Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12592/15.5T8ALM-B.L2-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
INSCRIÇÃO MATRICIAL
REGISTO DE PENHORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Sumário (art.º 663.º n.º 7 do CPC)

I. A inscrição matricial de prédio urbano não constitui, fora da relação tributária, presunção do direito de propriedade, mas funda presunção da existência do bem inscrito na matriz.
II. O agente de execução tem legitimidade para requerer a descrição, no registo predial, de prédio urbano omisso no registo predial, mas inscrito na matriz, tendo em vista inscrever no registo predial a penhora desse prédio.
III. A efetivação do registo da penhora não carece de prévia inscrição do bem a favor do sujeito passivo.
IV. A alegação de que o bem/edifício penhorado não tem licença de utilização nem loteamento autorizado não obsta à manutenção da respetiva penhora, se, provando-se embora que o executado/opoente é comproprietário de um prédio rústico, improcede a impugnação do registo da descrição e da penhora do prédio urbano efetuada (a impugnação) pelo executado/opoente junto da Conservatória do Registo Predial, e consta na matriz e no registo predial que o prédio penhorado se localiza num indicado lote e confronta com via pública e outros lotes.
V. A alegada, e não demonstrada, inexistência de licença de utilização do prédio urbano penhorado não obsta à venda deste no âmbito da execução.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa


RELATÓRIO


Em 06.05.2016, por apenso à execução sumária para pagamento de quantia certa instaurada por C contra Hermenegildo e Carlos, veio o executado Hermenegildo deduzir oposição à penhora.
O opoente alegou que a exequente nomeou à penhora, e foi penhorado, o prédio descrito sob o n.º (…) na Conservatória do Registo Predial do Seixal, freguesia de Fernão Ferro. No entanto, tal prédio não existe conforme o mesmo se apresenta descrito na apresentação (…), realizada em 2016/04/01. Conforme se pode depreender do documento, certidão permanente, apenas consta registada a penhora contra o executado, não existindo o registo histórico de aquisição do imóvel por parte do mesmo. O que foi requerido pelo solicitador de execução foi uma penhora sobre um prédio que não existe tendo sido aberta uma descrição de um prédio. O opoente é apenas possuidor e comproprietário de 178/7500 avos indivisos de um prédio rústico, sito em Pinhal dos Frades, freguesia de Arrentela, Concelho do Seixal e inscrito na matriz sob o nº (…) da secção (…) (parte) correspondente à fração indivisa transmitida. A Conservatória do Registo Predial do Seixal informou a Conservatória do Registo Predial de Guimarães que já existia um prédio descrito na freguesia da Arrentela (mas que estava descrito como avos indivisos) pelo que o Meritíssimo Conservador não devia ter aberto nova inscrição ou a tê-lo feito deveria ter registado a penhora provisoriamente por dúvidas. Só poderia abrir nova inscrição se tivesse sido emitida certidão negativa sobre o prédio, o que não corresponde à verdade, dado que, como já foi referido, foi informado pela Conservatória do Registo Predial do Seixal que já existia um prédio descrito a favor do agora opoente. O agora requerente já solicitou junto da Conservatória do Registo Predial de Guimarães a nulidade de descrição, devendo ser a descrição retificada com as consequências legais, isto é, de a mesma vir a ser cancelada. Consequentemente, o que apenas poderia a exequente ter nomeado à penhora era 158/75000 de avos indivisos, do prédio rústico identificado no articulado desta peça processual, que pertencem ao executado e não o prédio urbano situado na Rua (…), lote (…), com área total de 157,5M, área coberta 85,25 e descoberta de 71,25€ com o artigo matricial (…) composto de cave, rés do chão, 1 andar e logradouro com confrontações Norte – arruamento, sul lote 100, Nascente lote 7, Poente lote 5. Como já foi referido não existe ainda loteamento do prédio rústico que permanece indiviso. O prédio em que foi registada a penhora não existe. A penhora não pode abranger o edifício edificado no mencionado prédio rústico, pois não existe licença de utilização e o prédio encontra-se indiviso sem processo de loteamento. A descrição na conservatória não corresponde à realidade física do prédio uma vez que o mesmo tem a natureza de rústico e indiviso, com um imóvel edificado sem licença de utilização e na Conservatória aparece como prédio urbano.
O opoente terminou pedindo que a oposição fosse julgada provada e procedente e, consequentemente, fosse ordenado o cancelamento imediato da penhora.
Juntou documentos.
Por decisão proferida em 28.3.2017 a oposição foi liminarmente indeferida.
