Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
443/21.6T8PDL-A.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO
PRESTAÇÕES MENSAIS
PRESCRIÇÃO
TERCEIRO INTERESSADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.–Mostra-se ser jurisprudência actualmente consolidada no Supremo Tribunal de Justiça que prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do Art. 310.º do Código Civil, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos, sendo que a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade não altera o dito enquadramento em termos da prescrição.

2.–Terceiro interessado pode invocar a prescrição de dívida alheia, nos termos do Art. 305.º n.º 1 do Código Civil, se nisso mostrar ter interesse atendível, sendo esse o caso da pessoa que, não sendo parte no contrato de mútuo que se mostra em incumprimento, veio a adquirir o imóvel que se mostra onerado por hipoteca constituída para garantir o pagamento preferencial dessa dívida.

3.–Por força do Art. 305.º n.º 1 do Código Civil, o terceiro interessado fica legitimado, por direito próprio, a invocar a prescrição de obrigação alheia, embora a eficácia dessa invocação fique restrita à satisfação do seu interesse, sem prejuízo, portanto, da subsistência da obrigação do devedor que é parte efectiva no contrato de mútuo, já que este havia invocado a prescrição dessa obrigação numa outra ação, na qual não foi parte o terceiro interessado, tendo essa excepção sido julgada improcedente por falta de oportuna alegação da factualidade em que assentaria a procedência da invocada prescrição quinquenal.

4.–A sentença proferida em processo em que apenas foram parte o credor mutuante e o devedor mutuário, que julgou improcedente a exceção de prescrição invocada por este último, não é oponível ao terceiro interessado, adquirente do imóvel sobre que incidia a hipoteca que garantia o pagamento preferencial dessa dívida.

5.–Com o exercício do direito a ver reconhecida a prescrição pelo terceiro interessado, tudo se passa, para este, como se a obrigação do devedor mutuário, garantida por hipoteca incidente sobre o imóvel por aquele adquirido, tivesse efectivamente sido extinta por prescrição, o que tem como consequência, nos termos do Art. 730.º al. a) do C.C., a extinção da própria hipoteca.

6.–O terceiro adquirente do prédio hipotecado não está limitado à invocação da causa de caducidade da hipoteca prevista na al. b) do Art. 730.º do C.C., pois nestas condições pode ainda invocar em seu benefício a extinção da própria obrigação garantida, como causa extintiva da hipoteca, tal como se estabelece na al. a) do Art. 730.º do C.C..

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

IRELATÓRIO

A veio deduzir embargos de executado, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que havia sido instaurada pela B, legitimada como cessionária por contrato de cedência de crédito acordado com a Caixa Geral de Depósitos, S.A., e na qual a exequente formulou pedido contra as executadas, C e A, de pagamento da quantia de €67.168,73, sendo a quantia exequenda titulada por contrato de mútuo celebrado em 26/10/2004 entre a instituição bancária cedente e a primeira executada, para garantia do qual havia sido constituída hipoteca sobre um imóvel cuja propriedade foi transferida para a segunda executada, subsistindo sobre ele a oneração decorrente da referida hipoteca, constituída para garantia do mútuo que a primeira executada deixou de cumprir desde 26/05/2009.

Para tanto, alegou a embargante a inexistência e inexigibilidade do título ou, caso assim não se entendesse, que se reconheça a extinção da execução por prescrição da obrigação exequenda, por ter decorrido o prazo de 5 anos, previsto nos Art.s 307.º e 310º, als. d) e e) do Código Civil, desde a data do incumprimento que situa em 26/05/2009. Também invocou a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e, à cautela, defendeu que é um abuso de direito a atuação da exequente. Subsidiariamente, sustentou ainda o direito de retenção sobre o imóvel.

Os embargos foram contestados, tendo a embargada defendido que devem improceder as exceções invocadas, terminando por pedir que os embargos sejam declarados improcedentes, prosseguindo a execução os seus trâmites legais.

Findos os articulados, veio a ser designada audiência prévia para as finalidades a que alude o Art. 591.º, n.º 1, al.s a), c) a g) do C.P.C., tendo aí sido concedida às partes a possibilidade de discutir as suas posições e, depois de fixado o valor da causa, veio a ser proferido despacho no sentido de que os autos já estariam munidos de todos os elementos factuais e documentais que permitiriam a prolação de decisão de mérito, concedendo-se a palavra aos mandatários para, querendo, alegarem.

Proferidas as alegações, veio a ser prolatado despacho saneador-sentença que julgou improcedentes as exceções de ilegitimidade passiva da executada A e, bem assim, as relativas à alegada inexistência e inexigibilidade de título executivo. No entanto, debruçando-se sobre o mérito da causa, julgou procedente a exceção de prescrição, nos termos previstos no Art. 310.º als. d) e e) do C.C., com a consequente extinção da execução e levantamento de todas as penhoras dos bens da executada A.

É dessa sentença que a embargada veio recorrer, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:

B.Em 11/10/2021 foi proferido Despacho Saneador-Sentença de extinção da Execução, que determina o levantamento de todas as penhoras de bens da Apelada A.

C.O Tribunal a quojustificou a sua posição na exceção de prescrição da dívida exequenda por terem decorridos 5 (cinco) anos desde a data do primeiro incumprimento do contrato de mútuo bancário celebrado entre a mutuária e a cedente Caixa Geral de Depósitos e a entrada da ação executiva.

D.Prescrição esta, alega, ocorrida a 26/05/2014.

E.Não pode a Apelante conformar-se com a decisão do Tribunal a quo,conquanto a questão sub judicenão fora concretamente discutida e assenta em pressupostos que não cabem na presente causa.

F.Em 13/01/1997 foi celebrado um contrato de mútuo com hipoteca entre a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e C, com fiança prestada por António ....., no valor de $10.200.000,00, isto é, €50.877,39 (cinquenta mil, oitocentos e setenta e sete euros e trinta e nove cêntimos), identificado pelo IBAN PT 0035087000041.....5, tendo dado origem à hipoteca com a AP 6 de 1996/12/17.

G.O acima referido contrato teve vencimento no dia 29/09/2016.

H.Em 1998, alegadamente, foi promovida a venda do imóvel financiado à Embargante A pelos mutuários Maria ..... e António ....., sendo que não foi promovido qualquer registo.

I.Em 26/10/2004, sem que tenha dado qualquer conhecimento da alegada alienação do imóvel em causa, a CGD celebrou com C um segundo contrato de mútuo e hipoteca, em que emprestou a quanta de €49.000,00, identificado pelo IBAN PT 0035087000047.....5, tendo dado origem à hipoteca com a AP 1 de 2004/10/13.

J.As obrigações resultantes do mencionado contrato não foram cumpridas, nomeadamente, o pagamento não foi efetuado na data do respetivo vencimento, nem posteriormente, não obstante as diligências efetuadas nesse sentido pela Cedente Caixa Geral de Depósitos, S.A., tendo o respetivo vencimento no dia 26/05/2009.

K.Em 15/10/2016 foram os acima referidos contratos dados à Execução no processo n.º 2727/16.6T8PDL a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Ponta Delgada - Juízo Central Cível e Criminal - Juiz 1, onde foi requerida, e consumada, a penhora do imóvel aqui em crise.

L.A aqui Apelada veio deduzir embargos de terceiro em 28/12/2016, tendo pugnado pelo levantamento da penhora, tendo os mesmos sido julgados improcedentes por sentença de 25/05/2017.

M.Inconformada, a aqui Apelada, ali Embargante, recorreu para o Tribunal da Relação, processo n.º 2727/16.6T8PDL-A.L1 onde, igualmente, improcedeu a sua pretensão.

N.Nesta sequência, a Apelada deu entrada de uma ação de Execução Específica a qual teve decisão em 6-06-2019, onde foi reconhecida a propriedade do imóvel pela Apelada, tendo os devedores originários sido ali condenados a pagar à Embargante o montante necessário ao expurgo da hipoteca incidente sobre o prédio referido.

O.Ao dar conhecimento aos autos executivos daquela decisão, o Tribunal decidiu, a nosso ver erradamente, ordenar o cancelamento da penhora sobre o imóvel.

