Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25642/21.7T8LSB.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: DELIBERAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: As ações que visem a anulação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o condomínio (colégio de condóminos), representado pelo administrador, com base numa interpretação atualista do nº 6, do art. 1433º, do CC, conjugado com o disposto no art. 1437º, nºs 1, e 2, do mesmo Código, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 8/2022, de 10/01.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


Relatório


J(…), residente na Rua (…), em Lisboa, propôs contra Condomínio do prédio sito na Rua (…), em Lisboa, representado pela sua administradora “L(…) com sede na Av. (…), em Lisboa, a presente ação declarativa, ao abrigo do invocado art. 1433º, nº 4, in fine, do Código Civil, e que segue a forma do processo comum, alegando, em síntese, o seguinte:
A administração do Condomínio do sobredito prédio foi eleita em Assembleia de Condomínio que teve lugar no dia 8 de junho de 2021;
O autor é proprietário da fração G – 2º Dtº, de tal prédio;
Naquele dia 8 de junho de 2021, além do mais, foi aprovado o “mapa das contas dos condóminos” reportadas ao dia 31 de dezembro de 2020, onde lhe foram imputadas dívidas pela anterior administração, que não aceita, tal como não aceita a validade da Assembleia que teve lugar naquela data, em consequência de ter sido realizada em segunda convocatória que relativamente à primeira não assegurou a existência dum prazo razoável, sendo, pois nulas, as deliberações nela tomadas.
Termina, pedindo seja julgada procedente por provada a ação, sendo consideradas nulas as decisões da Assembleia Geral de Condomínio aqui concretamente impugnadas.
*

O Réu foi citado e não contestou a ação.
*

Após, em sede de saneador-sentença foi apreciada e julgada procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, nos seguintes termos:
“(…)

Impõe-se aferir da legitimidade passiva (excepção, aliás, de conhecimento oficioso – arts. 576º e 578º do CPC.
O pedido principal reporta-se à anulação da decisão de aprovação das contas apresentas (ponto 1 da OT), pese embora, ser discernível (não sem dificuldade) que o Autor também põe em causa a forma como a Assembleia teve inicio (artigos 8 e 9 da PI).
A questão da legitimidade passiva nas acções de anulação/impugnação de deliberações de assembleia de condóminos não tem sido pacífica na jurisprudência e doutrina.
Entende parte da jurisprudência que o administrador do condomínio não tem legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos e que tais acções devem ser propostas, não contra os administradores, mas contra os condóminos.
Para outra parte da jurisprudência, o administrador tem legitimidade passiva, porque actua como representante orgânico do condomínio, sendo certo que a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação).
Acresce que, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador Desde já se adiante que pugnamos que estas acções, atenta a sua natureza, bem como a identidade dupla do condómino deve ser intentada contra cada um dos condóminos (que aprovou a deliberação), uma vez que estes efectivamente têm interesse em contradizer.
Assim, de acordo com o disposto no art. 12º, alínea e) do Código de Processo Civil, tem personalidade judiciária "o condomínio resultante da propriedade horizontal relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador".
Este preceito vem de encontro ao disposto no art.º 1436.º e 1437.º do Código Civil, onde se prevê a legitimidade do administrador do condomínio quer como parte activa, quer como parte passiva.
Aliás, havia já quem entendesse que a personalidade judiciária do condomínio resultava já do art. 1437º do Código Civil (neste sentido José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1, Coimbra Editora, 1999, P. 21), pois resulta directamente do n.º 2 do citado preceito que o administrador pode ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
Continuando na análise do art. 1437º do Código Civil, verifica-se que administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiros, na execução das funções que lhes pertencem (nº1) – legitimidade activa –, assim como lhe confere legitimidade passiva para ser demandado, mas apenas nas acções respeitantes às partes comuns do edifício (nº2).
A legitimidade activa está assim definida no nº 1 do art. 1437º – qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação susceptível de ser anulada – ao passo que a legitimidade passiva é assacada aos demais condóminos que a votaram positivamente, muito embora representados judiciariamente pelo administrador, na pessoa do qual são citados. A Autora Sandra Passinhas no seu livro “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2002, páginas 346 e 437, defende que é o condomínio que deve ser demandado, na pessoa do seu administrador, citando ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/05/1998, em CJ, Tomo III, págs. 96 e segs. (cf., também a jurisprudência emanada pelo Tribunal da Relação do Porto, que vai nesse sentido, referindo-se, por todos os Acórdãos de 7/01/12999 e 6/2/2006, em www.dgsi.pt), mas tal posição impõe uma interpretação do regime legal aplicável que conflitua com o estatuído nos números 1 e 6 do art. 1433º do Código Civil, que coloca, claramente, nas correspondentes posições judiciais antagónicas os condóminos que não votaram as deliberações e aqueles que o fizeram (cf., neste sentido, entre outros, Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, 3.ª Edição, Outubro de 2006, Ediforum, páginas 348 e 349 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2/02/2006, do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/3/2000, 4/3/2003, todos em www.dgsi.pt e ainda de 4/2/2003, em CJ, 2003, Tomo I, páginas 99 e seguintes, do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/6/2001, em CJ, 2001, Tomo III; páginas 27 e seguintes e do Tribunal da Relação de Évora de 2/07/1998, em BMJ n.º 479, 730 – acórdãos que obviamente o Tribunal não irá transcrever).

Este preceito - art. 1437º - refere-se à chamada legitimidade formal, isto é a capacidade judiciária ou processual – susceptibilidade de estar a parte, pessoal e livremente em juízo e não à legitimidade "ad causam" que só em concreto e caso a caso pode ser averiguada.
É que nem sempre a personalidade judiciária coincide com a capacidade  processual. Pode falhar esta, apesar de existir aquela. É o que se passa no condomínio, ao qual é reconhecida personalidade judiciária embora sem a correspondente capacidade processual. E, sendo assim torna-se necessário que o exercício dos direitos processuais fique a cargo de terceiro, que assim adquire legitimidade formal, agindo no processo, embora em nome e no interesse das partes que representam. O mesmo é dizer que, na falta de capacidade processual há necessidade do seu suprimento e é essa a função do art. 1437º do Código Civil.
Por conseguinte, conclui-se que, só relativamente aos actos de conservação e punição dos cargos comuns, aos actos conservatórios ou relativos à prestação de serviços comuns é que o administrador pode demandar e ser demandado nessa qualidade (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2.2.2006 e de 29.11.2006, disponíveis no site www.dgsi.pt)

Aqui chegados, podemos com segurança concluir que, já quando da reforma de 1995, mantido na reforma de 2013, esta alínea e) do actual art. 12º do Código de Processo Civil, não trouxe nada que já não resultasse da lei substantiva (art. 1437º do Código Civil citado), pois se o administrador podia já agir em juízo no âmbito dos seus poderes funcionais, é porque a lei reconhecia implicitamente ao condomínio, a necessária personalidade judiciária, sem que o preceito seria absurdo (cf. Acórdão do STJ de 29.11.2006, supra indicado).
Voltando ao caso dos autos. Estamos perante, atento o princípio do pedido, uma acção declarativa de anulação/impugnação de deliberação de assembleia de condóminos, que vem prevista no art. 1433º do Código Civil.
Ora, em matéria de deliberação da assembleia de condóminos o administrador não tem quaisquer poderes nem exerce qualquer função administrativa. A apreciação e votação das questões submetidas à assembleia de condóminos só a estes pertence, não desempenhando, nessa sede, o administrador, qualquer papel.
Conforme refere o art. 1433º citado, as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que os não tenha votado, o que significa que a conduta pode ser sancionada com a anulabilidade O mesmo é dizer que, a deliberação contrária à lei ou ao regulamento, é da exclusiva responsabilidade dos condóminos que a votarem, não envolvendo o exercício de qualquer poder ou desempenho de funções da parte do administrador, enquanto tal.
Logo, no que respeita às acções de impugnação das deliberações tomadas pela assembleia de condóminos, não estamos no âmbito dos poderes do administrador, pelo que, nesse domínio, não goza o condomínio de personalidade judiciária como resulta do art. 12º, alínea e) do Código de Processo Civil (e art. 1437º do Código Civil)
Daí que, nesta matéria são os próprios condóminos que devem ser pessoalmente accionados, dada a falta de personalidade judiciária do condomínio, embora a sua representação em juízo caiba ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito – art. 1433º nº 6 do Código Civil (cf. neste sentido Acórdão do STJ de 29.11.2006, que temos vindo a seguir de perto).
Fora do âmbito demarcado nos dois mencionados preceitos – o art. 12º, alínea e) do Código de Processo Civil e o art. 1437º do Código Civil – e, designadamente, no campo da impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, a questão, em termos de legitimidade, não respeita directamente ao condomínio – ente sem personalidade jurídica própria, e com a limitada personalidade judiciária assinalada, e, por isso, não dotado da possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em nome próprio, fora dos casos acima aludidos, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei – antes envolve os próprios condóminos, enquanto membros do órgão deliberativo que é a dita assembleia dos condóminos, à qual cabe, em primeira linha, a administração das partes comuns do edifício, e cujas deliberações, uma vez aprovadas e exaradas em acta, representam a vontade colegial e são vinculativas para todos eles, mesmo para os que na reunião não hajam participado, ou para os que, tendo participado, se hajam abstido na votação ou votado contra.
A questão da impugnação das deliberações é, pois, uma questão entre condóminos: a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação radica, sem dúvida, nos próprios condóminos.
Ora, independentemente do numero de condóminos - que votaram em sentido contrario (à posição do Autor) numa deliberação impugnada - se fazerem representar em juízo pela administração (ou pela pessoa que a Assembleia designar para o efeito) cabe a estas pessoalmente serem accionados para a acção declarativa.
Acresce que, a eventual ilegitimidade nesse segmento nem sequer é sanável, pois, em rigor, não nos encontramos face a uma situação de ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio necessário ou doutras situações em que seja exigida a presença adjectiva de diversas pessoas que, podem ser facilmente chamadas a intervir no mesmo, mas antes perante a demanda de entidade diversa daquelas que deveriam estar na acção, ou seja, somos confrontados com um caso de substituição da parte incorrectamente demandada por uma outra, legalmente reconhecida como aquela que deve estar nos autos.

Em conclusão, por não terem sido demandados directamente os condóminos votantes existe ilegitimidade passiva.

3.–Decisão
Pelo exposto, considero procedente a excepção dilatória de ilegitimidade, absolvendo o Réu CONDOMÍNIO DO PRÉDIO (…) da instância.
Valor: 5.000,01€ (cinco mil euros e um cêntimo)
Custas a cargo do Autor.
Registe e Notifique”
*

O autor não se conformou com a decisão, e dela veio recorrer, tendo concluído as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.–O A., invocando a sua qualidade de Condómino do R. Condomínio intentou ação de impugnação das deliberações tomadas pelo R. em Assembleia de Condomínio, pondo em causa a validade da mesma e da deliberação que nela fora tomada e que imputava ao A. uma divida que o A. entendia não existir;
2.–Proferida sentença a ação foi julgada improcedente por ilegitimidade passiva uma vez que fora demandado o Administrador do Condomínio que não tinha qualquer legitimidade passiva, razão porque a ação deveria ter sido intentada contra os Condóminos que haviam participado na mencionada Assembleia, não havendo sequer lugar à sanação do vicio da ilegitimidade passiva porquanto não se trataria de uma ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, mas antes de uma demanda de uma entidade diversa daquela que deveria estar na ação;
3.–Desta decisão vem interposto o presente recurso por se entender que a sentença não fez correta aplicação do direito;
4.–E comecemos desde logo por discordar do entendimento defendido na sentença recorrida no aspeto em que o A. põe em causa a nulidade da realização da Assembleia, porquanto a mesma teve lugar em 2ª chamada que teve lugar 15 minutos depois da hora designada para o seu início porquanto à hora marcada não haviam comparecido os Condóminos necessários ao seu funcionamento, pois a Convocatória da Assembleia e a sua realização em 2ª Chamada 15 minutos depois da hora designada para o seu inicio é um ato da exclusiva responsabilidade do Administrador do Condomínio que viola e torna anulável a realização da Assembleia por violação do art. 1432º, nº 4, do Código Civil, e escapa à tese defendida na sentença recorrida de que as deliberações tomadas na Assembleia eram da exclusiva responsabilidade dos Condóminos e não do Administrador do Condomínio;
5.–Mas, para alem desse aspeto, mal decidiu a sentença recorrida ao considerar o Administrador parte ilegítima por as deliberações não serem suas nem estarem inseridas nos seus poderes de Administração, porque o A. não intentou ação contra o Administrador do Condomínio, mas antes contra o Condomínio representado pelo seu Administrador, como desde logo se menciona no art. 1º da petição inicial;
6.–A douta sentença recorrida fez pois errada aplicação do direito ao considerar que a ação tinha sido proposta contra o Administrador do Condomínio em vez de demandar os Condóminos que haviam participado na Assembleia e que haviam aprovado as deliberações impugnadas;
7.Quanto ao mais, a questão da personalidade jurídica dos Condomínios foi questão muito discutida na Jurisprudência e durante anos defendeu – se o entendimento sufragado na sentença recorrida e que conduzia à eternização dos processos judiciais quando as ações tinham que ser intentadas contra todos os Condóminos pois o Condomínio não era dotado de personalidade jurídica ou judiciária, questão que só veio a ficar resolvida quando a lei processual veio a estabelecer que o Administrador tinha legitimidade para demandar em nome do Condomínio e cabendo também ao mesmo a representação do Condomínio em Juízo passando a estar reconhecida a legitimidade ativa e passiva em representação do Condomínio;
8.Tese aliás que veio a ser reconhecida pelos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 2006, 29 de Novembro de 2006, 20 de Setembro de 2007, de 6 de Novembro de 2008 e de 4 de Maio de 2021;
9.A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu violou pois os arts. 12º, e), do CPC, e 1433º a 1438º, do Código Civil.
Termos em que,
Deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando – se a decisão recorrida, e determinando – se que os autos voltem à primeira instância para decisão sobre o peticionado, como é de direito e é de inteira JUSTIÇA”.
*
Não foi apresentada resposta ao recurso.
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Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cabe decidir.

Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, cumpre decidir se o condomínio de prédio constituído em propriedade horizontal, representado pelo seu administrador, é parte legítima numa ação de impugnação de deliberação tomada em assembleia de condóminos.

Fundamentação de Facto
Os factos com relevância para a decisão são os que se deixaram descritos no relatório.

Fundamentação de Direito
A questão objeto de recurso – legitimidade passiva do condomínio, representado pelo administrador, nas ações que visam a anulação de deliberações tomadas em assembleia de condóminos – tem suscitado ao longo dos anos discussão acesa na doutrina e jurisprudência, materializada em decisões jurisprudenciais antagónicas, como dá conta, aliás, a decisão recorrida.
O Autor pede nos presentes autos que sejam consideradas nulas as decisões da Assembleia Geral de Condomínio, concretamente impugnadas no corpo da petição inicial e, para tanto, demandou o condomínio do prédio representado pelo administrador.
O tribunal a quo conheceu oficiosamente da exceção dilatória de ilegitimidade passiva e considerou o Réu, parte ilegítima, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 12º, al. e), do Código de Processo Civil e arts. 1433º, nº 6 e 1437º, do Código Civil, sufragando o entendimento de que são os próprios condóminos que têm de ser pessoalmente demandados, ainda que a sua representação em juízo caiba ao administrador ou a pessoa que a assembleia de condóminos designe para o efeito, em virtude de o condomínio carecer de personalidade judiciária para figurar como demandado neste tipo de ações.
A legitimidade é um pressuposto processual. O objetivo da legitimidade das partes prende-se com o interesse em que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, apresentando-se, por isso, como o corolário do  princípio do contraditório[1].

De acordo com o disposto nos nºs 1, e 2, do artigo 30º do Código de Processo Civil,o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar”; “o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”, exprimindo-se o interesse em demandar pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
“A legitimidade representa (…) uma posição da parte em relação a certo processo em concreto – melhor, em relação a certo objecto do processo, à matéria que nesse processo se trata, à questão de que esse processo se ocupa.
(…)
A legitimidade é uma posição de autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu ocupar-se em juízo desse objecto do proceso”.[2]
Segundo Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora[3], “ser parte legítima na acção é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ele oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado (…); e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida”. Logo, “(…) a lei define a legitimidade (como poder de dirigir o processo) através da titularidade do interesse em litígio (…)”, sendo que “(…) à legitimidade não satisfaz a existência de qualquer interesse, ainda que jurídico (…) na procedência ou improcedência da acção. Exige-se que as partes tenham um interesse directo, seja em demandar, seja em contradizer; não basta um interesse directo, reflexo ou derivado”
E o nº 3 daquele mesmo art. 30º, dispõe, por seu turno, que “são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor”.
Nesta conformidade, “(…) a legitimidade, como uma das condições necessárias ao proferimento (…) [da] decisão, isto é, como pressuposto processual (geral), exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.
(…) Há que aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), isto é, como dizem os nºs 1 e 2, pelo interesse directo (e não indirecto ou derivado)em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da acção, e pelo interesse directo em contradizer, exprimido pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerando o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu). Esta titularidade do interesse em demandar e do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência de uma relação jurídica (…), pela titularidade das situações jurídicas (…) que a integram: legitimados são então os sujeitos da relação jurídica controvertida, como estatui o nº 3”[4], ou seja, os sujeitos da causa concretamente apresentada pelo autor.
A utilidade (ou prejuízo) que a procedência (ou improcedência) da ação possa ter para as partes é, assim, aferida em função dos termos em que o Autor configura a sua pretensão e a posição que as partes, face ao pedido formulado e à causa de pedir, têm na relação jurídica controvertida, tal como esta foi apresentada pelo Autor.
É consabido que o condomínio de um prédio constituído em propriedade horizontal não tem personalidade jurídica, mas por via do instituto da “Extensão da personalidade judiciária” consagrado no art. 12º al. e), do Código de Processo Civil (corresponde ao art. 6º, al. e), do antigo Código de Processo Civil, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95 de 12/12), goza de personalidade judiciária relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador, encontrando-se esta norma estritamente conexionada com o disposto no art. 1436º e 1437º do Código Civil.

Segundo António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[5], por via daquele art. 12º, al. e), permite-se que o condomínio urbano intervenha “(…) como autor ou como réu em determinadas ações em que estejam em discussão questões que importam ao condomínio e que se inscrevem no âmbito dos poderes do administrador. Não sendo suficiente que essas ações respeitem ao prédio constituído em regime de propriedade horizontal, é através da conexão com as normas substantivas que deverá aferir-se quais aquelas em que o condomínio é ou não suscetível de ser parte processual ativa ou passiva, sob representação do administrador”.

O art. 1433º do Código Civil dispõe sobre a impugnação das deliberações da Assembleia de Condóminos e no que diz respeito à legitimidade ativa para a interposição da ação competente, o seu nº 1, atribui-a a qualquer condómino que as não tenha aprovado.
O nº 6, do mesmo normativo legal, dispõe, por seu turno, queA representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.”
E tendo presente esta norma, formou-se corrente jurisprudencial – acolhida pela decisão recorrida – no sentido de que as deliberações tomadas em assembleia de condóminos são da exclusiva responsabilidade daqueles que as votaram, por não  envolverem o exercício de qualquer função ou poder por parte do administrador, pelo que têm legitimidade passiva para as ações daquela natureza os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação ou deliberações impugnadas e para a qual deverão ser demandados pessoalmente, ainda que a sua representação em juízo caiba ao administrador do condomínio, ou a pessoa designada para o efeito pela assembleia de condóminos.   

Entre vários, neste sentido, citam-se a título exemplificativo os sumários dos acórdãos infra referenciados, acessíveis em www.dgsi.pt, dos quais resulta que nem sempre foram proferidos por unanimidade:

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/02/2009, proferido no âmbito do processo nº 271/2009-6, relatado pelo Sr. Conselheiro Eduardo Sapateiro, decidido por unanimidade, e assim sumariado:
“(…)
III– A impugnação das deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos conhece uma norma especial: “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito” (número 6 do artigo 1433.º do Código Civil).
IV– A legitimidade activa está definida no número 1 do artigo 1433.º do Código Civil – qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação susceptível de ser anulada – ao passo que a legitimidade passiva é assacada aos demais condóminos que a votaram positivamente, muito embora representados judiciariamente pelo administrador, na pessoa do qual são citados
V– Muito embora, como direito a constituir, possamos admitir essa tese (a deliberação anulável, caso não seja suspensa e enquanto não declarada inválida pelo tribunal, representa a vontade colectiva dos condóminos e, nessa medida, vincula juridicamente o condomínio e deve ser executada pelo administrador, que está obrigado a cumpri-la), já em termos de direito constituído e atendendo aos precisos termos utilizados pelo legislador, parece-nos muito difícil, por falta de suporte normativo, defender que do lado passivo se perfila o conjunto dos condóminos ou o condomínio.
VI– Poder-se-ia chamar à colação o estatuído nos artigos 6.º e 22.º do Código de Processo Civil, como forma de justificar a demanda do condomínio, representado pelo administrador, em casos como o dos autos, mas importa dizer que a alínea e) restringe tal intervenção processual às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador e que são aqueles que se mostram essencialmente descritos nos artigos 1436.º e 1437.º do Código Civil, não existindo sobreposição, ainda que parcial, entre as realidades a que cada um dos regimes em confronto respeitam, nem que seja pela relação de “especialidade” ou de exclusão recíproca existente entre aquele previsto nos números 1 e 6 do artigo 1433.º e aquele outro contemplado nas quatro disposições acima.
VII– Havendo aqui uma situação de ilegitimidade passiva, estava vedado ao tribunal da 1.ª instância ou às partes a regularização da instância através dos previstos nos artigos 265.º, 269.º e 288.º, números 2 e 3 do Código de Processo Civil.”

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/06/2008, proferido no Processo n.º 08A1755, tirado por maioria, com voto de vencido, de que foi relator o Sr. Conselheiro Moreira Camilo, e em cujo sumário podemos ler o seguinte:
I–A legitimidade – activa ou passiva – para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos radica-se nos próprios condóminos, sendo os demandados representados judiciariamente pelo Administrador do condomínio ou por pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
II–São eles, efectivamente, os titulares do interesse em demandar (legitimidade activa) ou em contradizer (legitimidade passiva), na definição constante do art. 26.º do CPC.”

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/2007, proferido no Processo nº 07B787, tirado por maioria, com voto de vencido, de que foi relator o Sr. Conselheiro Bettencourt de Faria, e assim sumariado:
“A acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos tem de ser interposta contra os condóminos que as votaram, que naquela devem figurar como réus, embora representados em juízo pelo administrador, que é quem deve ser citado.”

A par desta corrente jurisprudencial formou-se outra, fundada numa interpretação atualista dos arts. 12º al. e), do Código de Processo Civil e 1433º, nº 6, do Código Civil, assentando no entendimento que as deliberações aprovadas exprimem a vontade do condomínio, do grupo de todo os condóminos, e não apenas daqueles que as aprovaram e que as ações de anulação de deliberação da assembleia de condóminos cabem no âmbito das funções exercidas pelo administrador previstas na alínea h) do artigo 1436º do CC, devendo, por conseguinte, serem propostas contra o condomínio representado pelo seu administrador.

Neste sentido, e na doutrina, pronunciam-se, entre outros, Sandra Passinhas[6] e Miguel Mesquita[7], referindo, este último, que: “A solução para o problema passa, precisamente (…), pela interpretação actualista do art. 1433.º, n.º 6, do CC. Vejamos porquê. Esta norma – cuja redacção deriva do DL n.º 267/94, de 25/10 – foi redigida numa época em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte activa ou passiva num processo cível. A causa dizia respeito ao condomínio? Pois bem, tornava-se indispensável a intervenção, do lado activo ou do lado passivo, de todos os condóminos.

Só muito mais tarde, a Reforma processual de 1995/1996 veio estender, no art. 6.º, alínea e), a personalidade judiciária ao condomínio. E o art. 231.º, n.º 1, cuja redacção deriva da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador). Quer dizer, o condomínio é parte, e parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorrecto, por isso, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador.
Torna-se, assim, necessário levar a cabo uma interpretação actualista do citado art. 1433.º, n.º 6, do CC, substituindo a expressão condóminos pela palavra condomínio.
(…)
À luz da interpretação por nós propugnada, é citado aquele a quem cabe a representação judiciária do condomínio e não dos condóminos.”

Em termos jurisprudenciais, e a título exemplificativo, citam-se as seguintes decisões, consultáveis em www.dgsi.pt:

Acórdão do STJ de 5/5/2005, processo n.º 1114/05, assim sumariado:
IA legitimidade processual passiva nas acções de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos pertence ao condomínio, pois a decisão judicial que anular a deliberação será oponível àquele, integrado por todos os condóminos (art.ºs 1433, n.º 6, do CC e 6, al. e), do CPC).
IIEm tais acções, deverá o administrador ser citado como representante legal do condomínio (art.º 231, n.º 1, do CPC).

Acórdão do STJ de 10/1/2006 (revista n.º 3727/05), com o seguinte sumário:
IA al. e) do art.º 6 do CPC revisto, veio atribuir personalidade judiciária aos condomínios nas acções em que por ele pode intervir o administrador, nos termos do art.º 1433, n.º 6, do CC.
IIAssim, diversamente do que acontecia anteriormente à reforma do processo civil, o conjunto de condóminos (o condomínio) pode ser directamente demandado quando, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo ser citado o administrador como representante legal do condomínio - art.º 231, n.º 1, do CPC.”

Mais recentemente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de maio de 2021, proferido no processo nº 3107/19..7T8BRG.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt, depois de proceder a uma breve referência - mas elucidativa - sobre a divergência doutrinal e jurisprudencial referenciadas e assumindo que a tese aqui indicada em segundo lugar aparenta perfilar-se como maioritária, decidiu o seguinte:
“(…)
O art.º 12.º, al. e), do actual CPC, reproduzindo o art.º 6.º do CPC de 1961, na versão proveniente da revisão de 1995/96[15], atribui personalidade judiciária ao “condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.
Esta disposição legal remete para o art.º 1437.º do Código Civil, que prevê especificamente a “legitimidade do administrador” para agir em juízo activa e passivamente, nalguns casos, e também para o art.º 1436.º do mesmo Código que discrimina as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui a execução das deliberações da assembleia [alínea h)].
Por sua vez, o art.º 1433.º, n.º 6, do Código Civil prevê que “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito”.
A deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (art.ºs 1431.º e 1432.º, ambos do Código Civil), órgão deliberativo a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (art.º 1430.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da administração (art.ºs 1435.º a 1438.º, todos do Código Civil).

Como bem se refere no acórdão da Relação do Porto, de 13/2/2017, proferido no processo n.º 232/16.0T8MTS.P1[16], parcialmente transcrito no acórdão deste Supremo, de 24/11/2020, já citado:
“Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
Por outro lado, mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência”.
Por isso, entende-se que, quando no n.º 6 do art.º 1433º do Código Civil se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão, dizendo menos do que queria, pois parece ter tido em mira uma entidade colectiva - a assembleia de condóminos -, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador, como já se viu.
Se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do art.º 1436.º, al. h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
Concluímos, assim, com o devido respeito por outros entendimentos, que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador.
Esta solução, como refere Miguel Mesquita[17], é a que permite um exercício mais ágil do direito de ação, pois que os “pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil.”
Com ela afastam-se problemas que resultariam da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, seja pelo elevado número de condóminos de certos edifícios, seja pela impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de proceder à sua identificação (…).
A citação do administrador não evitaria esse problema, porquanto se trata de apurar a legitimidade passiva para a acção, ou seja, quem devia ser demandado e não quem os representa, sendo que, na tese que sustentamos, também o administrador representa o condomínio. Trata-se de saber quem deve figurar como parte, do lado passivo, e não o seu representante, questões distintas, como é evidente.
Atento o pedido formulado – de anulação da deliberação da assembleia de condóminos de 4/4/2019 – de acordo com a tese que sustentamos, cremos não haver dúvidas de que a legitimidade passiva é do condomínio, ainda que representado pelo seu administrador.”

Miguel Teixeira de Sousa[8], em comentário a este aresto, diz o seguinte:
“(…), não se acompanha, salvo o devido respeito, a orientação defendida no acórdão quanto à legitimidade passiva nas acções de anulação de deliberações da assembleia de condóminos. Na verdade, esta orientação implica uma tríplice interpretação correctiva:
Do disposto no art. 1433.º, n.º 6, CC, que, claramente, atribui a legitimidade passiva aos condóminos, representados pelo administrador;
Do estabelecido no art. 1437.º CC, dado que em parte alguma deste preceito se atribui legitimidade ao administrador para representar o condomínio nas acções de anulação de deliberações das assembleias de condóminos; aliás, se o fizesse, estaria em completa contradição com o que se encontra estatuído no art. 1433.º, n.º 6, CC;
Finalmente, do disposto no art. 12.º, al. e), CPC, dado que não se vê em que medida as acções de anulação de deliberações das assembleias de condóminos podem ser integradas nas "acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador".

Quer dizer: a orientação seguida no acórdão não é justificável sem uma completa subversão do sistema substantivo e processual.”
No mesmo sentido daquele aresto, e entre outros, veja-se, ainda, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/02/2021 (processo nº 146/19.1/8NZR.C1, acessível em www.dgsi.pt), em cujo sumário se lê:
I.Nas ações de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respetivo administrador.
II–A legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio”.
Entretanto, com as alterações introduzidas aos arts. 1436º e 1437º do Código Civil, pela Lei n.º 8/2022, de 10/01 (no que diz respeito ao primeiro daqueles artigos a lei entrou em vigor a partir de 10 de abril de 2022), que manteve inalterado o nº 6, do art. 1433º, surgiu recentemente jurisprudência no sentido de que inexiste fundamento para proceder à interpretação atualista daquela última norma, pois o legislador deixou agora claro que são os condóminos que têm de ser demandados pessoalmente e representados pelo administrador.

Anteriormente à entrada em vigor da referida Lei, o art. 1436º, na parte que ora importa considerar, dispunha, que:
“São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:
(…)
h)- Executar as deliberações da assembleia;
(…)”
Hoje, dispõe o seguinte:
1 São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:
(…)
i)- Executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada”.

Por seu turno, dispunha o art. 1437º, sob a epígrafe, “Legitimidade do administrador”:
1.O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
2.O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
3. Excetuam-se as ações relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador.”

Hoje, aquela norma tem a seguinte redação:
1O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.
2O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
(…)”.

Tendo por base estas alterações, o acórdão de 24 de março de 2022 do Tribunal da Relação do Porto (proferido no processo nº 1257/19.9T8PVZ.P1, acessível em www.dgsi.pt), decidiu o seguinte:
(…) Este texto legislativo constitui um farol claro no sentido da orientação da tese contrária à interpretação atualista do direito positivo (sem prejuízo de se tratar de diploma que só parcialmente entrou em vigor, conforme os seus artigos 8º e 9º).
(…)
A revisão do regime deixa intocado o referido artigo 1433º, mantendo inalterada a redação do nº 6. No entanto, procede a uma profunda revisão do artigo 1436º (a norma que regula as funções do administrador) e delimita o campo das suas funções quanto às deliberações da assembleia. A lei restringiu as respetivas funções ao determinar que lhe compete (…) “i) Executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada.”

Parece-nos evidente que o legislador de 2022 quis dar um sinal claro no sentido oposto à tese adotada na decisão recorrida. Se fosse vontade do legislador que estas ações fossem intentadas contra o condomínio, seguramente, teria alterado o texto da norma legal, procedendo à sua atualização, tanto mais que, desde o início deste século, portanto, há cerca de 20 anos, a interpretação e aplicação da mesma tem sido objeto de discussão e controvérsia na jurisprudência e doutrina.

Bem ao contrário, o Legislador não só não alterou a norma, como precisou o âmbito das funções do administrador no que se refere à execução das deliberações da assembleia limitando-as “àquelas deliberações que não tenham sido impugnadas no prazo de 15 dias úteis”

A leitura que fazemos é a de que o legislador de 2022 veio reafirmar que a legitimidade passiva neste tipo de ações cabe aos condóminos, caindo por terra a posição que defendia a interpretação atualista do artigo 1433º nº 6 CC.

Pelo que, concluímos pela razão do recorrente nesta parte, reconhecendo que a legitimidade passiva nas ações de anulação de deliberação da assembleia de condóminos reside nos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação, pois, são estes que têm interesse em contradizer, atento o prejuízo que lhes pode advir da procedência da ação (artigo 30º do CPC), que serão representados pelo administrador ou pela pessoa que a assembleia designar (artigo 1433º nº 6 do CC).”

Na exposição de motivos do Projeto Lei Nº 718/XIV/2.ª, que culminou na dita alteração legislativa, fez-se constar, além do mais, que a alteração ao Código Civil visava, além do mais, “(…) contribuir para a pacificação da jurisprudência que é abundante e controversa a propósito de algumas matérias, como, por exemplo, (…), a legitimidade processual ativa e passiva no âmbito de um processo judicial (…)”.[9]

Não cremos, ainda assim, que o legislador tenha primado pela clareza e assertividade que se lhe impunha, face a uma discussão que vem sendo travada ao longo de anos, quer na doutrina, quer na jurisprudência e que, pelo menos a esta data, parece não ter abrandado, estando ainda longe da pacificidade desejada, em nome da celeridade processual por que tanto se reclama. 

Retomando o caso dos autos e salvo o devido respeito pela sobredita decisão do Tribunal da Relação do Porto, da alteração introduzida à alínea i), do art. 1436º, apenas logramos retirar duas conclusões: a)-que foi estabelecido um prazo para o administrador do condomínio executar as deliberações da assembleia de condóminos que não tenham sido impugnadas; b)-e que não poderá executar aquelas que tenham sido alvo de impugnação, sem que daqui se possa retirar qualquer conclusão sobre a questão da legitimidade passiva no âmbito das ações de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos. Efetivamente, tal norma não nos permite afastar o entendimento de que todas as deliberações aprovadas constituem deliberações do condomínio e que enquanto não forem anuladas vinculam todo o condomínio, sendo que a decisão que eventualmente venha a julgar procedente a impugnação continua a vinculá-lo[10]. Como foi expresso na decisão sumária proferida no Processo nº 742/21.7T8MFR.L1, desta 8ª Secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa, proferida pela 1ª Adjunta que assina este acórdão (e que decidiu nos mesmos termos infra decididos) “A deliberação (toda a deliberação de qualquer órgão plural) vale como deliberação do colégio e vincula normativamente a colectividade, projectando-se na esfera jurídica desta.” Acresce, que independentemente de qualquer deliberação poder ser impugnada por um ou mais dos condóminos que a tenham votado desfavoravelmente (e nem todos aqueles que assim votaram podem querer ou ter interesse em impugná-la), o condomínio tem interesse em sustentar a validade das deliberações aprovadas e, por isso, interesse em contradizer a ação de impugnação, já que não lhe é indiferente o resultado que possa advir da sua procedência, o que basta para afirmar a sua legitimidade passiva à luz do citado art. 30º, do Código de Processo Civil. Não se alterou, assim, a nosso ver, a pertinência da interpretação atualista do nº 6 do art. 1433º, nos termos acima referenciados e com a qual concordamos, acrescendo que só esta interpretação é compatível com a circunstância de se prever naquela norma que os “condóminos” são representados em juízo pelo administrador do condomínio. Efetivamente, só ponderando que a lei quis referir-se à universalidade dos condóminos – ao condomínio - conseguimos entender aquela opção do legislador, pois os condóminos pessoalmente considerados gozam de personalidade jurídica e consequentemente de personalidade e capacidade judiciária, e como tal, teriam de estar de per si em juízo, de acordo com a sua vontade individual, representando-se e podendo constituir pessoalmente mandatário, como sucede em qualquer ação em que seja demandada pessoa singular.

Ainda no sentido de que a legitimidade processual recai sobre o condomínio, vejam-se os seguintes acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa:
Acórdão de 28/04/2022 (processo nº 2460/20.4T8LSB.L16, acessível em www.dgsi.pt):
“A interpretação actualista desta norma já mencionada ponderava que na data da sua elaboração e introdução no Código Civil (o diploma que a introduz é o Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro) ainda não existia norma atributiva de personalidade judiciária ao Condomínio (introduzida materialmente no artigo 6.º/e) do anterior Código de Processo Civil, pela Reforma de 95/96). Assim, o legislador teria utilizado a expressão condóminos no sentido de conjunto de condóminos correspondente, desde 95/96, a condomínio.
Entendemos que por outra razão devia interpretar-se a norma do artigo 1433.º/6 como atribuindo legitimidade ao Condomínio nas acções de impugnação de deliberações sociais.
Isto porque, já antes da redacção introduzida no artigo 6.º do Código de Processo Civil antigo pela Reforma de 95/96 podia considerar-se a personalidade judiciária do Condomínio face ao teor da alínea a) da norma, prevendo a situação dos patrimónios autónomos, entre os quais o condomínio se insere.
Assim, entendemos que a referência do artigo 1433.º/6 do Código Civil aos condóminos teria de ser compreendida como reportando-se à pluralidade que a expressão condomínio identifica enquanto património autónomo dotado de personalidade judiciária, logo atribuindo ao administrador a função de defesa em juízo das deliberações da assembleia e a consequente legitimidade para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos (com autonomia face ao artigo 1436.º).
Só assim pode compreender-se a menção a serem os condóminos representados pelo administrador. Se a norma se referisse aos condóminos pessoas singulares ou colectivas inexistiria razão ou possibilidade de lhes impor representação diversa da que resulta da lei ou da sua própria vontade.
A intervenção da lei 8/2022 em nada afasta esta interpretação, na nossa perspectiva, tanto quanto às alterações do 1436º e 1437.º, como já referido, nem quanto à não intervenção do legislador no artigo 1433.º. A intervenção no artigo 1437.º pode de algum modo considerar-se como corroborando tal interpretação como acima indicámos, embora não seja isenta de dúvidas.
A alteração do artigo 1436.º/i) é irrelevante, como indicado, a do artigo 1437.º é congruente, ao indicar a legitimidade do administrador quando seja referido como actuando em “representação do condomínio”, pese embora a indefinição conceptual, e a manutenção do 1433.º/6 recolhe a interpretação maioritária da jurisprudência.
Em suma, entendemos que o artigo 1433.º/6 devia ser interpretado, antes da Lei 8/2022 e mesmo antes da reforma de 95/96, como atribuindo legitimidade ao Condomínio[9] e que a lei 8/2022 em nada obstaculiza tal interpretação, contribuindo até para a validar.”

Seguindo este mesmo entendimento, e que também sufragamos, decidiu-se no acórdão desta mesma Relação de 27 de outubro de 2022 (Processo nº 2131721.4T8AMD.L1-2, acessível em www.dgsi.pt ), que:
(…) a redacção do nº 6 do art.º 1433º do Código Civil carecia de ser interpretada com recurso a uma interpretação actualista desde que entrou em vigor a reforma do Código de Processo Civil de 1995/1996, com a qual passou a ser conferida personalidade judiciária ao condomínio (isto é, a susceptibilidade de figurar como autor ou réu).
Nesta medida, a necessidade de tal interpretação não deixa de se verificar pela entrada em vigor das alterações decorrentes da Lei 8/22, de 10/1, na exacta medida em que tal diploma não alterou a redacção do referido art.º 1433º do Código Civil (desde logo o seu nº 6), mas apenas (no que aqui releva) a redacção do art.º 1437º do Código Civil, para que este preceito legal não mais se referisse à representação em juízo do condomínio (isto é, à sua capacidade judiciária) como se se tratasse do pressuposto da legitimidade processual do seu administrador.

Aliás, por isso é que o legislador substituiu a epígrafe “legitimidade do administrador” pela epígrafe “representação do condomínio em juízo”, na medida em que deixou (há muito) de estar em causa que o condomínio não pudesse estar em juízo (activa ou passivamente), enquanto conjunto organizado dos condóminos e, por isso, carecendo de ser estabelecida a sua representação orgânica, em juízo. Ou, dito de outra forma, por não estar em causa a actuação do administrador do condomínio, em nome próprio, mas apenas no exercício dessas funções de representação, nenhum sentido fazia falar da legitimidade processual do administrador, já que tal pressuposto processual havia de se reportar à entidade com personalidade judiciária (o condomínio, segundo o art.º 12º do Código de Processo Civil), e sendo aferida nos termos do art.º 30º do Código de Processo Civil.
E como da nova redacção do nº 2 do art.º 1437º do Código Civil resulta que tal representação do condomínio em juízo corresponde à representação da universalidade dos condóminos, esclarecida passou a estar, através da acção do legislador e por esta via interpretativa autêntica, a dúvida sobre quem deve ser demandado nas acções a que respeita o art.º 1433º do Código Civil, tomando o mesmo legislador “partido” no sentido de dever ser o condomínio, entidade com personalidade judiciária e correspondente ao universo de condóminos, representado pelo seu administrador (ou pela pessoa que a assembleia de condóminos designar).” sublinhado nosso.

Por último e da Relação do Porto, veja-se ainda o acórdão proferido no processo nº 54/21.6T8PFR.P1 (acessível em www.dgsi.pt), em cujo sumário se lê:
I.–Na questão sobre a legitimidade passiva nas acções cujo objecto seja a anulação de deliberações da assembleia de condóminos, deve ser efectuada uma leitura actualista do art. 1433º, nº6, do CC, pelo que estas devem ser intentadas contra o condomínio representado pelo seu administrador.
II–Essa corrente já é actualmente a maioritária.
III–O legislador através da alteração do art. 1437º, do CC efectuada pela lei nº 8/2022 de 10.1. consagrou esta posição, adotando assim uma norma de natureza interpretativa.
IV–Nesse diploma consagrou-se ainda que essa norma (com entrada em vigor no dia seguinte à sua publicação) produzia efeitos imediatos em todas as ações pendentes onde se discuta essa questão de representação.
(…)”.

Pelo exposto, resta concluir pela procedência da apelação.

Decisão

Na sequência do exposto, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente, revogando-se, em consequência, a decisão que, oficiosamente, julgou verificada a falta de legitimidade processual do condomínio, representado pelo administrador, com a sua consequente absolvição da instância, substituindo-a, por esta, que declara a legitimidade passiva do réu demandado para os termos da ação.
Sem tributação.
Notifique.


Lisboa, 11 de maio de 2023


Cristina Lourenço-(Relatora)
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira-(1ª Adjunta)
Ana Paula Nunes Duarte Olivença-(2ª Adjunta)


[1]Anselmo de Castro, Direito Processual Civil declaratório, II, Livraria Almedina, Coimbra, pág. 168.
[2]João de Castro Mendes, in “direito processual civil IIº Vol.”Edição AAFDL, 1987, pág. 187.
[3]In, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, págs. 129, 134 e 135.
[4]Vide Freitas, José Lebre de, “Código de Processo Civil anotado”, vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 51.
[5]“Código de processo Civil Anotado”, Vol. I, “ª Edição, Almedina, 2021, pág. 47.
[6]In “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2.ª edição, pág. 346.
[7]“A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Acções de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos, in Cadernos de Direito Privado, n.º 35, Julho/Setembro 2011, págs. 41 a 56, apud acórdão do STJ, de 4 de maio de 2021, citado pelo recorrente e acessível em www.dgsi.pt.
[8]In, Blog IPPC Jurisprudência 2021 (82),
[9] https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=110433
[10]Jorge Alberto Aragão Seia, in Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínio, Almedina, 2.ª Edição, págs.190-191.