Tal decisão foi revogada por acórdão da Relação proferido em 07.11.2019, a qual determinou o recebimento liminar da oposição.
A exequente contestou a oposição à penhora, concluindo pela sua improcedência.
Juntou documentos.
Realizou-se, infrutiferamente, tentativa de conciliação, tendo no final da diligência a Mm.ª juíza, por se considerar habilitada a decidir de facto e de direito, determinado que os autos lhe fossem conclusos.
Em 03.12.2020 foi proferida sentença em que se julgou a oposição à penhora improcedente.
O opoente apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
a) O Apelante vem Recorrer da sentença que indeferiu a sua Oposição à Penhora movida pela Exequente C, conforme consta dos autos.
b) O apelante vem alicerçar a sua Apelação com os seguintes fundamentos: O prédio nomeado à penhora descrito sob o artigo (…) da Conservatória do Registo Predial da freguesia de Fernão Ferro, não existe conforme consta na apresentação (…), realizada em 2016/04/01. O referido prédio foi inscrito pelo Sr. Agente de Execução após a execução conta o Apelante. O que existia e existe e do qual o Apelante é proprietário é de 158/75000 avos indivisos do prédio rústico sito no Pinhal de Frades, freguesia de Arrentela, Conselho do Seixal, composto de terreno de cultura arvense com área de setenta e cinco mil metros quadrados, confrontando a norte com (…), a sul com (…), a nascente com (…) e poente com a Estrada Nacional trezentos e setenta e oito, descrito na Conservatória do Registo Predial de Seixal sob o n.º trinta mil setecentos e quarenta e seis do livro B-oitenta e cinco, nela registada a aquisição do direito a seu favor pela inscrição oitenta e um mil novecentos e setenta e dois do livro G-cento e trinta e nove, inscrito na matriz predial rústica sob parte do artigo 18 da secção H-H1.
c) O que apenas poderia ter sido objeto de execução, pelo Agente de Execução, era o direito a 158/75000 avos indivisos do prédio rústico.
d) Pois que existe a construção, mas onde está implantada nos referidos avos indivisos, não existindo qualquer lote com 157 M conforme consta de caderneta predial.
e) O Agente de Execução foi fazer o registo da moradia implantada nos 158/75000 avos indivisos do prédio rústico, coincidindo com os 157 M que consta da caderneta predial que serviu de base para o registo do prédio e da penhora uma vez que tais registos foram feitos em simultâneo, conforme consta dos autos da certidão predial, efetuados em 01/04/2016.
f) O apelante invocou o art. 743.º do C.P.C., porquanto, o exequente apenas podia nomear à penhora 158/75000 de avos indivisos do prédio rústico do executado, sendo certo que tal penhora não pode abranger o edifício nele edificado por não existir licença de utilização e se encontrar indiviso sem processo de loteamento inserido numa AUGI.
g) A descrição da conservatória não corresponde à realidade física do prédio uma vez que o mesmo tem natureza rústica e indivisa, o imóvel nele implantado não possui licença de utilização.
h) O Agente de Execução bem sabia que o executado era comproprietário de avos indivisos e ainda assim tendo que respeitar o previsto no artigo 743º do C.P.C. abriu uma nova descrição na Conservatória, tendo conhecimento que tal prédio não existia fisicamente.
i) Foi proferida Sentença que indeferiu a oposição do Apelante, que recorreu tendo o Tribunal da Relação, atendendo à pretensão do opoente, decidindo que o opoente podia ter reagido por Oposição à Penhora, dado que, foi atingida uma parte especificada de um bem indiviso, pois que se configura como uma situação de inadmissibilidade da penhora de concretos bens.
j) Os autos foram enviados à primeira instância para ser apreciado o incidente suscitado pela Apelante.
k) Foi proferida sentença da qual se recorre que deu como provado o seguinte: No âmbito do processo judicial que corre os seus termos com o nº 12592/15.5T8ALM na 2ª secção de execução J2 do Tribunal de Comarca de Lisboa - Almada, veio o Agente de Execução penhorar o imóvel inscrito sob o artigo (…), sito na freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal. Como o imóvel não se encontrava descrito o Agente de Execução, procedeu ao requerimento de abertura de descrição. O registo de penhora, com abertura de inscrição foi instruído com todos os documentos necessários para o efeito, nomeadamente, caderneta predial urbana – (doc.1) junto e que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Da mesma consta, além de outros elementos que o prédio a) está situado na Rua (…), lote 6, (…), na freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal. b) é urbano c) composto de “cave com arrecadação, R/C com duas divisões, cozinha e casa de banho e primeiro andar, com três divisões casa de banho, corredor e duas varandas e d) pertence em propriedade total, ao executado, ora requerente.