P.A Apelante tentou contornar esta questão através da intervenção provocada da nova proprietária, aqui Apelada, mas tal foi indeferido, motivo pelo qual deu entrada da ação de cuja sentença ora se recorre.

Q.Entretanto, o crédito vencido, que resultou desse incumprimento, foi objeto da cessão de créditos operada entre a Cedente CGD e a ora Embargada B, que ocorreu em 12 de maio de 2020.

R.A Apelante apresentou novos embargos nestes autos pugnando, entre outros fundamentos, pela prescrição da dívida, a qual foi acatada pelo Tribunal a quo.

S.A Exequente, ora Apelante, não se pode conformar com a referida decisão, porquanto entende que o mesmo fez uma errada interpretação dos factos aqui em causa.

T.No que concerne aos fundamentos de direito, ditou o Tribunal a quo que “As partes não discutem, tendo-se, por isso, por pacífico que se está na presença de mútuo bancário – artigo 4.º n.º 1, al. c) do D.L. 133/2009 de 02.06, com referência ao disposto nos arts. 1142.° e 1145.º do Código Civil (CCivil) e 362.° do Código Comercial (CCom) – oneroso, pois o empréstimo bancário, como espécie do empréstimo mercantil é sempre retribuído – artigo 395.º do CCom –, o que significa que os juros são elemento essencial do mesmo, dado estarmos face a uma atividade comercial em que os lucros obtidos resultam do pagamento da remuneração do capital mutuado.”

U.Acontece que, não é para a Apelada pacífico que se esteja perante um mútuo bancário conforme definido no artigo 4.º n.º 1, al. c) do D.L. 133/2009 de 02.06 porquanto o Art. 2.º, n.º 1, a) do referido D.L. exclui a sua aplicação aos “contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre coisa imóvel ou por outro direito sobre coisa imóvel”, como é aqui o caso.

V.Assim, ao ter por base de fundamento legislação que não é aplicável aos créditos em execução, padece a mesma de vício insuprível pelo que deverá ser revogada.

W.Mais dita o douto Tribunal a quo, aqui bem, que o dissenso das partes recai logo na questão de saber se se mostra prescrita a obrigação de capital e juros.

X.Contudo, salvo o devido respeito, que é muito, também aqui é feita uma errada aplicação do direito ao caso concreto.

Y.Entendeu o douto Tribunal a quoque o prazo de prescrição aqui em causa é de 5 (cinco) anos, nos termos do Art. 310.º do C.C. motivo pelo qual o mesmo, encontrando-se decorrido, deve ser aqui considerado.

Z.Em primeiro lugar, a Apelante entende que, no caso concreto, sempre seria de acatar o prazo ordinário da prescrição, ínsito no Art. 309.º do C.C. já que, de modo algum, pode uma instituição bancária que mutua milhares de euros para a aquisição de um imóvel ver o seu crédito prescrito em tão curso espaço de tempo.

AA.Em segundo lugar, entende a Apelante que a sentença peca não só pelo facto de atender ao prazo de 5 anos, também por facto de olvidar que, quem está a invocar a prescrição não é mutuária, mas sim a terceira adquirente do imóvel aqui executada, apenas, na qualidade nova proprietária e fazendo uso do direito de sequela ínsito nos Arts. 686.º, n.º 1 do e 818.º do C.C.

BB.O que aqui está em causa é, não a prescrição da dívida firmada com a Executada C, mas sim da prescrição do direito de Execução da terceira adquirente do imóvel aqui Apelada.

CC.Assim, a decisão ora proferida não teve em consideração o disposto nos artigos 323.º e 730.º do Código Civil.

DD.Seguindo a linha de pensamento manifestada pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão do Processo n.º 512/14.9TBCHV-A.G1.S1 de 02/11/2017, os pressupostos da alínea b) do artigo 730º do Código Civil são cumulativos.

EE.Assim, a Apelada é, de facto, uma terceira adquirente, mas que só que só adquiriu o imóvel após o trânsito em julgado da ação suprarreferida, em 2019.

FF.Deste facto resulta que apenas passaram cerca de dois anos da data da sentença, pelo que não se encontra preenchido o requisito de 20 anos da data do registo da transmissão.

GG.Como subscreve o Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra no processo n.º 674/19.9T8LRA.C2 de 26/01/2021, “O prazo de vinte anos de prescrição da hipoteca, previsto no art.º 730.º, al.ª b), do CCiv., conta-se a partir do registo da primeira aquisição a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, ainda que este tenha depois transmitido a outrem e seja um sub-adquirente a invocar a prescrição da garantia, e não a partir da data do registo de aquisição pelo sub-adquirente que invoque a prescrição”.

HH.Desta feita, considera-se uma má interpretação e esquecimento do preceito do artigo 730.º alínea b) do Código Civil, que claramente se refere a pressupostos cumulativos que não se encontram preenchidos no caso concreto.

II.Sem prejuízo do ora exposto, no douto Despacho e Embargos de Executado apresentados, é invocada a prescrição da dívida exequenda.

JJ.Para o efeito, é argumentado que, tendo o último pagamento sido efetuado a 26/05/2009, a prescrição ocorreria a 26/10/2014.

KK.De facto, o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos, previsto no artigo 310.º al. e) do C.C., é uma exceção ao prazo ordinário de 20 (vinte) anos previsto no artigo 309.º do C.C., porquanto só tem aplicação quando estão em causa prestações periódicas renováveis.

LL.As prestações periódicas renováveis consubstanciam uma modalidade de prestações duradouras, nas quais o tempo influi decisivamente na determinação do seu objeto (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/09/2015, processo nº 388/11.8TJPRT-A.P1).

MM.No que concerne a este tipo de prestações, existe uma pluralidade de obrigações distintas, que embora derivem do mesmo vínculo contratual, do qual nascem sucessivamente, constituem-se periodicamente com base no decurso do tempo.

NN.Por outro lado, no caso das prestações fracionadas, o decurso do tempo contende apenas com o modo de execução da prestação, servindo o tempo apenas para permitir a liquidação de uma certa prestação, de modo repartido, dividindo-a em duas ou mais prestações que se sucedem separadas por um maior ou menor lapso temporal (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/09/2015, processo nº 388/11.8TJPRT-A.P1).

OO.Nas quais o tempo não influi na determinação do objeto, mas simplesmente se relaciona com o seu modo de execução.

PP.No caso, a obrigação do pagamento de prestações iniciou-se com a celebração do contrato de mútuo entre a Exequente e a Executada, o que significa que a obrigação (única) da restituição do capital mutuado, respetivos juros e despesas foi repartida por várias prestações mensais, sendo um mecanismo para facilitar a sua liquidação, e, aliás, como normalmente sucede nos contratos de mútuo celebrados com instituições de crédito.

QQ.Não estando aqui em causa prestações que se constituem com o decurso do tempo, como é o caso, por exemplo, da obrigação de pagamento de rendas.

RR.A obrigação de restituição do capital mutuado é, tão-só, uma obrigação única que se constituiu no momento da celebração do contrato, repartida em prestações estipuladas no mesmo, conforme entendeu o próprio Tribunal da Relação de Évora em acórdão proferido em 10/05/2018 no processo nº 627/16.9T8ABT-A.E1.

SS.O que não significa que as prestações que derivaram da celebração do contrato possam manter-se individualizadas após o seu vencimento e depois do contrato que lhes deu origem ter sido resolvido.

TT.Com o incumprimento no pagamento das prestações, a Exequente pôde resolver o contrato, uma vez que, nos termos do artigo 781.º do C.C., a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas perdendo, assim, o benefício do prazo.

UU.Podemos, desde logo, concluir que as prestações que derivaram de uma única obrigação de restituição do capital, respetivos juros e despesas, correspondentes ao contrato de mútuo celebrado, podiam considerar-se “quotas de amortização de capital” no que toca ao seu pontual pagamento, mas nunca após a resolução do contrato por incumprimento.

