Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA VIEGAS | ||
Descritores: | REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL COMPETÊNCIA INTERNACIONAL REGULAMENTO (EU) 2019/1111 DO CONSELHO DE 25/6/2019 DESLOCAÇÃO OU RETENÇÃO ILÍCITA RESIDÊNCIA DA CRIANÇA ITÁLIA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/22/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I- Nos termos do Regulamento (EU) 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019, em matéria de responsabilidades parentais, por regra, são competentes os tribunais do Estado-Membro em que a criança resida habitualmente, regra que é afastada nos casos especiais previstos nos arts. 8.º a 10.º, entre os quais se conta a deslocação ou retenção ilícitas da criança. II- No âmbito desse regulamento, independentemente da terminologia usada na regulação concreta das responsabilidades parentais (v.g. guarda, confiança, custódia), se à luz dessa regulação concreta (e/ou com apelo à lei aplicável) o lugar da residência da criança não poder ser decidido sem o consentimento de certa pessoa (progenitor ou não), então, essa pessoa, para os fins do regulamento, tem um direito de guarda. III- Considerando-se violado o direito de guarda – na aceção constante do ponto anterior – a deslocação (ou retenção) de uma criança de um Estado-Membro para outro, haverá de ser considerada ilícita, caso em que a competência para decidir sobre as responsabilidades parentais cabe aos tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I- Relatório 1- S… instaurou ação para alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais contra T…, residente em Itália, relativamente aos menores I…, nascida a … de Agosto de 20…, e M…, nascido a … de Agosto de 20.., filhos de ambos, alegando que, em 2018 foi para Itália com os referidos menores ao encontro do marido, ora requerido, mas em 2019, por ser vítima de violência doméstica foi viver para um abrigo e o casal separou-se; as responsabilidades parentais relativas aos menores foram reguladas em processo que correu no tribunal de Verona, por decisão de ….2023, que fixou a residência dos menores com a mãe que ficou também com o exercício exclusivo das responsabilidades parentais, com regime de visitas por parte do pai mas sem pernoita; em finais de junho de 2023 a requerente veio para Portugal com os filhos, numa viagem que foi autorizada pelo requerido, não tendo mais regressado, nem tencionando regressar a Itália, estando os filhos integrados junto da família materna; as crianças frequentam a escola, a requerente está a trabalhar; as alterações que se verificaram nestes últimos meses tornam inexequível o regime de visitas que fora estabelecido, requerendo que o mesmo seja alterado. 2- Os autos foram com vista ao Ministério Público que promoveu: - Se oficie a DGRSP para que, no prazo de 10 dias, informe se existe algum pedido de regresso das crianças I…, nascida a …2016, e M…, nascido a …2017, apresentado pelo progenitor das mesmas, T…; - Se notifique a Requerente para, em 5 dias, vir indicar aos autos os contactos telefónicos e o endereço de correio eletrónico do progenitor das crianças; - Se extraia certidão de todo o processado para RDA como inquérito – IO – subtração de menor. 3- Em seguida foi proferida decisão com o seguinte teor: “S…, residente na Rua …, S. Domingos de Rana, instaurou contra T…, residente na Via …, Itália, ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos I…, nascida em … de 2016 e M…, nascido em … de 2017. Para tanto alega que as responsabilidades parentais dos menores foram reguladas em Itália, onde residiam com a Requerente e onde ainda reside o Requerido. Segundo a Requerente, veio a Portugal passar férias com a família materna, tendo o Requerido autorizado tal viagem, mas quando estava cá decidiu cá ficar a residir pelo que já não regressou a Itália. Pretende, assim, a alteração dos convívios fixados em virtude de, face à distância, ser inviável o seu cumprimento. Cumpre apreciar. De harmonia com o plasmado no artigo 42º nº 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, «Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais». De harmonia com o vertido no artigo 9º nº 1, do supracitado diploma legal, o tribunal competente para conhecer das providências tutelares cíveis é o da residência da Criança, no momento em que a ação foi proposta. O conceito de residência da criança ou jovem deve ser entendido como o local onde se encontra organizada a sua vida, em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida e onde está radicado. Ora, este local é sem dúvida, e pelos elementos constantes dos autos, em Itália. Efetivamente, pese embora a Progenitora tenha alterado a sua residência para Portugal e tenha permanecido em Portugal com as Crianças, não se pode deixar de considerar que, ao permanecer em Portugal para além do período de férias autorizado pelo Pai, se encontra a reter ilicitamente os filhos em território nacional. Senão vejamos. Dispõe o artigo 7º do Regulamente de Bruxelas II ter que «Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo é instaurado no tribunal». Sendo que, nos termos preceituados no artigo 9º do mesmo diploma, «Sem prejuízo do artigo 10º, em caso de deslocação ou retenção ilícita de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter residência habitual noutro Estado-Membro e: a) Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção; ou b) A criança ter estado a residir nesse outro Estado-Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições…» Ora, do que decorre do requerimento inicial o Pai apenas terá dado o seu consentimento para a vinda a Portugal em férias, inexistindo qualquer indicação (e muito menos prova) de que terá dado o seu consentimento à alteração da residência das Crianças para Portugal. Aliás, tal pedido terá sido formulado junto do tribunal Italiano e foi recusado na medida em que tal alteração importaria o afastamento com o Pai e colocaria em risco os laços afetivos entre o Pai e as Crianças. Acresce que as Crianças ainda não se encontram em território nacional há mais de um ano, independentemente de já estarem a frequentar a escola. Temos, pois, que não resta senão concluir que, não tendo sido autorizada pelo Pai a mudança de residência dos menores para Portugal a sua retenção em território nacional é ilícita e importa que sejam os tribunais italianos que mantêm a competência para qualquer tomada de decisão referente às responsabilidades parentais das Crianças, incluindo a sua alteração. Nestes termos, não tendo este Juízo de Família e Menores competência internacional para a apreciação desta ação, desde já declaro o Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste incompetente em razão das regras de competência internacional, o que determina a incompetência absoluta do Tribunal, nos termos do disposto nos artigos 96.º e 97.º do Código de Processo Civil. Face ao exposto, julgo verificada a exceção de incompetência deste Juízo de Família e Menores em razão das regras de competência internacional e em consequência, indefiro liminarmente o requerido, ao abrigo do disposto nos artigos 590º nº 1 e 577º al. a), do Código de Processo Civil.” * 4- É dessa decisão que vem interposto pela requerente, o presente recurso, no âmbito do qual apresentou as seguintes conclusões: a) O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou verificada a exceção da incompetência internacional. b) Salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão, c) Na medida em que, a mesma desrespeitou o princípio basilar da salvaguarda do superior interesse do menor e fez uma errada interpretação do Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 que impunham uma decisão diferente. d) A decisão recorrida sustenta que o artigo 7º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 que estabelece que “Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo é instaurado em Tribunal.”, e) E que o artigo 9º do mesmo diploma legal estabelece que a criança só passa a ter residência habitual noutro Estado-Membro desde que tenha decorrido um ano desde que a pessoa, instituição ou organismo titular do direito de guarda tenha tomado conhecimento do paradeiro da criança. f) Olvida o Tribunal a quo que a ratio do Artigo 7º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do conselho de 27 de Novembro de 2003 assenta no critério de proximidade do foro com a criança. g) E, de acordo com a jurisprudência portuguesa, o conceito de residência habitual deve ser interpretado à luz do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, Acórdão Mercredi, de 22 de Dezembro de 28 de Janeiro de 2016” III (…) a determinação do conceito de residência habitual há-de ser feita à luz das disposições do dito Regulamento, nomeadamente do constante do seu considerando 12º, daí resultando que “as regras de competência nele fixadas são definidas em função do superior interesse da criança, em particular do critério da proximidade.” IV - De acordo com esta jurisprudência, o conceito de “residência habitual” corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar, sendo que para determinar a residência habitual de uma criança, além da presença física desta num Estado-Membro, outros factores suplementares (v.g. a duração, a regularidade, as condições e as razões de permanência num território de um Estado-Membro ou da mudança, a nacionalidade da criança, a idade e, bem assim os laços familiares e sociais que a criança tiver no referido Estado-Membro) devem indicar que essa presença não tem carácter temporário ou ocasional.”. h) Na mesma linha de entendimento, Ac. Rel. de Lisboa de 14 de Janeiro de 2020 disponível para consulta em www.dgsi.pt que considera que “A “residência habitual”, a que se refere o n.º 1 do artigo 8º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 deve ser aferida pelo juiz, tendo em conta o conjunto de circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto, nomeadamente, o local que revele um certo grau de integração da criança em ambiente social e familiar, as condições, duração, regularidade e as razões da sua permanência no território de um Estado-Membro, a sua nacionalidade, o local e as condições da sua escolaridade, os seus conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais da criança no referido Estado e quaisquer fatores suscetíveis de demonstrar que a presença da criança num Estado – Membro não tem, de forma alguma, caráter temporário ou ocasional, muito embora, não possa excluir-se que uma criança possa ter a residência habitual num Estado-Membro no próprio dia em que aí chega, ou pouco tempo depois.”. i) De salientar que, nos termos do artigo 9º n.ºs 1 e 7 do RGPTC o Tribunal competente para decretar as providências é o tribunal da residência das crianças ou se a criança residir noutro país, o tribunal da residência do Requerente. j) A Recorrente e os filhos são cidadãos portugueses e encontram-se a residir em território nacional. k) De acordo com a decisão proferida pelo Tribunal de Verona, a residência das crianças foi fixada junto da Recorrente, que exerce em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais; l) As crianças encontram-se, desde Julho de 2023 a residir em Portugal, frequentando estabelecimento de ensino, estando perfeitamente integradas a nível familiar, social e escolar, sendo este o país com o qual apresentam uma mais estreita ligação. m) Em Itália, as crianças permaneciam na companhia da Recorrente num abrigo para vítimas de violência doméstica, não tendo um espaço que identificassem como seu e estando sujeitas as regras e constrangimentos próprios do funcionamento dos abrigos. n) A Recorrente e os filhos apenas permaneceram em Itália em virtude da mesma ter apresentado um processo de violência doméstica contra o Recorrido. o) A Recorrente defende que o desenvolvimento integral e harmonioso dos filhos será alcançado mediante a criação e desenvolvimento de laços contínuos de amizade e proximidade com colegas, amigos e familiares. p) Não aceitar a competência internacional dos tribunais portugueses significa que, qualquer decisão de venha a ser proferida no âmbito do pedido de alteração das responsabilidades parentais não terá em consideração o acompanhamento próximo e real das crianças que residem em Portugal. q) Dos elementos junto aos autos resulta que a decisão da Recorrente é em benefício dos filhos e em prol do seu superior interesse. r) O princípio que norteia os processos tutelares cíveis é o princípio da salvaguarda do superior interesse do menor, critério essencial e que deverá ser aferido casuisticamente, prevalecendo sobre o interesse dos restantes critérios. s) A sentença recorrida viola o Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho e RGPTC, devendo, por conseguinte, ser substituída por outro que considere competente o Tribunal a quo, salvaguardando desta forma os superiores interesses dos menores. 5- Contra-alegou o Ministério Público, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões: 1. A requerente, vem recorrer da decisão, proferida a 01.02.2024, que julgou verificada a exceção de incompetência do Juízo de Família e Menores de Cascais em razão das regras de competência internacional e em consequência indeferiu liminarmente o requerimento de alteração da regulação das responsabilidades parentais. 2. A interpretação que o tribunal a quo efetuou do Regulamento n.º 2201/2003, não nos merece qualquer censura. 3. E, em consequência, não merece qualquer reparo a decisão que declara o tribunal a quo incompetente. 4. Não caberá a aplicação singela das normas do regulamento invocadas pela recorrente na medida em que o seu recurso não previu o facto de a presente alteração estar condicionada a uma situação de deslocação ilícita em Portugal. 5. E, por essa razão, não se poderá aplicar em singelo as normas gerais do regulamento, no que concerne à residência habitual, atento o facto de esta não poder ser estabelecida em Portugal, por as crianças estarem ilicitamente em território nacional. 6. Também, assim, entendemos que atribuir competência ao tribunal onde as crianças estão ilicitamente retidas é premiar o progenitor que incumpriu o regime de exercício das responsabilidades parentais fixadas. 7. No caso vertente, atribuir aos tribunais portugueses, premiaria a progenitora que à revelia do pai deslocou a residência dos menores para Portugal. 8. A recorrente já havia solicitado ao tribunal Italiano, onde foram reguladas as responsabilidades parentais, autorização para se deslocar para o estrangeiro, o que lhe foi veemente negado por aquele. 9. Ora, tal conduta, revela que a recorrente reconhecia ao tribunal Italiano competência para decidir sobre a autorização de residência no estrangeiro das crianças, pelo que não se alcança o que se alterou no entendimento da recorrente. 10. Termos em que, entendemos que o requerimento inicial apresentado nos presentes autos visa esvaziar a competência dos tribunais italianos por aqueles terem tomado uma decisão que não agradou a requerente, ora recorrente, impedindo que as crianças fixassem residência num país diferente do seu progenitor, o que a mãe acabou por fazer em total desrespeito com a decisão proferida. 11. Deverá ser mantida a sentença recorrida nos seus precisos termos. *** Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir * Objecto do recurso/questões a decidir: Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente, prefigura-se no presente caso a seguinte questão a decidir: - Saber se o tribunal de família e menores é internacionalmente competente para apreciar o pedido de alteração das responsabilidades parentais. ** II- Fundamentação 2.1- Fundamentação de facto: Os factos que importam à decisão são os que constam do relatório supra, e ainda os seguintes que resultam dos documentos juntos pela requerente com a petição que deu início à ação: - ambos os menores nasceram em S…, Inglaterra, onde, à data dos nascimentos, ambos os pais residiam (certidões de nascimento juntas aos autos) - por decisão proferida pelo tribunal de Verona, Itália, em … 2023, foi decretado o divórcio dos pais, confiados os menores à mãe, com residência preferencial com a mãe, e rejeitado o pedido da requerente de autorização para se mudar para o estrangeiro com os filhos, e regulado o regime de visitas do pai aos menores. (cópia da decisão junta com a petição) - o pai dos menores autorizou a saída dos mesmos de Itália, por documento escrito, para férias no período de 17 de junho de 2023 a 19 de julho de 2023 (data de regresso). (declaração de autorização do pai junta aos autos) ** 2.2- Fundamentação de direito: A recorrente discorda da decisão, entendendo que a mesma desrespeitou o princípio basilar da salvaguarda do superior interesse do menor e fez uma errada interpretação do Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 que impunham uma decisão diferente, defendendo o entendimento de que os menores têm residência habitual em Portugal. Vejamos: O Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) - Lei n.º 141/2015, de 08/09 - que regula o processo aplicável às providências tutelares cíveis e respetivos incidentes, nas quais se inclui a regulação das responsabilidades parentais (art.º 1.º e 3.º c), estabelece no art.º 42.º: “1 - Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”, donde resulta, em conformidade, aliás, com o disposto no art.º 12.º (tratam-se de processos de jurisdição voluntária, aplicando-se, ainda, os normativos do arts. 986.º e segs. do Código Processo Civil), que as providências podem sempre ser alteradas quando haja incumprimento ou quando circunstâncias novas imponham a necessidade de alterar o que estava estabelecido, o que bem se compreende, porquanto, tais processos respeitam a uma realidade dinâmica, desde logo decorrente do natural crescimento da criança/jovem, e, as mais das vezes, moldada, também, pelas interações entre os envolvidos, mormente progenitores, cujo projeto/opções de vida, entre outras situações (v.g. mudança de residência, etc.) não são estáticas e podem repercutir-se e repercutir-se-ão amiúde na vida dos filhos, reclamando o interesse destes a revisão do estabelecido. Por seu turno, o art.9.º do citado regime, estabelece as regras a atender no que respeita à competência territorial do tribunal, mas tem pressuposta a competência internacional do tribunal português, como resulta do seu n.º 7 - Se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido.- e do seu n.º 8 - Quando o requerente e o requerido residam no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, o conhecimento da causa pertence à secção da instância central de família e menores de Lisboa, na Comarca de Lisboa -, pelo que, não resolve por si a questão que nos ocupa e que passa por saber se deve concluir-se que, para afirmação da competência internacional dos tribunais portugueses, os menores se devem ter por residentes em Portugal. O art.º 59.º do CPC diz-nos que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos arts. 62.º e 63.º (…)”, pelo que, prevalece, o que se encontra estabelecido em regulamentos europeus ou outros instrumentos internacionais de que Portugal seja parte. E nesta matéria importa o que se encontra estabelecido no Regulamento (EU) 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019, que revogou, sob reserva do previsto no seu artigo 100.º n.º 2 o Regulamento (CE) n.º 2201/2003, com efeitos a partir de 1 de agosto de 2022, aplicando-se apenas às ações judiciais intentadas, aos atos autênticos formalmente exarados e aos acordos registados em 1 de agosto de 2022 ou numa data posterior, continuando o Regulamento (CE) 2201/2003 a ser aplicável às decisões proferidas em ações judiciais intentadas, aos atos autênticos exarados e aos acordos que se tornaram aplicáveis no Estado-Membro em que foram celebrados antes de 1 de agosto de 2022 e que sejam abrangidos pelo âmbito de aplicação do referido regulamento. (art.º 100.º do Regulamento). O citado regulamento (EU) 2019/1111 aplica-se, em matéria civil, à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental (art.1.º al. b), e estabelece normas de competência uniformes em matéria de divórcio, separação ou anulação do casamento, bem como regras para dirimir litígios em matéria de responsabilidade parental que impliquem um elemento internacional. (considerando 2). Por relevantes para a apreciação da questão que nos ocupa, haverão de ter-se em conta os seguintes considerandos do citado regulamento: 18) Para efeitos do presente regulamento, deverá considerar-se que uma pessoa tem o «direito de guarda» quando, na sequência de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, ou através de um acordo em vigor nos termos do direito do Estado-Membro em que a criança reside habitualmente, um titular da responsabilidade parental não pode decidir sobre o local de residência da criança sem o consentimento dessa pessoa, independentemente dos termos utilizados na legislação nacional. Em alguns sistemas jurídicos que mantêm os termos de «guarda» e «visita», o progenitor sem direito de guarda poderá conservar de facto importantes responsabilidades relativamente a decisões que afetam a criança e que vão mais longe do que o direito de visita. 19)As regras de competência em matéria de responsabilidade parental são definidas em função do superior interesse da criança e devem ser aplicadas em função desse interesse. Todas as referências ao superior interesse da criança deverão ser interpretadas à luz do artigo 24.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta») e da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989 («Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança»), aplicadas ao abrigo do direito e dos procedimentos nacionais. 20) Para salvaguardar o superior interesse da criança, a competência jurisdicional deverá, em primeiro lugar, ser determinada em função do critério da proximidade. Consequentemente, a competência deverá ser atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, exceto em determinadas situações previstas no presente regulamento, por exemplo, nos casos em que ocorra uma mudança da residência habitual da criança ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental. 22) Em caso de deslocação ou retenção ilícita de uma criança, e sem prejuízo da possibilidade de escolha de tribunal ao abrigo do presente regulamento, os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança deverão continuar a ser competentes até ser determinada uma nova residência habitual noutro Estado-Membro e serem preenchidas certas condições específicas. Os Estados-Membros que procederam à concentração da competência jurisdicional deverão ponderar a possibilidade de permitir que o tribunal onde foi apresentado o pedido de regresso ao abrigo da Convenção da Haia de 1980, exerça também a competência acordada ou aceite pelas partes nos termos do presente regulamento em matéria de responsabilidade parental, no caso de as partes chegarem a acordo no decurso do processo de regresso. Esses acordos deverão incluir acordos tanto sobre o regresso como sobre o não regresso da criança. Acordado o não regresso, a criança deverá permanecer no Estado-Membro da nova residência habitual, e a competência em caso de qualquer futuro processo relativo à guarda da criança deverá ser determinada em função da nova residência habitual da criança. O art.2.º n.º 9 do regulamento define «Direito de guarda»: compreende os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência. Por seu turno, no art.º 2.º n.º 11 define-se «Deslocação ou retenção ilícitas»: a deslocação ou a retenção de uma criança, quando: a) viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor nos termos do direito do Estado-Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção; e b) no momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efetivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. A interpretação daquele art.º 2.º n.º 2 não deve deixar de levar em conta o disposto no considerando 18), relativa ao direito de guarda, com relevância no caso dos autos. Nos termos do art.º 7.º n.º 1 do regulamento “Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo é instaurado no tribunal.”, e o n.º 2 do mesmo artigo esclarece “O n.º 1 do presente artigo é aplicável sob reserva dos artigos 8.º a 10.º”, donde se impõe concluir que, em matéria de responsabilidades parentais, por regra, são competentes os tribunais do Estado-Membro em que a criança resida habitualmente à data da instauração do processo, caso não tenham aplicação os arts. 8.º a 10.º, dos quais resultam normas especiais que afastam aquela regra geral. Assim, a regra geral cede nos casos de “Prolongamento da competência quanto ao direito de visita” previstos no art.8.º e desde logo na situação prevista no seu n.º 1 - Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado-Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança mantêm, em derrogação do artigo 7.o, a sua competência, durante três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão sobre o direito de visita proferida nesse Estado-Membro antes da deslocação da criança se a pessoa a quem foi reconhecido o direito de visita pela decisão continuar a residir habitualmente no Estado-Membro da anterior residência habitual da criança., caso em que, havendo uma deslocação legal, não obstante a residência habitual ser agora noutro Estado-Membro, o Estado-Membro da residência habitual anterior vê prolongada a sua competência por certo período de tempo, a menos que o titular do direito de visita tenha aceitado a competência dos tribunais do Estado Membro da nova residência habitual (n.º 2 do mesmo artigo). E o art.º 9.º estabelece as regras de Competência em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, nos seguintes termos: “Sem prejuízo do artigo 10.º em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro e: a) Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção; ou b) A criança ter estado a residir nesse outro Estado-Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições: i) não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso junto das autoridades competentes do Estado-Membro para onde a criança foi deslocada ou onde se encontra retida ii) o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado qualquer novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i); iii) o pedido de regresso apresentado pelo titular do direito de guarda ter sido indeferido por um tribunal de um Estado-Membro com base em motivos diferentes dos previstos no artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b), ou no artigo 13.o, segundo parágrafo, da Convenção da Haia de 1980, e essa decisão já não ser suscetível de recurso ordinário. iv) não tiver sido instaurado um processo em qualquer tribunal, como referido no artigo 29.º, n.ºs 3 e 5, no Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas; v)os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre o direito de guarda que não determine o regresso da criança; O disposto nesse artigo 9.º só se aplica se não tiver aplicação o art.º 10.º, em face da expressa referência que do primeiro consta “Sem prejuízo do artigo 10.º”. Este artigo 10.º atribui a competência ao Estado-Membro no caso de as partes acordarem sobre a competência e desde que verificadas as demais circunstâncias nesse artigo previstas, o que, em face do que consta dos autos, não tem aplicação ao caso sub judice e, por isso, dispensa maiores considerações. E o art.º 11.º estabelece, digamos, a regra em caso de não ser determinada a residência habitual “Se não puder ser determinada a residência habitual da criança nem for possível determinar a competência com base no artigo 10.º, são competentes os tribunais do Estado-Membro em que se encontra a criança.”. Das normas acima transcritas resulta que a lei estabelece o critério regra, as exceções e contra exceções, pelo que, a determinação do tribunal competente só se pode obter da análise desse encadeamento normativo, pelo que, não nos podemos ater somente ao art.7.º, que contempla o critério determinante atribuindo a competência aos tribunais do Estado Membro da residência habitual da criança. E já se viu que nas situações de deslocação (e retenção) quer lícita quer ilícita da criança entre Estados-Membros, aplicam-se as regras especiais previstas para tais particulares situações. No caso dos autos interessa, pois, em particular o art.º 9.º acima transcrito, posto que a decisão recorrida considerou estarem os menores retidos ilicitamente em Portugal, e, por tal razão, entendeu que a competência ao abrigo do regulamento cabia ao tribunal italiano que já havia regulado primeiramente as responsabilidades parentais, sendo que é em tal país que as crianças têm residência habitual antes da retenção ilícita, ou seja, aplicou ao caso o art.º 9.º. A recorrente no presente recurso, quanto à retenção ilícita limita-se a alegar que a sentença do tribunal italiano confiou os menores à mãe e com residência com ela, mas nada acrescenta quanto à questão, que como se verá infra, é essencial, qual seja a de saber se tal sentença conferiu à mãe o poder de decidir sozinha - sem necessidade de intervenção/consentimento do pai - sobre a residência dos menores. Assim, é pressuposto decisório saber se no caso se prefigura uma situação de retenção ilícita das crianças, posto que necessário para a determinação da(s) norma(s) aplicáveis do citado regulamento. Os elementos de que dispomos são, cremos, suficientes para cumprir tal desiderato. Já acima se alertou, quer por via da transcrição do considerando 18), quer por via da definição do regulamento quanto ao “direito de guarda”, que o mesmo tem um conteúdo específico e pode não corresponder, nem a nosso ver corresponde, exatamente, àquilo que se podia mais empiricamente a ele associar. É que, afigura-se-nos impressivo, que nos termos do regulamento (e levando aqui em muito boa conta o teor do considerando 18)) o direito de guarda – independentemente da terminologia que haja sido usada quer num acordo quer mesmo por uma decisão de um tribunal – na interpretação que a nosso ver se impõe, é conferido também àquele cujo consentimento seja necessário para decidir sobre o lugar de residência da criança, ainda que o exercício das responsabilidades parentais tout court esteja atribuído v.g. a outra pessoa, em regra, ao outro progenitor. Ou dito de outra forma, independentemente da terminologia usada na regulação concreta das responsabilidades parentais (v.g. guarda, confiança, custódia), se o lugar da residência da criança não pode ser decidido sem o consentimento de certa pessoa (progenitor ou não), então, essa pessoa para os fins do regulamento tem um direito de guarda. É o que resulta de elucidativo daquele considerando 18). Se o titular das responsabilidades parentais não poder decidir sozinho sobre a residência da criança, sem obter consentimento de outra pessoa, deve entender-se que esta pessoa tem um direito de guarda. E tendo um direito de guarda, já se antevê a sua relevância, por exemplo, em situações de deslocação da criança entre Estados-Membros. Veja-se que a definição legal de direito de guarda enfatiza o direito de decidir sobre o lugar da residência. É esta a pedra de toque, posto que, como é sabido o regulamento visou melhorar aspetos do anterior Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho, justamente, no que concerne à deslocação ilícita de crianças e procedimentos para o subsequente retorno. É, pois, absolutamente compreensível a relevância dada à residência e importância de saber se o direito de guarda engloba a possibilidade de o progenitor guardião decidir sozinho sobre o local de residência da criança, posto que o regulamento visa estabelecer regras uniformes entre os Estados-Membros, quando há um elemento internacional, em situações, portanto, de contacto, pelo menos, com dois Estados-Membros, e a regulação das responsabilidades parentais pressupõe, outrossim, a não convivência marital ou em situação análoga dos progenitores (para referir apenas as situações mais comuns), pelo que, assume particular importância a fixação da residência do menor e grande parte das “entropias” relativamente ao exercício das responsabilidades parentais prendem-se com a fixação de residência ou alteração da residência dos menores, mormente, quando há, por fatores diversos, contacto com mais do que um Estado-Membro. Com relevância, face ao que se acabou de dizer, embora no âmbito do anterior regulamento, escrevia Maria dos Prazeres Beleza, no artigo “Jurisprudência sobre Rapto Internacional de Crianças”: “Interessa ainda reter que, para o efeito que agora interessa, para se considerar conjunta ou não a guarda, cumpre saber se é ou não necessário o consentimento de ambos os progenitores para “decidir sobre o local de residência da criança” (ponto 11., b), in fine) e o local de residência da criança” (ponto 11., b), in fine). É pois a protecção do poder-dever de guarda ou custódia da criança que está em causa — e não o regime de visitas eventualmente estabelecido para o progenitor que não resida com a criança, que efectivamente poderá ser igualmente infringido em resultado de deslocação ou retenção da criança por parte do progenitor guardião — cfr., nomeadamente, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de Abril de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 180/05.9TMMTS-B.P1. (…) Averiguar da ilicitude da deslocação ou retenção de uma criança, alegada como fundamento do pedido de regresso apresentado nos tribunais portugueses, reconduz-se normalmente a determinar se aquele que deslocou a criança para Portugal tinha o poder de, por si só, decidir sobre o respectivo local de residência, ou se a deslocação ou retenção foi ou não efectuada com o acordo ou com o consentimento do titular (ou co-titular) desse poder. (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2010, www.dgsi.pt, proc. n.º 786/09.7T2OBR-A.C1). Assim, entende-se uniformemente que existirá rapto se, tendo de ser decidido por ambos os progenitores o local de residência da criança, por assim resultar do regime de exercício das responsabilidades parentais aplicável, a deslocação ou retenção tiver resultado apenas da vontade de um deles, sem consentimento do outro — acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2010, www.dgsi.pt, proc. n.º 786/09.7T2OBR-A.C1, acabado de citar, do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Fevereiro de 2012, www.dgsi.pt 3380/11.9TBCSC.L1-8 (no caso, segundo a Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980), ou da Relação de Lisboa de 26 de Junho de 2012, www.dgsi.pt, proc. n.º 1534/11.7TMLSB-A.L1-7. Deve, pois, considerar-se “questão de particular importância” para a vida da criança a determinação do Estado de residência e, em particular, “a mudança de residência quando é feita para país diferente daquele em que vive”, exigindo-se o acordo de ambos os progenitores, se esse acordo for necessário no regime que vigore para o exercício das responsabilidades parentais (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2010, www.dgsi.pt, proc. n.º 786/09.7T2OBR-A.C1). Não constituirá pois deslocação ilícita, no sentido do artigo 2.º, n.º 11, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, a deslocação da criança para outro Estado pelo progenitor titular único do direito de guarda, como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Abril de 2013 e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que se lhe seguiu, de 19 de Outubro de 2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, como proc. n.º 1211/08.6TBAND-A.C1 e 1211/08.6TBAND-A.C1.S1. No caso, a questão da licitude da deslocação foi suscitada a propósito da averiguação da competência internacional dos tribunais portugueses, para conhecer de um pedido de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, sendo certo que a competência dependia de se poder considerar que se situava em Portugal a residência habitual da criança, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 8.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, e que a criança tinha sido levada de Portugal para outro Estado. A decisão foi no sentido da incompetência dos tribunais portugueses. (…) 19. Seria seguramente diferente a conclusão, se a deslocação tivesse sido considerada ilícita, à luz do Regulamento. Com efeito, em caso de deslocação ou retenção ilícitas, mantém-se a competência do tribunal da residência habitual da criança, nos termos e nas condições previstas no artigo 10.º respectivo, para julgar as questões relativas ao exercício das responsabilidades parentais (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Julho de 2007, www.dgsi.pt, proc. 18787/11.3T2SNT.J1-7). Acessível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/09/04-MP-Beleza-Jurisprud%C3%AAncia-rapto-internacional.pdf. Assim sendo, cumpre aferir, no caso concreto, se o pai dos menores tinha um direito de guarda, para, em seguida, concluir (ou não) pela sua violação, sabido que os menores residiam até junho de 2023 em Itália, onde, também, residiam ambos os progenitores e continua a residir o pai dos menores; e, em junho de 2023, a requerida, como a mesma alega, trouxe os menores para Portugal ao abrigo de uma visita autorizada pelo pai, o que significa que essa vinda dos menores a Portugal era uma estadia temporária, finda a qual os menores haveriam de regressar a Itália, nada havendo, nem sequer alegado foi, que permita dizer que o pai autorizou que os menores passassem a aqui residir. Aliás, no documento junto com a p.i. e que corresponde à dita autorização do pai dos menores, consta a data de regresso a Itália, em 19 de julho de 2023, o que permite com segurança concluir que era uma autorização temporária, em conformidade com o que a requerente alegou de que a visita foi autorizada pelo pai dos menores, o que, se mais não houvesse, indicia já que o consentimento do mesmo era necessário para a saída dos menores de Itália. E podia a mãe, sem consentimento do pai, decidir da residência dos menores? Na decisão recorrida empreendeu-se o seguinte raciocínio “Ora, do que decorre do requerimento inicial o Pai apenas terá dado o seu consentimento para a vinda a Portugal em férias, inexistindo qualquer indicação (e muito menos prova) de que terá dado o seu consentimento à alteração da residência das Crianças para Portugal. Aliás, tal pedido terá sido formulado junto do tribunal Italiano e foi recusado na medida em que tal alteração importaria o afastamento com o Pai e colocaria em risco os laços afetivos entre o Pai e as Crianças.” Efetivamente, nos termos da decisão do Tribunal Italiano que regulou o exercício das responsabilidades parentais, os menores foram confiados à mãe e com residência preferencial com a mãe. Mas daí não decorre que a fixação dessa residência com a mãe signifique que esta por si e sem qualquer consentimento do pai, possa doravante alterar a dita residência – à altura, sendo a sentença italiana de 31 de janeiro de 2023 – em Itália e fixar a residência dos menores no estrageiro, concretamente em Portugal, por forma a concluir que o pai não tem qualquer direito de guarda, na aceção que este direito reveste no citado regulamento. É que, resulta da mesma decisão do tribunal italiano, tal como mencionado na decisão recorrida, que a ora requerente requereu no âmbito desse processo que regulou as responsabilidades parentais em Itália, autorização para transferência para o estrangeiro com os menores. Esse pedido foi negado por ter sido considerado prejudicial para os menores por determinar a cessação dos contactos frequentes com o pai e por decorrer um desenraizamento do seu lugar de residência habitual. Por outro lado, consta da mesma sentença do tribunal italiano, na parte atinente à motivação, o seguinte: E de facto, o art.º 337.º quater do Código Civil italiano dispõe: ((Affidamento a un solo genitore e opposizione all'affidamento condiviso)) ((Il giudice puo' disporre l'affidamento dei figli ad uno solo dei genitori qualora ritenga con provvedimento motivato che l'affidamento all'altro sia contrario all'interesse del minore. Ciascuno dei genitori puo', in qualsiasi momento, chiedere l'affidamento esclusivo quando sussistono le condizioni indicate al primo comma. Il giudice, se accoglie la domanda, dispone l'affidamento esclusivo al genitore istante, facendo salvi, per quanto possibile, i diritti del minore previsti dal primo comma dell'articolo 337-ter. Se la domanda risulta manifestamente infondata, il giudice puo' considerare il comportamento del genitore istante ai fini della determinazione dei provvedimenti da adottare nell'interesse dei figli, rimanendo ferma l'applicazione dell'articolo 96 del codice di procedura civile. Il genitore cui sono affidati i figli in via esclusiva, salva diversa disposizione del giudice, ha l'esercizio esclusivo della responsabilita' genitoriale su di essi; egli deve attenersi alle condizioni determinate dal giudice. Salvo che non sia diversamente stabilito, le decisioni di maggiore interesse per i figli sono adottate da entrambi i genitori. Il genitore cui i figli non sono affidati ha il diritto ed il dovere di vigilare sulla loro istruzione ed educazione e puo' ricorrere al giudice quando ritenga che siano state assunte decisioni pregiudizievoli al loro interesse.)) (sublinhado nosso) Assim, face ao que se estabelece no citado artigo 337.º quater do Código Civil Italiano, expressamente referido na sentença do tribunal de Verona, que, nesse particular, o reproduz no seu essencial, a lei permite que a custódia seja atribuída em exclusivo a um dos pais e, nesse caso, esse progenitor tem o exercício exclusivo da responsabilidade parental, mas, salvo decisão em contrário, as decisões de maior interesse para as crianças devem ser tomadas por ambos os pais. Essas decisões de maior interesse incluem a decisão sobre a residência dos filhos e, se dúvidas houvessem, ter-se-iam por afastadas já que o art.º 337.º ter do Código Civil Italiano, enumera o tipo de decisões de maior interesse referenciando-as à instrução e educação, saúde, e escolha da residência habitual do menor (Le decisioni di maggiore interesse per i figli relative all'istruzione, all'educazione, alla salute e alla scelta della residenza abituale del minore sono assunte di comune acordo.). A este respeito, com interesse, embora por referência ao anterior regulamento mas que colhe de igual forma no domínio do regulamento aqui aplicável, Ac. STJ de 2.2.2023 (Graça Trigo) com o seguinte sumário “I. De acordo com a jurisprudência do TJUE, em conformidade com a definição de «deslocação ou retenção ilícitas de uma criança» (art.º 2.º, n.º 11, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27/11, e art.º 3.º da Convenção de Haia de 1980), a legalidade de uma deslocação ou retenção é apreciada em função dos direitos de guarda atribuídos nos termos do direito do Estado‑Membro da residência habitual da criança antes da sua deslocação ou retenção. II. No caso dos autos, de acordo com o direito espanhol, que corresponde ao direito do Estado-membro no qual a criança tinha a sua residência habitual antes da sua deslocação, a transferência da residência do menor dependia do consentimento expresso ou tácito dos seus dois progenitores, salvo se houvesse decisão judicial que autorizasse a progenitora a deslocar o menor. III. Concluindo-se que a deslocação do menor para Portugal foi uma deslocação ilícita, é aplicável o disposto no art.º 10.º do Regulamento n.º 2201/2003, de acordo com o qual os tribunais do Estado-Membro, onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ilícita, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro, desde que, simultaneamente, se verifique alguma das condições previstas na al. a) ou na al. b) do mesmo artigo. IV. Assim, segundo a interpretação dos arts. 8.º e 10.º do Regulamento n.º 2201/2003 realizada pelo TJUE, e ainda que se entendesse, por aplicação da regra geral constante do artigo 8.º, n.º 1, que o menor tinha adquirido uma nova residência habitual em Portugal, os tribunais portugueses apenas poderiam declarar-se internacionalmente competentes se uma das condições alternativas enunciadas neste art.º 10.º, alíneas a) ou b) estivesse igualmente preenchida, o que não sucede no caso dos autos.” Desta feita, nada tendo o tribunal italiano estabelecido em contrário na sentença que regulou as responsabilidades parentais quanto às questões de maior interesse relativas aos filhos, tais questões, em conformidade com a lei italiana, são tomadas por ambos os pais, pelo que se impõe concluir que a requerente, embora os menores lhe tenham sido confiados e com residência junto de si, não pode decidir sozinha sobre o local de residência dos menores, concretamente, que esse local de residência possa ser no estrangeiro, e passe a ser em Portugal. E, se assim é, ao vir para Portugal e cá se fixar com os menores, não tencionando regressar como a mesma confessa, o que desrespeita, ademais, a decisão do tribunal italiano que lhe negou tal autorização e, embora a deslocação do menores tenha sido lícita, a sua permanência em território nacional, correspondente à retenção dos menores neste território, e é ilícita porque, à luz do regulamento, haverá de se considerar que o pai tem um direito de guarda o qual está a ser violado a partir do altura em que os menores não retornaram, por decisão unilateral da requerente, à Itália, país da sua residência habitual antes da deslocação (por aí terem o seu centro de vida, como se extrai claramente do que é dito na sentença italiana, sobretudo para recusar o pedido de transferência dos menores para o estrangeiro). E nada permite afirmar que esse direito de guarda não fosse exercido, o que, aliás, é desmentido face à autorização passada pelo pai para os menores se deslocarem a Portugal no concreto período acima já mencionado. E, à data em que este processo foi instaurado, 7.11.2023, os menores estavam em Portugal havia apenas cerca de 4 meses. Por conseguinte, ocorrendo uma situação que se deve qualificar como de retenção ilícita, rege o art.º 9.º do Regulamento, e os tribunais de Itália continuam a ser competentes até a criança passar a ter residência habitual noutro estado membro, e desde que se verifica alguma das condições previstas nas alíneas a) e b) desse mesmo art.º 9.º, ou seja, que o titular do direito de guarda dê o seu consentimento à retenção, ou que a criança esteja a residir no novo Estado-Membro há, pelo menos, um ano após a data em que o titular do direito de guarda (titular do direito de guarda, note-se, em conformidade com o antes dito, por lhe pertencer também a ele a escolha/decisão sobre o local de residência da criança) tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança. No caso concreto não se verifica nenhuma dessas condições o que dispensa a análise das sub-condições ainda previstas na al. b) do art.º 9.º do regulamento. Das regras de competência estabelecidas no Regulamento EU 2019/1111 – que, relembre-se, é relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças – e, como é logo anunciado no seu considerando 22 (Em caso de deslocação ou retenção ilícita de uma criança (…), os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança deverão continuar a ser competentes até ser determinada uma nova residência habitual noutro Estado-Membro e serem preenchidas certas condições específicas), já acima transcrito, resulta que as situações de deslocação e retenção ilícita de crianças, determinam a manutenção da competência dos tribunais da residência habitual antes da deslocação, e que tal regra só é afastada mediante o estabelecimento de diversas condições especificas, pelo que, se trata, ainda e, também, de desincentivar tais práticas ilícitas, quando e se associadas à intenção do agente se eximir à competência do tribunal da residência habitual da criança. Em conclusão, a decisão recorrida ao aplicar o art.9.º do regulamento (EU) 2019/1111 e concluir pela incompetência internacional dos tribunais portugueses, fez correta interpretação da lei e deve ser mantida. III- Decisão: Pelo exposto, acordam os juízes da 8.ª Secção Cível, em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 22.10.2024 Fátima Viegas Carla Figueiredo Maria do Céu Silva |