O imóvel foi assim registado nos moldes localizado e descrito na caderneta predial cfr disposto no artigo 28º do CRP- idem
E existe, tanto que lá reside o requerente.
Tendo sido tomado registo fotográfico pelo Sr. Agente de Execução, no âmbito dos seus poderes legais.
l) A Juíza a quo indeferiu o incidente suscitado pelo agora Apelante, conforme consta do relatório da Douta Sentença.
m) O Juiz a quo invocou os artigos 873º e 836º ambos do C.P.C., considerando ainda a penhora efetuada pelo Agente de Execução seguiu todos os tramites legais.
n) Mais assentou a Julgadora que a penhora foi corretamente efetuada de acordo com os factos provados de um a sete da Douta Sentença.
o) O Apelante considera que a Douta Sentença violou o disposto nos artigos 743º do C.P.C., 749º do C.P.C.
p) A penhora não pode abranger o edifício edificado nesse prédio rústico, por não existir licença de utilização e se encontrar indiviso.
q) Cabia ao Tribunal Judicial apreciar não só o registo do prédio efetuado pelo AE, como também a penhora conforme o conservador que apreciou a reclamação do Apelante que referiu que o mesmo sempre podia reagir contra a penhora em sede de Oposição à Penhora, não tendo a julgadora apreciado tal questão violando assim o artigo 8, nº 1, do Código do Registo Predial.
r) Não foi apreciado pela Juíza a quo o existirem atualmente duas penhoras, tendo o Agente de Execução nomeado “o prédio Urbano” bem como o direito de 158/750000 avos indivisos do referido prédio conforme consta dos autos.
s) Não foi apreciado na Douta Sentença a violação do artigo 749º do C.P.C. que obriga que o mesmo realize consulta na base de dados, neste caso na Conservatória do Registo Predial, sobre a identificação do executado e sobre a identificação dos seus bens.
t) O registo do pedido de penhora não respeitou o previsto no artigo 68º do C.R.P., Principio de legalidade que impõe: a identidade do prédio, a legitimidade do interessado a regularidade formal dos títulos e a validade dos atos nulos contidos que não foi apreciado pela Juíza a quo violando assim o artigo 607º nº 4 e nº 5, do C.P.C.
u) Não foi contestado pela Embargada que o referido prédio esteja localizado numa AUGI e que registado em nome do executado sempre esteve apenas avos indivisos, pelo que deveria constar na Douta Sentença que o prédio se inseria numa AUGI, tendo sido violado também aqui o artigo 607º nº 4 e nº 5, do C.P.C.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE A DOUTA SENTENÇA SER REVOGADA E SER PROCEDENTE POR PROVADA O INCIDENTE DE OPOSIÇÃO E PENHORA DEDUZIDO PELO APELANTE/OPOENTE E CONSEQUENTEMENTE SER ANULADO O REGISTO DO PRÉDIO SITO RUA (…), LOTE 6, (…), NA FREGUESIA DE FERNÃO FERRO, CONCELHO DO SEIXAL E PENHORA.
DEVE O PRESENTE RECURSO TER EFEITO SUSPENSIVO ATENDENDO A QUE O EXECUTADO, TEM A SUA CASA DE MORADA DE FAMILIA NO IMOVEL PENHORADO CONFORME A DOUTA SENTENÇA DÁ COMO PROVADO.
A apelada/exequente contra-alegou, tendo rematado com as seguintes conclusões:
1. O recurso tem efeito devolutivo e não suspensivo, nos termos do art. 647º /1 CPC.
2. O prédio penhorado existe tal como descrito na sua caderneta predial:
a) Está situado na Rua (…), Lote 6, (…), na freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal;
b) É urbano;
c) É composto de “CAVE COM ARRECADAÇÃO, R/C COM 2 DIVISÕES, COZINHA E CASA DE BANHO, E 1.º ANDAR COM 3 DIVISÕES, CASA DE BANHO, CORREDOR E 2 VARANDAS” E
d) Pertence, em propriedade total, ao executado, ora requerente.
3. Se assim se mostra descrito na inscrição matricial deve ser considerado não apenas para fins fiscais mas também para todos os efeitos legais, nomeadamente para garantia do pagamento aos credores do seu proprietário.