VV.Assim sendo, o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos previsto no artigo 310.º do C.C. refere-se, apenas e só, às prestações periodicamente renováveis, como aliás esclarece a al. g) desse normativo, assim como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-01-2018 proferido no processo nº 1095/16.0T8PDL-A.L1-8, como uma exceção ao prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309.º do C.C..

WW.Não sendo razoável aplicar o artigo 310.º al. e) do C.C. neste caso, porquanto já não estão em causa prestações que se poderiam considerar individualizadas entre si, mas sim está em causa uma única obrigação de pagamento do capital mutuado, respetivos juros e despesas.

XX.A razão desta interpretação prende-se, no seu essencial, com a proteção do devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital suscetível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de ano.

YY.A lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos (retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar, o que não é o caso dos autos.

ZZ.Estamos perante o designado crédito à habitação, sendo que, com o não pagamento, bem sabe o devedor que o valor será reclamado na íntegra e, no limite, executada a hipoteca.

AAA.Mais, o Executada fez uma segunda hipoteca após a alegada venda à Embargante, sem nada lhe comunicar, tendo posteriormente cessado os pagamentos sem qualquer justificação.

BBB.Ora, não são acumuladas prestações ou dívida, uma vez que a mesma existe num todo, como contrapartida do valor mutuado para a compra de um imóvel.

CCC.Ao interpretar a resolução contratual como uma prestação com vencimento e prazo de prescrição de 5 (cinco) anos, abalar-se-ia toda a segurança jurídica, designadamente da banca que, ao invés de protelar a resolução contratual e as ações executivas, alimentando negociações que duram, por vezes anos, partiria de imediato para o designado contencioso com vista à recuperação dos seus créditos.

DDD.Ora, não é este o intuído do legislador (ou sequer do estado), ao impor às instituições bancárias renegociações no caso do crédito para a habitação própria permanente, procedimentos estes que, como é sabido, se dilatam muito no tempo.

EEE.Ora, a decisão proferida pelo Tribunal a quo está em clara contradição com os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 12/06/2018 no processo nº 17012/17.8YIPRT.C1, pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 16/03/20017 no processo nº 589/15.0T8VNF-A.G1, pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 26/04/2016 no processo nº 525/14.0TBMGR-A.C1, pelo Tribunal Central Administrativo em 09/03/2010 no processo nº 02511/08 e pelo Tribunal da Relação de Évora em 10/05/2018 no processo nº 627/16.9T8ABT-A.E1, entre outros, todos disponíveis em www.dgsi.pt sobre a mesma temática.

FFF.É esta, salvo o devido respeito por melhor opinião, a única solução juridicamente admissível, à luz dos preceitos legais em vigor.

GGG.Neste contexto, entende a ora Recorrente que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não aplicou devidamente as normas dos artigos 310.º, alínea e), 310.º alínea d), 306º nº 1, 323º nºs 1 e 2, 326º e 327º, todos do Código Civil, à matéria de facto dada como provada, assim violando tais disposições substantivas.

Pede assim que o recurso seja julgado procedente, devendo o despacho Saneador-Sentença recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue com fundamento na não prescrição da dívida exequenda.

A embargante respondeu à apelação, sobrelevando das suas contra-alegações a seguinte conclusão:

Assente que a mutuária deixou de cumprir contrato de mútuo a partir de 26.05.2009, tendo-se comprometido a liquidá-lo em 360 prestações mensais, visando conforme estipulado, em simultâneo, amortizar e remunerar o capital que lhe foi mutuado, tratando-se de prestações de natureza unitária, ainda que se destinem a cumprir aquela dupla função, está prescrito o direito que assistia à mutuante se apenas vem a interpelar e exigir da devedora o cumprimento coercivo em 18.02.2021, já que a segurança na ordem jurídica e princípio do favor debitoris impõem não haver fundamentos em não submeter a disciplina prescricional do direito da Exequente no estatuído e previsto na alíneas a), d) e e) do artigo 310.º do CC, aliás conforme, jurisprudência corrente do STJ.

Pede assim que seja negado provimento ao recurso.

***

IIQUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são:

a)-A não sujeição do contrato de mútuo bancário garantido por hipoteca ao disposto no Dec.Lei n.º 133/2009 de 2/6 como vício insuprível que determina a necessária revogação da sentença;

b)-A prescrição de obrigação de pagamento das prestações convencionadas em contrato de mútuo hipotecário em caso de vencimento automático e antecipado por motivo de incumprimento do devedor;

c)-A impossibilidade de invocação da prescrição da obrigação emergente de contrato de mútuo hipotecário pelo adquirente do imóvel hipotecado, quando é terceiro relativamente àquele contrato de mútuo;

d)-A aplicação ao terceiro adquirente do imóvel dos prazos prescricionais estabelecidos no Art. 730.º al. b) do C.C.; e

e)-A eventual apreciação dos demais fundamentos dos embargos de executado cujo conhecimento ficou prejudicado pelo despacho saneador-sentença, nomeadamente o abuso de direito e o direito de retenção sobre o imóvel.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

IIIFUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


A sentença sob recurso julgou por provada a seguinte factualidade:

1.A execução a que os presentes autos está apensa foi intentada em 18.02.2021.

2.Por escritura pública datada de 12 de maio de 2020, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. cedeu parte dos seus créditos, entre eles o aqui reclamado, à sociedade irlandesa B, que os comprou pelo preço de setenta e sete milhões, quinhentos e quarenta e seis mil, oitocentos e vinte e um euros e noventa cêntimos.

3.A referida cessão de créditos importou a transmissão para a Cessionária, aqui Exequente, das garantias constituídas ao abrigo ou relacionadas com os contratos celebrados com os devedores, bem como de quaisquer outras garantias eventualmente constituídas para garantia dos créditos.

4.A transmissão importou ainda o direito de receber, exigir e recuperar quaisquer montantes acessórios ou principais, bem como o direito de exercer todos os poderes da Caixa Geral de Depósitos, S.A. em relação aos créditos.

5.Serve de título à execução apensa aos presentes autos: escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca, celebrada em 26.10.2004, nos termos da qual a Caixa Geral de Depósitos, S.A. emprestou à executada C a quantia de €49.000,00 (quarenta e nove mil euros), identificado pelo IBAN PT 0035087000047.....5, que se destinou a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis.

6.Por força do referido contrato, a Executada C confessou-se devedora da quantia mutuada e assumiu, entre outras obrigações, a de restituir à Cedente tal quantia através do pagamento de prestações mensais e sucessivas, do capital e juros do contrato celebrado.

7.Para garantia do pagamento da quantia mutuada, foi constituída uma hipoteca sobre o prédio urbano sito em C____ L_____, nº ..., Á____ A_____, descrito na Conservatória do Registo Predial de VFC sob o nº ... da freguesia de Á____ A____, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., devidamente registada pela AP. 1 de 2004/10/13, cedida à ora Exequente através da AP. 1277 de 2020/10/08.

8.Por sentença proferida no processo nº 1964/16.9T8PDL, a propriedade do imóvel identificado transferiu-se para A, ora igualmente Executada, em virtude de uma ação para execução específica com base no incumprimento de um contrato-promessa entre esta, promitente-compradora, e a Executada mutuária, promitente-vendedora.

9.Ainda não foi promovido o respetivo registo de aquisição pela Executada A.

10.As obrigações resultantes do mencionado contrato não foram cumpridas, nomeadamente, o pagamento não foi efetuado na data do respetivo vencimento, nem posteriormente, não obstante as diligências efetuadas nesse sentido pela Cedente Caixa Geral de Depósitos, S.A..

11.Incumprimento esse que, tendo ocorrido desde 26/05/2009 determinou o vencimento de todas as prestações acordadas.

***

Mais se julgou não existirem factos não provados.

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Tudo visto, cumpre apreciar.

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IVFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1.Do vício insuprível da sentença por ter considerado o contrato de mútuo bancário dos autos como subordinado ao Dec.Lei n.º 133/2009 de 2/6.

A primeira questão suscitada pela Apelante oferece-nos alguma perplexidade, porquanto é difícil compreender o alcance efetivo do que é pretendido decidir.

