tenha sido já objecto de contrato de aquisição de direito ou não.
Assim, sem necessidade de maiores considerações, julgamos improcedente a excepção invocada.
N.
2.
Verificado este pressuposto e não tendo suscitada qualquer outra excepção dilatória, nada obsta ao conhecimento das questões que, desde já, se colocam.
A requerente intenta uma providência cautelar de arrolamento Prevê o art.º 403° do CPC:
1- Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.
2- O arrolamento é dependência da acção à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.
O Acórdão do STJ de 17-04-1997, no seu sumário, identifica os requisitos deste procedimento( 1) a existência de justo receio de extravio ou de dissipação; 2) o interesse na conservação dos bens; e 3) interesse baseado num direito já constituído ou prestes a ser declarado – art.°s 421 e 422, nºs 1, 2 e 4, do CPC) e refere que “A finalidade do arrolamento é garantir a existência e preservação de certos bens para que, proposta e vencida acção adequada, eles subsistam e se lhes dê o destino legal, em que o requerente há-de ter interesse.”
“Extravio” é uma situação de perda de rasto, de descaminho, de desaparecimento do local onde o bem podia ser encontrado e não saber onde o mesmo se encontra.
“Dissipação” é uma situação de destruição, total ou parcial, de consumo, de gasto, de dispersão, desvanecimento ou desfazimento no que concerne à integridade do bem.
“Ocultação”, por fim, é o resultado de um processo voluntário que resulta de esconder o rasto, a localização do bem, para que o mesmo não possa ser encontrado por outros interessados.
Estas três situações justificam o arrolamento, cujo objectivo é manter o bem nos exactos termos em que ele existe, saber onde o mesmo se encontra e descrevê-lo de forma a que não possa sobre o mesmo serem praticados actos que o modifiquem ou tornem impossível saber do seu paradeiro. Ou seja, visa a conservação do bem nos exactos termos para que, mesmo que posteriormente sofra qualquer acto voluntário ou involuntário, se considerar o mesmo da forma como foi descrito. E é a descrição que caracteriza o arrolamento. Nos termos do art.º 406°:
1- O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens.
2- É lavrado auto em que se descrevem os bens, em verbas numeradas, como em inventário, se declara o valor fixado pelo louvado e se certifica a entrega ao depositário ou o diverso destino que tiveram; o auto menciona ainda todas as ocorrências com interesse e é assinado pelo funcionário que o lavre, pelo depositário e pelo possuidor dos bens, se assistir, devendo intervir duas testemunhas quando não for assinado por este último.
3- Ao ato do arrolamento assiste o possuidor ou detentor dos bens, sempre que esteja no local ou seja possível chamá-lo e queira assistir; pode este interessado fazer-se representar por mandatário judicial.
4- O arrolamento de documentos faz-se em termos semelhantes, mas sem necessidade de avaliação.
5- São aplicáveis ao arrolamento as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrarie o estabelecido nesta secção ou a diversa natureza das providências.
Como escreve Lebre de Freitas (in CPC Anotado, vol. 2º, pág. 156) “Arrolar significa inscrever em rol (Cândido de Figueiredo, Dicionário). A ideia de arrolamento está por isso ligada à de existência duma pluralidade de bens que se pretende acautelar. (...) Se estes estiverem identificados e apenas se discutir a titularidade do direito (real ou de propriedade intelectual) sobre eles, ou se são ou não devidos (como objecto de obrigação de dare ou facere), a providência adequada é inominada, cabendo ao caso o procedimento cautelar comum. Não importa já descrever ou especificar os bens, mas apenas apreendê-los e depositá-los ou entrega-los a título provisório ao autor”.
Na situação vertente - ao contrário do que ocorre no arrolamento especial previsto no art.º 409° que tem a ver com situações especiais e ao qual não é aplicável o disposto no mencionado art.º 403°, n° 1 - é necessário a verificação do justo receio por parte do requerente, sendo este naturalmente, e no âmbito da própria norma, um estado de apreensão que se justifica perante a possibilidade verificação iminente de um evento: a dissipação de um bem, o extravio de um bem ou a ocultação de um bem.
Ora, no mesmo caso vertente, a requerente nada alega sobre esse receio ou a eventualidade de o mesmo ser justificado perante actos que indiciam que pode acontecer essa dissipação, esse extravio ou essa ocultação. E compreende-se que não o faça: a requerente pede apenas o arrolamento de bens imóveis, ou direitos sobre bens imóveis, direitos estes que — de acordo com as certidões que a própria requerente junta — estão descritos e registados nas respectivas Conservatórias do Registo Predial.
Não se discute que, e até porque a própria redacção do art.403° o prevê, possa existir arrolamento de bens imóveis, mas — tal como quanto aos restantes — há que alegar o receio da sua dissipação, extravio ou ocultação de forma a justificar a necessidade da sua descrição em arrolamento. Assim, a requerente teria de alegar que existia o perigo da sua ocultação, da sua dissipação ou do seu extravio, o que relativamente a um bem imóvel é algo exigente, mas não impossível.
Ora, a requerente nada alega a esse respeito. Efectivamente, será algo difícil imaginar o que poderia alegar quando estamos a falar de imóveis descritos e inscritos em registo, sendo que não se pode confundir a transferência da sua propriedade ou mesma o da sua posse com qualquer extravio ou dissipação.