4. O prédio encontrava-se omisso na Conservatória e o Senhor Agente de Execução, fazendo-se valer dos documentos disponíveis, nomeadamente da caderneta predial, penhorou o imóvel, com abertura de descrição, conforme as regras do Codigo do Registo Predial.
5. Registo que o executado impugnou, em acção própria, sem sucesso.
6. A inexistência de licença de utilização não inviabiliza a penhora e, bem assim, a venda judicial. E,
7. Inexiste qualquer circunstância de facto ou de direito que restrinja, parcial ou absolutamente a penhora de imóvel que pertence à esfera patrimonial do executado. Porquanto,
8. Pelo exposto, devem os Venerandos Desembargadores manter a sentença recorrida.
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
O relator confirmou o efeito atribuído ao recurso pela 1.ª instância.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
O objeto deste recurso é o seguinte: se o imóvel penhorado não existe, e como tal não deve permanecer penhorado.
Na sentença recorrida deu-se como provada a seguinte
Matéria de facto
(A numeração é por nós elaborada, pois não consta na sentença)
1. No âmbito de processo judicial que corre termos com o n.º 12592/15.5T8ALM na 2.ª Secção de Execução J2 do Tribunal de Comarca de Almada, veio o Agente de Execução penhorar o imóvel inscrito sob o art. (…) sito na freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal.
2. Como o imóvel não se encontrava descrito, o AE procedeu ao requerimento de abertura de descrição.
3. O registo de penhora, com abertura de descrição, foi instruído com todos os documentos necessários para o efeito, nomeadamente caderneta predial urbana – doc. 1 junto e que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
4. Da mesma consta, além de outros elementos, que o prédio,
a) Está situado na Rua (…), Lote 6, (…), na freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal;
b) É urbano;
c) É composto de “CAVE COM ARRECADAÇÃO, R/C COM 2 DIVISÕES, COZINHA E CASA DE BANHO, E 1.º ANDAR COM 3 DIVISÕES, CASA DE BANHO, CORREDOR E 2 VARANDAS” e
d) Pertence, em propriedade total, ao executado, ora requerente.
5. O imóvel foi assim registado nos moldes do localizado e descrito na caderneta predial urbana, cfr. Disposto no art. 28.º do CRPREDIAL.
6. E, existe, tanto que lá reside o requerente.
7. Tendo sido tomado registo fotográfico pelo Sr AE, no âmbito dos seus poderes legais de forma a averiguar o estado do imóvel conforme doc. 2.
8. O executado requereu à Conservatória do Registo Predial de Guimarães o cancelamento da penhora, o que foi indeferido, conforme decisão cuja cópia foi junta com o n.º 3.
Por consulta do processo principal e ainda com base nos elementos constantes nestes autos de oposição à penhora, esta Relação leva ainda em consideração o seguinte (art.º 662.º n.º 1 do CPC):
9. Em 17.6.2016, sob a ref. 109206287, foi junto ao processo outro auto de penhora, tratando-se aqui da “penhora do direito a 158/75000 avos indivisos sito na Rua (…), freguesia de Fernão Ferro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Seixal sob a ficha n.º (…)/20090310 e inscrito no respetivo artigo matricial n.º (…) Secção 1H1 da referida freguesia”, penhora essa registada sob a Ap. 527 de 2016/06/07.
10. Por escritura notarial celebrada em 19.10.1998, Adriano (…) e mulher Maria (…) declararam vender a Hermenegildo (…), casado em comunhão de adquiridos com Rita (…), e este declarou aceitar comprar, pelo preço de 700 contos, 158/75000 avos indivisos de um prédio rústico sito no (…), freguesia de Arrentela, concelho do Seixal, inscrito na matriz sob o artigo (…) (parte), correspondendo à fração indivisa transmitida o valor patrimonial de cento e noventa escudos, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º (…) do Livro B-oitenta e cinco, nela registada a fração indivisa a seu favor pela inscrição (…) do livro G- centro e trinta e oito.
11. Na Conservatória do Registo Predial de Seixal consta a seguinte descrição predial:
Freguesia Arrentela
(…)/20090310
Descrição em livro:
N.º (…), Livro n.º 85
Descrição – Averbamentos – Anotações
Rústico
Situado em: Pinhal de Frades
Área total 75 000 M2
Matriz n.º 31
Secção n.º 1H1 (parte)
Freguesia: Seixal, Arrentela e Aldeia de Paio Pires
Composição e confrontações:
Terreno de cultura arvense. Norte – (…); Sul – (…); Nascente – (…) – Estrada Nacional 378. Desanexado do descrito sob o n.º 10.313 fls 8 v do B-29.