Em termos sucintos, insurge-se a Recorrente com o facto da sentença recorrida ter deixado consignado que o contrato de mútuo bancário dos autos estaria subordinado, entre outros diplomas legais, ao regime jurídico aprovado pelo Dec.Lei n.º 133/2009 de 2/6. Ora, esse diploma legal é explícito, no seu Art. 4.º al. c), quanto ao facto de os mútuos garantidos por hipoteca constituída sobre imóvel estarem especificamente excluídos da regulamentação estabelecida por esse diploma. Assim, considera a Recorrente, que tal se traduziria em “vício insuprível” que deveria determinar necessariamente a revogação da sentença.

Como todo o devido respeito, não vemos que “vício insuprível” é esse. Em todo o caso, seria a nosso ver totalmente despiciendo convidar a Apelante ao esclarecimento desta concreta questão jurídica (v.g. Art. 639.º n.º 3 do C.P.C.), porquanto a menção a esse diploma legal não teve afinal qualquer relevância na decisão que veio a ser proferida pelo Tribunal a quo, pois os embargos de executado foram julgados procedentes por força do julgamento da exceção de prescrição, cuja regulamentação vem estabelecida no Código Civil e não no Dec.Lei n.º 133/2009 de 2/6. Pelo que, a questão suscitada não faz qualquer sentido, desde logo por não ter qualquer interesse para a apreciação da apelação. E é tudo quanto a propósito nos oferece dizer, ficando prejudicadas as conclusões em que se sustenta esta questão.

2.Da prescrição da obrigação de pagamento das prestações de mútuo hipotecário em caso de vencimento automático e antecipado.

A primeira questão de fundo verdadeiramente relevante para a apreciação do mérito da presente apelação tem a ver com a exceção perentória que serviu de fundamento único ao despacho saneador-sentença para julgar os embargos de executado procedentes por provados.

Subjacente a essa decisão está uma “vexata quaestio” que durante alguns anos dividiu os tribunais superiores, mas que nos parece ultimamente ter merecido um tratamento progressivamente mais uniformizado, principalmente no seio do Supremo Tribunal de Justiça, o qual se tem vindo a consolidar.

Efetivamente, sobre esta matéria se debruçou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de julho de 2021, desta 7.ª Secção, proferido no âmbito do Processo n.º 2775/16.6T8ALM-A, superiormente relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Luís Pires de Sousa e também subscrito pelo relator do presente acórdão, como 2.º adjunto, cujo teor, na parte relevante, aqui ousamos reproduzir:

«Nos termos do Artigo 310º, al. d), do Código Civil, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades. E, nos termos da al. e), prescrevem no mesmo prazo as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.

«Em análise à al. e), refere ANA FILIPA MORAIS ANTUNES, “Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade”, Separata de “Estudos em Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia”, Edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, p. 47, acessível em https://www.servulo.com/pt/investigacao-e-conhecimento/Algumas- questes-sobre-prescricao-e-caducidade/5279/:

«(…) “o preenchimento da situação contemplada na alínea e) do artigo 310. ° do C.C. obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular, será relevante, para aquele efeito, o facto de o reembolso da dívida ter sido objeto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e uma parcela de juros remuneratórios.

«“Este dado tem, como observado, importantes reflexos em matéria de prazo prescricional, na medida em que permite suportar a conclusão de que será aplicável a referida prescrição quinquenal, e não o prazo ordinário prescricional, previsto no artigo 309. ° do C.C.

«“Na verdade, na situação prevista no artigo 310.°, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante em dívida.

«“Constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas frações: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.

«A jurisprudência do STJ sobre o âmbito desta alínea e) do Artigo 310º do Código Civil tem sido clara. Assim:

«-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.4.2021, Graça Amaral, 1736/19:

«“I- O contrato de mútuo bancário em que a obrigação de restituição do capital mutuado se mostra fracionada (prestações) consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas frações: uma de capital e outra de juros), sendo, por isso, aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.

«“II- Não releva para efeitos de enquadramento em termos de prescrição a circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, o direito de crédito se vencer na sua totalidade com o vencimento imediato de todas as frações”.

«-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.4.2021, Pinto Oliveira, 5329/19:

«“Em contratos de mútuo, em que se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital em quotas de amortização, o vencimento antecipado de todas as prestações, em consequência do art. 781.º do Código Civil, não prejudica a aplicação do prazo do art. 310.º do Código Civil”.

«-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.5.2021, Lima Gonçalves, 3522/18:

«“I—Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fraciona é uma quota de amortização.

«“II.—Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.

«“III.—A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil”.

«-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.2.2021, Fernando Samões, 15273/18:

«“I.- Os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respetivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no art.º 310.º, al, e), do Código Civil.

«“II.- O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera o seu enquadramento em termos da prescrição”.

«-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.1.2021, Maria Vaz Tomé, 20767/16:

«“I-No mútuo bancário, as obrigações que visam simultaneamente amortizar e remunerar o capital - obrigações híbridas ou mistas não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros. São obrigações unitárias, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado.

«“II- Segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do art. 781.º, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital.

«“III-De modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do art. 310.º, als. d) e e) do CC - de cinco anos a contar do respetivo vencimento.

«“IV- O facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”.

«- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.1.2021, Tibério Silva, 6238/16:

«“I.- Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime previsto no artigo 781.º do Código Civil (que não tem natureza imperativa), o não pagamento de uma delas, conferindo ao credor o direito de exigir antecipadamente o cumprimento das vincendas, não o dispensa de interpelar o devedor para proceder ao respetivo pagamento.

«“II.- Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

«“III.- A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, não altera o dito enquadramento em termos da prescrição”.

«- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.9.2020, Rijo Ferreira, 805/18:

«“Às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas”.

«Consoante se refere neste último aresto:

«“O vencimento imediato de todas as prestações por via da falta de pagamento de uma deles, nos termos do art.º 781º do CCiv, implica apenas e tão só isso mesmo: o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo; não tem por efeito alterar a natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O que é devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida. E o facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros (cf. AUJ 7/2009, DR, I, 05MAI2009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere, em nosso modo de ver, com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento. Por outro lado, se é certo que se logrou um dos fundamentos da aplicação da prescrição quinquenal (o evitar a acumulação dos montantes em dívida tornando o pagamento excessivamente oneroso para o devedor) não deixa de subsistir a necessidade de uma acrescida diligência do credor na recuperação do seu crédito, tendo em vista, numa ótica do ‘favor debitoris’ imanente ao CCiv, evitando a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação do devedor”.

«Decorre desta jurisprudência consolidada do STJ, que subscrevemos, que as quotas de capital e juros remuneratórios do mútuo acordado prescreveram na sua totalidade cinco anos após o vencimento da última prestação (…) o vencimento antecipado não afasta a aplicação da regra da al. e), do Artigo 310º do Código Civil».

É esta a posição que sufragamos sobre esta matéria, pelo que sem necessidade de maiores considerações sobre esta questão, despiciendas se tornam considerações mais aprofundadas relativamente às conclusões que se debruçam sobre a alegada maior segurança jurídica da solução oposta, ou da natureza das prestações periódicas a que o Art. 310.º al. e) do C.C. se refere, ou ainda sobre o alegado, mas não demonstrado, intuito do julgador no sentido de ser mais favorável a que o credor promova com tempo diligências de cobrança ou que privilegie a realização de acordos com os devedores para liquidação dos créditos.

Resta-nos, assim, confirmar que, no caso concreto, há que julgar que o prazo prescricional aplicável ao caso era o de 5 anos, estabelecido no Art. 310.º al. d) (quanto à obrigação de juros) e e) (quanto às prestações de amortização de capital pagáveis com juros), e não o de 20 anos previsto no Art. 309.º do C.C., improcedendo as conclusões que sustentam o contrário.

