Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10204/19.7T8LSB.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
INCUMPRIMENTO DE PAGAMENTO DE RENDAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC)

I - O contrato de arrendamento não deixa de produzir os seus efeitos entre as partes pelo facto de as frações autónomas arrendadas se encontrarem penhoradas à data em que foi celebrado, sendo, todavia, ineficaz em relação à exequente, eventuais credores reclamantes e futuro adquirente, no processo em que a penhora foi efetuada.
II - Consequentemente, pelo simples facto de tomar conhecimento da existência da penhora e de que se irá proceder à venda das frações arrendadas, não fica a arrendatária dispensada de proceder ao pagamento das rendas. Não tendo nunca sido notificada da penhora das rendas e não pretendendo proceder ao seu depósito, deverá continuar a pagá-las à senhoria.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados


I - RELATÓRIO


Geração…, S.A., Ré, na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, foi contra si intentada por Susana Pereira…, interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou a ação (parcialmente) procedente.
Na Petição Inicial, apresentada em 15-05-2019, a Autora formulou o seguinte pedido:
a) Ser reconhecida a resolução do contrato de arrendamento que tem por objeto as frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio sito na Avenida Maria …, Lote 1, Loja A e Loja B (n.ºs …-A e -B) na Parede, descrito sob o n.º 11 da freguesia da Parede e inscrito na matriz sob o n.º 5583 da União de Freguesias de Carcavelos e Parede;
b) Ser ordenado o despejo do locado;
c) Ser a Ré condenada a proceder à entrega à Autora do locado, completamente livre e desocupado de pessoas e bens, em estado de conservação idêntico ao que estava aquando da entrega;
d) Ser a Ré condenada a pagar o valor de 17.100,00 €, referente a 36 meses de rendas vencidas e não pagas, correspondente ao período de março de 2016 até 25 de março de 2019 (data da notificação à Ré da resolução do contrato de arrendamento);
e) Ser a Ré condenada a pagar à Autora indemnização correspondente ao dobro do valor da renda, por referência ao período compreendido entre 25 de março de 2019 (data da notificação à Ré da resolução do contrato de arrendamento) e a data da efetiva restituição do locado;
f) Subsidiariamente, caso se entenda que a fração designada pela letra “B” não está abrangida pelo contrato de arrendamento, ser a Ré condenada a reconhecer que a fração faz parte do acervo patrimonial da herança aberta por óbito de Carlos Pinto …e de Maria de Lurdes…, que a Autora é herdeira e cabeça-de-casal, e que a Ré seja condenada a restituir tal fração, totalmente livre e desocupada, ao referido acervo hereditário;
g) Seja a Ré condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 100 €, por cada dia de atraso na entrega de cada uma das frações, livre de pessoas e bens, a partir do trânsito em julgado da sentença.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- A Autora é cabeça-de-casal das heranças do seu pai, Carlos Pinto…, e da sua mãe, Maria de Lurdes…;
- A sua mãe, que foi cabeça-de-casal da herança do seu referido pai, celebrou, em 12-09-2014, um contrato de arrendamento das identificadas lojas “A” e “B”, pelo valor mensal de 475,00 €;
- A Ré deixou de pagar renda desde março de 2016, não obstante interpelação efetuada em 05-05-2017;
- Daí que tenha sido resolvido o contrato de arrendamento, por notificação judicial avulsa efetuada em 25-03-2019, não tendo a Ré ainda procedido à desocupação do locado ou ao pagamento do valor em dívida.
Citada a Ré, apresentou Contestação, na qual reconheceu a generalidade dos factos alegados na Petição Inicial, designadamente a celebração do contrato de arrendamento, mas, excecionando, alegou, em síntese, que o locado se encontra penhorado à ordem do processo executivo (que identifica) em que é exequente a Caixa Geral de Depósitos, S.A., tendo o legal representante da Ré sido informado pelo “agente de execução/solicitador/responsável de venda” para não proceder ao pagamento das rendas à senhoria, concluindo que a Ré nada deve e que a presente ação apenas devia prosseguir uma vez conhecida a conclusão daquele processo executivo.
Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Teve lugar a audiência final de julgamento, com a prestação de declarações de parte e depoimentos das testemunhas arroladas.
De seguida, foi proferida a sentença (recorrida) cujo dispositivo tem o seguinte teor:
“Pelo supra exposto, julga-se a presente acção procedente por provada e em consequência:
A) JULGA-SE validamente resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, por motivo de falta de pagamento de rendas; e
B) CONDENA-SE a Ré, a proceder ao despejo imediato das fracções “A” e “B” dos autos, devendo proceder à entrega do locado completamente livre e desocupado de pessoas e bens, e em estado de conservação idêntico ao que o locado estava aquando da entrega do mesmo; e
C) CONDENA-SE a Ré, a pagar à Autora, a quantia de € 27.075,00 (Vinte e sete mil e setenta e cinco euros) a título de rendas vencidas e não pagas e respectiva indemnização após a resolução, acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada uma das rendas; e
D) CONDENA-SE a Ré, a pagar à Autora, a quantia de € 950,00 (Novecentos e cinquenta euros) mensais, a título de indemnização, caso após o trânsito em julgado da presente sentença, não proceda à entrega imediata do imóvel, vencendo-se tal valor até à efectiva restituição efectiva do imóvel (art. 1045.º, n.º 2 do Cód.Civil).
Custas pela Ré.
Registe e Notifique”.
Inconformada com esta decisão, veio a Ré interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (que reproduzimos, na parte útil):
· Pela decisão recorrida o Mmo. Tribunal “a quo”, julgou procedente a resolução do contrato de arrendamento firmado entre as partes e condenou a Recorrente a: (…)
· Para tanto e em síntese, o Mmo. Tribunal “a quo”, deu como provado que, os elementos constantes da referida sentença e apenas esses.
· Relevante para a apreciação dos presentes autos e respetivo recurso, é a coexistência do Proc. n.º …20/14.9T8OER do Juízo de Execução de Oeiras, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, do qual foi extraída certidão para os presentes autos.
· Processo esse, onde a A. viu as frações autónomas objeto dos presentes autos, penhoradas a pedido da Caixa Geral de Depósitos, por dívidas àquela instituição bancária.
· No âmbito dos referidos autos e conforme dado como provado nos presentes autos, a R. foi contatada pelo responsável da venda dos indicados imóveis no referido processo n.º..20/14.9T8OER do Juízo de Execução de Oeiras, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.
· Ainda que, nunca tenha sido formalmente notificado para o efeito, o legal representante da R., obteve a indicação expressa de pessoa idónea, que não deveria proceder a pagamentos de renda junto da A. e proprietária das frações autónomas.
· Deveria sim, aguardar indicação do modo e meio adequado para passar a proceder ao pagamento das indicadas rendas.
· No decurso do presente processo, a proprietária originária falece, e a mesma é substituída pelas suas filhas e herdeiras.
· De igual modo e no âmbito do Proc. n.º .20/14.9T8OER do Juízo de Execução de Oeiras, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, a aqui R., é notificada para na qualidade de arrendatária, exercer eventual direito de preferência na venda da indicada loja.
· Estes factos, evidenciaram ao legal representante da aqui R., que iria ter de proceder ao pagamento das rendas, mas que o não pagamento das mesmas, nunca importaria em justa causa de resolução contratual e muito menos, em obrigação de indemnizar a A..
· A situação fulcral da interpretação legal da situação em causa, recai na seguinte fundamentação, constante da M. D. Sentença:
“C. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO (…)
· O Mmo. Tribunal “a quo”, parte do princípio que na data de celebração do contrato de arrendamento, a A. já sabia da penhora – partindo do princípio que com a expressão “... já aquela sabia... “se está a referir à A. e não à R., porque esta, seguramente não sabia de tal facto.
· Nem tão pouco, tal facto – que a penhora à data da celebração do contrato de arrendamento já era conhecida – está dado como provado nos presentes autos, ou foi objeto de todo e qualquer apreciação no âmbito do presente processo.
· A R., não conhecia, à data da celebração do contrato de arrendamento a existência ou não da penhora.
· Se tal facto já era do conhecimento da A., a mesma nunca transmitiu ao legal representante da R., tal situação.
· Refere igualmente a M. D. Sentença “a quo”, o seguinte: (…)
· Ora tal presunção legal é ilidível, e conforme supra referido, resulta dos autos, provado de forma expressa, que a R., foi contatada pela Agência de Leilões no âmbito do Proc. n.º …20/14.9T8OER do Juízo de Execução de Oeiras, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, para cessar o pagamento dos valores das rendas;
· Resulta provado dos presentes autos, que desse facto deu conhecimento à A., através de carta registada com aviso de receção datada de 18.04.2017; vide item 12 dos Factos Provados;
· Carta essa, onde juntou os elementos recebidos por parte da Agência Leiloeira e solicitou à A., indicação expressa do IBAN para proceder ao pagamento das rendas.
· Carta essa, que a A., não quis receber; vide item 12 dos Factos Provados;
· Vindo a alegar posteriormente, que como a R. não respondeu à sua carta de 05.04.2017, dava o contrato de arrendamento celebrado por resolvido. Vide item 13 dos Factos Provados.
· Ora como bem resulta dos Factos Provados, a R. respondeu à carta enviada pela A. e nela pedia indicação expressa para proceder à regularização das rendas.
· A A. é que não quis receber a referida carta da R..
· Nestes termos, a R., atuou nos presentes autos, para com a A., com toda a lisura e transparência.
· Foi a A., quem não referiu à R. e informou a mesma de todos os factos relevantes à relação jurídica e arrendatícia.
· Se tivesse sido informada ou notificada do meio e forma de proceder ao pagamento da renda junto do Proc. n.º …20/14.9T8OER do Juízo de Execução de Oeiras, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, a R. tê-lo-ia feito.
· Estar a referir que poderia ter feito o depósito liberatório do valor da renda à ordem do processo, é estar a presumir e avançar para além do pedido e informado à R..
· De igual modo, presumir que a R. deveria e poderia ter realizado o depósito liberatório da renda à ordem do Proc. n.º .20/14.9T8OER do Juízo de Execução de Oeiras, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, é estar a extravasar as competências do I. Julgador, considerando que tal matéria, não foi aliás em momento algum alegada por qualquer das partes.
· Resulta sim à evidência e à exaustão, que notificada pela A., para proceder ao pagamento, a R., enviou à A., resposta com toda a documentação necessária à boa fundamentação e tomada de decisão, carta e documentação essa, que a A. não rececionou.
· Posteriormente, a A. veio a alegar a resolução contratual, com base e fundamento no silêncio da R..
· Ora tal é falso, conforme prova realizada em sede do processo.
· Razão pela qual, não podem proceder as legais e invocadas consequências legais de resolução contratual.
· Nestes termos, julgamos que andou mal o Mmo. Juiz “a quo”, ao decidir nos termos da M. D. Sentença, ora recorrida.
Foi apresentada alegação de resposta pela Autora, em que defende que deve ser negado provimento ao recurso, concluindo nos seguintes termos:
1. Não está provado o pretenso facto – de que o legal representante da Recorrente obteve a indicação expressa de pessoa idónea de que não deveria proceder a pagamentos de renda – no qual a Recorrente sustenta a interposição do seu recurso.
2. A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução, sendo que foi provado que “a Recorrente nunca recebeu nenhuma notificação de penhora da renda à ordem de processo executivo da Matéria de Facto Provada” (ponto 11 da Matéria de Facto Provada).
3. Mesmo que a Recorrente tivesse obtido indicação expressa de pessoa idónea de que não deveria proceder a pagamentos de renda, o que, repete-se, não está provado, na ausência de notificação de penhora de créditos, a Recorrente estaria sempre obrigada a proceder ao pagamento da renda à Recorrida, sob pena de incumprimento contratual.
4. Em 14 de Fevereiro de 2007 foi realizado termo de penhora do imóvel sub judice, tendo a mesma sido inscrita pela Ap. 55 de 20 de Março de 2007 a favor da Caixa Geral de Depósitos (pontos 3 e 4 da Matéria de Facto Provada).
5. Por sua vez, o contrato de arrendamento sub judice foi celebrado em 12 de Setembro de 2014 (ponto 5 da Matéria de Facto Provada), sendo pois posterior à penhora realizada.
6. Atendendo à natureza duplamente obrigacional do contrato de arrendamento, o mesmo é válido, pese embora o facto de, à data em que o contrato de arrendamento foi celebrado, o imóvel sub judice se encontrar penhorado.
7. Não tendo a Recorrente recebido qualquer notificação de penhora das rendas, isto é, não se tendo concretizado a penhora das rendas, nos termos do artigo 820.º do Código Civil, não há qualquer obstáculo à resolução do contrato de arrendamento, por motivo de falta de pagamento de rendas.
8. Neste sentido, tendo a douta sentença recorrida julgado validamente resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes e condenado a Recorrente no pagamento da renda e da indemnização devida, fez a mesma uma correcta aplicação do Direito aplicável aos factos sub judice.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se não se verificava o (invocado) fundamento legal para a resolução do contrato de arrendamento.

Factos provados

Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos (que reproduzimos, alterando a redação em conformidade com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, bem como a sua organização, por razões de ordem lógica e cronológica, embora mantendo entre parenteses curvos a numeração da sentença, para compreensão do teor das alegações; acrescentámos, por estar plenamente provado, o que consta entre parenteses retos – art. 662.º, n.º 1, do CPC):
1. (2) Mostra-se inscrita, pela ap. 47 de 15-02-1990, a aquisição de propriedade [da fração autónoma designada pela letra A e também da fração autónoma designada pela letra B, correspondendo esta última ao segundo piso, rés-do-chão, uma loja, designada pelo n.º dois, e uma arrecadação no primeiro piso (cave) e a primeira ao] (do) segundo piso – rés-do-chão, uma loja, designada pelo n.º um, e uma arrecadação no primeiro piso (cave), descrita[s] na[s] ficha[s] n.º[s] [11/19841119-B e] 11/19841119-A da freguesia da Parede, da [1.ª] Conservatória do Registo Predial de Cascais, a favor de Carlos Pinto…, casado com Maria de Lourdes…, no regime de separação de bens.
2. (1) Susana Pereira…, é cabeça-de-casal das heranças abertas por óbito do seu pai Carlos Pinto…, falecido em 25-08-2000, e da sua mãe, Maria de Lurdes …, falecida em 01-03-2016.
3. (3) Em 14-02-2007, foi realizado termo [sic] de penhora do imóvel, [então] com o artigo matricial 3668 [atual n.º 5583], correspondente às frações autónomas “A” e “B” correspondentes aos números um e dois segundo piso (rés do chão), e uma arrecadação no primeiro piso (cave), do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Av.ª Maria…, lugar do Murtal, freguesia da Parede, concelho de Cascais [descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais na ficha n.º 11, de 19-11-1984, da freguesia da Parede], no âmbito da execução ordinária n.º ..213/2001, onde era exequente a Caixa Geral de Depósitos e executada Maria de Lurdes…, para segurança e pagamento da quantia de 464.033,98 €, abrangendo a penhora não só os bens, como as suas pertenças, frutos e rendimentos.
4. (4) Mostra-se inscrita pela ap. 55 de 20-03-2007 a penhora a favor da Caixa Geral de Depósitos, para garantia da quantia exequenda no valor de 464.033,98 €.
5. (5) Por documento particular denominado “contrato de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo”, datado de 12-09-2014, Maria de Lurdes …deu de arrendamento à Geração Singular, S.A., que aceitou, a fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Avenida Maria…, Lote 1, Loja A (números ...-A e ...-B) na Parede, inscrito na matriz sob o n.º 3668 da freguesia da Parede, pelo prazo de um ano, com início em 15-09-2014 e fim em 14-09-2015, renovável sucessivamente por iguais períodos, pela renda mensal de 475,00 € [estipulando-se no contrato que “será paga até ao 1º dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, para o NIB (..) junto do Banco Santander Totta”], para fins não habitacionais relacionados com a prossecução da atividade comercial do arrendatário.
6. (6) A fração autónoma designada pela letra “A”, aludida em 4), foi dada de arrendamento, juntamente com a fração autónoma designada pela letra “B”, as quais são contíguas e se encontram ligadas entre si pelo interior.
7. (7) A Ré deixou de pagar renda desde março de 2016.
8. (10) Em 18-04-2016, por intermédio de correio eletrónico, Jorge... [da Agência de Leilões, J. Enes], comunicou ao legal representante da Ré que:
“No seguimento do contacto pessoal, aquando da deslocação às vossas instalações, no passado dia 15 do corrente, venho por este meio informar V. Exª que, (…) fui mandatado para proceder à venda das fracções designadas pelas letras A e B, que correspondem às lojas que ocupam, na Avenida Maria, n.º .-A/B, no Murtal, Parede.
Nesta conformidade, venho por este meio solicitar a V. Exas que, com a brevidade possível, me informem a que título se encontram a ocupar as referidas fracções e, caso sejam arrendatários, me enviarem cópia do respectivo contrato de arrendamento. (...)”. [o mais que aqui consta é o seguinte “Aguardando contacto breve, creiam-me com eleva consideração e estima”].
9. (8) Por carta datada de 05-04-2017, a Autora comunicou à Ré o falecimento de sua mãe, e indicou o IBAN de conta bancária para onde a renda deveria passar a ser paga, e interpelou a Ré, para no prazo de 10 dias pagar as rendas referentes aos meses de março de 2016 a abril de 2017 ou demonstrar ter realizado o seu pagamento.
10. (12) Em 18-04-2017, a Ré respondeu à interpelação da Autora, por carta, não recebida pela mesma, comunicando que:
“(...) A Renda das referidas lojas, actualmente no valor de 475,00€/mês, não foi paga desde o mês de Março de 2016 até Abril de 2017 pelos seguintes motivos:
1) A Geração Singular, SA, não recepcionou qualquer factura referente aos meses indicados;
2) A Geração Singular, SA, em Abril de 2016 foi alvo de uma visita por parte de uma agência de leilões, que nos informou que as lojas se encontravam em execução de penhora, conforme cópia do e-mail recebido pela mesma, que se junta.
Do mesmo modo foi instruída para cessar os pagamentos das rendas à Senhoria, pelos motivos atrás referidos.”.
11. (13) Em 04-12-2017, a Autora comunicou à Ré, por intermédio de mandatário judicial que:
“(...) não tendo V.Exas respondido à missiva precedente datada de 05.04.2017, venho comunicar-vos o seguinte:
(...) Como é do conhecimento de V.Exas, o referido contrato de arrendamento encontra-se resolvido por falta de pagamento das rendas devidas. (...)
Não obstante, Exas, mantêm-se nos imóveis, ocupando-os, sem o pagamento de qualquer contrapartida e sem que estejam munidos de qualquer título válido para o efeito. (...) Nessa sequência, solicitamos que procedam à entrega dos locados, livre de pessoas e bens, no estado de conservação em que foram recebidos, no máximo prazo de 5 (cinco) dias. (...)”.
12. (11) A Ré nunca recebeu nenhuma notificação de penhora da renda à ordem de processo executivo.
13. (14) A Lismed – Leiloeira e Imobiliária, Lda., fiel depositária do imóvel aludido em 3), declarou não saber a identidade a quem estavam a ser pagas as rendas na altura e nunca recebeu nenhuma renda referente aos imóveis penhorados.
14. (9) Em 25-03-2019, a Autora, por intermédio de notificação judicial avulsa, procedeu à comunicação à Ré da resolução do contrato [conforme doc. 7 junto com a PI, cujo teor se dá por reproduzido].

Enquadramento jurídico

Na sentença recorrida teceram-se designadamente as seguintes considerações de direito (sublinhado nosso):
«(…) Atento os factos dados como provados, verifica-se que as fracções “A” e “B”, bem como os seus frutos e rendimentos se encontravam penhorados desde 14.02.2007, no âmbito do processo executivo n.º …20/14.9T8OER do Juízo de Execução de Oeiras, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, onde era executada, Maria de Lurdes.....
Assim, à data da celebração do contrato de arrendamento entre a Maria …e a Ré, em 12.09.2014, já aquela sabia e não podia desconhecer da existência da penhora, bem como dos seus frutos e rendimentos.
A penhora de um bem, implica a indisponibilidade relativa do bem na esfera do seu proprietário, no que significa que são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados (art. 819.º do Cód.Civil), realizados após a data do registo da penhora.
No dizer de Antunes Varela (Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume II, 2ª edição, pág.93), “Consagra-se neste artigo o princípio da ineficácia em relação ao credor dos actos de disposição ou oneração dos bens penhorados, ressalvadas as regras do registo. Deste princípio resulta que o devedor pode livremente alinear ou onerar os bens penhorados. Simplesmente, a execução prossegue, como se esses bens pertencessem ao executado”.
No caso vertente, o arrendamento celebrado seria inoponível à penhora, embora válido entre as partes, na medida em que nada obstou à produção de efeitos do mesmo.
Porém, como resultou provado, a Ré nunca foi notificada para proceder ao pagamento de qualquer renda à ordem do processo acima identificado (facto 119), nem o processo recebeu qualquer indicação de identidade a quem estavam a ser pagas as rendas na altura e nunca recebeu nenhuma renda referente aos imóveis penhorados (facto 14).
Logo, na ausência de qualquer acto processual executivo que impusesse às partes o pagamento da renda e o depósito da mesma à ordem do processo, as partes teriam de cumprir pontualmente o contrato acordado (art. 406.º do Cód.Civil), o qual mantém a sua integral subsistência, onde se inclui a obrigação de pagamento da renda para a conta bancária convencionada (cláusula 3.ª), não carecendo o senhorio, na economia do contrato, de proceder à emissão de qualquer factura, para que se considerasse vencida a obrigação de pagamento de renda.
Ora, nos termos do art. 799.º do Cód.Civil, caberia à Ré demonstrar que a falta de pagamento não procede de culpa sua, porém, a Ré não procedeu a qualquer pagamento desde Março de 2016, nem consignou a respectiva renda em depósito por eventual incerteza da pessoa do credor, o que poderia ter efectuado na pendência do processo, pelo que se presume a sua culpa no cumprimento da obrigação (art. 799.º do Cód.Civil).
A falta de pagamento de mais de dois meses é fundamento de resolução do contrato de arrendamento (art. 1083.º, n.º 3 do Cód.Civil) qual face ao elevado número de meses em dívida deverá ser julgada como válida.
Após a data da resolução será devido montante equivalente à renda, mas já a título de indemnização (art. 1045.º, n.º 1 do Cód.Civil), sendo que a renda só será devida em dobro após o trânsito em julgado da decisão judicial que determine a entrega (art. 1045.º, n.º 2 Cód.Civil).
Por conseguinte, a Ré será devedora das rendas de Março de 2016 a Dezembro de 2016 (10 rendas), rendas de 2017 (12 rendas), rendas de 2018 (12 rendas), rendas de 2019 (12 rendas), rendas de Janeiro de 2020 a Novembro de 2020 (11 rendas), num total de 57 rendas, correspondente a € 27.075,00 euros,
Não será de condenar a Ré em sanção pecuniária compulsória, com vista à entrega da fracção, na medida em que não se trata de uma prestação infungível, podendo ser coactivamente realizada através de processo executivo de entrega de coisa certa.
O artigo 342.º n.º 1 do Cód.Civil dispõe que "àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado", competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (art. 342.º, n.º 2 Cód.Civil).
A Autora apresentou prova do direito alegado, não tendo a Ré logrado apresentar prova de facto impeditivo do direito alegado, pelo que a acção deverá ser julgada procedente.»
A Ré discorda deste entendimento, apresentando uma argumentação que, desde já se adianta, se mostra algo confusa, tanto mais que, na parte da sua alegação de recurso dedicada ao Direito, não indica as normas jurídicas que terão sido, no seu entender, violadas, e termina a sua alegação referindo que as disposições legais violadas são os artigos 3.º, n.ºs 3 e 4, (princípio do contraditório), 6.º (Dever de gestão processual) e 411.º (Princípio do inquisitório), todos do CPC. De forma resumida, a Ré-Apelante invoca a circunstância de as frações arrendadas se encontrarem penhoradas em processo executivo, à data da celebração do contrato de arrendamento, facto que, segundo alega, desconhecia. Refere que, embora nunca tenha sido formalmente notificado para o efeito, o legal representante da Ré obteve a indicação expressa de pessoa idónea que não deveria proceder a pagamentos de renda junto da Autora, mas aguardar indicação do modo e meio adequado para passar a proceder ao pagamento das mesmas. Considera que tais circunstâncias, aliadas ao facto de, no âmbito do referido processo executivo, a Ré ter sido notificada para, na qualidade de arrendatária, exercer eventual direito de preferência na venda executiva, evidenciaram ao seu legal representante que o não pagamento das rendas nunca importaria em justa causa de resolução contratual. Acrescenta que, se a Ré tivesse sido informada ou notificada do meio e forma de proceder ao pagamento da renda junto do referido processo executivo, tê-lo-ia feito, não cumprindo discutir nos presentes autos se podia ou devia ter realizado o depósito liberatório da renda à ordem daquele processo, tendo sido a Autora quem não referiu à Ré todos os factos relevantes.
A Autora-Apelada, por seu turno, afirma, em síntese, que, além de não estar provada parte da factualidade invocada pela Ré, esta continuava obrigada a pagar pontualmente a renda, a tanto não obstando a circunstância de as frações estarem penhoradas.
Apreciando.
Resulta dos factos provados que, em 12-09-2014, a (entretanto falecida) mãe da Autora, na qualidade de cabeça de casal da herança do seu falecido marido, proprietário das duas frações identificadas, celebrou com a Ré contrato de arrendamento urbano, para fim não habitacional, relativo àquelas frações - cf. artigos 1022.º e 1067.º do CC.
As partes não discutem a validade desse contrato e aceitam que com a morte da mãe da Autora, em 01-03-2016, o arrendamento não se extinguiu, continuando por partilhar a herança do falecido proprietário, pai da Autora, então administrada pela sua mãe e agora pela Autora, herança indivisa da qual ainda fazem parte as ditas frações autónomas [sobre a caducidade do contrato de arrendamento celebrado pelo cabeça de casal como administrador da herança, cf. art. 1051.º, al. c), do CC, e a título exemplificativo, o acórdão da Relação de Évora de 09-12-2004, no proc. n.º 1089/04-2, o acórdão da Relação de Lisboa de 09-02-2017, no proc. n.º 21447-15.2T8LSB.L1-6, e o acórdão do STJ de 30-10-2012, no proc. n.º 1181/09.3TVPRT.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt].
A Ré deixou de pagar renda desde março de 2016. Por carta datada de 05-04-2017, a Autora comunicou à Ré (que a rececionou) o falecimento da sua mãe e indicou o IBAN de conta bancária para onde a renda deveria passar a ser paga. Depois de troca de correspondência entre as partes, a Autora veio, em 25-03-2019, por intermédio de notificação avulsa, comunicar à Ré a resolução do contrato.
Na Petição Inicial, a Autora pediu que fosse reconhecida esta resolução (que, no seu entender, já operara, mediante comunicação, pretendendo, pois, que se reconhecesse/declarasse que a resolução tinha operado válida e eficazmente), configurando a ação como de simples apreciação e de condenação [o que se compreende, desde logo face ao pedido formulado na alínea e), uma vez que não vem merecendo tratamento uniforme na jurisprudência a questão de saber se a indemnização prevista no art. 1045.º, n.º 2, do CC, mesmo que incluída em termos determináveis na comunicação em causa no art. 14.º-A, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27-02 (correspondente ao art. 15.º, n.º 2, na primeira versão desta lei), é ou não abrangida pela exequibilidade do título aí previsto - cf. a este respeito, o acórdão da Relação de Lisboa de 19-11-2020, no proc. n.º 5508/20.9T8SNT-A.L1-2, com declaração de voto (vencida) da ora Relatora].
Porém, na sentença, apesar do peticionado e do teor da alínea A) do dispositivo, mais parece que se considerou que o direito à resolução estava a ser exercido judicialmente (o que seria em tese possível, na esteira da doutrina e jurisprudência dominantes - exemplificativamente, Luís Menezes Leitão, “Arrendamento Urbano”, 9.ª edição, Almedina, pág. 149, e ac. do STJ de 06-05-2010, proc. n.º 438/08.5YXLSB.LS.S1, disponível em www.dgs.pt), e pelas razões que a ora Relatora teve oportunidade de expor no seu artigo “Algumas questões controversas do novo regime processual de cessação do contrato de arrendamento”, publicado na REVISTA DO CEJ, II, 2013, págs. 7-37), perspetivando-se a ação como constitutiva, na medida em que se afirma que, na pendência da ação, a Ré podia ter procedido ao depósito da renda (o que aponta no sentido da aplicação do n.º 1 do art. 1048.º do CC, em vez do n.º 3 do art. 1084.º do mesmo Código) e se decidiu, na alínea D) do dispositivo, que a indemnização pela mora na obrigação de restituição das frações (cf. art. 1045.º, n.º 2, do CC) correspondente ao dobro do valor da renda, apenas seria devida “caso após o trânsito em julgado da presente sentença, não procedesse à entrega imediata do imóvel”. A não se interpretar assim a sentença, então temos de concluir que na mesma se decidiu que a resolução operou extrajudicialmente, mas sem que daí tenham sido extraídas todas as consequências legais.
Como esta questão não foi suscitada pela Autora, obviamente não se irá retirar daqui quaisquer efeitos (cf. art. 635.º, n.º 5, do CPC), apenas se nos afigurando importante precisar que a resolução ora questionada pela Ré, em bom rigor, parece ter sido judicialmente decretada, não tendo sido dada inteira relevância à comunicação, efetuada mediante notificação avulsa, pela qual a Autora pretendeu fazer operar a resolução extrajudicial do contrato. Seja como for, o que importa é apreciar se existia fundamento legal para a resolução do contrato de arrendamento, limitando-se a Ré-Apelante, nas conclusões da sua alegação, a defender que não se verificava.
Impõe-se então ter presente que, nos termos conjugados dos artigos 1083.º, n.ºs 2 e 3, e 1084.º, n.ºs 2 e 3, do CC, e 9.º, n.º 7, al. a), da Lei n.º 6/2006, de 27-02, na redação em vigor à data da propositura da ação (e da notificação avulsa), constitui fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, o que, quanto ao senhorio, se verifica, além do mais, no caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, podendo (sem prejuízo de também poder optar pela via judicial para exercitar o seu direito) fazer operar a resolução, por comunicação à contraparte onde fundamentadamente invoque a obrigação incumprida, comunicação essa que pode ser efetuada, entre outras formas, mediante notificação avulsa; tendo sido notificado, o arrendatário poderá pôr fim/purgar a mora (pagando/depositando/consignando em depósito as somas devidas e a indemnização legal - cf. artigos 1041.º e 1048.º do CC), no prazo de um mês, prazo que se mostra consentâneo com o disposto no art. 1087.º do CC (na redação da Lei n.º 31/2012, de 14-08), no qual se preceitua precisamente que “(A) desocupação do locado, nos termos do artigo 1081.º, é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes”.
A propósito daquele fundamento resolutivo, revemo-nos nas palavras de Albertina Pedroso, que, com as devidas adaptações, face às oscilações legislativas, continuam atuais, no seu artigo “A Resolução do contrato de Arrendamento no novo e novíssimo Regime do Arrendamento Urbano”, artigo publicado na Revista JULGAR - N.º 19 – 2013 (cf. pág. 51), disponível online: “Sendo a renda a obrigação principal do sinalagma contratual que impende sobre o arrendatário por força do preceituado nos artigos 1022.º, in fine, e 1038.º, alínea a), ambos do CC, facilmente se compreende que o legislador considere que o incumprimento de tal obrigação por um período temporal igual ou superior a dois meses quebre tal vínculo sinalagmático, tornando inexigível ao senhorio que continue a cumprir a respectiva obrigação principal de proporcionar ao arrendatário o gozo da coisa, prevista desta feita na primeira parte do referido artigo 1022.º e no artigo 1031.º, alínea a), daquela codificação.
Saliente-se que uma das questões que logo se colocou aquando da redacção inicial da Lei n.º 6/2006, foi a de saber a quantas rendas em mora se reporta esta causa de resolução. De facto, logo existiu quem considerasse que para o respectivo preenchimento era necessário que estivesse em falta o pagamento de três rendas. Entendemos que tal não era o significado da lei, ficando a cláusula preenchida com a falta de pagamento pelo arrendatário de uma única renda, desde que o período de mora no cumprimento da obrigação de pagamento fosse então superior a três meses, e consequentemente, seja agora igual ou superior a dois meses.
Neste caso estamos perante a consagração legal de um fundamento de resolução que opera pela verificação de um incumprimento considerado pela lei como objectivamente grave, e que torna inexigível ao senhorio a manutenção da relação contratual, sendo dispensável o recurso à acção de despejo.”
No presente processo, constata-se que, em março de 2019, aquando da notificação avulsa, e obviamente à data da propositura da ação, a situação de atraso no pagamento das rendas já perdurava há muito tempo, não estando a ser pagas rendas desde a que se venceu em 1 de março de 2016. A Ré pretende ilidir a presunção de culpa deste grave incumprimento contratual (cf. art. 799.º do CC), invocando a circunstância de as frações estarem penhoradas, facto que, segundo diz, desconhecia à data da celebração do contrato e foi acompanhado da receção, em meados de abril de 2016 (isto, note-se, quando até já se encontrava em mora no tocante ao pagamento das rendas vencidas em 1 de março e 1 de abril desse ano), de indicação expressa de pessoa idónea de que não deveria proceder a pagamentos de renda junto da Autora, mas antes aguardar indicação do modo e meio adequado para passar a proceder ao pagamento das mesmas.
Vejamos.
É bem certo que, aquando da celebração do contrato de arrendamento, tais frações se encontravam penhoradas, tendo a penhora sido registada em 20-03-2007 (sobre a realização da penhora de coisas imóveis, cf. o art. 838.º do CPC antigo na redação então em vigor, resultante do DL n.º 38/2003, de 08-03, e da Declaração de Retificação n.º 5-C/2003, de 30-04). Afirma-se na sentença que a existência da penhora era do conhecimento da falecida mãe da Autora, facto que, embora se nos afigure possível, não está, na verdade, provado. A Ré insiste, parecendo com isso pretender afastar a sua culpa, que, não conhecia, à data da celebração do contrato, a existência da penhora. Porém, não só nada consta a esse respeito da sentença recorrida (estando a penhora registada, a Ré, a ter consultado a informação registal disponível, podia ter ficado a saber da situação), como até nos parece irrelevante para o caso um eventual desconhecimento desse facto (tanto mais que não se discute nos presentes autos a anulabilidade do contrato fundada em erro).
Conforme salientado na sentença recorrida, importa sim ter presente o disposto no artigo 819.º do CC, com a epígrafe “Disposição ou oneração dos bens penhorados”, nos termos do qual “(S)em prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.” Significa isto que o contrato de arrendamento celebrado poderá ter produzido os seus efeitos entre as partes contratantes, sendo, todavia, ineficaz em relação à exequente CGD, eventuais credores reclamantes e futuro adquirente. Portanto, embora a lei não comine com a invalidade (nulidade ou anulabilidade) um tal contrato, o certo é que o mesmo é inoponível ou ineficaz na execução e, a não ter cessado antes (designadamente com a resolução ora em apreço), sempre caducaria por força da venda executiva. Neste sentido, a título exemplificativo, veja-se:
- o acórdão do STJ de 05-02-2009, na Revista n.º 3994/08 - 2.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt, como se alcança da seguinte passagem do respetivo sumário: “I - Qualquer situação locatícia - registada ou não - constituída após o registo da hipoteca, arresto ou penhora é inoponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial, na justa medida em que após a concretização desta caduca automaticamente.”;
- o acórdão da Relação de Coimbra de 09-10-2012, no proc. n.º 1734/10.7TBFIG, disponível em www.dgsi.pt, no qual se refere que: “(…) se a relação arrendatícia for constituída depois da penhora do locado, esta será inoponível à execução, nos termos do disposto no art.º 819.º do CC, pelo que a venda judicial do arrendado não determinará a transmissão para o adquirente da posição de senhorio.
Trata-se de situação linear porquanto estando o imóvel onerado já com uma penhora que visa dar satisfação aos direitos do credor, mal se compreenderia que o senhorio pudesse onerar o imóvel com um arrendamento e este fosse oponível ao credor beneficiário de tal garantia”;
- o acórdão da Relação de Lisboa de 30-03-2017, no proc. n.º 23184/09.8T2SNT.L1-8, disponível em www.dgsi.pt, em que também se considerou que, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado em data posterior à da penhora que incidiu sobre o imóvel objeto de tal contrato, não pode o arrendatário vir exercer o direito de preferência na venda executiva, na medida em que, após a concretização desta, o contrato caduca automaticamente.
De referir que a Ré não veio defender que, por morte da mãe da Autora, tenha deixado de ser possível efetuar o pagamento por transferência bancária para a conta cujo NIB vinha indicado no contrato de arrendamento, pelo que nem se coloca a questão de saber se existiu mora do credor por essa razão (a este respeito, veja-se, exemplificativamente, o acórdão da RL de 11-12-2019, no proc. n.º 4169/18.0T8FNC.L1-2, disponível em www.dgsi.pt). Seja como for, a mora da Ré sempre ocorria, pelo menos, com referência às rendas vencidas desde que a Autora, por carta de 05-04-2017, lhe comunicou o falecimento da sua mãe e indicou o IBAN de conta bancária, informação suficiente para que a Ré lhe pagasse as rendas, não se descortinando qual a suposta informação relevante omitida a que esta última se refere.
Por outro lado, embora essa tenha sido a justificação apresentada pela Ré na carta de 18-04-2017 (pela qual respondeu àquela outra carta da Autora), a verdade é que não está provado que a Ré tenha efetivamente recebido indicação fosse de quem fosse para cessar o pagamento da renda à Autora. Ao invés, até se provou que a Ré nunca recebeu nenhuma notificação de penhora da renda à ordem de processo executivo (cf. art. 861.º do CPC antigo e art. 779.º do atual CPC).
Acresce não resultar do elenco dos factos provados que tenha aí sido proferido despacho transitado em julgado reconhecendo à Ré o direito de preferência na futura venda executiva, mas, mesmo que uma tal decisão possa existir, nunca poderia obstar, com força de caso julgado material, à resolução do contrato com o fundamento previsto no art. 1083.º, n.º 3, do CC.
É também inócua a crítica dirigida pela Ré à sentença na parte em que se alude à falta de depósito da renda. Com efeito, as observações da Ré a esse respeito mais se reconduzem a uma suposta causa de nulidade da sentença, por excesso de pronúncia [cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC], escusando-se, todavia, a Ré a invocar uma tal nulidade, que não é de conhecimento oficioso. Nada de errado se afirma na sentença, neste particular, sendo evidente que a Ré não estava obrigada a efetuar tal depósito nos termos dos artigos 17.º e ss. da referida Lei n.º 6/2006, por tal ser facultativo (sobre esta figura, veja-se Luís Menezes Leitão, in “Arrendamento Urbano”, 9.ª edição, Almedina, págs. 138-139, 149-150 e 224-226).
Certo é que, não tendo nunca sido notificada da penhora das rendas, nem estando sequer provado que tenha sido avisada (pelo encarregado da venda) para deixar de o fazer, a Ré não estava dispensada de proceder ao pagamento da renda à Autora.
Portanto, a Ré encontrava-se numa situação de prolongada mora (com duração muito superior à mínima prevista na lei) no pagamento da renda e nunca veio fazê-la cessar, como a própria reconhece - mormente por via da consignação em depósito das rendas devidas e indemnização legal (cf. artigos 1041.º, 1048.º e 1084.º do CC) -, não tendo demonstrado nenhuma razão atendível para que o direito da senhoria à resolução do contrato não pudesse ser exercitado com esse fundamento. Se porventura o seu legal representante se convenceu, como afirma a Ré, de que o não pagamento das rendas nunca importaria em justa causa de resolução contratual, estava errado, sendo certo que a sua ignorância ou má interpretação da lei não lhe pode aproveitar (cf. art. 6.º do CC).
Consequentemente, não merece censura a sentença recorrida que julgou validamente resolvido o contrato, improcedendo as conclusões da alegação de recurso, ao qual não pode deixar de ser negado provimento.

Vencida a Ré-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

***

III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida e condenar a Ré-Apelante no pagamento das custas do recurso.
D.N.


Lisboa, 29-04-2021


Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua

(Acórdão assinado eletronicamente)