Ap. 8 de 2007/02/07 Aquisição
Causa: Partilha subsequente a divórcio
Quota adquirida: 158/75000
Sujeito activo: Hermenegildo (…)
Sujeito passivo: Rita (…).
12. Em 12.12.2015 o Sr. Agente de Execução consultou os registos da Autoridade Tributária e Aduaneira respeitantes ao executado Hermenegildo (…) e encontrou, registado na matriz predial, em nome do executado, o prédio urbano suprarreferido nos n.ºs 1 a 4 da matéria de facto.
13. Após o que diligenciou pela abertura da descrição e pela penhora referidas em 1 e 2 da matéria de facto.
O Direito
O art.º 735.º n.º 1 do CPC declara que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
Por sua vez no art.º 601.º do Código Civil estipula-se que “[p]elo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios.
E o n.º 1 do art.º 743.º do CPC, invocado pelo opoente/apelante, dispõe o seguinte:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 781.º, na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso”.
Sobre a oposição à penhora, o art.º 748.º n.º 1 do CPC estipula o seguinte:
1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência”.
Conforme consta no Relatório supra, este procedimento de oposição à penhora já foi alvo da atenção desta Relação, por meio do acórdão que conheceu do indeferimento liminar da oposição. Nesse acórdão, datado de 07.11.2019, se ponderou que, contrariamente ao aparentemente propugnado pelo tribunal a quo (na decisão de indeferimento liminar da oposição à penhora), a oposição à penhora é o meio adequado à reação contra penhora que tenha incidido sobre parte especificada de bens indivisos. Essa seria a situação invocada pelo apelante/opoente/executado: sendo titular, como comproprietário, de uma quota parte (158/75000 avos indivisos) de um prédio rústico, a penhora terá incidido sobre um edifício construído no mencionado prédio rústico, o qual não existiria juridicamente, pois não haveria licença de utilização e o prédio encontrar-se-ia indiviso sem processo de loteamento.
Vejamos.
Resulta dos autos que o opoente/executado/apelante é comproprietário de um prédio rústico, com uma quota de 158/75000 avos indivisos (cfr. n.ºs 10 e 11 da matéria de facto). No que concerne ao aludido prédio rústico, o direito do executado reporta-se à aludida quota ideal, não estando individualizado, no seu objeto, sobre parte especificada da coisa (cfr. artigos 1403.º, 1405.º, 1406.º, 1408.º do CC). Daí que apenas poderá ser penhorado o seu direito à aludida quota ideal. Direito esse, de resto, que veio a ser penhorado na execução (cfr. n.º 9 da matéria de facto).
Porém, o executado/opoente/apelante insurge-se contra a penhora do prédio urbano referida em 1 da matéria de facto, alegando que esse prédio não existe.
Ora, que o prédio existe, resulta da matéria dada como provada (n.ºs 3 a 7 da matéria de facto).
É certo que, conforme se estipula no art.º 12.º n.º 5 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), “As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade.”
Mas a inscrição matricial, se não forma presunção da titularidade do direito de propriedade sobre o bem inscrito, baseia presunção sobre a existência do prédio inscrito.
Tal presunção está implícita em normas como as previstas nos artigos 28.º a 31.º do Código do Registo Predial (CRP), que impõem a inscrição na matriz dos prédios a que respeitam as inscrições do registo predial, e exigem a harmonização quanto à localização, à área e ao artigo da matriz, entre a descrição e a inscrição matricial.
Tal presunção da existência do prédio inscrito na matriz está também implícita no disposto no art.º 92.º n.º 1 do Código do Registo do Notariado, que impõe, relativamente às justificações notariais para estabelecimento ou reatamento do trato sucessivo no registo predial, que os direitos que, nos termos da lei fiscal, devam constar da matriz, aqui estejam inscritos.
Veja-se, nesse sentido, o Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, n.º 110/2011 (consultável no portal na internet do referido Instituto): “De acordo com a norma do art. 92.º, n.º 1, do Cód. do Notariado, a inscrição matricial, na medida em que constitui presunção da existência do prédio, é pressuposto essencial da admissibilidade de justificação notarial de direitos que, nos termos da lei fiscal, devam constar da matriz, implicando a violação daquela norma a nulidade do acto jurídico (cfr. art.s 294º e 295º, do Cód. Civil).”