Tendo em atenção os factos provados na sentença recorrida sob os pontos n.º 10 e n.º 11, mostrando-se o contrato de mútuo hipotecário em incumprimento pela mutuária desde a prestação vencida em 26/5/2009, o que determinou o vencimento automático das restantes prestações vincendas, em função do que concretamente ficou convencionado na escritura que formalizou o mútuo, celebrada entre a Caixa Geral de Depósitos, S.A. e C, concluímos que o prazo da prescrição começou a correr a partir do dia do incumprimento e vencimento automático das restantes prestações, porque é a partir de então que o correspondente direito ao crédito poderia ser exercido (Art. 306.º n.º 1, 1.ª parte, do C.C).

Em consequência, após 26 de maio de 2014, já haviam decorrido os 5 anos previstos no Art. 310.º do C.C. e estava verificada a condição relativa ao prazo para poder ser exercido o direito da devedora a ver declarado prescrito o crédito emergente deste contrato de mútuo.

Nos termos do Art. 323.º n.º 1 do C.C., o prazo prescricional deveria interromper-se com a citação ou notificação judicial avulsa de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito de crédito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. Ora, na ação executiva principal, a executada, identificada como devedora no contrato de mútuo, apenas foi citada a 26/4/2021 (cfr. “Citação postal de executado - positiva (AE)” de 10-05-2021 - Ref.ª n.º 4121575 - p.e.), pelo que há muito havia decorrido o prazo de 5 anos previsto no Art. 310.º do C.C..

Sucede que, a exequente, na sua contestação aos embargos de executado, veio alegar a existência duma outra ação executiva anterior em que a credora original, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., pretendeu exercer o seu direito de crédito apenas contra a mutuária, C, tendo junto uma cópia da sentença de embargos de executado, datada de 10 de novembro de 2017, onde o respetivo processo é identificado pelo n.º 2727/16.6T8PDL-B.

Nós tivemos o cuidado de solicitar ao Tribunal de 1.ª instância o acompanhamento informático desse outro processo, que ainda se mostra pendente, e constatámos que a Caixa Geral de Depósitos, S.A. apresentou o respetivo requerimento executivo a 15/10/2016, aí peticionando a citação da executada para, após penhora do imóvel hipotecado, pagar a quantia de €58.308,54, emergente do contrato de mútuo hipotecário celebrado por escritura datada de 26 de outubro de 2004 (cfr. “Requerimento Executivo” com data de 15-10-2016 – Ref.ª n.º 1672594 - p.e.).

Também pudemos verificar que a executada foi citada nesse processo n.º 2727/16.6T8PDL a 29 de novembro de 2016 (cfr. “Nota de citação após penhora - pessoal (AE)”, com data de 29-11-2016 – Ref.ª n.º 1755792 – p.e.). Portanto, também nessa ação, a citação ocorreu objetivamente quando já havia decorrido o prazo prescricional de 5 anos estabelecido no Art. 310.º als. d) e e) do C.C.. Conclusão esta que não é afastada pela possibilidade de aplicação ao caso do disposto no n.º 2 do Art. 323.º do C.C., tendo em atenção a data da instauração da ação executiva pela ali exequente, Caixa Geral de Depósitos, S.A..

Ao exposto, acresce que, a executada naqueloutro processo executivo, que também correu termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, perante o juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada, veio deduzir embargos de executado, em autos com o n.º 2727/16.6T8PDL-B. Ora, da consulta desses autos resulta que os embargos de executado foram julgados improcedentes, por sentença que se mostra datada de 10 de novembro de 2017 (cfr. “Sentença” com data de conclusão 16-10-2017 – Ref.ª n.º 45380569 - p.e.).

Mas o exposto não esgota todas as circunstâncias relevantes para o conhecimento da exceção da prescrição desta obrigação, em função de todo o processado naqueloutra ação executiva.

É certo que do relatório da sentença que incidiu sobre os embargos de executado desse outro processo nada consta sobre a invocação que qualquer prescrição da dívida exequenda. No entanto, verificamos que na petição inicial de embargos, a embargante-executada, C, nos artigos 60.º a 68.º, alegou explicitamente a exceção de prescrição quinquenal prevista no Art. 310.º al.s e) e d) do C.C., invocando mesmo um acórdão da Relação de Lisboa cuja decisão entendia ser aplicável ao caso, embora sem concretização efetiva dos factos em que a pretendida procedência dessa exceção perentória assentaria.

Essa questão, relativa à prescrição, veio a ser apreciada, não na sentença final, mas sim no despacho saneador, datado de 29 de maio de 2017 (cfr. “Despacho Saneador”, com conclusão de 25-05-2017 – Ref.ª n.º 44784474 – p.e.), nos seguintes termos:

«Da prescrição

«Veio a executada invocar a prescrição nos termos do disposto no artigo 310.º do Código Civil.

«Todavia, não alega qualquer facto relativo ao não exercício do direito dentro de determinado prazo.

«Não existe assim suporte factual para se concluir que o exequente não exerce o seu direito há “X” anos e que por esse motivo prescreveu o seu direito.

«Não estando alegados os factos constitutivos da prescrição (o não exercício do direito durante um determinado lapso de tempo), mais não resta do que julgar improcedente a invocada exceção».

Esta decisão transitou em julgado, por não ter sido objeto de qualquer recurso por parte da executada, ali embargante, o mesmo tendo ocorrido com a sentença final dos embargos de executado posteriormente proferida nos mesmos autos.

Por outro lado, temos de realçar que a devedora-executada, ali embargante, reconheceu expressamente a existência do crédito de €49.000,00, no artigo 3.º da petição de embargos, mas é claro não o fez com o sentido de reconhecer a dívida relativa às prestações vencidas e não pagas. Esse reconhecimento de dívida no articulado teve apenas o sentido de admissão do facto de ter celebrado o contrato de mútuo, por esse valor, com a Caixa Geral de Depósitos. Aliás, temos de referir ainda que um dos fundamentos da oposição à execução teve a ver precisamente com o facto da exequente não ter sequer alegado no requerimento executivo quando é que a devedora ficou em mora e quais a prestações em dívida, sustentando assim a ineptidão do requerimento executivo (cfr. artigos 30.º a 59.º da petição de embargos), pondo-se depois também em causa o valor dos juros efetivamente em dívida, das comissões reclamadas e as quantias devidas a título de cláusula penal, impugnando-se também as despesas prováveis que o agente de execução fez constar do auto de penhora.

Ora, o despacho saneador, proferido no âmbito do processo n.º 2727/16.6T8PDL-B, em matéria de ineptidão do requerimento executivo, limitou-se a dizer que a executada interpretou convenientemente o requerimento executivo e, apelando ao disposto no Art. 186.º n.º 3 do C.P.C., entendeu julgar improcedente a exceção dilatória assim alegada. Quanto às demais exceções relativas ao valor dos juros, comissões, despesas e cláusula penal, foram todas apreciadas a final na sentença que, como vimos, não foi objeto de qualquer recurso, tendo decidido na sua parte dispositiva ordenar o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de €56.700,70, que incluía prestações vendidas e não pagas, juros e despesas prováveis.

Visto isto, não se pode falar em reconhecimento da dívida pela devedora-mutuária, como causa de interrupção da prescrição, nos termos do Art. 325.º do C.C.. O que se pode dizer, pelo contrário, é que a devedora pretendeu ver reconhecida a exceção perentória da prescrição das obrigações de pagamento das prestações emergentes do contrato de mútuo, e dos respetivos juros, nos termos do Art. 310.º al.s d) e e) do C.C., mas essa exceção (bem ou mal) foi julgada improcedente no despacho saneador proferido no processo n.º 2727/16.6T8PDL-B de “Embargos de Executado”. Como essa decisão foi notificada à embargante a 30/5/2017 (cfr. “Not Audiência Julgamento Art 151 CPC”, com data de registo de 30-05-2017 - Ref.ª n.º 44822712 - p.e.), que dela não recorreu, ela transitou em julgado a 4 de julho de 2017 (Cfr. Art.s 644.º n.º 1 al. b), 638.º n.º 1 e 628.º do C.P.C.).