A requerente alega que este procedimento foi instaurado como preliminar de uma acção de anulação de testamento outorgado pelos seus pais e que, a ser procedente, acarretará a nulidade dos negócios posteriores que tiverem por objecto os bens pertencentes à herança. Defende que o arrolamento é adequado a acautelar o efeito útil daquela acção, impedindo assim que a terceira requerida disponha do bem e possa beneficiar da protecção do art.º 291° do CC, bem como em relação aos restantes bens, outros terceiros. Ora, a protecção que a requerente pretende alcançar só pode advir do registo e esse registo é obrigatório (e oficioso) apenas com a propositura de acção que tenha por objecto acto que possa colocar em causa qualquer acto sujeito a registo. Assim, não nos parece que o efeito útil que a requerente identifica só possa advir do decretamento desta providência.
Quando apreciamos o que a Requerente alega a respeito dos pressupostos previstos para o arrolamento, verificamos que se limita a referir:
“In casu, a Requerente tem direito a receber do Requerido AP os bens que lhe foram legados pelo avô. Face a este contexto, afigura-se muito provável que o Requerido AP procure vender e venda efetivamente os outros bens que lhe foram legados, à semelhança do que já fez com a fracção “D”. Quanto ao prédio vendido à Requerida MP, sendo nulo ou anulado o testamento, como se pretende, nula é a venda subsequente. Existe o risco de a Requerida MP alienar ou onerar o imóvel que adquiriu aos Requeridos JP e AP, frustrando assim a possibilidade de a Requerente requerer judicialmente a nulidade daquela venda e haver para si o prédio.” (art.º 146° a 149º)
Ao longo da sua petição inicial, não há uma única menção à possibilidade de qualquer dos bens cujo arrolamento se requer correr o risco de ser extraviado, dissipado ou ocultado e tudo o que é alegado a respeito destes aponta no sentido absolutamente contrário: os bens estão descritos e não existem qualquer perigo que se dirija à sua conservação.
Assim, temos de concluir que, mesmo que a Requerente demonstrasse tudo o que de mais alega, incluindo quanto ao direito, questão que nem vamos abordar por desnecessidade, nunca o Tribunal decretaria esta providência.
3. Decisão Destarte, o Tribunal decide julgar o presente procedimento manifestamente improcedente e não decretar a providência requerida.
Custas pela Requerente.
Notifique.
(…)”.

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8. Não se conformando com o referido despacho, dele apela a requerente, pugnando pela sua revogação, substituindo-a por outra que conclua pela verificação dos pressupostos de que depende o arrolamento e, a final, decrete a providência nos termos requeridos, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I. A Recorrente não se conforma com a douta Decisão recorrida que não decretou a providência requerida por entender que a Requerente nada alegou quanto ao receio de dissipação, extravio ou ocultação dos bens cujo arrolamento peticionou.
II. O arrolamento visa a descrição de bens litigiosos, de forma a assegurar a sua permanência (ou o não extravio, ocultação ou dissipação), em ordem a fazer valer a titularidade de direitos sobre esses bens na acção principal,
III. E assim é quer se trate de bem móvel, imóvel ou de documentos, nos termos do artigo 403.º do CPC.
IV. In casu, a Requerente, enquanto herdeira legitimária dos testadores, tem direito e interesse em que os bens cujo arrolamento requereu regressem à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seus pais, pedido que integrará a ação de declaração de nulidade ou anulação de testamento da qual o arrolamento é dependência.
V. O arrolamento foi requerido como medida para impedir a transmissão dos bens por quem figura no registo como seu titular - os Requeridos - enquanto não estiver resolvida a questão da propriedade.
VI. Os Requeridos gozam da presunção da titularidade do direito de propriedade decorrente do estatuído no artigo 7.º do Código do Registo Predial.
VII. Conforme alegado nos artigos 65. a 91., 139. a 149. do requerimento inicial, tendo logrado registar em seu nome os imóveis cujo arrolamento se requereu por força do legado, os Requeridos JP e AP venderam à Requerida metade da fração autónoma designada pela letra “D” do prédio sito na Rua D. João V, em Lisboa, descrito na CRP de Lisboa sob o número …, pelo preço de € 75.000,00 cabendo metade a cada um.
VIII. Com os Oposições deduzidas, tomou a Requerente conhecimento que os Requeridos JP e AP também venderam a terceiro o prédio sito em Alfarim, freguesia de Sesimbra (Castelo), concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o número 3570, pelo preço de €80.000,00 cabendo metade a cada um.
IX. A dissipação (venda) de dois bens é o primeiro passo para que o mesmo possa acontecer relativamente aos demais.
X. Encontrando-se pelo menos indiciada a intenção dos Requeridos de proceder à venda dos restantes imóveis.
XI. A que acresce a circunstância de a Requerente e os Requeridos se encontrarem de relações cortadas, como foi confirmado pelos próprios em sede de Oposição.
XII. Estes factos, com este enquadramento e descrição, são adequados e consequentes para criar ou produzir o tal justo receio da dissipação dos bens na Requerente.
XIII. A Requerente não pode concordar igualmente com a posição sufragada pelo douto Tribunal ao quo ao entender que «... a protecção que a requerente pretende alcançar [impedir que a terceira requerida disponha do bem e possa beneficiar da protecção do art.º 291.° do CC, bem como em relação aos restantes bens, outros terceiros] só pode advir do registo e esse registo é obrigatório (e oficioso) apenas com a propositura de acção que tenha por objecto acto que possa colocar em causa qualquer acto sujeito a registo.»
XIV. Pois que o registo de arrolamento de imóveis é obrigatório, nos termos do disposto nas alíneas d) e e) do artigo 3.º e alínea b) do artigo 8.º-A do Código de Registo Predial,
XV. Registo do qual decorrerão os efeitos de publicidade e de oponibilidade a terceiros relativamente a qualquer oneração ou transmissão que possa vir a ocorrer, conforme previsto nos artigos 1.º e 5.º do mesmo diploma.
XVI. Sendo forçoso concluir que o arrolamento requerido se mostra adequado para acautelar o efeito útil daquela ação e plenamente justificado in casu.
XVII. Entende a Recorrente, smo, que na douta Decisão recorrida se faz uma menos acertada interpretação e aplicação, entre mais, do artigo 403.º do Código de Processo Civil, das alíneas d) e e) do artigo 3.º e alínea b) do artigo 8.°-A ambos do Código de Registo Predial”.
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9. Contra-alegaram os 1.º e 3.ª requeridos, no sentido de dever ser negado provimento à apelação.
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10. Nos termos do despacho proferido em 17-04-2023 foi admitido o requerimento recursório.
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11. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Em face do exposto, identifica-se a seguinte questão a decidir:
A) Se deve ser revogada a decisão recorrida que julgou ser manifesta a improcedência da providência cautelar de arrolamento requerida?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso, conforme resultam dos autos, os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
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A) Se deve ser revogada a decisão recorrida que julgou ser manifesta a improcedência da providência cautelar de arrolamento requerida?
No caso em apreço, após a citação dos requeridos e dedução de oposição por estes, o Tribunal recorrido proferiu despacho a julgar manifestamente improcedente o procedimento de arrolamento requerido, não o decretando, por ter considerado não verificada a situação de justo receio de extravio, ocultação ou a dissipação de bens.
Conforme se assinalou no despacho de 27-12-2022, “[o] presente procedimento cautelar de arrolamento apresenta como núcleo essencial a alegação de que o Requerido AP, filho da Requerente, é beneficiário formal de um legado instituído por testamento dos seus avós, pais do Requerido JP e da Requerente, que esta reputa de nulo ou anulável porquanto a intenção dos testadores era a de que o neto AP fosse um veículo para que os bens legados viessem a integrar a quota hereditária da Requerente sua filha, sendo um meio de evitar que os credores da Requerente viessem a tomar posse do património familiar. Situação essa do pleno conhecimento e concordância do Requerido JP, filho dos testadores e irmão da Requerente, do Requerido AP, que ademais subscreveu com a Requerente sua mãe documento reconhecendo a obrigação de lhe entregar os bens que recebesse dos avós em legado, assim como de todos os restantes familiares próximos, designadamente da Requerida MP, sua prima, a qual vinha fazendo a gestão de um imóvel – destinado a estacionamento – que integrava na proporção de metade a herança deixada por óbito do respectivo pai, e a restante quota de um meio integrava a herança deixada por óbito dos pais da Requerente e do Requerido JP e faz parte do legado que a Requerente pretende pôr em crise”.
A decisão do Tribunal recorrido assentou, em suma, na seguinte ordem de razões:
“(…) a requerente nada alega sobre esse receio ou a eventualidade de o mesmo ser justificado perante actos que indiciam que pode acontecer essa dissipação, esse extravio ou essa ocultação. E compreende-se que não o faça: a requerente pede apenas o arrolamento de bens imóveis, ou direitos sobre bens imóveis, direitos estes que — de acordo com as certidões que a própria requerente junta — estão descritos e registados nas respectivas Conservatórias do Registo Predial.
Não se discute que, e até porque a própria redacção do art.º 403° o prevê, possa existir arrolamento de bens imóveis, mas — tal como quanto aos restantes — há que alegar o receio da sua dissipação, extravio ou ocultação de forma a justificar a necessidade da sua descrição em arrolamento. Assim, a requerente teria de alegar que existia o perigo da sua ocultação, da sua dissipação ou do seu extravio, o que relativamente a um bem imóvel é algo exigente, mas não impossível.
Ora, a requerente nada alega a esse respeito. Efectivamente, será algo difícil imaginar o que poderia alegar quando estamos a falar de imóveis descritos e inscritos em registo, sendo que não se pode confundir a transferência da sua propriedade ou mesma o da sua posse com qualquer extravio ou dissipação.
A requerente alega que este procedimento foi instaurado como preliminar de uma acção de anulação de testamento outorgado pelos seus pais e que, a ser procedente, acarretará a nulidade dos negócios posteriores que tiverem por objecto os bens pertencentes à herança. Defende que o arrolamento é adequado a acautelar o efeito útil daquela acção, impedindo assim que a terceira requerida disponha do bem e possa beneficiar da protecção do art.º 291° do CC, bem como em relação aos restantes bens, outros terceiros. Ora, a protecção que a requerente pretende alcançar só pode advir do registo e esse registo é obrigatório (e oficioso) apenas com a propositura de acção que tenha por objecto acto que possa colocar em causa qualquer acto sujeito a registo. Assim, não nos parece que o efeito útil que a requerente identifica só possa advir do decretamento desta providência.
Quando apreciamos o que a Requerente alega a respeito dos pressupostos previstos para o arrolamento, verificamos que se limita a referir:
“In casu, a Requerente tem direito a receber do Requerido AP os bens que lhe foram legados pelo avô. Face a este contexto, afigura-se muito provável que o Requerido AP procure vender e venda efetivamente os outros bens que lhe foram legados, à semelhança do que já fez com a fracção “D”. Quanto ao prédio vendido à Requerida MP, sendo nulo ou anulado o testamento, como se pretende, nula é a venda subsequente. Existe o risco de a Requerida MP alienar ou onerar o imóvel que adquiriu aos Requeridos JP e AP, frustrando assim a possibilidade de a Requerente requerer judicialmente a nulidade daquela venda e haver para si o prédio.” (art.ºs 146° a 149).
Ao longo da sua petição inicial, não há uma única menção à possibilidade de qualquer dos bens cujo arrolamento se requer correr o risco de ser extraviado, dissipado ou ocultado e tudo o que é alegado a respeito destes aponta no sentido absolutamente contrário: os bens estão descritos e não existem qualquer perigo que se dirija à sua conservação (…)”.
Vejamos:
Dispõe o art.º 403.º do CPC:
“1.- Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.
2.- O arrolamento é dependência da acção à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.”
Nos termos do art.º 404.º, n.º 1, do CPC, o arrolamento pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou documentos.
O arrolamento constitui uma providência cautelar de garantia, a qual visa impedir o extravio, a ocultação ou a dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos.
Conforme referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, p. 156), “[a]rrolar significa inscrever em rol (Cândido de Figueiredo, Dicionário). A ideia de arrolamento está por isso ligada à de existência duma pluralidade de bens que se pretende acautelar. (…) Se estes estiverem identificados e apenas se discutir a titularidade do direito (real ou de propriedade intelectual) sobre eles, ou se são ou não devidos (como objecto de obrigação de dare ou facere), a providência adequada é inominada, cabendo ao caso o procedimento cautelar comum. Não importa já descrever ou especificar os bens, mas apenas apreendê-los e depositá-los ou entrega-los a título provisório ao autor”.
Trata-se de “uma medida de carácter conservatório que pode apresentar-se sob duas vertentes: como medida destinada a assegurar a manutenção de certos bens litigiosos, enquanto a questão da titularidade do direito sobre eles não for decidida na ação principal; como medida destinada a garantir a persistência de documentos necessários para provar a titularidade do direito a discutir na ação principal” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, pp. 516-517).
Na primeira vertente ou modalidade, “apresenta algumas semelhanças com o arresto, tendo em conta a latitude dos bens sobre que pode incidir e o modo de execução, dele diferindo quanto á situação de perigo que visa prevenir: em lugar do perigo de perda da garantia patrimonial, tende a eliminar o risco de extravio, de ocultação ou de dissipação de bens litigiosos. Por outro lado, ainda que no procedimento cautelar comum se possam inserir providências gerais que consistam na apreensão de bens ou na sua entrega a um fiel depositário, o arrolamento visa especificamente assegurar a permanência de bens que devem ser objecto de «especificação» no processo principal (…)” (assim, António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. IV, Almedina, 2003, pp. 264-265).
Deste modo, “se uma pessoa tem ou pretende ter direito a determinados bens e mostra que certos factos ou circunstâncias fazem nascer o justo receio de que o detentor ou possuidor deles os extravie ou dissipe antes de estar judicialmente reconhecido, de forma definitiva, o seu direito aos mesmos bens, estamos perante a ocorrência que justifica o uso (…) do arrolamento” (assim, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª Edição, Coimbra Editora, p. 105).
A providência de arrolamento “[é] instrumental em relação a todas as ações em que esteja presente a discussão da titularidade de certos bens (v.g. inventário sucessório ou para partilha do património comum dos cônjuges, prestação de contas, entrega de universalidade de facto ou de direito” (cfr., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 517).
O arrolamento “também pode ser preliminar ou dependência de uma acção de anulação, v.g. de um testamento” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-05-2009, Pº 629/09.1TBFAR.E1, rel. BERNARDO DOMINGOS), sendo que, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-01-2020 (Pº 3504/19.8T8AVR-A.P1, rel. ANA PAULA AMORIM), o arrolamento pode ser declarado na dependência de ações que tenham por objeto a questão prévia da determinação de um estado, direito ou facto de cuja existência dependesse uma futura especificação, como seja a ação de anulação de testamento, mas nessa circunstância, o seu decretamento dependerá, “além do mais, do apuramento de factos que permitam afirmar a probabilidade de procedência da acção principal” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-12-2003, Pº 8877/2003-7, rel. ABRANTES GERALDES).
A providência cautelar de arrolamento deve, pois, ser dependente de uma acção à qual interesse a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.
Isto mesmo se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-02-2021 (Pº 27/21.9T8SEI.C1, rel. PAULO BRANDÃO) onde se concluiu que: “O procedimento cautelar comum de arrolamento, a que alude o art.º 403º, n.ºs 1 e 2, do nCPC, exige como pressuposto ou requisito a verificação de um justo receio por parte do requerente quanto ao extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, sendo dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas. Esta providência pode ser requerida por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou dos documentos, devendo, de acordo com o art.º 405º, nº 1, do CPC, fazer prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação; se o direito relativo aos bens depender de ação proposta ou a propor, tem o requerente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente”.
Por seu turno, resulta do artigo 405.º, n.º 1, do CPC, que o requerente fará "prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação; se o direito relativo aos bens depender de ação proposta ou a propor, tem o requerente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente”.
Assim, o direito correspondente pode já existir ou estar ainda dependente do seu reconhecimento em ação constitutiva (cfr. artigo 362º, nº 2, do CPC).
Para além disso, o requerente deve igualmente alegar factos que permitam demonstrar a existência de um receio fundado de extravio, ocultação ou dissipação de bens ou de documentos (o qual se presume, nos arrolamentos especiais, a que se refere o artigo 409.º do CPC, relativamente aos quais, não é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 403.º do CPC).
Os requisitos – cumulativos - da providência de arrolamento (não especial) são, pois, os seguintes:
a) A probabilidade da existência de um direito sobre bens ou documentos (o designado “fumus boni iuris”, requisito indispensável ao decretamento da providência cautelar, que se traduz na possibilidade de antever a aparência do direito invocado pelo requerente à conservação de bens ou documentos); e
b) O justo receio (“periculum in mora”) de extravio, ocultação ou dissipação de bens ou de documento (ou seja, que haja receio justificado de que tais bens ou documentos possam ser extraviados ou dissipados).
Relativamente à probabilidade da existência de um direito sobre bens ou documentos, “torna-se necessário que o requerente alegue e faça prova sumária da titularidade de um direito sobre os bens ou documentos que pretende arrolar, ou seja, exige-se que o requerente demonstre um interesse jurídico relevante na conservação desses mesmos bens ou documentos (art.º 405º, n.º 1). Se esse direito depender de ação proposta ou a propor, o requerente deve igualmente convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente. Exige-se, por isso, um “direito aparente”, o qual pode estar já constituído e reconhecido ou a aguardar pela sua declaração em ação judicial pendente ou a propor” (assim, Marco Carvalho Gonçalves; Providências Cautelares; 4ª ed., Almedina, 2023, pp. 260-261).
O arrolamento deve ser indeferido liminarmente, porque injustificado, se o requerente não invocar algum direito sobre o bem que pretende arrolar, limitando-se a alegar o risco da sua dissipação (neste sentido, o Ac. do STJ de 14-10-1997, Pº 97B599, rel. ROGER LOPES).
De todo o modo, a lei não exige um juízo de certeza quanto à propriedade do bem a arrolar, sendo suficiente a mera aparência de titularidade do direito (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-10-1991, Pº 9150386, rel. MÁRIO CANCELA).
Quanto ao segundo requisito, o arrolamento só pode ser decretado se se verificar justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens/documentos.
O justo receio de extravio ou de dissipação de bens envolve uma aceção de temor, acompanhado de incerteza, e que constitui um facto não consumado a produzir no futuro, posto que presumível (cfr., Acórdão do STJ de 20-01-1977, Pº 066456, rel. DANIEL FERREIRA).
De todo o modo, conforme sublinha Marco Carvalho Gonçalves (“Tutela cautelar conservatória: Perspetivas jurisprudenciais sobre o arresto e o arrolamento”, in Liber Amirocurm Benedita Mac Crorie, Vol. II, UMinho Editora, 2022, p. 54 e Providências Cautelares; 4ª ed., Almedina, 2023, pp. 262), “o requerente deve alegar factos concretos e objetivos dos quais se possa extrair a conclusão de que esse receio é real e efetivo. Não bastam, por isso, simples temores ou receios meramente subjetivos, sem qualquer tipo de concretização factual”.
Considera a recorrente, na presente apelação, que deve ser revogada a decisão recorrida, pois - segundo refere - o justo receio resulta da seguinte alegação:
- De conforme alegado nos artigos 65. a 91., 139. a 149. do requerimento inicial, os requeridos terem logrado registar em seu nome os imóveis cujo arrolamento se requereu por força do legado e de os requeridos JP e AP terem vendido à Requerida metade da fração autónoma designada pela letra “D” do prédio sito na Rua D. João V, em Lisboa, descrito na CRP de Lisboa sob o número …, pelo preço de €75.000,00 cabendo metade a cada um;
- De os Requeridos JP e AP terem vendido a terceiro o prédio sito em Alfarim, freguesia de Sesimbra (Castelo), concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o número …, pelo preço de €80.000,00 cabendo metade a cada um, conforme a requerente tomou conhecimento em resultado das oposições, considerando que a dissipação (venda) de dois bens é o primeiro passo para que o mesmo possa acontecer relativamente aos demais; e
- A Requerente e os Requeridos encontram-se de relações cortadas.
Ora, não nos parece que esta alegação patenteie ou seja demonstrativa do justo receio de dissipação, ocultação ou extravio dos bens objeto dos testamentos outorgados pelos seus pais, que a requerente quer ver invalidado.
Assim, começando pela circunstância de a requerente e os requeridos se encontrarem “de relações cortadas”, tal factualidade (alegada no ponto 78 do requerimento inicial) é, em si mesma, inoperante para dar como verificado algum receio – muito menos justificado – de dissipação, ocultação ou extravio dos bens objeto de legado testamentário aos 1.º e 2.º requeridos, apenas patenteando a ausência de relação ou de comunicação entre aqueles (cfr. factos alegados nos pontos 90, 142 e 144 do requerimento inicial), sem qualquer relação ou interferência de tal factualidade com os mencionados bens.
As razões para tal “corte” podem ser as mais variadas, não gerando tal “status quo” entre a requerente e os requeridos, algum receio – muito menos, objetivável - de dissipação, extravio ou ocultação, relativamente aos bens objeto dos legados testamentários.
Quanto ao invocado nos artigos 65 a 91 e 139 a 149 do requerimento inicial, aí foi vertido o seguinte:
“(…)
65. Pese embora inicialmente a totalidade dos herdeiros estivesse de acordo em proceder à venda da fração pelo melhor valor, a Requerida MP começou a criar entraves a esta solução, tendo os herdeiros de MDP demonstrado interesse em comprar a metade desta.
66. Face à recusa da Requerida MP, a Requerente, ao longo do último ano e por intermédio do seu filho NP, vinha a desenvolver negociações para vender, conjuntamente com o Requerido JP, a metade que lhes cabia por óbito dos pais de ambos, conjuntamente com o pagamento de uma compensação pela falta de prestação de contas e pagamento do respetivo saldo.
67. E foi no âmbito de tais negociações que a Requerente já tinha recebido da sua prima uma quantia aproximada de €5.000,00, por referência à sua parte do saldo positivo dos rendimentos gerados pelo prédio nos últimos dois anos e das contas que a Requerida MP lhe haveria de prestar.
68. Finalmente, no passado mês de setembro, a Requerente e o seu irmão JP mais próximos de chegar a um entendimento com a Requerida MP, acordaram vender-lhe a metade do prédio que integrava a herança dos testadores, pelo valor de €170.000,00, correspondente a €85.000,00 para cada um dos vendedores.
69. O Requerido AP, pese embora lhe fosse dado conhecimento das negociações, desde sempre se manteve alheado de todos os assuntos relacionados com a herança do Avô.
70. Jamais manifestou vontade ou intenção de beneficiar das disposições testamentárias feitas pelo seu avô em seu benefício, reconhecendo expressa e repetidamente, desde sempre e até há pouco mais de um mês que as mesmas não lhe eram destinadas.
71. Obrigou-se, de resto, por acordo que celebrou com a sua mãe, a entregar-lhe os bens que lhe foram legados em testamento pelos seus avós.
72. Obrigação esta que reconhecia publicamente,
73. À vista de todos.
74. Vive em Vila Nova de Milfontes, onde tem um estabelecimento de venda de recordações e outros bens similares, essencialmente aos turistas de verão.
75. Nos últimos tempos, fruto também da situação de pandemia e da diminuição acentuada do turismo, vinha demonstrando menor capacidade económica.
76. Tendo tomado conhecimento das negociações que o seu irmão vinha desenvolvendo em representação da mãe de ambos, solicitou a esta que, após a venda, lhe emprestasse algum dinheiro para fazer face às dificuldades económicas que atravessava.
77. Tendo a Requerente prometido que, assim que a venda se concluísse, dividiria com ambos os filhos o valor que viesse a receber, procurando garantir igualdade de tratamento entre ambos.
78. Sucede que, inesperada, inexplicavelmente e sem que nada o fizesse prever, o Requerido AP, a pretexto de querelas familiares menores, deixou de falar com a mãe e o irmão,
79. E, sem lhes dar nota disso, tomou a iniciativa de contactar a prima, a aqui Requerida MP, com quem nunca tivera qualquer contacto ou negociação para tratar dos assuntos da herança,
80. E, sem disso dar nota à sua mãe ou ao seu irmão, outorgou a escritura de compra e venda da metade do prédio da Rua D. João V, juntamente com o seu tio JP.
81. O que fez pelo preço declarado na escritura de €37.500,00, que declarou ter recebido.
82. Preço que, ou não corresponde ao valor efetivamente recebido, havendo divergência entre o preço declarado e o preço realmente recebido,
83. Ou revela que aliciou a sua prima a ocultar o negócio à Requerente, a troco de um desconto significativo de preço.
84. O que fez, não obstante saber que tal prédio integrava a herança aberta por óbito do seu avô,
85. Que declarou expressamente pertencer à sua mãe, a quem se obrigou a entregar os bens que lhe legou formalmente o seu avô.
86. O Requerido AP tem vindo a passar por dificuldades económicas.
87. Agravadas por um divórcio recente.
88. O dinheiro recebido com a venda da parte do prédio formalmente registada em seu nome é de fácil dissipação.
89. O que se revela mais provável em função das dificuldades económicas que atravessa.
90. Não obstante as várias tentativas de contacto que a Requerente tem procurado estabelecer, o Requerido AP não atende ou responde às mensagens da sua mãe.
91. Antecipando-se como muito provável que utilize o dinheiro agora recebido para pagar as dívidas que acumulou na sua atividade profissional.
(…)
II) DO PERICULUM IN MORA
139. O Requerido AP não tem outros bens de valor além dos que lhe foram legados pelo avô e que se obrigou a entregar à sua mãe.
140. Dedica-se à venda de bens de pequeno valor, a turistas, em Vila Nova de Milfontes, especialmente nos meses de verão.
141. Tem vindo a demonstrar maiores dificuldades financeiras, agravadas pelo recente processo de divórcio por força do qual paga mensalmente uma pensão de alimentos.
142. Nos últimos dois meses deixou de contactar com a mãe e o irmão, como sempre fazia,
143. Procurou assumir a gestão dos bens que lhe foram legados, vendendo um desses imóveis por um valor substancialmente mais baixo do que o de avaliação e que a sua mãe vinha negociando com o adquirente.
144. Não contacta, nem responde aos contactos da sua mãe.
145. Recusa-se a entregar-lhe os bens legados pelo avô, que sempre reconheceu pertencerem-lhe.
III) DA MEDIDA CAUTELAR
146. In casu, a Requerente tem direito a receber do Requerido AP os bens que lhe foram legados pelo avô.
147. Face a este contexto, afigura-se muito provável que o Requerido AP procure vender e venda efetivamente os outros bens que lhe foram legados, à semelhança do que já fez com a fracção “D”.
148. Quanto ao prédio vendido à Requerida MP, sendo nulo ou anulado o testamento, como se pretende, nula é a venda subsequente.
149. Existe o risco de a Requerida MP alienar ou onerar o imóvel que adquiriu aos Requeridos JP e AP, frustrando assim a possibilidade de a Requerente requerer judicialmente a nulidade daquela venda e haver para si o prédio.
150. Dispõe o n.º 1 do artigo 403.° do CPC que, havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, pode requerer-se o arrolamento deles.
151. Da factualidade vertida supra, resulta claro que o conhecimento da pretensão da Requerente pelos Requeridos e, sobretudo, a demora no deferimento da providência aumentam o perigo de lesão grave e de difícil reparação que com o presente arrolamento se pretende evitar.
152. Considerando que os Requeridos JP e AP procederam já à venda da metade da fracção “D” à Requerida é fundado o receio de que o mesmo possa suceder quanto aos demais bens/direitos”.
Ora, se bem se vir, perante o alegado nos pontos 57 a 68 do requerimento inicial, apenas está em questão a transmissão da fração “D” do prédio urbano sito na Rua D. João V e o apuramento do respetivo valor, sendo que, refere a própria requerente que, a certa altura, acordou com o 1.º e a 3.ª requerida, “vender a esta última, a metade do prédio que integrava a herança dos testadores” (cfr. ponto 68 do requerimento inicial), pelo valor que indicou (€ 170.000,00), negócio que, todavia, se frustrou, o que, não pode, sob qualquer perspetiva, ser considerado como um acto de dissipação, extravio ou ocultação de tal bem por banda dos requeridos, mas sim, a constatação singela de que o projetado negócio perspetivado pela requerente, não foi concretizado, relativamente ao valor do mesmo.
Por outro lado, a requerente assinala que o requerido “AP, pese embora lhe fosse dado conhecimento das negociações, desde sempre se manteve alheado de todos os assuntos relacionados com a herança do Avô” e “Jamais manifestou vontade ou intenção de beneficiar das disposições testamentárias feitas pelo seu avô em seu benefício, reconhecendo expressa e repetidamente, desde sempre e até há pouco mais de um mês que as mesmas não lhe eram destinadas”, sendo que se obrigou “de resto, por acordo que celebrou com a sua mãe, a entregar-lhe os bens que lhe foram legados em testamento pelos seus avós”, “Obrigação esta que reconhecia publicamente”, “À vista de todos” (cfr. pontos 69 a 73 do requerimento inicial).
Esta alegação, igualmente, não permite intuir ou basear algum receio objetivo e real (sendo que, para o receio ser justificado, não bastam simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade) de dissipação, extravio ou ocultação dos bens legados, antes expressando singelamente (sem qualquer invocação de algum ato que revista tal natureza perdulária ou dissipatória) a posição do 2.º requerido (perante a requerente e terceiros, segundo alegado pela requerente) relativamente aos bens respeitantes às heranças de seus avós.
Igualmente, a alegação produzida pela requerente nos pontos 74 a 77, 86 a 91 e 139 a 141 do requerimento inicial da providência, a respeito da condição pessoal e económica do 2.º requerido, é imprestável para demonstrar algum receio de dissipação, extravio ou ocultação dos bens imóveis recebidos em legado da herança dos seus avós, pais da ora apelante, pois, como reconhece a requerente, o vendedor vê-se ingressado no respetivo património com o dinheiro recebido com a venda operada, não determinando a aludida condição económica do 2.º requerido – com a concretização que a requerente dela deu conta – alguma inferência sobre justificação de receio de dissipação de bens pelo mesmo.
O mesmo se diga, relativamente à atuação do 2.º requerido, sem anúncio ou nota à requerente, relativamente à outorga da escritura de compra e venda da metade do prédio da Rua D. João V, bem como, à venda deste bem pelos 1.º e 2.º requeridos à 3.ª requerida, pelo preço ocorrido (cfr. pontos 79 a 85 e 143 do requerimento inicial), circunstâncias que, por si só, não configuram alguma dissipação, extravio ou ocultação, mas apenas, a ausência de prévio anúncio ou nota na realização de tal negócio, realizado em condições diversas daquelas que a requerente tinha projetado.
Ou seja: Não justifica o arrolamento a circunstância de ter sido alienado pelos 1.º e 2.º requeridos um dos bens legados à 3.ª requerida, por valor diverso daquele que a requerente tinha perspetivado para a correspondente compra e venda.
No mais, a alegação produzida pela requerente, reportada a uma invocada “recusa” de entrega de bens pelo 2.º requerido (cfr. ponto 145 do requerimento inicial) e ao mencionado “direito da requerente a receber do Requerido AP os bens que lhe foram legados pelo avô” (cfr. ponto 146 do requerimento inicial), não consente a afirmação da verificação do justo receio almejado. Tal alegação até se afigura contraditória com a invocação de nulidade da disposição constante dos testamentos a favor do 2.º requerido, pois, parece supor a validade de tal deixa. Estar-se-ia, no fundo, no campo do cumprimento de uma obrigação (que representaria uma promessa realizada pelo 2.º requerido à requerente), que não legitima, por si só, o recurso à providência de arrolamento, faltando a demonstração do aludido justo receio de dissipação, ocultação ou extravio de bens/documentos.
Também a invocação do “contexto” previamente alegado é igualmente imprestável –atento o soçobrar da precedente alegação da requerente - para afirmar o justo receio determinativo da providência de arrolamento (cfr. pontos 146 e 147 do requerimento inicial).
Finalmente, a respeito da alegação produzida nos pontos 148 e 149 do requerimento inicial, cumpre salientar que o risco de alienação ou de oneração do imóvel pela 3.ª requerida – tal como a verificação da venda de imóvel sito em Alfarim - não configura justificado receio para efeitos de decretamento do arrolamento, pois, encontrando-se tal bem imóvel, como os demais objeto de legados, presuntivamente, na esfera do respetivos proprietários e registados a seu favor (cfr. artigo 7.º do Código do Registo Predial), não se verifica que o efeito decorrente da anulação das deixas testamentárias (na sequência da eventual procedência da ação anulatória a propor), comporte, sob qualquer perspetiva, o seu extravio (situação de perda de rasto, de descaminho, de desaparecimento do local onde o bem podia ser encontrado e não saber onde o mesmo se encontra), dissipação (situação de destruição, total ou parcial, de consumo, de gasto, de dispersão, desvanecimento ou desfazimento no que concerne à integridade do bem) ou ocultação (processo voluntário de esconder o rasto, a localização do bem, para que o mesmo não possa ser encontrado por outros interessados).
Não se subscreve, por isso, o entendimento de que a ocorrência de uma venda (ato de transmissão) configure ou represente, em si mesma, uma situação de dissipação do património, pois, desde logo, o património do vendedor é ingressado pela contrapartida decorrente do preço do bem vendido.
Isso mesmo se assinalou na decisão recorrida, ao se evidenciar que os bens imóveis dos autos, relativamente aos quais são invocados direitos pela requerente, mostram-se descritos e registados no registo predial e que, a possibilidade da sua transmissão (legítima em face da presunção registral, que decorre do artigo 7.º do Código do Registo Predial), não se pode confundir com extravio ou dissipação, não se mostrando alegada alguma circunstância de onde se possa inferir existir algum perigo que se dirija à conservação dos bens em questão.
Os mesmos bens imóveis são conhecidos e encontra-se registada a respetiva titularidade, pelo que, o perigo da sua transmissão a terceiros não comporta a constatação de justo receio da dissipação, ocultação ou extravio de tais bens.
De facto, mesmo relativamente a terceiros a quem algum dos bens em questão venha a ser alienado, esses terceiros (aqui se incluindo a 3.ª requerida) não verão reconhecida alguma inoponibilidade decorrente de aquisição, nos termos do n.º 1 do artigo 291.º do CC, se a ação anulatória do negócio for proposta e registada dentro dos 3 anos posteriores à conclusão do negócio (cfr. n.º 2 do artigo 291.º do CC), prazo que não se mostra transcorrido (conforme, aliás, reconhecido pela requerente – cfr. artigos 116.º e 117.º do requerimento inicial), pelo que, também por aqui não se pode inferir que a venda dos bens a terceiros possa determinar uma dissipação dos respetivos bens que, por via da anulação, sempre regressariam (ou pelo menos, o respetivo valor) ao património alienante (cfr. artigo 289.º, n.º 1, do CC).
Como bem reporta o 1.º requerido nas respetivas contra-alegações: “O paradeiro desses imóveis, por força do registo, é detetável a todo o tempo, o que contraria frontalmente a possibilidade da sua ocultação, dissipação ou extravio. Esta a razão pela qual a douta sentença recorrida classificou de exigente a prova dessa subtração, embora a mesma não seja impossível, na própria expressão da sentença sindicada e tanto é assim que a lei prevê o arrolamento de imóveis, acrescentamos nós. Mas sendo o imóvel sujeito a registo e estando os imóveis que a Apelante pretende ver arrolados, excecionais circunstâncias hão-de rodear a factualidade subjacente ao justo receio de extravio para a providência puder ser deferida visto que, existindo registo, os imóveis não estão nem subtraídos, nem dissipados nem ocultados.”.
Refira-se ainda que relativamente à 3.ª requerida, a requerente invoca a existência de um crédito da herança – cfr. artigos 62.º e 63.º do requerimento inicial e 9.º da resposta –sobre tal requerida, que, em si mesmo (e para além das questões que se podem colocar sobre a legitimidade da requerente para reclamar sobre o mesmo), é imprestável para a aferição do justo receio inerente ao arrolamento, sabendo-se que esta providência não se destina, especificamente, a acautelar a satisfação de um direito de crédito (cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-07-2010, Pº 885/10.2TBMAI-B.P1, rel. GUERRA BANHA e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-05-1997, Pº 97B952, rel. ALMEIDA E SILVA).
Finalmente, cumpre esclarecer que a afirmação constante da decisão recorrida - no sentido de que “a protecção que a requerente pretende alcançar só pode advir do registo e esse registo é obrigatório (e oficioso) apenas com a propositura de acção que tenha por objecto acto que possa colocar em causa qualquer acto sujeito a registo” – não altera as coordenadas do problema, no que se reporta ao apontado justo receio: Se é certo que o arrolamento se encontra sujeito a registo (cfr. artigos 3.º, als. d) e e) e 8.º-A, al. b), do Código do Registo Predial) – o que a decisão recorrida não pôs em causa – também não é menos certo que, igualmente, se encontram sujeitas a registo as ações que tenham por fim, principal ou acessório, a reforma, a declaração de nulidade ou a anulação de um registo ou do seu cancelamento, o que se procurou afirmar na decisão recorrida, para expressar uma das vias possíveis de tutela do interesse da requerente.
Certo é que, ainda assim – e perante os aludidos normativos - inverificado se mostra o justo receio de dissipação, extravio ou ocultação de bens.
Por tudo o que se vem referindo conclui-se que o juízo levado a efeito pelo Tribunal recorrido, que reconheceu a manifesta improcedência da providência requerida, não merece alguma censura.
A apelação improcederá em conformidade com o exposto, com manutenção da decisão recorrida.
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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária inerente incidirá, in totum, sobre a apelante, que decaiu, para este efeito, integralmente – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.

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5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pela apelante.
Notifique e registe.

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Lisboa, 11 de maio de 2023.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
João Miguel Mourão Vaz Gomes