Acerca da razão de ser da relevância da referida prévia inscrição matricial, veja-se o Parecer do Conselho Consultivo do IRN, n.º 112/2010 (nota 6):
A ratio da exigência de que a escritura de justificação apenas se possa celebrar quando exista inscrição matricial do prédio objecto do direito alegadamente usucapido releva com efeito da necessidade sentida pelo legislador de se assegurar da real existência do bem, e de que portanto o ingresso e definição da identidade dele no registo, designadamente na sua mais elementar e radical configuração, enquanto porção delimitada de solo (com a área que tiver), não fica inteiramente confiada à declaração “interessada” do justificante, e isto pese embora a intervenção no acto de três outros sujeitos unissonamente confirmando a veracidade de tal declaração. Se não foi desconfiado, o legislador quis pelo menos ser cauteloso, e, jogando pelo seguro, determinou que a escritura só estará à mão contanto que o prédio se encontre inscrito na matriz, já que, estando-o, daí será lícito presumir que o prédio materialmente existe, e que existe com a fisionomia com que nessa sede se oferece. É pois primacialmente a preocupação com a acreditação da existência e identidade do prédio o que segundo cremos estará na base da prescrição constante do normativo em apreço – a sua teleologia reconduz-nos preponderantemente aos fins próprios da instituição registal (designadamente ao seu escopo fundamental, o da promoção da segurança do comércio jurídico imobiliário), e só lateralmente a uma qualquer racionalidade de natureza fiscal (como uma eventual cobrança de tributo).
A segurança propiciada pela prévia inscrição matricial advém naturalmente da possibilidade que os serviços fiscais têm de, no terreno, e designadamente para efeitos de avaliação, procederem às inspecções e vistorias que se justifiquem. E se é certo que nem sempre (e porventura nem sequer maioritariamente) a inscrição na matriz será precedida duma tal verificação in loco, a simples possibilidade de que ela se tenha realizado ou venha a realizar, através dos meios técnicos e humanos de que para isso os serviços de finanças estão dotados, garante aos olhos da lei aquele mínimo de certeza acerca da existência e identidade do prédio de que se não quis prescindir e que a mera declaração verbal por parte do justificante se tem por incapaz de produzir.
Tudo o que vem de dizer-se a propósito do valor das matrizes enquanto instrumento de acreditação da existência e identidade dos prédios objecto de justificação – e que aliás neste contexto se vem dizendo pelo menos desde o primeiro dos citados pareceres – mantém toda a pertinência no quadro do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aprovado no âmbito da reforma da tributação do património operada pelo DL n. 287/2003, de 12-11. Basta observar que, nos termos do art. 14.º/2, a avaliação do prédio, sempre que necessário, é precedida de vistoria. De resto, como acentuam J. SILVÉRIO MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS, in “Os Impostos sobre o Património Imobiliário – O imposto do Selo”, 2005, p. 191, “embora o CIMI imponha determinados deveres declarativos aos sujeitos passivos do imposto, a verdade é que, face ao princípio da avaliação directa, o procedimento de avaliação caracteriza-se por uma decisiva intervenção oficiosa, prevista no n.º 1 do artigo 37.º e no artigo 67.º, subordinada ao princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da Lei Geral Tributária, donde decorre a obrigatoriedade de confirmar e, se for o caso, de corrigir os elementos declarados.”
O Sr. agente de execução tinha legitimidade para requerer a descrição do prédio no registo predial, tendo em vista a respetiva penhora (cfr. artigos 719.º n.º 1 do CPC, artigos 36.º, 2.º n.º 1 al. n), 8.º-B, n.º 3, al. c) e 80.º n.º 1 do CRP).
E para tal não carecia de diligenciar pela demonstração da legitimação do direito do executado, para além do que já constava na matriz, face à norma excecional prevista no art.º 9.º. n.º 2, alínea a) do CRP:
Artigo 9.º
Legitimação de direitos sobre imóveis
1– Os factos de que resulte transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo.
2– Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) A partilha, a expropriação, a venda executiva, a penhora, o arresto, a apreensão em processo penal, a declaração de insolvência e outras providências ou atos que afetem a livre disposição dos imóveis;
(…).”
Contrariamente ao alegado pelo apelante na conclusão s) da apelação, o Sr. agente de execução diligenciou pela aludida penhora após ter procedido à consulta nas bases de dados mencionadas no art.º 749.º n.º 1 do CPC (cfr. n.ºs 12 e 13 da matéria de facto).