Acresce que, conforme estabelece o n.º 5 do Art. 732.º do C.P.C, a decisão de mérito proferida nos embargos de executado constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exequibilidade da obrigação exequenda. Por outras palavras, a decisão final constante da sentença que pôs termo àqueles embargos de executado, julgando os mesmos parcialmente procedentes e ordenando o prosseguimento da execução principal para pagamento da quantia de €56.700,70, fez caso julgado material relativamente à questão da existência do crédito emergente do incumprimento do contrato de mútuo celebrado entre as ali exequente e executada (vide, a propósito: Lebre de Freitas in “A ação executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7.ª ed., págs. 218 a 223; Rui Pinto in “A Ação Executiva”, 2018, págs. 430 a 431; e Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo in “A ação Executiva Anotada e Comentada”, 2017, 2.ª Ed., págs. 251 a 252). Mas, com o mesmo fundamento legal, o despacho saneador prévio também tem a mesma força de caso julgado sobre a concreta questão que decidiu sobre a improcedência da prescrição suscitada pela embargante.

Ora, o trânsito em julgado dessa concreta decisão, que julgou improcedente a exceção da prescrição, terá necessariamente por efeito inutilizar todo o tempo prescricional decorrido anteriormente.

Efetivamente, nos termos do Art. 326.º n.º 1 do C.C. «1- A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte».

O n.º 1 do Art. 327.º do C.C., que é o artigo seguinte, regula os casos em que a interrupção resulta de citação, de notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral. O que evidente não é aplicável ao caso, porque não foi a citação para a ação executiva n.º 2727/16.6T8PDL que determinou a interrupção da prescrição. Como vimos, quando a executada foi citada para essa ação, o prazo prescricional de 5 anos já havia decorrido. A prescrição só não foi declarada, porque a executada, nos embargos de executado, não alegou os factos em que a mesma se deveria sustentar, tendo sido uma decisão de mérito sobre a improcedência dessa exceção perentória que determinou que o direito a ver declarado a dívida prescrita não tivesse sido reconhecido.

Em todo o caso, a regra estabelecida no final do Art. 327.º n.º 1 do C.C. tem de ter aplicação ao caso, independentemente de não ter sido a citação para a ação executiva n.º 2727/16.6T8PDL que determinou a interrupção do prazo prescricional. De facto, se a exceção de prescrição foi julgada improcedente no apenso “B” de embargos de executado, não pode começar a correr novo prazo prescricional enquanto não transitar em julgado a decisão que venha a por termo ao processo executivo principal com o n.º 2727/16.6T8PDL.

Sucede que, consultando informaticamente o processo executivo com o n.º 2727/16.6T8PDL, verificamos que o mesmo ainda se mostra pendente para venda do imóvel hipotecado e aí penhorado, não havendo sentença de absolvição do pedido, da instância, ou outra equivalente que tivesse por efeito cessar essa instância executiva.

O que se passou foi somente que a Caixa Geral de Depósitos, S.A., ali exequente, quis fazer intervir naquela ação executiva a ora Recorrida, por ser a adquirente do imóvel sobre o qual incidia a hipoteca a seu favor, mas essa pretensão veio a ser indeferida por despacho datado de 23 de outubro de 2020 (cfr. “Despacho” com conclusão de 22-10-2020 – Ref.ª n.º 50373716 - p.e.). Aparentemente, foi em consequência dessa decisão que, a 25 de fevereiro de 2021 (cfr. “Requerimento Executivo” de 25-02-2021 – Ref.ª n.º 4027715 - p.e.), a B, cessionária do crédito exequendo, decidiu instaurar a execução principal aos presentes autos, não só contra a mutuária, mas também contra a adquirente do imóvel sobre que incide a garantia do crédito por si adquirido, atento o disposto no Art. 54.º n.º 2 do C.P.C.. Pelo que, neste momento, pendem 2 ações executivas para pagamento do mesmo crédito, fundadas no mesmo título executivo, sendo uma delas apenas contra a mutuária devedora (Processo n.º 2727/16.6T8PDL), e a outra também contra a adquirente do imóvel hipotecado (Processo n.º 443/21.6T8PDL).

Significa isto que, para efeitos estritos da apreciação da prescrição, subsiste ainda o “efeito interruptivo” relativo à impossibilidade de reinício da contagem de um novo prazo prescricional, decorrente da subsistência da pendência da ação executiva no âmbito da qual foi julgada improcedente a exceção da prescrição da obrigação exequenda no quadro dos embargos de executado deduzidos pela devedora-executada (Art. 327.º n.º 1 “in fine” do C.C.). Subsistindo a pendência dessa ação, não volta a correr novo prazo prescricional, seja ele de 5 anos, tal como previsto no Art. 310.º als d) e e) do C.C., seja ele de 20 anos, tendo em atenção a eventual aplicação ao caso do disposto no Art. 311.º “ex vi” Art. 326.º n.º 2, ambos do C.C..

Em suma, relativamente à devedora-executada, por força do caso julgado material da sentença proferida no processo de embargos de executado n.º 2727/16.6T8PDL-B, o crédito exequendo não poderia ser reconhecido como prescrito, concordando-se com as conclusões que sustentam este entendimento.

Fica, no entanto, ainda por apreciar se a embargante, aqui Recorrida, não poderá ainda assim invocar em seu benefício a prescrição da obrigação exequenda, já que não foi parte naquela outra ação executiva.

3.Do caráter pessoal do direito à invocação da prescrição.

Sustenta a Recorrente que a prescrição quinquenal, estabelecida no Art. 310.º als. d) e e) do C.C., não poderia ser invocada pela embargante, aqui Recorrida, por não ser parte no contrato de mútuo, pois é uma mera terceira relativamente a essa relação contratual, justificando-se a sua intervenção na execução principal apenas pelo facto de ser a adquirente do imóvel sobre que incide a hipoteca registada a favor da credora.

Efetivamente, está assente que o contrato mútuo, com constituição de hipoteca, que serve de título executivo na ação principal (cfr. Art. 703.º n.º 1 al. b) do C.P.C.), foi celebrado em 26 de outubro de 2004 entre a Caixa Geral de Depósitos. S.A., na qualidade de mutuante, e C, na qualidade de mutuária (cfr. factos provados 5 a 7), nele não tendo tido qualquer intervenção a embargante e coexecutada na ação principal, A.

Na verdade, a embargante, aqui Recorrida, só intervém na ação executiva porque veio a adquirir imóvel hipotecado em virtude da instauração de ação de execução específica, por força do incumprimento de contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a executada-mutuária, C, na qualidade de promitente vendedora, e a ora embargante e aqui Recorrida, A, na qualidade de promitente compradora (cfr. facto provado 8). Sucede que, quando essa ação de execução específica – que correu termos como processo n.º 1964/16.9T8PDL – foi instaurada, o imóvel objeto desse contrato-promessa já estava onerado com hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., devidamente registada pela “AP. 1 de 2004/10/13” (cfr. facto provado 7). Portanto, a embargante veio a comprar um bem onerado com uma hipoteca.

A transmissão do bem onerado com hipoteca não constituiu causa de extinção desse direito real de garantia (cfr. Art. 730.º do C.C.), continuando o credor hipotecário com o direito de ser pago preferencialmente pelo valor da coisa imóvel, mesmo que este passe a pertencer a um terceiro (Art. 686.º n.º 1 do C.C.).

Evidentemente que o terceiro adquirente não fica pessoalmente vinculado ao comprimento do crédito que onera o imóvel hipotecado, mas tem direito de expurgar a hipoteca mediante pagamento integral da dívida ao credor, ou declarando que está pronto a entregar ao credor, para pagamento do seu crédito, a quantia pela qual obteve os bens, quando a aquisição tenha sido feita a título gratuito ou não tenha sido fixado o preço (cfr. Art. 725.º al.s a) e b) do C.C.). O que, no caso, não se verificou.

Em suma, a embargante adquiriu um imóvel onerado, sem ter logrado expurgar a hipoteca.

Subsistindo a hipoteca, o terceiro adquirente só tem legitimidade para intervir na ação executiva, que tenha por base o contrato de mútuo hipotecário que importe na constituição ou reconhecimento da obrigação de pagamento no qual não é parte, por força do Art. 54.º n.º 2 do C.P.C. e na medida em que o exequente pretenda fazer valer a garantia de pagamento emergente da hipoteca. Mas, a sua “responsabilidade patrimonial” está restrita ao valor a obter pela venda judicial do bem hipotecado em sede da ação executiva, sendo que se esse valor for insuficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda, a execução prosseguirá apenas contra a pessoa que no título executivo figure como devedora, executando o património desta até satisfação completa e integral do crédito exequendo (cfr. Art. 54.º n.º 3 do C.P.C.).

Em face do exposto, o terceiro adquirente de imóvel hipotecado não é devedor da quantia exequenda, assistindo-lhe apenas o direito de expurgar a hipoteca oferecendo-se, se assim o entender, para pagar a dívida ao credor (cfr. Art. 725.º al. a) do C.C.).

Quem é a devedora da obrigação de restituir a quantia mutuada é a coexecutada Maria do Carmo Pedro Pimentel (Art.s 1142.º e 406.º n.º 1 do C.C.), a quem assiste o direito de invocar a sua extinção por prescrição, sendo que, nos termos do Art. 303.º do C.C.: «O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público».

Este preceito, em bom rigor, não diz que um terceiro não possa invocar a prescrição de obrigação alheia quando nisso possa tirar um benefício. O que este preceito estabelece é apenas a impossibilidade de o tribunal suprir oficiosamente a vontade do devedor, declarando a obrigação prescrita, apesar da inércia daquele. É neste sentido que se pode dizer que, reconhecidamente, a lei reconhece um caráter preponderantemente pessoal ao exercício do direito ao reconhecimento da extinção de obrigações por prescrição.

Conforme refere, a este propósito, Menezes Cordeiro (in “Tratado do Direito Civil” – Parte Geral I. Tomo IV, 2005, pág. 165): «A prescrição é uma posição privada, concedida (…) no interesse do devedor. Este usá-la-á, ou não. A hipótese de um devedor beneficiado pela prescrição, não a querer usar, nada tem de anormal: poderão prevalecer aspetos morais ou, até, patrimoniais e pragmáticos (…). Recorrer à prescrição é, em suma, uma opção que exige um claro ato de autodeterminação e isso no seio de uma posição privada. O artigo 303.º é claro: o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição: esta, para ser eficaz, deve ser invocada, judicial ou extrajudicialmente».

Sucede que, o Art. 305.º n.º 1 do C.C. estabelece igualmente que: «1.–A prescrição é invocável pelos credores e por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a ela tenha renunciado».

Ou seja, um terceiro, mesmo não sendo credor do devedor que beneficie do direito potestativo a invocar a prescrição, desde que nisso tenha interesse legítimo, pode invocar a prescrição de obrigação alheia, na estrita medida em que nisso tenha interesse atendível. E, não há dúvida, que a embargante, aqui Recorrida, tinha interesse atendível, porque adquiriu o imóvel sobre que incide a garantia real de pagamento preferencial do crédito suscetível de prescrição.

Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª Ed. Revista e Atualizada, pág. 277): «são terceiros interessados na declaração de prescrição, entre outros, os que constituíram uma garantia real ou pessoal». É o caso.

Na mesma linha, Júlio Gomes (in “Comentário ao Código Civil – Parte Geral”, Universidade Católica Editora, pág. 750) esclarece o sentido de terceiro interessado nos seguintes termos: «legitimado é apenas o terceiro que sofre prejuízo concreto com a inércia do devedor. Terceiros interessados segundo VITUCCI são o garante (por exemplo, fiador)».

Por outro lado, os “terceiros interessados” não estão sujeitos aos limites estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do Art. 305.º do C.C., não estando dependente a invocação da prescrição por aqueles, em caso de renúncia do devedor ao exercício desse direito, à verificação dos requisitos da impugnação pauliana, porquanto os “terceiros interessados” invocam um direito próprio à prescrição diretamente ligado ao crédito prescrito e não um direito alheio. Sendo que, desse regime também decorre explicitada a regra de que o caso julgado de decisão proferida em processo relativo à prescrição em que o terceiro interessado não é parte, nem é chamado a intervir, em caso algum o pode afetar (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in Ob. Loc. Cit.).

Júlio Gomes (in Ob. Loc. Cit.) também concorda que “credores” e “terceiros” não estão sujeitos ao mesmo regime, porquanto já Vaz Serra defendia que os terceiros são titulares de um direito próprio, estranho à esfera do devedor, explicando o funcionamento deste preceito nos seguintes termos: «A jurisprudência italiana, aplicando o artigo 2939 do códice Civile, que consagra idêntica solução, já decidiu que se a prescrição é excecionada pelo credor do devedor inerte ou que renunciou a esta exceção, tal tem o efeito de extinguir o direito do autor nos limites da soma que o devedor deve ao credor que excecionou. Neste sentido, observam GAETANO A ZZARITI / GAETANO SCARPELLO, 1964: 243, que; “o credor ou o terceiro que opõe a prescrição age nos limites do seu próprio interesse pelo que não impede à parte de renunciar à prescrição, nem tira eficácia à renúncia feita, no que exorbita da esfera do seu próprio interesse”. Se a exceção de prescrição é proposta por outros sujeitos (por hipótese o segurador do devedor) não extingue o direito do autor, mas apenas o crédito que o devedor tem no confronto do terceiro que excecionou» (sublinhado nosso).

Em consequência do exposto, o “terceiro interessado” pode invocar a prescrição de dívida alheia, nos termos do Art. 305.º n.º 1 do C.C., não por via sub-rogatória ou mera substituição no exercício do direito do devedor, mas por exercício de direito próprio. O terceiro fica assim, por força da lei, legitimado a invocar a prescrição de obrigação alheia, mas a eficácia dessa invocação ficará, no entanto, restrita à satisfação do interesse que justifica a atribuição desse direito ao terceiro, sem prejuízo, portanto, da subsistência da obrigação do devedor efetivo.

Por força do exercício desse direito pelo terceiro interessado, tudo se passa, para ele, como se a obrigação do devedor, garantida por hipoteca incidente sobre o imóvel por si adquirido, tivesse efetivamente sido extinta por prescrição. O que tem como consequência, nos termos do Art. 730.º al. a) do C.C., a extinção da própria hipoteca.

Esclareça-se ainda que a decisão proferida no despacho saneador, no âmbito do processo de embargos de executado n.º 2727/16.6T8PDL-B, relativamente à improcedência da exceção perentória de prescrição invocada pela mutuária-devedora, como é evidente não é oponível à embargante, aqui Recorrida, por não ter sido parte na ação executiva n.º 2727/16.6T8PDL.

É certo que a Recorrida deduziu embargos de terceiro naquela ação executiva, que correram termos como processo n.º 2727/16.6T8PDL-A, os quais foram julgados improcedentes. Por outro lado, também é verdade que a Caixa Geral de Depósitos, S.A., ali exequente, requereu a intervenção principal provocada da aqui Recorrida no âmbito da execução principal n.º 2727/16.6T8PDL. Simplesmente, o primeiro dos mencionados incidentes – o de embargos de terceiro -, mais não é que a afirmação da posição processual de terceiro da ora Recorrida relativamente à ação executiva principal (cfr. Art. 342.º n.º 1 do C.P.C.), e o segundo incidente – o de intervenção provocada – acabou por ser julgado improcedente, como vimos, por despacho de 23 de outubro de 2020 (cfr. “Despacho” com conclusão de 22-10-2020 – Ref.ª n.º 50373716 - p.e.), pelo que, objetivamente, a aqui Recorrida nunca chegou a intervir na ação executiva anteriormente instaurada pela credora original. Portanto, o caso julgado decorrente da improcedência da exceção da prescrição, invocada pela devedora-executada no âmbito do processo n.º 2727/16.6T8PDL-B, só é eficaz entre quem tenha sido parte no processo que o originou (Vide, a propósito: Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo IV, 2005., pág.165).

Em suma, se o direito reconhecido pelo Art. 305.º n.º 1 do C.C. é um direito próprio e não uma forma de sub-rogação de direito alheio, o “terceiro interessado” pode efetivamente invocar pessoalmente a prescrição da dívida emergente de contrato de mútuo de que não é parte, na medida em que nisso tenha interesse atendível, mesmo que o devedor o não tenha feito, ou mesmo que tenha renunciado explicitamente ao exercício da faculdade de invocar essa prescrição. A circunstância do devedor ter invocado a prescrição, mas esta ter sido julgada improcedente, em ação na qual o terceiro com legítimo interesse na sua declaração não foi parte, não prejudica o exercício do direito a ver reconhecida a prescrição, uma vez que aquela decisão judicial não lhe é oponível.

Por consequência do exposto, a embargante poderia efetivamente agora invocar a prescrição na ação executiva em que foi demandada como parte, improcedendo as conclusões que sustentam o contrário. Aliás, como vimos, tivesse a devedora invocado todos os factos que agora se mostram apurados neste processo e seria inevitável a conclusão de que o crédito exequendo, nas duas ações executivas que se mostram pendentes, deveria ser declarado extinto por prescrição.

4.Da aplicação à terceira adquirente dos prazos prescricionais previstos no Art. 730.º al. b) do C.C..

Veio a Recorrente sustentar que a sentença recorrida ignorou olimpicamente o que vem disposto no Art. 730.º al. b) do C.C., que estabelece prazos prescricionais cumulativos para a extinção da hipoteca a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, os quais não se verificam no caso concreto.

Efetivamente, nos termos desse preceito: «A hipoteca extingue-se: (…) b) Por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco anos sobre o vencimento da obrigação».

O Art. 730.º al. b) do C.C. consagra a possibilidade legal de libertação da oneração decorrente da constituição de hipoteca pelo terceiro adquirente do prédio hipotecado. Trata-se de figura análoga à usucapio libetatis, fundada na proteção prevalente que merece o interesse do terceiro adquirente, que no caso se tem como superior ao do credor hipotecário que facilmente poderá obter a satisfação do seu crédito por outras vias (Vide: Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4.ª Ed., pág. 751).

O que se pretende aqui prever é um caso especial de prescrição. No entanto, Pires de Lima e Antunes Varela (in Ob. Loc. Cit.) acabam por reconhecer que em termos mais rigorosos deveria considerar-se estar perante uma situação de caducidade da hipoteca.

É inquestionável que os prazos de 5 e 20 anos, previstos na al. b) do Art. 730.º do C.C., são de verificação cumulativa (nesse sentido, também: Pires de Lima e Antunes Varela in Ob. Loc. Cit.) e, no caso, o prazo de 20 anos sobre o registo da aquisição pela terceira adquirente do prédio hipotecado ainda não decorreu. Simplesmente, independentemente do que dispõe o Art. 730.º al. b) do C.C., tal não invalida que o terceiro adquirente possa fazer valer a outra causa de extinção da hipoteca, prevista na al. a) do mesmo preceito, por direito próprio e com recurso ao Art. 305.º n.º 1, conjugado com o Art. 310.º al.s d) e e) do C.C..

As duas previsões não se excluem mutuamente uma à outra.

O terceiro adquirente do prédio hipotecado não está restrito à invocação da causa de caducidade da hipoteca prevista na al. b) do Art. 730.º do C.C., pois poderá sempre invocar a extinção da obrigação a que a hipoteca serve de garantia, como causa extintiva da hipoteca, tal como se estabelece na al. a) do Art. 730.º do C.C.. E foi isso que se passou no caso dos autos.

Nessa medida, a previsão do Art. 730.º al. b) do C.C. não tem interesse para o caso dos autos, improcedendo as conclusões que sustentam o contrário.

5.Dos demais fundamentos dos embargos de executado.

A sentença recorrida não apreciou os demais fundamentos dos embargos de executado, nomeadamente o alegado abuso de direito pela exequente e o direito de retenção a favor da embargante, naturalmente por considerar prejudicada a sua apreciação, em função da procedência dos embargos de executado relativamente à exceção da prescrição da obrigação exequenda. O que tem acolhimento na previsão do Art. 608.º n.º 2 do C.P.C..

Considerando que estamos em condições de confirmar a sentença recorrida, pelas razões supra expostas, igualmente prejudicada fica a apreciação das demais questões suscitadas nos embargos de executado, também por força do Art. 608.º n.º 2 do C.P.C., aqui aplicável nos termos do Art. 663.º n.º 2 do C.P.C..

6.Dos termos da confirmação da decisão recorrida.

Em suma, a sentença recorrida, que julgou os embargos procedentes por provados, deverá efetivamente ser mantida, na estrita medida em que procede a exceção da prescrição das prestações em dívida emergentes do incumprimento do contrato de mútuo garantido por hipoteca (v.g. Art. 310.º als. d) e e) do C.C.), pois esta exceção podia ser invocada, por direito próprio, pela embargante, enquanto “terceira interessada” (“ex vi” Art. 305.º n.º 1 do C.C.), ainda que a eficácia dessa invocação fique restrita à satisfação do seu interesse.

Fica assim claro que a obrigação da devedora-mutuária ainda subsistirá relativamente à sua credora-mutuante, até por força da pendência da ação executiva n.º 2727/16.6T8PDL, na qual isso mesmo foi reconhecido por sentença transitada em julgado, mas tudo se passa para a terceira adquirente do imóvel onerado com a hipoteca como se a obrigação daquela devedora estivesse efetivamente extinta por prescrição, o que para esse efeito estrito determina a necessária extinção da hipoteca, nos termos do Art. 730.º al. a) do C.C..

Assim, a procedência desta exceção perentória, em sede de embargos de executado (Art. 729.º al. g) do C.P.C.), impõe a absolvição da embargante do pedido executivo e a necessária procedência do pedido de levantamento de todas as penhoras de bens da executada embargante, nomeadamente da penhora do imóvel hipotecado por si adquirido.

No entanto, importa precisar que a decisão de extinção da execução principal, por força da procedência da exceção perentória da prescrição da obrigação exequenda, em bom rigor, só pode ter eficácia relativamente à executada-embargante, A. Já quanto à coexecutada, “não-embargante”, C, não pode ser determinada a extinção da execução por força da procedência da exceção da prescrição, como na aparência parece ter sido decidido na decisão aqui recorrida. Isto, porque, relativamente a essa executada  subsiste o efeito do caso julgado material da improcedência dessa alegada exceção, tal como decidida no âmbito do processo de embargos de executado com o n.º 2727/16.6T8PDL-B.

Assim, relativamente à coexecutada, “não-embargante”, a execução poderá efetivamente vir a ser declarada extinta, mas não em consequência da procedência da exceção da prescrição da obrigação exequenda, pois semelhante decisão só poderia ser entendida como violadora do caso julgado material (Arts. 619.º, 621.º e 625.º do C.P.C.).

Quanto a essoutra executada a execução principal pode vir a ser declarada extinta, mas pela verificação da exceção dilatória de litispendência, pois pendem contra a mesma executada duas execuções (processos n.º 2727/16.6T8PDL e n.º 443/21.6T8PDL), que têm a mesma causa de pedir, fundada no mesmo título executivo, e relativas ao mesmo pedido de pagamento, que se reporta à mesma dívida exequenda (Arts. 734.º n.º 1, 726.º n.º 2 al. b), 576.º n.º 1 e n.º 2, 577.º al. i), 578.º, 580.º a 582.º do C.P.C.). Simplesmente, essa decisão não faz parte do objeto do presente recurso e, apesar de ser de conhecimento oficioso, não pode ser tomada pelo Tribunal da Relação nesta sede.

Cumpre assim restringir o âmbito da confirmação da decisão recorrida, tendo em atenção o objeto efetivo do presente recurso de apelação, sendo que na verdade a sentença também só poderia decidir o pedido que concretamente foi formulado pela embargante.

VDECISÃO


Com os fundamentos expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente por não provada, mantendo-se o despacho saneador-sentença aqui recorrido, na parte em que declara extinta a execução e determina o levantamento de todas as penhoras dos bens só relativamente à embargante-executada A.
- Custas pela Apelante (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 11 de janeiro de 2022



Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva