Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5502/24.0T8LRS.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RECURSO
CONCLUSÕES
MATÉRIA DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Se o recorrente não indica, nas próprias conclusões do recurso, um único fundamento concreto por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, limitando-se a dizer que a decisão está errada ou a utilizar uma ou mais variantes de tal tipo de acusação, não há fundamentos que tenham que ser conhecidos. E como a decisão da matéria de facto não foi alterada, o recurso é manifestamente improcedente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

A requereu contra B um arresto de um imóvel registado em nome deste.
O arresto foi decretado.
O requerido recorreu de decisão – para que, afinal, seja levantado o arresto -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem ipsis verbis:
A providencia foi decretada de premissas erradas
O bem foi comprado por 125.000€ e não por 155.000€
A requerida não deu qualquer valor
O recorrente não tem dupla nacionalidade.
O recorrente não vislumbra onde se encontra o justo receio         
A decisão foi mal proferida e sem prova
Sem nunca os referir no recurso, junta com ele 33 páginas de documentos.
A requerente contra-alegou defendendo a improcedência do recurso e a rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto.
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Questões que importa decidir: da admissibilidade dos documentos e se a decisão recorrida está errada.
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Como se verá a seguir, a decisão da matéria de facto não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, pelo que, quanto aos factos, este acórdão limita-se a remeter para os termos da decisão da 1.ª instância que decretou o arresto.
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Dos documentos:
O art. 651 do CPC só permite junção de documentos às alegações de recurso nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425, ou seja, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Ora, o requerido não invoca nenhuma destas situações, mas tinha de o fazer e provar que elas se verificavam para que os documentos pudessem ser admitidos.
Pelo que os documentos terão de ser desentranhados e o requerido condenado na multa correspondente prevista no art. 443/1 do CPC e 27/1 do RCP.
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Quanto ao mais:
Da impugnação da decisão da matéria de facto
Em relação à 2.ª conclusão do recurso, constata-se que no despacho recorrido existem dois factos provados que referem o preço pelo qual ficaria o negócio (155.000€) – facto 6 - e o preço da compra (125.000€) – facto 10 -, pelo que não há directa oposição entre os factos provados e as afirmações que constam da 2.ª conclusão de modo a poder dizer-se que o requerido está a impugnar a decisão da matéria de facto.
Já quanto à 3.ª conclusão, ela consta de uma afirmação que está em directa oposição com os factos 8 e 9; e quanto à 4.ª conclusão, ela consta de uma afirmação que está em directa oposição quanto ao facto 23.
Pelo que o recurso observa, formalmente, um primeiro ónus de alegação relativamente à impugnação da decisão da matéria de facto que se retira dos artigos 639/1 e 640/1-a do CPC.
No entanto, e tal como também diz a requerente, quer das conclusões do recurso, quer do corpo das alegações, não consta sequer uma linha de texto com a especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, o que resulta óbvio pelo facto de no recurso não ser mencionado um qualquer documento ou um qualquer depoimento de uma testemunha.
Ora, aquela especificação dos concretos meios probatórios é obrigatória e tem a cominação da rejeição do recurso: art. 640/1 do CPC.
Pelo exposto, e sem mais, rejeita-se toda a impugnação da matéria de facto.
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Do recurso sobre matéria de direito
Do art. 639/1 do CPC consta o ónus de formular conclusões, sendo estas a indicação, de forma sintética, dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
Daqui decorrendo, entre o mais, que é irrelevante que esses fundamentos constem eventualmente do corpo das alegações se nas conclusões não consta qualquer referência a eles.
As conclusões têm de conter todo um raciocínio lógico-jurídico a contrariar as razões adoptadas na sentença ou acórdão posto em crise, como diz, por exemplo do acórdão do STJ de 19/02/2008, proc. 08A194, lembrado por João Aveiro Pereira no seu estudo sobre O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil.
No mesmo sentido, o Prof. Alberto dos Reis (CPC anotado, vol. 5º reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 360) lembra o ac. do STJ de 10/12/1943 que decidiu que “não satisfaz ao disposto no art. 690 [agora 639/1 do CPC] a alegação do recorrente que, a título de conclusão, se limita a solicitar a absolvição do pedido e a revogação da sentença apelada, pois o artigo exige que nas conclusões se indiquem resumidamente os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença ou despacho.” E comenta: “A doutrina do acórdão é perfeitamente exacta.”
Não basta, pois, nunca, dizer-se que uma decisão está errada ou utilizar-se uma ou mais variantes de tal tipo de acusação. Tem de se argumentar, apontando pelo menos um fundamento para pedir a alteração ou anulação da decisão.
Dizer-se que a providência “foi decretada de premissas erradas” – 1.ª conclusão – ou que “foi mal proferida e sem prova” – 6.ª conclusão – é dizer simplesmente que a decisão está errada, pelo que não é uma conclusão que possa valer para os efeitos do art. 639/1 do CPC.
Dizer-se que o “bem foi comprado por 125.000€ e não por 155.000€” – 2.ª conclusão – não é articular um fundamento para pedir a alteração ou anulação da decisão.
Por fim, dizer que “o recorrente não vislumbra onde se encontra o justo receio” – 5.ª conclusão – também não é arrazoar um fundamento para pedir a alteração ou anulação da decisão. Já seria diferente se o requerido tivesse dito que na fundamentação da decisão não se encontrava a afirmação do justo receio. Mas não foi isso que o requerido disse. De qualquer modo, diga-se que na fundamentação da decisão recorrida se encontra, como tinha de ser, a tentativa de demonstração do justo receio como requisito necessário para se decretar o arresto.
Como o requerido não aduz, nas conclusões do recurso, um único fundamento de ataque da decisão recorrida, porque não diz, minimamente que seja, por que é que a decisão recorrida devia ser outra ou por que é que está errada ou porque é que ela deve ser anulada, não há fundamentos que tenham que ser conhecidos.
O tribunal de recurso não pode substituir-se ao recorrente e averiguar, por si, se, e nesse caso porquê, a decisão recorrida está errada.
E como a decisão da matéria de facto não foi alterada, o recurso é manifestamente improcedente.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte (não existem outras) pelo requerido.
Retire do processo em papel e oculte do processo electrónico os documentos juntos pelo requerido com o recurso, com 1 UC de multa (artigos 443/1 do CPC e 27/1 do RCP).

Lisboa, 24/10/2024
Pedro Martins
Inês Moura
António Moreira