Na apelação o recorrente alega que “o exequente apenas podia nomear à penhora 158/75000 de avos indivisos do prédio rústico do executado, sendo certo que tal penhora não pode abranger o edifício nele edificado por não existir licença de utilização e se encontrar indiviso sem processo de loteamento inserido numa AUGI (art.º 5 da apelação –negrito nosso). Mais alega o apelante que a exequente não contestou que o referido prédio está localizado numa AUGI e que em nome do executado apenas sempre estiveram registados avos indivisos, pelo que deveria constar na sentença que o prédio se inseria numa AUGI (vide art.º 28 da apelação e conclusão u) da apelação).
Nos termos da Lei n.º 91/95, de 02.9 (com as alterações publicitadas), diploma que “estabelece o regime excepcional para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal” (n.º 1 do art.º 1.º), “[c]onsideram-se AUGI os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objecto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, e que, nos respectivos planos municipais de ordenamento do território (PMOT), estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º(n º 2 do art.º 1.º). Nos termos do n.º 3 do art.º 1.º, “[s]ão ainda considerados AUGI os prédios ou conjuntos de prédios parcelados anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 46673, de 29 de Novembro de 1965, quando predominantemente ocupados por construções não licenciadas.”
Na petição de oposição à penhora o executado em parte alguma alegou que o prédio penhorado se integrava numa AUGI, ou, mais do que isso, articulou factos tendentes a essa qualificação legal.
Pelo que não poderia a exequente manifestar concordância ou admitir algo que o executado não alegara (art.º 574.º do CPC).
A alegação ora efetuada peca, pois, por tardia, sendo certo que se trata de questão nova, pelo que, em princípio, o tribunal dela não poderia conhecer. Com efeito, ao tribunal ad quem cabe reapreciar as decisões proferidas pelo tribunal a quo (art.º 627.º n.º 1 do CPC), o que pressupõe que essa decisão será apreciada à luz das questões que o tribunal recorrido foi chamado a decidir.
Admitindo-se, porém, que essa questão poderia ser conhecida oficiosamente, por se prender com a violação de normas imperativas atinentes ao ordenamento urbano (art.º 608.º n.º 2, parte final, 663.º n.º 2, do CPC – neste sentido, cfr. acórdão do STJ, de 26.01.2016, processo 5434/09.2TVLSB.L1.S1, ponto 3-8-2, consultável em www.dgsi.pt), a verdade é que nos autos a realidade dessa afirmação do executado não está demonstrada.
Pelo contrário, na matriz predial e, correspondentemente, na descrição do registo predial, o prédio penhorado está identificado como inserido num lote (lote 6), e confinando com via pública e outros lotes (lotes 100, 7 e 5) – cfr. caderneta predial urbana a fls 67 e certidão do registo predial a fls 7 destes autos de oposição à penhora.
Acresce que, tendo o executado/opoente/apelante suscitado perante a Conservatória do Registo Predial a questão da nulidade da descrição do prédio urbano e da sua penhora, por respeitarem a prédio rústico já descrito, tal impugnação do registo foi julgada improcedente (cfr. n.º 8 da matéria de facto), tendo o Sr. Conservador considerado “ter sido o registo corretamente elaborado e confirmado de acordo com o solicitado, e em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados, verificando-se a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos atos neles contidos (art.º 68.º do Código do Registo Predial)” – cfr. despacho junto pelo exequente com a contestação à oposição.
É certo que no despacho do Sr. Conservador se acrescentou o seguinte:
Se, o que efetivamente se pretende é a impugnação do ato de penhora em si, seja por via da sua admissibilidade, seja por via do objeto, seja atacando os atos do exequente consubstanciados no registo efetuado (que em si mesmo não tem vício porque feito de acordo com a lei e as declarações prestadas) o caminho a seguir é a oposição aos mesmos no próprio processo executivo ou numa acção para esse fim intentada”.
Ora, foi essa linha de atuação, apontada pelo Sr. Conservador ao executado (que não ao tribunal), que o executado formalizou através da presente oposição à penhora. E o tribunal a quo, julgando a oposição à penhora, considerou-a improcedente. Não se percebendo como poderá o Sr. juiz a quo ter violado o disposto no art.º 8.º n.º 1 do CRP (violação essa invocada na conclusão q) da apelação).
Alegou também o executado que o edifício penhorado carece de licença de utilização (o que constituiria obstáculo à sua autonomização jurídica e à sua penhorabilidade). Ora, independentemente de ser discutível que a falta de licença de utilização do edifício constitua o obstáculo apontado pelo executado, a verdade é que nos autos não só não ficou demonstrada essa falta de licença como, em sede de execução, a este respeito o legislador adotou uma solução de defesa dos interesses do credor, conforme decorre do disposto no art.º 833.º n.º 6 do CPC:
“A venda de imóvel em que tenha sido, ou esteja sendo, feita construção urbana, ou de fração dele, pode efetuar-se no estado em que se encontre, com dispensa da licença de utilização ou de construção, cuja falta de apresentação a entidade com competência para a formalização do ato faz consignar no documento, constituindo ónus do adquirente a respetiva legalização”. Trata-se, como ponderam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, em Código de Processo Civil Anotado, vol II, Almedina, 2020, p. 253, de “uma solução pragmática que se traduz em transferir para o adquirente o ónus de legalização da construção urbana, mas aproveitando para os fins da execução o respetivo valor que seja pago.” Tal facilitação da transmissão do prédio penhorado, no âmbito da execução, prevista no seio do regime da venda por negociação particular, será extensível, por igualdade de razão, à venda operada mediante propostas em carta fechada (neste sentido, cfr. acórdão da Relação do Porto, de 01.02.2010, processo 2360-D/2002.P1, citado pela apelada).
Também por aqui não há, pois, obstáculo à penhora impugnada.
O apelante aponta à sentença recorrida, do ponto de vista das omissões formais, a violação do disposto no art.º 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC (conclusões t) e u) da apelação e art.º 29 da apelação).
Estes preceitos têm a seguinte redação:
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
A violação destes preceitos teria consistido, segundo o apelante, na circunstância de o tribunal a quo não ter apreciado os documentos juntos pelo executado que provariam que o mesmo apenas era comproprietário de um prédio rústico.
Vejamos.
O tribunal a quo julgou a oposição à penhora improcedente, após ajuizar que “o imóvel penhorado, fazendo parte do património do Executado, era e é um bem penhorável, capaz de responder pelas dívidas do Oponente”.
Na decisão de facto o tribunal a quo não mencionou o prédio rústico. E também não o referiu em sede de apreciação do direito.
Poderá dizer-se que a questão essencial da oposição à penhora, que constituía o seu objeto, era a da existência e penhorabilidade do prédio urbano penhorado.
Sobre isso, o tribunal a quo emitiu pronúncia.
Implicitamente, o tribunal a quo terá considerado irrelevante, para a fundamentação da decisão da oposição à penhora, exarar considerações acerca do prédio rústico invocado pelo executado.
O prédio rústico e a compropriedade invocados pelo executado constituiriam, na sua vertente factual, facto instrumental, veículo da prova da inverificação dos requisitos de facto (e, na sua sequência, jurídicos) necessários à existência, enquanto tal, do prédio urbano penhorado.
Nesta perspetiva, a falta de pronúncia expressa sobre estes aspetos da oposição à penhora não constituiria o vício previsto na al. d), 1.ª parte, do n.º 1 do art.º 615.º do CPC (que, aliás, o apelante não invocou). Com efeito, o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe sejam submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e de todas as exceções invocadas, assim como de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (cfr. José Lebre Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 3.ª edição, 2017, Almedina, p. 737). Como já notava Alberto dos Reis, tal exigência não é desrespeitada se o tribunal não se ocupar com todas as considerações, argumentos ou razões produzidas pelas partes para sustentarem a sua pretensão. O que importa é que o tribunal decida a questão posta (Código de Processo Civil anotado, volume V, Reimpressão, 1984, Coimbra Editora, p. 143; na jurisprudência, v.g., STJ, 02.7.2020, 167/17.9YHLSB.L2.S2, consultável em www.dgsi.pt).
Ainda assim, parece ser evidente que a referida alegação do opoente assumia, na economia da oposição, papel relevante na respetiva fundamentação, pelo que, do ponto de vista dos factos, a omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo poderia acarretar a anulação da sentença, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC (anulação da decisão proferida na 1.ª instância quando a Relação, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”).
In casu, os elementos a considerar, constantes no processo, são documentos, único meio probatório a que as partes recorreram, sendo certo que não foram arroladas testemunhas nem requeridas quaisquer outras diligências instrutórias.
Assim, como consta na enunciação da matéria de facto supra, esta Relação desde logo aditou o que, a respeito, era possível dar como demonstrado, e que o tribunal a quo podia e deveria ter dado como provado.
Sanando-se, pois, a aludida omissão.
E sobre todo o factualismo que se demonstrou, já supra se emitiu pronúncia, da qual resulta a improcedência da oposição à penhora.
De tudo o exposto emerge a improcedência da apelação.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, com o aditamento supra assinalado no que concerne à sua fundamentação.
As custas da apelação, na vertente das custas de parte, são a cargo do apelante, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).


Lisboa, 29.4.2021


Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins